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terça-feira, 7 de janeiro de 2020

A Bolsodiplomacia ideologica contra os interesses do Brasil - Eliane Cantanhede

Entrando de gaiato

Essa guerra não é nossa. O Brasil não tem nada a ganhar, 

só a perder, se entrar nela

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
07 de janeiro de 2020 | 03h00
Se fosse confirmada a retirada das tropas americanas do Iraque, depois de 17 anos de invasão, estaria encerrada uma das histórias mais inacreditáveis e sujas da política internacional recente. O governo George W. Bush atacou o Iraque unilateralmente, sem o aval do Conselho de Segurança da ONU e baseado em mentiras – caso claro de fake news institucionais. 
Depois de dominar o Iraque por quase duas décadas, sob vistas grossas da ONU e da comunidade internacional, os EUA agora atacam sem cerimônia a capital iraquiana para trucidar o principal líder militar iraniano. Agora, como se estivessem dizendo “até logo”, podem abandonar o país deixando um rastro de destruição e falta de horizonte. Uma terra arrasada. 
Um livro revelador e de fácil compreensão sobre essa tragédia moderna, Curveball, do jornalista norte-americano Bob Drogin, foi escrito com base em manifestações oficiais, documentos, entrevistas e bastidores da decisão de Bush de invadir o Iraque. É estarrecedor como uma decisão dessa dimensão pôde ser tomada pela maior potência mundial sem qualquer cobrança ou punição. O mundo assistiu calado, lavou as mãos. 
Em resumo, sem dar “spoiler”, Drogin conta a história da decisão, que começa com o relato de um desertor iraquiano que se dizia engenheiro químico e descrevia em detalhes, e até desenhava, como o seu país desenvolvia sofisticado programa de armas químicas e biológicas móveis. Espertalhão e viciado em internet, tudo o que ele queria, na verdade, era fugir do Iraque e se asilar na Alemanha. Faria, ou diria, qualquer coisa para isso. 
O espantoso é como a BND da Alemanha comprou a história, repassou para o MI-6 da Inglaterra e o Mossad de Israel e deu de mão beijada para a CIA dos EUA o pretexto para Bush anunciar um ataque daquele porte. A princípio reticente, o secretário de Estado Colin Powell acabou comprando a versão e a invasão foi decretada. E o que os EUA encontraram? Nada. O Iraque não tinha arma químicas e biológica nenhuma. Mal tinha armamento tradicional de guerra, ainda mais contra a potência econômica, política e bélica. 
Com o Iraque transformado em casa da Mãe Joana, foi fácil, quase natural, Washington agora usar um drone sofisticadíssimo para explodir o general iraniano em solo iraquiano. Assim, os EUA saem do Iraque como entraram: tratando o país como se fosse seu quintal, estivesse à sua mercê. 
Nunca vai se saber como o Irã teria evoluído se tivesse vingado o acordo nuclear assinado por ele em 2010, com a mediação de Brasil e Turquia e solapado por EUA e França. Mas todo o mundo, literalmente, sabe que a crise só chegou ao ponto que chegou após os EUA retirarem, em 2015, o aval ao segundo acordo nuclear aceito pelo Irã e sancionado. Sem os EUA, os países europeus que o subscreveram perderam força. E o Irã, isolado, partiu para retaliações e provocações e agora anuncia que vai jogar todo o acordo fora, aprofundando o enriquecimento de urânio e o desenvolvimento de ogivas nucleares. 
Apesar de todos esses erros e de todo esse excesso de pretensão dos EUA, a nota do Brasil sob o conflito abandonou a prudência tradicional da política externa e privilegiou o viés ideológico do governo Bolsonaro, com o danoso alinhamento automático a Trump. Rússia e China de um lado, OTAN de outro, europeus discutindo freneticamente como negociar uma bandeira branca e evitar o pior, ou seja, uma guerra. 
Se a situação degringolar de vez, o Brasil vai ser chamado a se posicionar mais explicitamente e até a agir. Cometerá um erro histórico se ceder ao chamamento, ou pressão, de Trump. Essa guerra não é nossa. O Brasil não tem nada a ganhar, só a perder, se entrar nela de gaiato.

sábado, 27 de julho de 2019

Existe uma ideologia da política externa brasileira? - Paulo Roberto de Almeida


A ideologia da diplomacia brasileira

Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor no Centro Universitário de Brasília.
  
A diplomacia brasileira raramente exibiu uma ideologia que lhe fosse própria ou exclusiva, ao longo de sua história de quase dois séculos. Pode-se dizer que ela acompanhou, quando não participou ativamente, da construção do Estado brasileiro, mais até do que da nação, a despeito de ter sido uma das principais protagonistas desse processo inacabado e ainda incompleto, como argumentado amplamente por Rubens Ricupero em sua obra que leva por título justamente a afirmação de um projeto, tanto quanto de um ideal: A diplomacia na construção do Brasil, 1750-2016 (Rio de Janeiro: Versal, 2017).
Dois conceitos, porém, estão permanentemente associados às suas manifestações práticas, no decorrer desse período bissecular: autonomia e desenvolvimento. Eles são coetâneos ao processo de consolidação institucional do Estado brasileiro e percorrem os programas em diferentes fases da história brasileira, desde o Império até a atual República, que já conheceu diversos regimes mais ou menos democráticos, autoritários ou abertamente ditatoriais. Desde a sua introdução, o embaixador Ricupero deixa claro qual foi o papel da diplomacia ao longo dessa longa trajetória:
Poucos países devem à diplomacia tanto como o Brasil, e não só em relação ao território. Em muitas das principais etapas da evolução histórica brasileira, as relações exteriores desempenharam um papel decisivo. Com seus acertos e erros, a diplomacia marcou profundamente a independência, o fim do tráfico de escravos, a inserção no mundo por meio do regime de comércio, os fluxos migratórios, voluntários ou não, que constituíram a população, a consolidação da unidade ameaçada pela instabilidade na região platina, a industrialização e o desenvolvimento econômico. (pp. 27-28).

Em contraste com sua importância prática, e até o seu papel decisivo na construção da nação, como pretende Ricupero, não se pode identificar uma ideologia que lhe tenha servido de guia permanente para sua ação ou ideia unificadora que perpassasse as diferentes etapas da história nacional, ademais desses dois princípios subjacentes ao projeto nacional que parece atravessar uma história nem sempre retilínea: desenvolvimento econômico com autonomia decisória. Em outros termos, a diplomacia serviu à nação sem necessariamente construir um corpus doutrinal ou justificativas teórico-práticas que pudessem constituir um conjunto organizado de ideias ao qual se atribui normalmente o conceito de ideologia.
Paradoxalmente, é na fase atual, curiosamente, que a diplomacia tenta se dotar de uma ideologia própria, certamente não inspirada em seu próprio âmago, que é o dos diplomatas profissionais, mas importada de fora, a partir de emanações confusas de pessoas parcamente inspiradas na análise e no tratamento prático das relações internacionais do Brasil. A expressão correta, na verdade, é a de que a diplomacia brasileira vem sendo tomada de assalto por ideias e conceitos exóticos que não chegam sequer a conformar uma ideologia, enquanto sistema de ideias mais ou menos ordenado em torno de um projeto definido. O que se tem, de fato, é uma assemblagem caótica de sofismas construídos por setores marginais do pensamento político brasileiro, e que tentam se impor em face de padrões de trabalho, valores e princípios de atuação longamente estabelecidos na história da diplomacia brasileira. Se formos remontar a eras pregressas de afirmação de ideologias desafiadoras dos padrões estabelecidos na escala civilizatória ocidental – como ocorreu, por exemplo, na primeira metade do século XX – poderíamos dizer que estamos assistindo a um “assalto à razão”.
A importância e a dimensão desse assalto devem ser examinadas à luz do itinerário das ideias predominantes na sociedade brasileira nas últimas duas gerações, que são aquelas que participaram dos processos políticos e dos programas econômicos ainda em curso no Brasil. Trata-se basicamente do processo de industrialização, que se acelera nos anos 1950, atravessa todo o regime militar, para se consolidar no período recente, ainda que com perda relativa de dinamismo no seu crescimento e na sua intensidade tecnológica. Foram nos anos 1950 e 60 que ganharam força as ideias de promoção do crescimento econômico e do desenvolvimento social via industrialização autônoma, perpassando diversas manifestações acadêmicas em torno de teorias sobre a dependência e sustentando projetos estatais de superação de tal condição via inovação tecnológica em bases propriamente nacionais.
Pode-se dizer que a diplomacia acompanhou, secundou, estimulou amplamente tais ideias e projetos, formulando para si a mesma ideologia do desenvolvimento nacional que caracterizou, com maior ou menor ênfase, o pensamento das elites civis, militares, políticas e econômicas no último meio século. A ideologia nacional brasileira durante todo esse período, até hoje, foi a do desenvolvimento autônomo, e como tal a diplomacia incorporou-a plenamente, como sendo a sua própria ideologia.
O debate e a consolidação de ideias em torno do projeto nacional de desenvolvimento se inicia ao final da ditadura do Estado Novo – já presente, por exemplo, na famosa confrontação de ideias entre Roberto Simonsen e Eugênio Gudin, em 1944-45 –, se amplia na República de 1946 – com instituições do tipo da Fundação Getúlio Vargas (1946-47) e o seu Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), da Escola Superior de Guerra (1949), do BNDE (1952), do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (1955-1964) – e ganha extraordinário reforço durante o período do regime militar, notadamente através de órgãos como o IPEA e o próprio Ministério do Planejamento, núcleos principais de importantes reformas que estão na origem do Brasil atual, com as mudanças institucionais trazidas pela Constituição de 1988.
Pode-se dizer que essas instituições e princípios de atuação continuam presentes no atual debate brasileiro sobre os rumos do desenvolvimento nacional com autonomia, e foi a partir delas que o Itamaraty concebeu – junto com outros aportes extraídos de sua interface com o exterior, como a Cepal ou a Unctad – seu corpo doutrinal de formulação de ideias e de objetivos de atuação externa que se coadunam e se integram perfeitamente à ideologia nacional brasileira, a do desenvolvimento com autonomia. Em períodos extremamente raros de sua longa história – mas nesses casos também dependentes da orientação geral de sua política nacional –, o Itamaraty se dissociou dessa ideologia para adotar princípios de atuação mais ou menos alinhados com uma potência externa. Nem no Império, surgido em condições de precária afirmação do poder nacional – quando dependíamos de financiamento externo até para o funcionamento do Estado –, ocorreu uma subordinação política ou ideológica à potência hegemônica da época, a Grã-Bretanha, havendo inclusive ruptura de relações diplomáticas, justamente por reação contra a sua arrogância imperial, no caso da complicada abolição do tráfico e da escravatura.
Apenas no contexto da Guerra Fria, em períodos especificamente limitados – no imediato pós-Guerra e ao início do regime militar – é que se manifestaram posturas de relativo alinhamento com a potência então hegemônica, embora por questões tópicas e durante episódios limitados no tempo. A busca por votos coincidentes com os dos Estados Unidos nas primeiras votações da ONU, por exemplo, ou o acompanhamento da intervenção militar na República Dominicana, em 1965, podem simbolizar momentos fugazes de uma postura não de todo autônoma da diplomacia brasileira, junto com a vergonhosa sustentação do colonialismo português na África até 1974, mas por motivos bem diferentes daqueles. Desde a segunda metade dos anos 1960 que a política externa brasileira vem se pautando invariavelmente pela mesma postura de autonomia e independência na formulação e na execução de uma política externa estritamente alinhada com o grande objetivo nacional do desenvolvimento nacional, sua única ideologia conhecida, que emana, na verdade, de um consenso praticamente unânime entre as elites civis, militares, econômicas e políticas.
Pois é esse consenso que está sendo agora rompido, em troca de uma incompreensível e inaceitável adesão política à potência ainda hegemônica, não exatamente aos Estados Unidos enquanto país, economia ou nação avançada, mas ao seu governo atual, por força de uma estranha ideologia antiglobalista que jamais esteve presente entre os princípios e valores que animaram a sua diplomacia e que nunca percorreu os estudos, as orientações políticas e as bases de atuação externa de sua diplomacia profissional. Essa adesão sabuja a uma potência estrangeira, inexplicável em termos de simples racionalidade instrumental, junto com outros eflúvios teológico-moralistas que tentam enquadrar posturas e votações nos foros multilaterais, inaceitáveis no contexto dos padrões que sempre caracterizaram a diplomacia brasileira, não encontram sustentáculo em qualquer projeto de desenvolvimento autônomo do país, e menos ainda no plano da dignidade nacional.
Tais posições constituem, tão somente, manifestação extemporânea de ideias exóticas que dificilmente poderiam enquadrar-se no conceito de ideologia, sendo apenas uma assemblagem confusa de espasmos e sofismas completamente destituídos de fundamentação teórica ou empírica e que, justamente, tomaram de assalto a chancelaria brasileira e o próprio Executivo. Se tais ideias conformam uma nova “ideologia” para a diplomacia brasileira elas só podem pertencer à família das ideologias anacrônicas e reacionárias que fizeram a Europa, e outras partes do mundo, retroceder de maneira espantosa na primeira metade do século XX. A maior ironia é que o governo atual pretende exibir uma política externa e um comércio exterior “sem ideologia”. A afirmação representa, provavelmente, uma demonstração explícita de notável inconsistência política e o máximo de vacuidade mental. Os componentes principais dessa nova “ideologia” ainda devem ser objeto de exame detalhado e pertinente. O certo, desde já, é que se está em face de situação inédita na diplomacia brasileira.

Brasília, 27/07/2019.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

A nova diplomacia brasileira e o papel do Itamaraty - Bruno Boghossian (FSP)

Itamaraty pode virar departamento de relações públicas da direita

Chanceler quer pautar ministério por valores sem conexão com política externa

Bruno Boghossian

O chanceler Ernesto Araújo quer transformar o Itamaraty em um mero departamento de relações públicas da direita. O ministro mostrou em seu discurso de posse que pretende mover as ligações do Brasil com o mundo a partir de valores conservadores que não têm conexão com a política externa.
Sob a justificativa de reparar uma influência excessiva do globalismo e dos governos de esquerda, o novo chanceler promete atar novos laços a partir de agora. Crítico ferrenho do PT, que já chamou de “Partido Terrorista”, Araújo corre o risco de repetir e exacerbar justamente aquilo que ataca em seus opositores.
O ministro considera inimigos “quem odeia Deus” e “quem diz que não existem homens e mulheres”. Até onde se sabe, discussões teológicas e sobre discriminação sexual não fazem parte das atribuições do Itamaraty e não norteiam sua política.
No discurso, Araújo ainda disse que o ministério deveria se pautar por liberdades. “A principal delas, se me permitem citar uma novela dos anos 60, é o direito de nascer”, disse. Nos EUA, modelo do bolsonarismo, o aborto é um direito constitucional referendado pela Suprema Corte.
Embora repise o argumento de que o Brasil não deve se curvar à ordem global, valorizando seus próprios interesses, o chanceler parece mais interessado em ganhar pontos num clube conservador. Além dos americanos e dos israelenses, seus amigos são líderes de direita da Itália, da Polônia e da Hungria.
Araújo diz que a política externa dos anos petistas era submissa à agenda da esquerda, mas agora ameaça cair no extremo oposto. Ou alguém acha que Bolsonaro vai abrir os olhos e criticar as interferências autoritárias do premiê húngaro Viktor Orbán no Judiciário?
O chanceler recita com destreza a cartilha e as falsas polêmicas do ideólogo Olavo de Carvalho para dizer que pretende combater a contaminação ideológica no Itamaraty. Diz também que Bolsonaro está libertando o Brasil. Pelo visto, o país ficará preso em uma bolha diferente.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Ideias e ideologia: breves propostas - Paulo Roberto de Almeida

Ideias e ideologia: breves propostas

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: auto-esclarecimento; finalidade: caráter didático]


O que são ideias? O que é ideologia? Seguem minhas breves considerações.
Ideias podem ser representadas por, ou apresentadas como, um conjunto disperso, diversificado, variado, muitas vezes incompleto, parcial ou preliminar, de proposições, argumentos, sugestões, opiniões, especulações, sobre quaisquer temas ou assuntos pertinentes ao universo mental de seus proponentes, sejam elas propostas sobre o mundo real, observável, empiricamente fundamentado, sejam apenas construções mentais sob a forma de conceitos abstratos. Para serem identificadas como ideias, e aspirarem legitimamente a esse título, ou identidade, tais ideias, por mais especulativas que sejam, necessitam guardar certa coerência, consistência intrínseca, conexão com o mundo real ou com a lógica formal (a que deve obedecer qualquer proposição), do contrário serão, ou terão de ser, descartadas como meras expressões sem sentido de seu enunciador. Ideias tem essa peculiaridade necessária de que elas precisam ser racionais, ou inteligíveis, de forma a permitir um debate de tipo socrático. Ponto.

O que é ideologia? Uma ideologia pode ser um conjunto de ideias que se apresenta de modo alegadamente coerente, que tende a fornecer uma explicação, ou interpretação, sobre algum aspecto do mundo real, ou do próprio mundo das ideias (pois estas costumam ter vida própria, e sobrevivem mesmo na ausência de vínculos aferíveis com a realidade). Geralmente se trata de um conjunto fechado, ou seja, que se basta a si mesmo, no sentido em que oferece uma resposta que se autocontém, e que se justifica por si próprio. Não importa muito se a ideologia é um conjunto de falsas ideias sobre o mundo – no sentido marxista do conceito – ou se ela é uma interpretação coerente e consistente do universo que se pretende descrever e explicar. 
O lamarckismo, por exemplo, foi uma ideologia dotada de certa validade durante o período em que ofereceu uma explicação plausível sobre a evolução das espécies; depois foi superado pela seleção natural darwiniana, como uma explicação superior em termos de consistência intrínseca com a realidade e atendendo a certos critérios da lógica formal. Não importa muito, agora, se a seleção natural, nas condições do mundo contemporâneo, vem sendo cada vez mais “enviesada”, distorcida ou transformada, pela seleção cultural, dirigida pelo próprio homem, com base na sua capacidade de manipular a natureza no nível do código genético das espécies, ou em escala molecular. O darwinismo se submete inteiramente aos critérios popperianos de “falsificabilidade”, e pode, portanto, aspirar ao título de “teoria”, o que é um status superior ao da ideologia. Os adeptos do criacionismo, por exemplo, ou os propositores do “desenho inteligente”, se esforçam em contestar a validade do darwinismo, pretendendo relegá-lo ao status de ideologia, mas suas “ideias”, ou proposições, não apresentam qualquer consistência lógica e qualquer conexão com a realidade observável, tratando-se, portanto, de “ideias falsas”, ou seja, o entendimento marxista de ideologia. 

Ideias são úteis ao avanço do conhecimento humano, mesmo quando falsas ou equivocadas, pois permitem discutir, em bases racionais, o entendimento que se tem sobre o mundo real e o próprio mundo das ideias. Ideologias, por outro lado, tendem a ser conjuntos fechados, o que dificulta um debate racional em torno de ideias, que sempre se contrapõem umas às outras. O debate racional é sempre saudável, e é sobre a base do questionamento das ideias entre si que a humanidade caminha a passos cada vez mais rápidos para o domínio sistemático do homem sobre o mundo real, e, com isso, para o progresso material dos povos e para a elevação espiritual da espécie humana, ou seja, sempre em benefício das comunidades existentes. Más ideias podem, obviamente, levar a retrocessos temporários ou delongados nessa trajetória: racismo, por exemplo, ou escravismo, ou qualquer outra forma de tirania sobre indivíduos ou comunidades, e essas más ideias podem se converter em ideologia, como o “racismo científico” de épocas passadas. Fundamentalismos, de qualquer tipo – político, religioso, ou mesmo torcidas de futebol – costumam se apresentar como “ideologias”, ainda que precárias, incoerentes, absurdas, geralmente agressivas e excludentes. 

Devemos sempre favorecer o florescer das ideias, o debate racional, a confrontação educada das ideias entre si. Devemos nos resguardar das ideologias, sempre perigosas e potencialmente danosas, por excludentes e potencialmente fundamentalistas. O debate continua aberto...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5 de dezembro de 2018

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Ideologia: A Historia do Brasil do PT - Luiz Felipe Ponde

A história do Brasil do PT
Luiz Felipe Pondé
Folha de São Paulo, 18/04/2016

A "batalha do impeachment" é a ponta do iceberg de um problema maior, problema este que transcende em muito o cenário mais imediato da crise política brasileira e que independe do destino do impeachment e de sua personagem tragicômica Dilma.

Mesmo após o teatro do impeachment, a história do Brasil narrada pelo PT continuará a ser escrita e ensinada em sala de aula. Seus filhos e netos continuarão a ser educados por professores que ensinarão esta história. Esta história foi criada pelo PT e pelos grupos que orbitaram ao redor do processo que criou o PT ao longo e após a ditadura. Este processo continuará a existir.

A "inteligência" brasileira é escrava da esquerda e nada disso vai mudar em breve. Quem ousar nesse mundo da "inteligência" romper com a esquerda, perde "networking".

Ao afirmar que a "história não perdoa as violências contra a democracia", José Eduardo Cardozo tem razão num sentido muito preciso.

O sentido verdadeiro da fala dos petistas sobre a história não perdoar os golpes contra a democracia é que quem escreve os livros de história no Brasil, e quem ensina História em sala de aula, e quem discorre sobre política e sociedade em sala de aula, contará a história que o PT está escrevendo.

Se você não acredita no que digo é porque você é mal informado.

O PT e associados são os únicos agentes na construção de uma cultura sobre o Brasil. Só a esquerda tem uma "teoria do Brasil" e uma historiografia.

Esta construção passa por uma sólida rede de pesquisadores (as vezes, mesmo financiada por grandes bancos nacionais), professores universitários, professores e coordenadores de escolas, psicanalistas, funcionários públicos qualificados, agentes culturais, artistas, jornalistas, cineastas, produtores de audiovisual, diretores e atores de teatro, sindicatos, padres, afora, claro, os jovens que no futuro exercerão essas profissões. O domínio cultural absoluto da esquerda no Brasil deverá durar, no mínimo, mais 50 anos.

Erra quem pensa que o PT desaparecerá.

O do Lula, provavelmente, sim, mas o PT como "agenda socialista do Brasil" só cresce. O materialismo dialético marxista, mesmo que aguado e vagabundo, com pitadas de Adorno, Foucault e Bourdieu, continuará formando aqueles que produzem educação, arte e cultura no país.

Basta ver a adesão da camada "letrada" do país ao combate ao impeachment ao longo dos últimos meses.

Ao lado dessa articulada rede de agentes produtores de pensamento e ação política organizada, que caracteriza a esquerda brasileira, inexiste praticamente opção "liberal" (não vou entrar muito no mérito do conceito aqui, nem usar termos malditos como "direita" que deixam a esquerda com água na boca).

Nos últimos meses apareceram movimentos como o Vem Pra Rua e o MBL que parecem mais próximos de uma opção liberal, a favor de um Brasil menos estatal e vitimista.

Ser liberal significa crer mais no mercado (sem ter que achá-lo um "deus") e menos em agentes públicos.

Significa investir mais na autonomia econômica do sujeito e menos na dependência dele para com paternalismos estatais.

Iniciativas como fóruns da liberdade, todas muitos importantes para quem acha o socialismo um atraso, são essencialmente incipientes.

E a elite econômica brasileira é mesquinha quando se trata de financiar o trabalho das ideias. Pensa como "merceeiro", como diria Marx. Quer que a esquerda acabe por um passe de mágica.

O pensamento liberal no Brasil não tem raiz na camada intelectual, artística ou acadêmica. E sem essa raiz, ele será uma coisa de domingo a tarde.

A única saída é se as forças econômicas produtivas que acreditam na opção liberal financiarem jovens dispostos a produzir uma teoria e uma historiografia do Brasil que rompa com a matriz marxista, absolutamente hegemônica entre nós. Institutos liberais devem pagar jovens para que eles dediquem suas vidas a pensar o país. Sem isso, nada feito.

Sem essa ação, não importa quantas Dilmas destruírem o Brasil, pois elas serão produzidas em série.

A nova Dilma está sentada ao lado da sua filha na escolinha

Clique no link abaixo para ler o texto completo:

Luiz Felipe Ponde: A história do Brasil do PT
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2016/04/1761876-a-historia-do-brasil-do-pt.shtml

sábado, 14 de dezembro de 2013

Tratado Geral da Mafia (PRA), reproduzido no site do Instituto Millenium, 13/12/2013

Numa sexta-feira 13, treze considerações sobre a Mafia.
Juro que foi uma coincidência...
Paulo Roberto de Almeida


2542. “Tratado Geral da Máfia: treze rápidos registros sobre um fenômeno persistente”, Hartford, 7 Dezembro 2013, 2 p. Considerações sobre um fenômeno da política contemporânea. Publicado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2013/12/tratado-geral-da-mafia-treze-rapidos.html). Reproduzido no blog do Instituto Millenium (13/12/2013; link: http://www.imil.org.br/artigos/tratado-geral-da-mfia/). 

Tratado Geral da Máfia

1. A Máfia é uma associação entre iguais, sendo que alguns desses iguais são mais iguais que os demais.
2. Os mais iguais da Máfia são inimputáveis e, nessa condição, não reconhecem leis ou regras de não membros, ou de quaisquer outras origens, que pretendam torná-los imputáveis, o que retiraria, na visão deles, o prefixo deste último conceito. Os mais iguais ficam particularmente irritáveis com as limitações legais que os comuns tentam implementar e que possam contrariar os objetivos gerais da Máfia.
3. A Máfia é uma associação voltada exclusivamente para o seu interesse próprio. O interesse próprio da Máfia e dos mafiosos é o poder, de preferência absoluto, sua conquista e sua manutenção. Eventualmente, eles contam com aliados subordinados, contra quaisquer outras forças ou fatores que possam resistir aos seus objetivos.
4. A defesa do interesse próprio da Máfia é o dever principal e primordial dos iguais e dos mais iguais, sobre quaisquer outros objetivos gerais ou particulares de todos e cada um. Os mais iguais é que dispõem sobre o interesse da Máfia; os demais têm o direito e o dever de segui-los, mais o segundo do que o primeiro.
5. O objetivo geral da Máfia prima sobre os interesses individuais dos mafiosos, que, em nome da obediência estrita a esse objetivo primordial, a ele sacrificarão seus interesses pessoais em favor desse objetivo geral. Tal código de disciplina não é exclusivo da Máfia, sendo comum a determinadas associações corporativas, mas é nela implementado de maneira particularmente eficaz (por vezes hedionda, mas não destinada a ser do conhecimento de almas sensíveis ou de menores de idade).
A Máfia é uma associação voltada exclusivamente para o seu interesse próprio. O interesse próprio da Máfia e dos mafiosos é o poder, de preferência absoluto, sua conquista e sua manutenção
6. Em contrapartida à fidelidade absoluta e obediência cega às suas principais regras, os membros da Máfia dela recebem total solidariedade, em quaisquer circunstâncias, mesmo quando temporariamente ausentes – geralmente contra a sua vontade – das atividades concebidas e implementadas em favor do objetivo geral da corporação.
7. Os mais iguais constituem uma família original ou forjam laços similares aos de uma família, havendo solidariedade implícita entre os seus membros, que respondem pelo comportamento de qualquer um dos demais integrantes da família. Os menos iguais terão de ter seu estatuto aprovado por alguma família, antes de poderem ser reconhecidos como membros não originais da família maior, mas a ela deverão solidariedade e obediência, como igualmente exigido de qualquer membro original. Uma vez consolidado esse vínculo, ele se torna indelével e indestrutível.
8. Como em outras corporações da espécie, os membros da Máfia devem observar as normas de silêncio obsequioso e de estrito cumprimento às ordens dos mais iguais, observadas as regras de disciplina e de hierarquia que costumam imperar nesses meios. A não observância dessas regras pode submeter o inadimplente às sanções habituais em vigor na Máfia, eventualmente de forma definitiva.
9. A Máfia não professa qualquer religião que não a sua própria, que é estritamente confessional e baseada nas regras gerais e nos princípios da Máfia. Os mais iguais são os altos sacerdotes dessa religião laica, que não possui textos sagrados nem ritos particulares, apenas aqueles que são fixados aleatoriamente pelos mais iguais. A Máfia só deve obediência a um deus: o seu próprio interesse totalitário de manter, ampliar, preservar e eternizar o seu poder. Esse deus é particularmente vingativo.
10. A Máfia tampouco adere a um culto humano qualquer, a não ser ao da seleção determinista dos mais iguais, que devem ser preservados a despeito de quaisquer acidentes naturais e contra quaisquer imponderáveis da fortuna e da sorte. Os demais iguais, como formigas ou abelhas da comunidade, estão ali para preservar o poder dos mais iguais, e assegurar que a espécie tenha continuidade e expansão.
11. A Máfia não se vincula a qualquer ideologia política, a não ser a do seu interesse próprio, que pode conviver com diversas orientações no campo dos regimes políticos e dos sistemas econômicos. Numa analogia superficial, a Máfia se coaduna bem mais com regimes corporativos, fascistas, autoritários, ou mesmo totalitários, e menos com sistemas abertos e transparentes. A Máfia e os mais iguais não pretendem prestar contas de suas atividades e iniciativas a qualquer autoridade que não a dela.
12. Os membros da Máfia têm o dever de contribuir para o fortalecimento, sobretudo financeiro, da corporação, que assume várias formas associativas e identidades. Se algum membro da Máfia enfrentar dificuldades no mundo dos comuns, a corporação lhe presta total solidariedade em quaisquer circunstâncias, determinação ainda mais enfática no caso dos mais iguais, que podem contar com todos os recursos da Máfia. A contrapartida, seguida invariavelmente por todos os membros, é o silêncio e a proteção dos interesses da corporação, de seus negócios e de suas atividades.
13. A Máfia sempre tem razão, e essa razão é exclusivamente aquela expressa pelos mais iguais. Eventuais opiniões em contrário devem ser confrontadas, e seus emissores devem ser convencidos de que a verdade da Máfia é sempre a melhor, independentemente de quaisquer fatos contrários ou provas circunstanciais. Na ausência de convencimento, ou de reconhecimento explícito, a corporação e seus membros têm o dever de corrigir os recalcitrantes e os obstrutores da verdade da Máfia. Perdas colaterais, por vezes até internas, são admitidas nesse processo, que é estritamente controlado pelos mais iguais. A decisão última sobre a verdade da Máfia pertence aos mais iguais, mas, em última instância, quem decide sobre a melhor verdade é o mais igual dentre os mais iguais.

Sobre Paulo Roberto de Almeida

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, mestre em planejamento econômico pelo Colégio dos Países em Desenvolvimento da Universidade de Estado de Antuérpia, doutor em ciências sociais pela Universidade de Bruxelas. Trabalhou como assessor especial no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. É autor dos livros: “O Mercosul no contexto regional e internacional” (Aduaneiras, 1993), “ O Brasil e o multilateralismo econômico” (Livraria do Advogado, 1999), “ Relações internacionais e política externa do Brasil: história e sociologia da diplomacia brasileira (UFRGS, 1998)” e “O moderno príncipe – Maquiavel revisitado” (2007)

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Ideologia verde: apocalipticos e desintegrados - Joao Luiz Mauad

Não existe coisa mais esquizofrênica do que um neomaltusiano, como são todos, com pequenas variações, os ecologistas empedernidos, que vivem nos ameaçando das piores catástrofes se não nos redimirmos e aderirmos às suas crenças totalmente desprovidas de fundamentos científicos. 
Um artigo bem fundamentado deve colocar um pouco de água fria na fervura desses malucos...
Paulo Roberto de Almeida 



João Luiz Mauad, administrador de empresas
O Globo, 5/06/2012

Com a aproximação da Conferência Rio+20, as declarações apocalípticas dão o tom do debate. Gilberto Carvalho, por exemplo, declarou que “o mundo se acabaria rapidamente se fosse universalizado o padrão de consumo das elites”.
No mesmo diapasão, o neoconservaciocista Delfim Neto — ninguém menos que um dos idealizadores da escandalosa Transamazônica — foi categórico, em entrevista ao Globo:“Conflitos serão inevitáveis. Não há como o planeta sustentar nove bilhões de pessoas com renda de US$ 20 mil cada”.
Essa gente não tem a menor imaginação. No início do Século XIX, quando a Terra era habitada por apenas 1 bilhão de pessoas, Thomas Malthus previu que a população mundial cresceria em proporções geométricas, enquanto a produção de alimentos e outros recursos cresceria em progressão aritmética.

Pobres ficarão sem esperança de progredir e consumir mais e melhor

Em 1968, quando a população mundial era de 3,5 bilhões, o ecologista Paul Ehrlich escreveu um livro (The Population Bomb) onde previu que, como resultado da superpopulação, centenas de milhões de pessoas morreriam de fome nas décadas seguintes.
Num discurso de 1971, previu que “até o ano de 2000, o Reino Unido será simplesmente um pequeno grupo de ilhas empobrecidas, habitadas por cerca de 70 milhões de famintos.”
De lá para cá, a população mundial dobrou e as previsões alarmistas de Malthus e Ehrlich jamais se concretizaram.
Pelo contrário, graças às novas tecnologias e ao crescimento exponencial da produtividade, o percentual de subnutridosnos países em desenvolvimento, em relação ao total da população, vem apresentando uma firme tendência declinante há quatro décadas, tendo baixado de 33% em 1970 para 16% em 2004.
Com o tempo, o chamado “movimento verde” foi sendo dominado e transformado por ideólogos esquerdistas, preocupados não com a poluição ou com a nossa saúde, mas com a política e o poder.
A partir desse ponto, a doutrinação, o proselitismo e a disseminação do pânico foram tão fortes que as teorias mais bizarras tornaram-se politicamente corretas.
A essência da ideologia verde está na crença de que a humanidade deve minimizar o seu impacto sobre a natureza, custe o que custar.
Vide a gritaria contra a aprovação do novo Código Florestal, uma lei extremamente preservacionista e restritiva à atividade econômica, sem similar no mundo, mas que, mesmo assim, conseguiu desagradar os xiitas.
O que os adeptos desse radicalismo se recusam a enxergar é que nós, seres humanos, só sobrevivemos e prosperamos através da transformação da natureza, sem o quê não satisfazemos as nossas necessidades mínimas. Nosso bem estar está diretamente ligado à nossa capacidade de tornar o ambiente a nossa volta menos agressivo e mais hospitaleiro.
     Graças a Deus, as gerações que nos precederam visaram o  progresso. Elas tiveram orgulho de construir fábricas, abrir estradas, perfurar poços e escavar a terra a procura de novos recursos.

Graças a Deus, as gerações que nos precederam visaram o progresso.

Felizmente, não estavam contaminados pela ideologia verde.

É verdade que tudo isso resultou em alguma poluição e desmatamento. No entanto, mesmo esses indesejáveis efeitos negativos têm sido superadas com bastante êxito pelas nações mais avançadas.
É claro que a solução não está na restrição do consumo, mas no aumento da produtividade e no desenvolvimento tecnológico.
Sem falar que os mais prejudicados, caso esse fanatismo ambientalista prevaleça, serão os mais pobres, caso sejam privados do uso de fontes de energia eficientes e baratas, e da chance de poderem um dia usufruir do padrão de vida dos países ricos.