Cada um comemora como sabe ou com o que tem. Suponho que entre os cinco países oficialmente membros, e na sua sede administrativa grandes fogos de artifício estejam sendo lançados para comemorar devidamente o primeiro quarto de século do Mercosul.
Como eu, de certa forma, assisti ao seu nascimento, ajudei a trocar suas fraldas e até dei uma ou outra mamadeira integracionista -- negociando o Protocolo de Brasília sobre Solução de Controvérsias, por exemplo -- penso que tenho algo a dizer, e por isso perpetrei essa biografia não-autorizada sobre o Mercosul.
Não autorizada porque não sabia a quem me dirigir para falar com o Mercosul.. Se eu quisesse telefonar para a pessoa responsável, confesso que não saberia dizer quem responde pelo estado atual do bloco (ou seu não-estado atual). Por isso, segue esse texto com impressões puramente subjetivas sobre sua formação e desenvolvimento, sua situação atual, até suas (ou falta de?) perspectivas futuras.
Ainda não nasceu o político que vai acabar com o Mercosul, nem acho que deveria. Ele vai continuar se arrastando no futuro próximo e não sei por quantas décadas mais...
Meus parabéns, mesmo assim.
Não vou estar nas festividades para soprar velinhas, mas desejo felicidades e um brilhante futuro (se algum...).
Paulo Roberto de Almeida
O Mercosul aos 25 anos: minibiografia não autorizada
Paulo Roberto de Almeida
O Mercosul, Mercado Comum do Sul foi criado em 26 de março de 1991,
sob a forma de um tratado quadrilateral, assinado em Assunção (TA), como
desdobramento do processo de integração iniciado alguns anos antes entre Brasil
e Argentina, para constituir-se, com a adjunção do Paraguai e do Uruguai, como
um bloco comercial coeso, com pretensões a adotar o formato de um mercado
comum. Na visão dos “pais fundadores”, o processo deveria evoluir para formas
mais avançadas de organização econômica, política e social, até alcançar, na parte
meridional da América do Sul – e teoricamente também, a termo, no conjunto da
região – um status talvez equivalente
ao adquirido, paulatinamente, pela União Europeia, qual seja, um espaço
econômico plenamente integrado, com total liberdade para o deslocamento de
fatores produtivos e uma razoável coordenação econômica (o que, no caso
europeu, assumiu a forma de uma união política e econômica, com uma moeda comum
para muitos dos seus membros).
A consolidação da integração comercial no Cone Sul deveria ser
seguida, de forma subsequente ou simultaneamente, pela unificação ou
harmonização dos regimes sociais e das peculiaridades nacionais e regionais,
para, finalmente, alcançar a desejada concertação política e diplomática (como
vinha ocorrendo na Europa ocidental desde
alguns anos), o que implicaria, inclusive ou potencialmente, lograr uma
expressão comum no plano externo: defesa e segurança, política externa,
negociações multilaterais e, a termo, uma possível moeda comum. Passados 25
anos desde a formatação inicial desses objetivos ambiciosos, qual é a situação
real do Mercosul?
Não se pode dizer que o Mercosul conseguiu realizar sequer a
metade, ou pelo menos um terço, do que está estipulado no artigo primeiro do TA:
um mercado comum, ou seja, o livre comércio entre os membros plenamente
realizado, com todas as barreiras tarifárias e não-tarifárias eliminadas
reciprocamente, com a definição e implementação de uma política comercial comum
(isto é, uma Tarifa Externa Comum totalmente operacional), e a anunciada
coordenação das políticas macroeconômicas e setoriais e a harmonização das
demais medidas definidoras de um verdadeiro mercado comum. Qual balanço pode
ser feito do itinerário do Mercosul no primeiro quarto de século de sua
existência? Poderá ele alcançar, como a atual UE, seu primeiro meio século, em 2041?
Mesmo considerando apenas a fase inicial de integração econômica –
qual seja, a constituição de uma zona de livre comércio, seguida da definição
técnica de uma tarifa externa comum, o que redundaria numa união aduaneira – e
seu desdobramento lógico na criação de um mercado comum (aliás, determinado
“constitucionalmente”), pode-se dizer que tais objetivos – que já eram os do
processo bilateral de cooperação e de integração, iniciado em 1986 por Brasil e
Argentina – não foram logrados. Com efeito, deve-se reconhecer que, passados 25
anos de percalços integracionistas, o Mercosul não conseguiu cumprir as metas
estabelecidas no TA, nem parece perto de realizá-las no futuro previsível. Ao
longo dessas duas décadas e meia, mas bem mais enfaticamente no curso dos
últimos treze anos, o Mercosul parece ter se afastado de seus objetivos
comercialistas e econômicos iniciais, aliás consagrados no tratado
constitutivo, para converter-se num agrupamento político dotado de interesses
muito diversificados, mas todos eles com escassa relevância no plano regional
ou no contexto internacional.
Teria falhado, então, o Mercosul? Em termos: as falhas e
insuficiências do processo podem ser debitadas inteiramente aos países membros,
que parecem ter abandonado – ao menos os seus dois membros economicamente
relevantes, Brasil e Argentina – o objetivo fixado no TA, de um mercado comum
regional, para contentar-se com a liberalização parcial do comércio recíproco e
fixar-se no desenvolvimento da cooperação política e social, sem um conteúdo
econômico mais afirmado. Tampouco se poderia dizer que o bloco foi afetado por
um suposto “déficit democrático”, ou por deficiências institucionais em seu
arcabouço jurídico, sendo, ao contrário, bem mais evidentes as inadimplências
nacionais em implementar decisões e resoluções conjuntas, bem como a
divergência de intenções políticas entre os países membros quanto aos objetivos
mediatos e imediatos a serem perseguidos. A despeito da retórica presidencial
sempre afirmada quanto à unidade de vistas entre os membros, não se pode dizer,
de fato, que os objetivos nacionais quanto à utilidade ou funcionalidade do Mercosul
para cada uma das economias e sociedades sejam realmente convergentes.
As dificuldades para a consolidação ou avanço do Mercosul podem
ser creditadas a dois fatores de amplo escopo: de um lado, instabilidades
conjunturais no plano econômico (em diferentes formatos segundo os países), com
planos parciais ou insuficientes de ajustes; de outro, o recuo conceitual dos
projetos de construção de um espaço econômico integrado na região, com abandono
relativo da liberalização comercial recíproca e ênfase subsequente nos aspectos
puramente políticos ou sociais da “integração”.
Quaisquer que sejam os pesos relativos desses dois conjuntos de fatores
e seus efeitos concretos sobre as intenções proclamadas e as ações efetivas dos
países membros do Mercosul – e os impactos variam muito em função dos países
envolvidos – cabe registrar o abandono (não reconhecido pelos membros) do
projeto original de se caminhar para instituições orgânicas mais consentâneas
com o formato de um mercado comum, em favor de instâncias seletivas de
cooperação política setorial que vêm moldando um novo perfil para o Mercosul,
até seu envolvimento num conjunto de áreas não delineadas no mandato econômico-comercial
do tratado fundacional.
Vejamos quais foram suas principais etapas, começando pela
formação e o desenvolvimento histórico inicial do bloco, seguida do itinerário
da liberalização comercial e da integração econômica, assim como das questões
institucionais e de funcionamento interno do bloco, em especial seu processo
decisório, terminando pelas perspectivas para o seu desenvolvimento futuro, o
que pode até implicar, teoricamente, uma revisão dos conceitos fundamentais do
Mercosul e a adequação de sua estrutura institucional a novos objetivos. O
processo de constituição do bloco começou pela aproximação das duas maiores
economias da região: Argentina e Brasil deram a partida, conduziram
politicamente sua formatação jurídica e continuam determinando, em todas as
circunstâncias, os traços fundamentais do processo de integração, seja no seu
formato institucional, na sua estrutura operacional e no conteúdo econômico
imprimido ao bloco ao longo de suas diversas fases. Os sucessos e os percalços
do bloco derivam, para o bem ou para o mal, das atitudes e decisões tomadas
pelos dois países, coordenadamente ou em total desarmonia entre si.
Depois de uma fase bilateral, durante a qual foram definidos os
objetivos essenciais do processo – primeiro a cooperação e a complementação
econômica, no Programa de Integração e Cooperação (1986), depois o projeto de
um mercado comum bilateral, pelo Tratado de Integração (1988) – passou-se à
etapa quadrilateral, quando se decidiu estender o mercado comum aos dois outros
vizinhos, sendo então adotado o Tratado de Assunção para a criação de um
mercado comum (1991). A historiografia corrente sobre o Mercosul não reconhece,
porém, a mudança fundamental que representou a passagem do modelo de
complementaridade gradualista encarnado nos dois primeiros instrumentos (e seus
diversos protocolos setoriais) para um modelo econômico liberal e
livre-cambista representado pelo TA. Entre as duas fases, pouca atenção se dá à
Ata de Buenos Aires (julho de 1990) que modificou substancialmente a
metodologia e a própria cronologia da constituição de um mercado comum
bilateral Brasil-Argentina.
A Ata representou a passagem de um esquema dirigista e
industrializante, como seguido até então, para outro de cunho mais
comercialista e liberalizante, mediante a criação calendarizada de um mercado
comum (mais exatamente em 01/01/1995), além de estabelecer mecanismos
automáticos de desgravação comercial bilateral. A rebaixa tarifária foi feita a
partir de uma redução inicial da metade das alíquotas normalmente aplicadas e à
razão de 7% a cada semestre, até chegar a 100% de preferência – ou “tarifa
zero” – ao final do período de transição, em 31 de dezembro de 1994, quando
também deveriam estar definidas uma Tarifa Externa Comum (TEC) e as instituições
permanentes do Mercosul. O TA, para ser mais preciso, é praticamente uma cópia ipsis litteris – com os ajustes
quadrilaterais que se impunham – da Ata de Buenos Aires, como é possível de ser
facilmente comprovado, mediante uma comparação visual de ambos os textos. O
relevante a ser destacado é a mudança de filosofia entre o Mercosul bilateral
pré-1990 e o Mercosul quadrilateral pós-1991, ainda que, para todos os efeitos
práticos, o aprofundamento do processo de integração regional não tenha
caminhado em direção dos objetivos fixados nesses dois instrumentos: um mercado
comum com liberalização comercial plena e coordenação das políticas
macroeconômicas e setoriais.
Quaisquer que tenham sido as imperfeições da fase de transição no
acabamento das tarefas indispensáveis ao atendimento dos objetivos do artigo 1o.
do TA, esta foi marcada pelo otimismo, tanto do lado comercial, quanto do lado
político. Foi nesse clima de quase euforia que se chegou a Ouro Preto, em
dezembro de 1994, não para a assinatura de um novo tratado, que poderia ter
sido o da criação efetiva de um mercado comum – com todos os requisitos do
gênero – ou pelo menos o de uma união aduaneira acabada, mas de um simples
protocolo, que confirmou os mecanismos e instituições existentes, com alguns poucos
acréscimos (como o de uma Comissão de Comércio) que não modificaram
fundamentalmente a natureza do processo de integração no Mercosul.
A segunda metade dos anos 1990 ainda viu o crescimento do comércio do
bloco. Mas este já estava imerso em graves desequilíbrios conjunturais, embora
de natureza diversa segundo os países. A Argentina tinha encontrado a
estabilização monetária por meio de um plano de conversibilidade – na verdade,
a rigidez absoluta na paridade fixa com o dólar – mas não reencontrou o caminho
da competitividade externa, acumulando déficits que foram sendo artificialmente
reprimidos pelo recrudescimento do protecionismo ou cobertos pelo recurso
excessivo a empréstimos externos, até o desenlace fatal, em 2001. Desde 1996, a
Argentina introduzia medidas restritivas das importações, inclusive no
comércio bilateral com o Brasil, que
era, aliás, o único país que lhe facultava superávits substantivos, geralmente
feitos de comércio administrado (petróleo, trigo e automóveis). Mas o Brasil
também acusava desequilíbrios crescentes nas transações correntes, contornados
por tentativas de controle do financiamento externo às importações ou por igual
apelo a capitais externos.
A crise final no regime econômico argentino, no entanto, só ocorreu mais
de um ano depois que o Brasil enfrentou o seu próprio inferno cambial,
acumulado desde a crise mexicana de 1994-95, as turbulências asiáticas de 1997,
situação exacerbada pela moratória russa de julho de 1998, obrigando-o a
concluir um rápido programa de socorro preventivo com o FMI, em outubro desse
ano, por um valor superior a US$ 40 bilhões. O instável arranjo não suportou,
entretanto, novas fugas de capitais e a ausência de ajustes internos, vindo a
termo em janeiro de 1999, quando o sistema de banda cambial saltou pelos ares:
a cotação do dólar disparou e o Brasil se viu obrigado a adotar um regime de
flutuação cambial, complementado pouco depois por um sistema de metas de
inflação. Na Argentina, o desenlace fatal ocorreu em dezembro de 2001, quando
seu governo impõe unilateralmente ao Brasil as novas regras pelas quais o país
platino pretendia conter o comércio bilateral. As exceções nacionais e as
divergências em relação à TEC se multiplicaram de todos os lados, com efeitos
imediatos, sobretudo sobre o pequeno Uruguai. O comércio regional despencou,
representando, em 2002, praticamente a metade do que ele tinha sido até 1999. Mesmo
se fluxos e valores foram sendo paulatinamente recompostos e elevados nos anos
seguintes, diversas outras restrições operacionais e divergências normativas
continuaram a vigorar, afastando ainda mais o Mercosul dos objetivos de
convergência macroeconômica e de unificação dos mercados estipulados no artigo
fundamental do TA.
O fato é que, para todos os efeitos práticos, a partir de 2003, o Mercosul
jamais voltou a ser o que era nos primeiros oito ou nove anos de sua existência
quadrilateral. Mesmo se a estagnação intermediária registrada no plano
comercial foi sendo superada aos poucos, em função da retomada do crescimento
na Argentina e nos demais países, a crise de 2001-2002 deixou marcas profundas
no estilo de governança econômica em vigor no país platino, levando a
retrocessos institucionais e ao enfraquecimento dos compromissos anteriormente
assumidos com a liberalização comercial e a abertura econômica. Para tanto
contribuíram a personalidade e as políticas adotadas pelo presidente argentino
Nestor Kirchner (2003-2008), tanto quanto as novas orientações de política
externa do governo brasileiro do presidente Lula (2003-2010), menos
comprometidos com as metas econômicas e comerciais do Mercosul, e bem mais
propenso a aceitar novos desvios para objetivos políticos e sociais
supostamente mais relevantes do ponto de vista de sua política externa
regional.
Os grandes responsáveis pelas novas orientações da política externa
regional do Brasil, em especial no que se refere ao Mercosul e às tentativas de
sua ampliação ou extensão ao espaço regional sul-americano, foram o assessor
especial do presidente Lula para assuntos internacionais – um militante que
durante muitos anos exerceu o cargo de secretário de relações internacionais do
Partido dos Trabalhadores (PT) – e o secretário-geral do Ministério das
Relações Exteriores no período 2003-2009, diplomata de carreira. Sobretudo,
este último, intimamente envolvido com a integração bilateral Brasil-Argentina
nos anos 1980 e opositor declarado do Mercosul em sua versão liberal dos anos
1990, empenhou-se desde o início em reverter o bloco às características que
este possuía na fase mercantilista e dirigista anterior à Ata de Buenos Aires e
ao TA.
O que ficou evidente, desde o início dos governos Lula e Kirchner, foi,
de um lado, a orientação protecionista e defensiva das políticas econômica e
comercial deste último, inclusive em detrimento da integração regional; de
outro, a leniência e a tolerância demonstrados por Lula, e por seus principais
assessores, a pretexto de preservação do bloco e da concessão de “espaços de
liberdade” para que a Argentina pudesse conduzir uma nunca completada “reindustrialização”.
De fato, o que ocorreu é que, em lugar de reforçar o bloco em suas dimensões
econômica e comercial, as posturas combinadas da Argentina e do Brasil
terminaram por fragilizar o bloco, no que se refere a seus objetivos
essenciais. No lugar de comércio ou abertura econômica, novas dimensões foram
sendo impulsionadas, sobretudo nos aspectos políticos e sociais. Pelo resto da
década, não ocorreu qualquer outro progresso institucional, a não ser a adoção,
quinze anos depois do prazo normal, do Código Aduaneiro do Mercosul, que
deveria estar em funcionamento desde o dia 1o de janeiro de 1995.
Estes são, basicamente, os mais importantes desenvolvimentos no
itinerário histórico do Mercosul. Mas caberia também referir-se, ainda que
brevemente, à inserção do bloco no contexto sul-americano e aos processos de
negociações regionais, bilaterais, hemisféricas ou multilaterais. Durante a
primeira fase, o Mercosul tentou acordos com os demais membros da Associação
Latino-Americana de Integração, sem grande sucesso, porém: uma proposta de se
constituir uma Área de Livre Comércio das Américas (Alcsa), feita pelo Brasil
em 1994, em resposta ao projeto americano de uma Área de Livre Comércio das Américas,
não encontrou respaldo nos demais países e, pelo resto da década, o Mercosul
negociou relutantemente a criação da área hemisférica, exibindo uma atitude que
era em geral de tergiversação, com táticas dilatórias. No contexto regional,
apenas dois países se associaram ao Mercosul, o Chile e a Bolívia, ambos em
1996, embora num formato de liberalização comercial parcial.
A partir de 2003, acordos parciais, no âmbito da Aladi, dotados de
muitas exceções, foram feitos com os demais vizinhos andinos, embora com
efeitos marginais sobre os fluxos de comércio. No intervalo, Brasil e Argentina
se empenhavam, com a ajuda entusiasta da Venezuela de Chávez, em sabotar as
negociações da Alca, o que foi conseguido na Cúpula das Américas de 2005,
quando o processo foi implodido, como aliás admitido orgulhosamente pelo presidente
e pelo chanceler do Brasil. Divergências entre Brasil e Argentina dificultaram,
porém, as posições que deveriam ser comuns nas negociações multilaterais da
Rodada Doha da OMC e nas bi-regionais com a União Europeia. Até a atualidade,
nenhum desses processos alcançou conclusões satisfatórias.
A única mudança institucional significativa ocorrida desde então foi a “plena
incorporação” da Venezuela ao bloco – aliás ilegal, nos próprios termos do TA,
e incompleta, pois que carente de qualquer adesão formal do país bolivariano
aos principais instrumentos normativos do Mercosul, notadamente a Tarifa
Externa Comum e outras regras básicas de política comercial –, depois de um longo
e sinuoso processo de negociações, desde 2005, sempre carentes de qualquer
resultado prático. Essa incorporação se deu no bojo da mais grave crise
política já ocorrida no Mercosul, que foi a “suspensão” do Paraguai das
reuniões do bloco, seguida imediatamente da “admissão plena” da Venezuela,
ambas realizadas na cúpula de Mendoza, em junho de 2012, medidas tomadas na
ausência e sem qualquer participação do próprio Paraguai. Outra questão
relevante no campo político-jurídico tem a ver com o sistema de solução de
controvérsias, ainda excessivamente politizado para servir efetivamente de
anteparo jurídico aos muitos descumprimentos que ocorrem pelas práticas dos
próprios Estados.
Os perigos para o Mercosul não estão exatamente na sua reversão ou na extinção
de fato – já que de direito não existem chances disso ocorrer, pois os mesmos
políticos que se recusam a fazer reformas, tampouco ousam reformar o
funcionamento do bloco. A perspectiva que se oferece se situa na sua
estagnação, ou seja, em lugar de perseguir os objetivos ainda não cumpridos – e
hoje, talvez, considerados “utópicos” – e de se esforçar por elevar padrões de
coordenação de políticas – senão macroeconômicas, pelo menos setoriais, ou
aquelas áreas de política fiscal, tributária e creditícia, por exemplo, que
mais afetam as políticas industriais –, os países acabam se conformando com a
zona de livre comércio incompleta que existe e com a contrafação de união
aduaneira em vigor. A reconstrução e a consolidação do Mercosul, para ser
efetiva, exigiria medidas corajosas, apontando na direção dos objetivos
originais, hoje totalmente negligenciados. Não é seguro que os dirigentes dos
países membros estejam dispostos a avançar por essa via; um novo Mercosul
talvez exija novas lideranças e um novo quadro mental.
O quadro apresenta um resumo do itinerário do Mercosul em suas
diferentes fases, tanto no plano econômico quanto no político e no das relações
externas.
Mercosul: as diferentes fases
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1986-1989
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1990-1994
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1995-1999
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1999-2002
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2003-2016
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Traços dominantes da fase
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Etapa inicial; construção gradual
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Ata de Buenos Aires; Tratado de Assunção
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Protocolo de Ouro Preto: mesmas metas
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Crise de confiança
Recuo geral
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Fins políticos; sem ênfase comercial
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Ênfase geral do período
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Protocolos setoriais bilaterais (Br.-Arg.)
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Zona de Livre Comércio Automática
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Completar a União Aduaneira (alinhar TEC)
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Superar impacto das crises econômicas
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Instituições políticas e sociais; pura retórica
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Relações comerciais
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Administrado e protocolos setoriais flexíveis
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Crescimento para dentro e expansão para fora
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Crescimento lento; desequilíbrios e resistências
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Diminuição geral dos fluxos de comércio
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Aumento de restrições internas (ilegais)
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Relações políticas
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Equilíbrio
absoluto entre Br.-Arg.; bom entendimento
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Instituições provisórias interestatais; ativismo
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Estabilidade das instâncias diretivas; burocracias
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Crise de
confiança Br.-Arg.: câmbio desalinhado
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Dificuldades nas relações Brasil-Arg.: tolerância Br.
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Moldura jurídica e
instituições
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Só bilateral: Tratado de Integração
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Provisórias; perfil interestatal
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Apresentação à OMC: lacunas na TEC
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Maquiagem via grupos de trabalho
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Adesão a foros sociais; criação do Parlamento
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Problemas e realizações
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Construção de confiança mútua bilateral
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Definição da Tarifa Externa Comum
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Associações ao bloco: Chile e Bolívia
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Evitou-se o desmanche; arranjos ad hoc
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Acordos regionais; Venezuela
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Crises e conflitos internos
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Baixo grau de liberalização comercial; dirigismo
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Dificuldades na convergência de políticas
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Aumento dos conflitos comerciais; controvérsias
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Necessidade de novo instrumento jurídico
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Cumprimento falho das normas: crise do Paraguai
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Perspectivas para cada etapa
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Superar as resistências setoriais; demandas por proteção
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Definir perfil institucional: supranacional ou interestatal
(papel Brasil)
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Consolidar a UA para poder avançar ao mercado comum
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Preservar o bloco e a confiança econômica externa
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Retomar os fundamentos do bloco: comércio, investimentos
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Concepção
e elaboração: Paulo Roberto de Almeida (2016)
|
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 26 de março de 2016