A diplomacia bolsolavista no contexto mundial e comparada aos antecedentes lulopetistas: um depoimento pessoal
Paulo Roberto de Almeida
Entrevista para estudantes da Pós-graduação em Economia da FEA-USP – EPEP
e para membros do LAI - Laboratório de Análise Internacional Bertha Lutz, IRI-USP. Texto de apoio a mentoria, em 28/05/2021; EPEP-FEA-USP.
Perguntas do EPEP-FEA-USP e respostas de Paulo Roberto de Almeida (PRA):
1. A gestão do Ernesto Araújo frente ao Itamaraty, como o senhor bem coloca em seus textos, foi desastrosa para a imagem do Brasil no exterior. Com esse novo chanceler, o Carlos França, parece que o governo brasileiro está tentando reduzir alguns atritos construídos da gestão anterior. Quais o senhor diria que são os caminhos para a reconstrução da imagem brasileira pós-Ernesto Araújo? O que o Itamaraty pode fazer agora para amenizar a condição de “pária internacional” do Brasil? (possivelmente: uma saída de Bolsonaro é condição necessária para isso?)
PRA: Como um dos poucos diplomatas da ativa – talvez o único – a ter oferecido resistência aos despautérios perpetrados contra a nossa política externa por essa coisa horrorosa e disfuncional que eu chamei de bolsolavismo diplomático, recebi diversas demandas de jornalistas tão pronto o desequilibrado chanceler acidental foi, finalmente, afastado da direção do Itamaraty, em 29 de março de 2021, depois de dois anos e três meses de sua obra nefasta de demolição da diplomacia profissional. Todos os jornalistas formulavam a mesma pergunta: o que se poderia esperar de “diferente” na nova gestão, comparada à do seu esquizofrênico antecessor.
Eu imediatamente argumentei que “nada” haveria a esperar de “diferente” no Itamaraty, e sim a continuidade do que sempre tinha sido a nossa ferramenta e ação diplomáticas. Diferente havia sido, sim, e com um imenso grau de potencial destrutivo, a inacreditável não-gestão da Casa de Rio Branco pelo vergonhoso capacho do guru presidencial (o Rasputin de Subúrbio) e da família Bolsonaro, numa cadeira na qual ele nunca deveria ter se sentado. À nova gestão bastaria ser exatamente igual ao que sempre foi o Itamaraty, ou seja, nada de diferente do que sempre fizemos, nós os diplomatas profissionais, na condução das relações internacionais do Brasil, na agenda externa do país e na excelência dos serviços diplomáticos que sempre soubemos prestar à nação.
(...)
As perguntas adicionais são estas:
2. O Itamaraty sempre foi considerado uma das instituições de Estado mais respeitáveis e idôneas do Brasil. Que tenha havido um ponto fora da curva dentro do Ministério como o Ernesto Araújo pode causar estranho, mas não é estatisticamente significante. O que causa espanto, porém, é que parece que ele conseguiu cooptar (ou sequestrar, como o senhor usa no título do seu livro) o Itamaraty para o projeto bolsolavista do governo. Como isso foi possível? O senhor acha que houve conivência interna suficiente?
3. Embora o senhor tenha se tornado amplamente conhecido por opor-se à política externa de Bolsonaro, sabemos que também foi bastante crítico da diplomacia sob os governos do PT. Qual é a sua visão hoje, com algum distanciamento temporal, sobre a política externa de Lula e Dilma? Sua opinião mudou desde que o PT saiu do poder?
4. O senhor é muito vocal nas suas opiniões, muitas vezes críticas às direções tomadas na política externa brasileira. No Itamaraty, qual é a extensão da liberdade de expressão que os ‘soldados de terno’ têm? Diplomatas podem criticar livremente o comando do MRE? Na sua percepção, isso mudou sob Bolsonaro?
5. Em 28 de junho de 2019 foi assinado o tratado de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul. Entretanto, ele ainda precisa ser ratificado no âmbito econômico pelos congressos nacionais dos países sul-americanos e pelo Parlamento Europeu. Este processo tem sido dificultado pela repercussão dos escândalos ambientais recentes dos países do Mercosul, especialmente o Brasil, e pela resistência de representantes dos setores agrícolas de alguns países europeus, como os da França. Qual é a expectativa de que esse acordo seja posto em prática por ora?
6. O Itamaraty é muito conhecido por grandes nomes do seu pensamento diplomático. Figuras como Rio Branco, San Tiago Dantas e Oswaldo Aranha deram à política externa brasileira um conjunto de ideias para - como você mesmo escreveu - “sustentar-lhe as ações”. Como o senhor vê o pensamento diplomático brasileiro hoje em dia? Quais contribuições o Itamaraty tem trazido para esse campo nos últimos anos?
7. Nos últimos 20, 30 anos, exceção feita aos últimos três, algumas pautas foram constantes na diplomacia nacional. A reforma do conselho de segurança da ONU, bem como a integração latino-americana e a afirmação da multipolaridade marcaram a condução da política externa brasileira - ainda que com variações importantes entre governos distintos. Em sua visão, qual o futuro dessas pautas para a agenda do MRE?
8. Teoricamente, política externa deve ser uma política de Estado. Entretanto - e o senhor tem sido bastante crítico disso em diversas instâncias -, ela muitas vezes acaba sendo cooptada para interesses políticos internos, tornando-se muito mais uma política de governo. Como impedir que, nas mãos de governantes eleitos e que buscam agradar sua base, a política externa seja “sequestrada” como política de governo?
9. Muitos dentre nós pensam em tentar seguir carreira diplomática. Que dica o senhor daria para universitários que querem perseguir esse caminho?
10. Um conceito bastante em voga nas relações internacionais é o de “armadilha de Tucídides”, do Graham Allison. Segundo ele - puxando o exemplo da Guerra do Peloponeso entre Esparta e Atenas, analisado pelo historiador grego Tucídides -, o crescimento de uma nova potência em ascensão sempre irá criar tensões com uma velha potência estabelecida, a ponto de irem à guerra. Esse conceito é muito usado para analisar as relações conflituosas entre EUA e China, sugerindo que um conflito armado seria inevitável. Na sua opinião, os EUA e a China, na condição de potências concorrentes, estão fadados a uma escalada nas suas relações conflituosas, levando, por exemplo, à guerra?
11. Desde o governo Sarney, a integração econômica latino-americana esteve entre as prioridades da diplomacia brasileira. Esse tema perdeu relevância não só no Brasil, como também em outros países historicamente defensores do Mercosul. Qual é a sua opinião, enquanto diplomata, sobre o futuro da integração regional?
Ler a íntegra das respostas às perguntas acima, neste link da plataforma Academia.edu: