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terça-feira, 4 de junho de 2019

Samuel Pinheiro Guimaraes: ‘Ernesto Araújo é ridículo’ - Entrevista The Intercept

Transcrevo a grande entrevista de Samuel Pinheiro Guimarães, neste link do The Intercepthttps://theintercept.com/2019/06/02/samuel-pinheiro-entrevista/

O site remete à minha postagem de 2018, por ocasião do convite que eu formulei ao SPG para que ele falasse no quadro da série "Percursos Diplomáticos", uma vez que ele não se encontrava na lista original dos convites. Fiz questão de convidá-lo, como grande formulador que foi da política externa do que eu já chamei de lulopetismo diplomático, ainda que discordando de muitas das posições assumidas durante o governo Lula, pelo chanceler Celso Amorim, pelo assessor presidencial Marco Aurélio Garcia e pelo próprio Samuel, enquanto secretário geral do Itamaraty.
A postagem é esta aqui: 
https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/08/percursos-diplomaticos-samuel-pinheiro_24.html
Divirtam-se...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4 de junho de 2019


Entrevista: ‘Ernesto Araújo é ridículo’, diz número dois do Itamaraty no governo Lula

O chanceler Ernesto Araújo é “ridículo” e “um louco”. O governo Jair Bolsonaro não deve passar de julho e uma eventual presidência de Hamilton Mourão não deve causar receios de uma nova ditadura militar. É assim que o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Neto, ex-secretário-geral do Itamaraty durante o governo Lula, avalia o atual cenário político brasileiro.
Pode causar surpresa que um embaixador renomado, com profundas ligações com o PT – Guimarães foi o número dois do Itamaraty no governo Lula, entre 2003 e 2009, abaixo apenas do então chanceler Celso Amorim – relativize a ascensão de um militar à presidência. Mas Guimarães, aos 79 anos, faz a avaliação com tranquilidade: “[Os militares] passaram 30 anos tentando limpar os aspectos negativos da ditadura para eles”, ele nos disse.
Guimarães trabalhou no Itamaraty de 1963 a 2009 e depois foi professor de política internacional e política externa do Instituto Rio Branco, a escola de formação dos diplomatas brasileiros, até 2016. Muito ligado ao PT – mas respeitado por colegas como Paulo Roberto de Almeida, crítico feroz do que chama de “lulo-petismo” –, ele defendeu, ao longo de quase duas horas de conversa, as bandeiras da política externa do governo Lula, inclusive o alinhamento com o chavismo na Venezuela.
“Jeffrey Sachs, economista americano, um comunista conhecido, calculou que 40 mil pessoas morreram na Venezuela por causa das sanções americanas”, disse, irônico – Sachs é conhecido por ter introduzido o plano econômico capitalista em países soviéticos. “Isso foi causado pelo governo do Maduro?”
O que um contínuo vai fazer no country club do Rio de Janeiro? Talvez ser garçom. A OCDE é um clube de ricos.
Guimarães, que costuma pontuar suas afirmações elevando a voz e repetindo os argumentos que acabou de tecer, direcionou suas principais farpas contra Bolsonaro. A tentativa brasileira de intervir na crise política venezuelana, para ele, é “um erro enorme”, e os comentários do ex-militar sobre uma eventual volta de Cristina Kirchner à presidência da Argentina, “um absurdo”.
“Não se dá palpite [em assuntos internos de outras nações], cada país tem sua evolução histórica, suas características, sua autonomia”, ele argumentou. Para Guimarães, Bolsonaro se esquece de que o Brasil é um país subdesenvolvido ao negociar a entrada na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE. “O que um contínuo vai fazer no country club do Rio de Janeiro? Talvez ser garçom. A OCDE é um clube de ricos”, falou. Ao comparar o sistema internacional a um avião, ele disse que o Brasil não tem sequer assento na classe econômica. “Está no compartimento de bagagens.”
Guimarães nos recebeu em seu escritório, uma sala acanhada num prédio comercial simples da Asa Norte de Brasília, a poucos minutos do prédio em que mora – que também já foi endereço, na cidade, de Bolsonaro e Mourão. Leia os principais trechos da conversa.

Sob Ernesto Araújo, o Itamaraty tem “uma visão simplista, ingênua, equivocada” sobre a geopolítica internacional, diz Pinheiro Guimarães. 
Foto: Mariana Alves/The Intercept Brasil

Intercept – Em março, em Washington, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que o Brasil passaria a abrir mão do Tratamento Especial Diferenciado, o TED, na Organização Mundial do Comércio em troca de uma indicação para a OCDE. O que significa para o país abrir mão do TED?
Samuel Pinheiro Guimarães – O Tratamento Especial Diferenciado é uma reivindicação histórica dos países subdesenvolvidos. Parte do princípio de que existem países desenvolvidos e países subdesenvolvidos. Vocês já foram ao aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro? Já viram como é ali perto? Já foram ao aeroporto de Zurique? É diferente, né? Aqui é um país subdesenvolvido. Já os desenvolvidos querem extrair o máximo possível das relações de troca. O Brasil se transformou em um país totalmente exportador de produtos primários e importador de manufaturados. Quem é que exporta produtos manufaturados? Os EUA, a Inglaterra, a França, a China. Eu quero saber onde é que vão ser empregados os 13 milhões de desempregados hoje em dia. No campo? Mas o campo é altamente automatizado. Tem que ser na indústria. A maioria desses 13 milhões moram na cidade, e na cidade não se planta nada. Agora, o governo parte do princípio de que [o Brasil] é igual aos EUA, é um país desenvolvido.
Num artigo recente, o senhor disse que a luta pela redistribuição de quotas e de poder de voto no FMI e no Banco Mundial foi abandonada pelo governo brasileiro. Como isso se deu?
Nunca mais ouvi falar nisso. Porque os EUA são contra, o congresso americano é contra, isso diminui o poder americano. Você acha que o presidente Bolsonaro vai lutar para diminuir o poder americano? Eu tenho a impressão que não é bem o caso. Isso, como eles dizem, é confrontação do Brasil com os EUA. Os EUA têm uma estratégia de natureza mundial, que é impedir que em qualquer região do mundo surja um estado ou grupo de estados que possa reduzir a influência deles. Outro ponto interessante: os EUA têm mil bases no exterior, mas nenhuma no Atlântico Sul. É óbvio que a [cessão da] base de Alcântara (no Maranhão, com o acordo de salvaguardas tecnológicas) não tem nada a ver com o lançamento de foguetes. Nós iríamos receber uma quantia irrisória para termos uma parte do território fora do alcance das autoridades brasileiras. Você instala uma pista [de pouso de aviões], de grande dimensão, a pretexto de transportar o material. Uma vez que os EUA entram [num país], não saem mais, não.
‘O Ernesto é uma coisa deste tamanho. Uma coisa ridícula. É ridículo. Ri-dí-cu-lo.’ 
Desde que assumiu o posto, o chanceler Ernesto Araújo tem se desentendido com o setor militar do governo Bolsonaro sobre a Venezuela. A crise chegou ao auge com a ida de Araújo aos EUA para um encontro com o secretário de estado Mike Pompeo um dia antes da mal sucedida operação liderada por Juan Guaidó, e a determinação de Bolsonaro de que qualquer decisão envolvendo o país vizinho deve passar pelo Conselho de Defesa Nacional…
O presidente da Câmara já disse que a declaração de guerra é uma competência exclusiva do Congresso. Se você fosse eleito presidente da República, teria que ter a curiosidade de ler a Constituição, né? Para saber quais são os poderes do Executivo, Legislativo, Judiciário, saber que é o presidente da Câmara quem autoriza os pedidos de impeachment. Sozinho. Aparentemente, essa curiosidade não acometeu o presidente Bolsonaro.
Quanto ao chanceler Ernesto Araújo…
(Interrompendo) Eu só falo sobre política, não falo sobre o Ernesto. O Ernesto é uma coisa deste tamanho (sinaliza algo pequeno com a mão). Uma coisa ridícula. É ridículo. Ri-dí-cu-lo (enfático, separando as sílabas). No discurso de formatura dos alunos do Instituto Rio Branco, o ministro Ernesto Araújo comparou o presidente Bolsonaro a Jesus Cristo. E chorou quando fez isso. Isso não existe na história do Brasil e nem na história do mundo, um ministro ter comparado o chefe de Estado a Jesus Cristo.
Várias coisas parecem ser inéditas no governo.
Em parte. Porque o acordo de salvaguardas tecnológicas [de Alcântara] foi negociado na época de Fernando Henrique Cardoso, que teve como seu precursor Fernando Collor. Teve uma pequena interrupção com Itamar Franco, que foi ridicularizado. Por que ele foi ridicularizado? Porque não seguia a mesma política [externa] de Collor. Depois FHC assinou um ato de não-proliferação [de armas nucleares] que é, digamos, o ato mais grave da história do Brasil na política externa.
Por quê?
Porque nós não éramos membros do tratado e [assim] poderíamos, teoricamente, desenvolver armas nucleares. O mundo é dividido em duas classes de Estados: os de primeira classe, que podem deter armas nucleares e são membros permanentes do Conselho de Segurança, e os demais, que não eram obrigados a assinar o tratado de não-proliferação. A pretexto de que isso ia gerar um desarmamento mundial, o Brasil assinou sem que ninguém houvesse pedido.
Um embaixador bastante experiente relatou ter ouvido de um político de alto coturno do Legislativo que Ernesto Araújo é “esquizofrênico”. O que senhor acha dele?
Não tenho capacidade para inferir se ele é uma pessoa esquizofrênica ou não. Eu acho que ele parte de princípios equivocados, que o Brasil enfrentava os EUA [durante os governos do Partido dos Trabalhadores], só se relacionava com governos de esquerda. Isso é um absurdo. O Brasil fez um contrato de compra de caças com a Suécia. Ao que me consta, a Suécia não é um país comunista de esquerda. Fez o contrato do submarino nuclear com a França. É tudo ignorância.
Voltando a Ernesto Araújo, ele tem sido continuamente desautorizado pelos militares. O senhor se lembra de algum governo, no período democrático, de um chanceler se submeter dessa forma ao setor militar do governo?
Não. No período em que eu estava na secretaria-geral [do Itamaraty], nós tínhamos as melhores relações com o ministro da Defesa, os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica, [eles eram] extremamente cooperativos. Não havia nenhuma dificuldade, nunca houve.
Na sua visão, o que há hoje entre o Itamaraty e os militares, em um governo que é formado basicamente por militares?
Não, não é formado basicamente por militares. São sete militares de 23 [ministros].
Mas o núcleo duro, por assim dizer, é militar.
O núcleo duro do governo é o ministro da Economia.
Nesse caso, qual é o papel do Itamaraty?
Não sei, não sou ministro das Relações Exteriores, não sou secretário-geral, não me interesso…
Mas o senhor deve acompanhar, naturalmente.
Quem tem a maior influência no Itamaraty, diz a imprensa, é o deputado [federal pelo PSL de São Paulo] Eduardo Bolsonaro, o assessor Filipe Martins, que tem 35 anos (na verdade, tem 31) e uma vasta experiência em política externa sem ter jamais exercido cargo nesta área. São pessoas com visão [de mundo] baseada em seu orientador espiritual, Olavo de Carvalho, que se expressa no Twitter com palavrões seguidos.
O senhor já escreveu que, dado o número de vizinhos, a disparidade de dimensões, os ressentimentos históricos do processo de formação do território brasileiro são motivos para o Brasil nunca interferir nos processos políticos dos Estados vizinhos. Qual o tamanho do erro que pode estar sendo cometido pelo Brasil ao tentar interferir em assuntos internos venezuelanos?
‘Se você for uma pessoa que não tem experiência, para os outros países é uma festa.’
Tentar, não. Está interferindo, sem poder e sem força para tal. Servindo apenas como ajudante dos EUA. É um erro enorme. O Brasil é 50% da América do Sul em território, mais ou menos. Dos outros países, o que tem maior dimensão territorial é a Argentina, que tem um terço do território brasileiro. Os outros são ainda menores. A população do Brasil é cerca de 50% [da do continente], 210 milhões, os outros têm 40 milhões. O Chile tem 15 milhões de habitantes. [Mas] Todo dia nos jornais dizem que nós temos que seguir o modelo do Chile, um país pequeno. O Brasil é um país diferente. Quem já foi ao Paraguai e leu o jornal ABC sabe o que eles pensam do Brasil, que eles foram espoliados, destruídos (na Guerra do Paraguai). E há os ressentimentos entre eles, entre Argentina e Uruguai, entre Argentina e Chile, entre Chile, Peru e Bolívia, entre a Colômbia e o Equador, entre a Colômbia e a Venezuela. Esses países às vezes procuravam a ajuda do Brasil, a mediação do Brasil, o que é uma coisa muito delicada. Isso permitiu ao Brasil, por exemplo, ter ótimas relações com a Colômbia durante o mandato do presidente [Alvaro] Uribe, e depois aquele outro, [Juan] Manuel Santos. (Irônico) E não me consta que o presidente Uribe fosse marxista cultural, nem que fosse ao Foro de São Paulo, e nem que o Foro de São Paulo tivesse essa importância toda. O Foro de São Paulo era uma reunião dos partidos democráticos de esquerda.
O PT não cometeu esse mesmo erro ao dar suporte ao chavismo e, posteriormente, a Maduro?
Na Venezuela, foram realizadas 23 eleições. Todas, exceto as mais recentes, com aprovação do Centro Carter, todas consideradas legítimas, tudo direitinho.
A última não.
Eu fui observador ali, havia candidato da oposição, teve 5 milhões de votos, e os jornais dizem aqui que não houve candidato de oposição. [Houve] Os que não quiseram concorrer!
Alegando que as condições eram desiguais.
Eu estive na Venezuela, toda a imprensa é livre. As televisões, os jornais circulam livremente, esculhambam – esculhambam não, criticam o governo ferozmente. Você deve consultar um estudo do Jeffrey Sachs, economista americano, (irônico) um comunista conhecido, não é? [Dele] e do Mark Weisbrot, que calcularam o número de vítimas decorrentes das sanções americanas. São 40 mil pessoas que morreram por causa das sanções. Isso foi causado pelo governo do Maduro? Só o governo Trump não cometeu erros. Ele [e os presidentes Emmanuel] Macron e [Mauricio] Macri, aliás, muito populares na França e na Argentina. O Macri com 38% da população abaixo da linha de pobreza! (Na verdade, segundo levantamentos mais recentes, são 32%).
Mas o governo Maduro também cometeu erros, não?
Mas quais são os erros de Maduro? Eu quero que você me diga quais são. Você não sabe, porque não tem. É tudo uma onda de propaganda extraordinária que parte do seguinte princípio: o governo é autoritário. Quantos políticos estão presos na Venezuela?
Leopoldo López estava preso.
Leopoldo López! Um!
Mas um preso político já é muita coisa, não?
Esse sujeito é um criminoso, estava preso por razões criminais. Cometeu crimes e depois foi solto. Se você tem num país um sujeito que diz que vai derrubar o governo, o que acontece em geral? Você acha que é uma infração à lei. Acho que é, né? E agora foi solto. Mas quero que você me dê a lista dos presos políticos na Venezuela. (A ong venezuelana Foro Penal estimou, há alguns dias, que mais de 2 mil pessoas foram presas por motivos políticos no país, das quais 857 seguem detidas.)
O senhor acha então que é tudo uma armação contra Maduro?
Mas é claro que é!
Os venezuelanos que chegam ao Brasil, em Roraima, relatam que passavam fome.
Eles podem relatar o que for, inclusive para receber abrigo. Porque, se disser: “Olha, eu estou muito bem lá…”
Mas quem pede abrigo está passando necessidade, não?
‘Ele [Araújo] disse que a Polônia é um país de enorme potencial econômico. No reino da fantasia, tudo é possível.’ 
Eu acho que o 1,5 milhão de brasileiros que foram para o exterior deviam estar numa situação muito séria também, não? [A Venezuela] É um país que está sob intervenção! Há uma série de sanções, que naturalmente criam grandes dificuldades para a economia, dificuldades de emprego e assim por diante. Você quer o quê? Se fizessem isso com o Brasil, em meia hora o país já tinha se entregado. Meia hora. Tem que entender como funciona o sistema internacional, que não é formado por estados soberanos e iguais. Existe um império, um só, o império americano. Dentro dele, há os Estados Unidos, o centro do império, e os estados que são soberanos, entre aspas, que são províncias de diferentes níveis. Então, sempre que há uma província rebelde, o império tem que reenquadrá-la. Você acha que a Venezuela representa algum risco de segurança para os EUA? Que o exército venezuelano apresenta risco de segurança ao exército americano? Que a Venezuela pode invadir os EUA? Mas é preciso ser exemplar, compreende? Como na escola, quando um menino joga uma bolinha de papel na professora, ela tem que reagir com firmeza, botar de castigo. Senão, amanhã vai estar todo mundo jogando bolinha de papel. Depois de amanhã, apagador de giz; depois, pedra. Há três províncias rebeldes hoje em dia: a Venezuela, o Irã e a Coreia do Norte, onde tem que haver mais cuidado, porque [o país] tem arma nuclear. Se o Iraque tivesse armas de destruição em massa, como foi anunciado na época, não teriam invadido. Há também as províncias de primeiro nível, que têm capacidade legal de ter armas nucleares: Inglaterra, França, China e Rússia – essas duas estão fora do império, são adversárias dele. Se você ler as declarações do (chefe do Comando Sul das forças armadas norte-americanas,) almirante Craig Faller, ele nomeia quem são os países adversários dos EUA. Achar que a Venezuela é um adversário dos EUA é uma coisa absurda.

Pinheiro Guimarães e a ex-presidente Dilma Rousseff, em 2007, quando ainda estava no Itamaraty. Ao longo de quase duas horas de conversa ele defendeu as bandeiras da política externa do governo Lula, inclusive o alinhamento com o chavismo na Venezuela.
Foto: Sérgio Lima/Folhapress

O senhor acredita que acabará havendo uma intervenção militar estrangeira na Venezuela?
Em hipótese alguma. Para invadir o Iraque, os EUA concentraram na fronteira [do país do oriente médio] 600 mil homens. Antes de invadir. Não se invade um país assim. É complicado. (Na verdade, foram 177 mil soldados, dos quais 130 mil eram norte-americanos. Ainda assim, é quase um terço da população de todo o estado de Roraima, estimada em 576 mil pessoas em 2018.) Isso que houve ataques aéreos antes para destruir as defesas e depois a invasão. E até hoje não se conseguiu dominar a situação. Eles [os EUA] querem montar uma força multilateral, com o Brasil e outros Estados da região, eles naturalmente fornecendo tudo e liderando e querem provocar dentro da Venezuela, com as dificuldades humanitárias e econômicas de todo tipo – eles cortaram tudo, até acesso aos bancos. Para lá enfrentar a China e a Rússia. Tudo isso é um jogo muito difícil, muito complicado, muito delicado.
Qual o risco para o Brasil de ter um tabuleiro dessa nova guerra fria na sua fronteira?
Não tem nenhuma vantagem para nós. Vamos supor que o Macri perca na Argentina, o que é uma probabilidade, segundo os jornais. E o presidente Bolsonaro já aproveitou a oportunidade para intervir na política interna da Argentina, ao declarar que [a eventual eleição de Cristina Kirchner] seria criar “uma nova Venezuela ao sul do Brasil”. Um absurdo, contraria todos os nossos interesses. A Argentina é um dos principais parceiros comerciais, de investimentos, grande parte do turismo no Brasil é de argentinos. Não se dá palpite, cada país tem sua evolução histórica, suas características, sua autonomia. Isso é que permite haver um certo sistema internacional, ou pelo menos a aparência dele, para organizar certas coisas até um certo limite. Então, tudo isso só nos prejudica no longo prazo. [O Brasil] Não ganha nada, não ganhou nem a questão da OCDE agora, apesar de fazer uma concessão enorme. O que um contínuo vai fazer no country club do Rio de Janeiro? Talvez ser garçom. A OCDE é um clube de ricos. Tem o México, que os EUA botaram para dentro devido ao Nafta. Mas não é um país desenvolvido, basta acompanhar o noticiário.
Mostramos, há alguns dias, que o BID tem um plano preparado para irrigar a Venezuela com bilhões de dólares assim que Nicolás Maduro seja derrubado. É uma notícia que o surpreende? Qual a força do governo dos EUA num organismo multilateral mas sediado em Washington e do qual os próprios EUA são os principais acionistas? Até que ponto instituições como o BID são usadas pela Casa Branca para atingir seus interesses?
‘[O Brasil] está no compartimento de bagagens.’
[O governo dos EUA é o] Principal acionista e comandante da área operacional, tanto do Banco Mundial quanto do BID. Há muitos anos atrás, creio que no governo [do republicano Ronald] Reagan, se falou em mudanças sobre o Fundo Monetário Internacional. Daí o secretário do Tesouro norte-americano foi ao congresso de lá dar um depoimento sobre a importância do FMI e explicou o seguinte: o Fundo permite que os EUA imponham a sua política sem aparecer. O Departamento do Tesouro tem enorme influência sobre esses organismos. Nada é aprovado sem os EUA, nada. Sempre foi assim. (Irônico) Desculpe, eu estou muito radical hoje (ri). Deveria estar menos radical. Mas você viu o editorial da Folha de hoje? É de uma violência extraordinária: [fala em] ‘bando de lunáticos” que cercam o presidente. Bando de lunáticos!
O senhor concorda?
Estou só dizendo o que diz o editorial da Folha. Os editoriais da Folha, do Estado, têm sido muito críticos, muito contundentes. Como eu dizia lá atrás, há províncias de primeiro grau, que se sentam na classe executiva. Mas o piloto não vai à classe executiva perguntar como deve conduzir o avião. Nunca os EUA perguntam à França, à Inglaterra, o que fazer. Vão lá e fazem. Depois vem um pessoal tipo Japão, Alemanha, que foram adversários na guerra, mas também não são muito escutados. Em seguida, aqueles europeus tipo Itália, Espanha, Portugal (novamente irônico), aquele lixo mestiço, católico, papista. Depois a Europa oriental, que [para os EUA] não têm a menor importância…
Usando a metáfora que o senhor fez há pouco, o Brasil está na classe econômica do avião?
Não. Está no compartimento de bagagens.
Um veterano embaixador nos disse que Ernesto Araújo promoveu uma “revolução cultural como a chinesa” no Itamaraty, ao subverter a hierarquia colocando gente com menos tempo de carreira para comandar diplomatas veteranos. São ministros de segunda classe mandando em embaixadores, ou coronéis mandando em generais. Qual o efeito disso num órgão afeito à tradição e à hierarquia como o Itamaraty?
Não é que é afeito à hierarquia, é que [em relações exteriores] experiência conta. Quando você entra no Itamaraty, ainda que seja um gênio, você será um subordinado. Depois, vira chefe de divisão, depois de departamento, depois subsecretário. Ao exterior, primeiro se vai como secretário, depois conselheiro, depois ministro, e vai adquirindo experiência observando os outros, vendo as diferentes situações. Se você for uma pessoa que não tem experiência, para os outros países é uma festa.
Tem sido?
É claro, é só você observar. Uma festa. Nenhum ministério tem uma visão global [do governo] além do Itamaraty e, um pouco, das forças armadas. A chancelaria desenvolve a experiência no trato com os outros estados, que têm os seus interesses. Existe a experiência na negociação. Se você chega e tira as pessoas mais experientes, enfraquece o órgão central de contato com outros estados. Isso prejudica o país, e é tudo que os outros querem.
O atual Itamaraty está sendo ingênuo, então?
Não. Se você parte de uma visão de mundo em que existe o marxismo cultural e que a ONU está aí (começa a rir) para prejudicar o Brasil… É uma visão simplista, ingênua, equivocada.
O chanceler Ernesto Araújo tem um auxiliar de fora do Itamaraty: Filipe Martins, indicado por Olavo de Carvalho.
Não o conheço, nunca o vi na minha vida…
O papel de Marco Aurélio Garcia, que ocupou o mesmo cargo no governo Lula, não foi o mesmo?
Não, não. Ele nunca influiu no Itamaraty, nunca pretendeu [fazer isso], que eu saiba, sempre teve uma posição muito cooperativa. Tinha grande influência junto ao presidente [Lula], desde 1980, na área internacional do PT.
O governo Bolsonaro e seu chanceler dizem que as relações brasileiras com os EUA foram “negligenciadas” nos últimos anos, que a política sul-sul era movida por ideologia. O que o senhor pode dizer a respeito?
Que não é verdade. O presidente Lula conhecia perfeitamente a importância dos EUA – o que não significa subserviência. Ele foi várias vezes aos Estados Unidos, foi recebido com a maior consideração, houve manifestações de [Barack] Obama sobre Lula, antes por [George W.] Bush. Mas as pessoas inventam coisas. O Brasil sabia, em sua campanha por um assento permanente no Conselho de Segurança [da ONU], que o apoio dos EUA era fundamental, assim como da França, Inglaterra, Rússia e China, os cinco membros permanentes. Pode ver os números de comércio com os EUA, a Europa, não caíram. O ministro Celso Amorim tinha as melhores relações com os secretários de estado, inclusive com [a republicana] Condoleeza Rice.
O governo brasileiro tem negado a importância da ONU e de organismos multilaterais surgidos após o fim da segunda guerra. Em fevereiro, Ernesto Araújo foi à Polônia participar de um encontro convocado pelo governo Trump para pressionar o Irã. Lá, ele expressou interesse em “desenvolver relações próximas com outros países do Grupo de Visegrado e com a Itália”, países governados pela extrema direita ou por coalizões de que ela faz parte…
(Irônico) Ele [Araújo] disse que a Polônia é um país de enorme potencial econômico. No reino da fantasia, tudo é possível.
O senhor acha que há, agora, um grau inédito de politização da política externa brasileira?
Eles fazem o que acusam os outros de fazerem! O sogro dele (de Ernesto Araújo, o embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa) exerceu altas funções [no Itamaraty] durante o governo do PT, um homem conservador – e meu amigo, aliás. Um homem correto, educado, conservador, que exerceu funções normais. Ninguém foi perseguido.
Já ouvimos que Seixas Corrêa está bastante embaraçado com o que Ernesto Araújo vem dizendo…
Claro, com um louco dentro de casa… Ele não me disse nada, nem eu ia perguntar, é uma coisa constrangedora. O marido da filha, você tem que defender minimamente.
Um embaixador graduado com quem conversei me disse ver organismos multilaterais como a ONU em risco como nunca desde seu surgimento. O senhor concorda?
A carta das Nações Unidas é o único tratado que estabelece as normas da convivência internacional: autodeterminação dos povos, soberania, igualdade entre os Estados, assim por diante. A gente sabe que não é bem assim, mas está lá. E tem mecanismos de negociação e cooperação em prol da segurança e da paz internacional, aos quais também podemos fazer observações. Os países, na ONU e nas agências especializadas, negociam acordos, muitos dos quais são do interesse do Brasil: sobre florestas, meio ambiente em geral, acordos comerciais. Então, você precisa de apoio de outros países.
Um Itamaraty que é parte de um governo que visa combater o comunismo pode azedar a relação do Brasil com a China, o país comunista que é nosso principal parceiro comercial?
‘No cardápio político, hoje em dia, Bolsonaro está sendo servido. O prato alternativo que se pode escolher é Mourão.’
Acredito que os chineses sabem da importância que tem para eles a relação com o Brasil, a importância do comércio, a perspectiva de investimentos chineses no Brasil, até para garantir o abastecimento deles com produtos primários como minério de ferro, soja. Eles não vão criar nenhum caso. Nenhum. Sabem que tudo é passageiro, e pode ser até que passe mais depressa do que se pense.

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O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães durante audiência sobre a entrada da Venezuela no Mercosul, em novembro de 2007. Ele foi o número 2 do Itamaraty durante o governo Lula.
Foto: Sérgio Lima/Folhapress

O senhor acha isso? Qual sua impressão?
Julho.
O que, em julho? Um impeachment? E aí assume Mourão.
Naturalmente. No cardápio político, hoje em dia, Bolsonaro está sendo servido. O prato alternativo que se pode escolher é Mourão. Outros pratos, como revolução socialista e proletária, estão em falta. Assembleia nacional constituinte? Também não está sendo servido. O que tem é o Mourão. Você pode não gostar, achar que é a volta dos militares, achar o que quiser.
Não o preocupa uma eventual volta dos militares ao poder?
De forma alguma. Por várias razões. Primeiro porque temos um governo ideológico e que divide o país, promove o antagonismo social todos os dias. Agora, liberou as pessoas a transitarem com armas carregadas. É uma coisa inacreditável. Temos 63 mil mortes por ano, em toda a Guerra do Vietnã os EUA não perderam o que morre no Brasil por ano. É um governo que promove ódio racial, todo tipo de confronto na sociedade. Isso é uma coisa muito perigosa. O governador do Rio subiu num helicóptero para acompanhar uma ação em que sujeitos iam matar pessoas. Isso é uma loucura. O general Mourão, desde que tomou posse – antes, não – só fala a coisa certa. Até julho o governo tem que aprovar a [reforma da] previdência, alguma coisa tem que aprovar, porque estão achando que vai ser um milagre, se aprova a previdência e tudo vai se resolver.
‘[Os militares] Passaram 30 anos tentando limpar os aspectos negativos da ditadura para eles. Veio o Bolsonaro e o tempo todo relembra a ditadura.’
Vamos supor que Bolsonaro de fato deixe o cargo, sofra um impeachment. Não é arriscado termos os militares de volta no comando do país?

Não. Em qualquer país do mundo que se respeite, os militares fazem parte da sociedade, não são contra a sociedade. Nos EUA, você acha que o establishment critica os militares? Na França? Na Alemanha? Na Inglaterra? Mas aqui criou-se essa ideia de sociedade civil de um lado e os militares do outro. Foi o príncipe dos sociólogos quem fez isso (irônico, se referindo ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso). Isso criou uma situação em que, primeiro, se tirou a responsabilidade dos civis que apoiaram a ditadura e que muito se beneficiaram, mais do que os militares, que ficaram com a culpa, mas não ficaram ricos. A Globo se criou durante a ditadura, são multimilionários. Os bancos, a mesma coisa. Esse conceito permitiu dizer: “Olha, a ditadura foi uma coisa militar. Aqui estamos nós, os civis, que nunca nos beneficiamos com ela, nunca enriquecemos nela.” Enriqueceram, e muito. Com aquele crescimento muito alto (da economia nos primeiros anos da década de 1970, época do chamado “milagre econômico” brasileiro) com arrocho salarial, eles ficaram milionários, empresários como Gerdau ficaram milionários.
O senhor não vê nenhum risco de uma “recaída” dos militares, um novo AI-2 (o segundo ato institucional decretado pela ditadura, de 1965, que acabou com as eleições diretas para presidente, extinguiu partidos políticos e permitiu uma intervenção do poder Executivo no Judiciário)?
Para quê? Não vale a pena. [Os militares] Passaram 30 anos tentando limpar os aspectos negativos da ditadura para eles. Veio o Bolsonaro e o tempo todo relembra a ditadura. Eles ficam horrorizados com isso. As pesquisas de opinião mostram que os militares são um dos grupos que têm mais confiança da população brasileira. Conseguiram isso, e o Bolsonaro passa o tempo todo lembrando da ditadura, do [ditador chileno Augusto] Pinochet, do [ditador paraguaio Alfredo] Stroessner, do [coronel Carlos Alberto] Brilhante Ustra (um dos principais comandantes da tortura de adversários do regime militar).
Mourão também fez elogios a ele.
Antes de ser vice-presidente. De lá para cá, ele é monitorado pelo alto-comando. Ele não fala por ele, tanto que não é contestado, reparou? Não há nenhum general, da ativa ou da reserva, que tenha contestado Mourão publicamente. Pode ser que eles discutam [internamente], mas publicamente não vi nenhuma declaração. Porque eles sabem que [um eventual fracasso do governo Bolsonaro] vai bater lá neles, entende? Essa confusão que o Bolsonaro está armando, esse caldo de antagonismo, vai bater neles. E não interessa a eles [uma nova ditadura], porque não é mais moda no mundo, não é? Teve a moda das ditaduras militares na América Latina, Brasil, Argentina, toda parte. Hoje em dia, não é mais assim.

terça-feira, 16 de abril de 2019

Lancamento de Contra a Corrente: ensaios contrarianistas - Paulo Roberto de Almeida

Livro de Paulo Roberto de Almeida: Contra a Corrente: ensaios contrarianistas sobre as RI do Brasil; 22/04, 19h30hs, Carpe Diem

O diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida, a Editora Appris e o restaurante Carpe Diem (SCLS 104) convidam para o lançamento do livro, Contra a Corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018, na segunda-feira, 22 de abril, a partir de 19:30hs. Estarão igualmente disponíveis exemplares de dois de seus livros precedentes: Nunca Antes na Diplomacia: a política externa em tempos não convencionais (2014) e O Homem que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos (2017). 
   
O livro Contra a Corrente também pode ser adquirido diretamente junto à Editora Appris, em formato impresso ou digital, no seguinte link: https://www.editoraappris.com.br/produto/2835-contra-a-corrente-ensaios-contrarianistas-sobre-as-relaes-internacionais-do-brasil-2014-2018
O livro Nunca Antes na Diplomacia está disponível, também em dois formatos, no link seguinte: https://www.editoraappris.com.br/produto/126-nunca-antes-na-diplomacia-a-poltica-externa-brasileira-em-tempos-no-convencionais
O Homem que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos; no link: https://www.editoraappris.com.br/produto/1513-o-homem-que-pensou-o-brasil-trajetria-intelectual-de-roberto-campos
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Paulo R. de Almeida
Professor de Economia Política - Programas de Mestrado e Doutorado em Direito
Centro Universitário de Brasília (Uniceub)

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Sobre posturas em temas de diplomacia - Paulo Roberto de Almeida

Um ano e meio atrás, envolvi-me inadvertidamente em um "diálogo" com alunos do Instituto Rio Branco, alguns manifestamente defensores daquilo que eu chamei, não sem uma ponta de ironia (que muitos consideram desprezo, o que também pode ser), de lulopetismo diplomático.
Como a diatribe tomava tons de acirrado debate, resolvi afastar-me desse tipo de diatribe, não sem antes deixar consignado o que eu pensava desse tipo de defesa – que parecia identificar-se com a defesa de criminosos em fase de condenação – e o que eu pensava de minha própria postura.
Abaixo o que escrevi em agosto de 2017.
Paulo Roberto de Almeida
São Paulo, 28 de dezembro de 2018


Um diálogo sobre posturas políticas em questões de diplomacia

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 6 de agosto de 2017.

Não costumo solicitar a qualquer pessoa que me defenda de qualquer ação minha, voluntária ou involuntária, pois acredito que todos devemos assumir responsabilidade por nosso atos e omissões. 
Não me considero um representante típico da diplomacia, aliás nem da academia, pois transito entre os dois ambientes com total independência de pensamento e de ação. Apenas recuso, expressamente, qualquer classificação minha numa dessas categorias estanques pelas quais os “rotuladores” de pessoas costumam enquadrar amigos ou “inimigos”: liberal, conservador, direitista, socialdemocrata, etc. Acho isso simplesmente ridículo: tendo vindo da esquerda, e mesmo da extrema esquerda, em meus anos de ativismo político juvenil – daí resultando um longo exílio no exterior durante a ditadura militar – evolui pragmaticamente como resultado de leituras, viagens e reflexões sobre os capitalismos e socialismos realmente existentes, e tendo constatado, mais do que a miséria material, sobretudo a miséria moral dos sistemas coletivistas e socialistas, daí resultando uma postura que eu consideraria como “racionalista”, não recusando qualquer solução de políticas públicas – estatal ou de mercado – segundo uma avaliação ponderada dos custos e benefícios de quaisquer medidas tomadas em prol do bem-estar e prosperidade social. Um regime de liberdades econômicas é sempre o mais preferível entre todos os sistemas até agora historicamente testados.
Recuso igualmente a pecha de “ideólogo” que muitos querem me atribuir: tenho buscado orientar meus trabalhos analíticos pela maior objetividade possível e com base na honestidade intelectual que costumam caracterizar meus escritos.
O fato de ter escrito “lulopetismo diplomático” não tem qualquer conotação ideológica: foram os próprios companheiros no poder que atacaram a política externa anterior, acusando-a de submissa e alinhada, e fazendo absoluta questão de se demarcar das orientações diplomáticas em curso, até de forma desonesta e mistificadora. Eles mesmos atribuíram um rótulo a sua diplomacia do Sul Global: ela seria “ativa e altiva”, o que é uma classificação pro domo sua, que me habilita igualmente a encontrar um título para o que eles mesmos queriam distinguir.
Ao postar determinados artigos na lista, fui cobrado por notórios admiradores do “lulopetismo diplomático”, que entenderam que eu deveria responder às questões levantadas por eles, como se eu devesse me pautar por cidadãos que sequer se deram o trabalho de ler meus argumentos completos justificadores da crítica radical que fiz, e faço sempre, dos treze anos e meio de desvarios diplomáticos.
Se eles pretendem argumentos sólidos podem encontrar em meu livro “Nunca Antes na Diplomacia”, ou então na coletânea de textos que ofereci gentilmente a todos e a cada um: Quinze anos de política externa: ensaios sobre a diplomacia brasileira, 2002-2017; disponibilizado na Academia.edu (link: https://www.academia.edu/s/37587e7897/quinze-anos-de-politica-externa-ensaios-sobre-a-diplomacia-brasileira-2002-2017?source=link); informado no blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/05/quinze-anos-de-politica-externa-ensaios.html; twittado neste link: https://shar.es/1Rvapr). Também pode ser consultada a longa entrevista que concedi não só sobre o lulopetismo diplomático, mas também sobre as políticas econômicas em curso no período (https://youtu.be/fWZXaIz8MUc). Os que pretendem obter respostas para os seus questionamentos dispõem, portanto, de amplos argumentos sobre o que é esse tal de “lulopetismo diplomático”, uma das grandes mistificações no mais amplo exercício de destruição da economia e da política brasileira por uma organização que não hesito em classificar de criminosa, com base, objetivamente, em todos os relatórios, denúncias, indiciamentos e condenações já registrados.
Por fim, repito o que já disse: nada tenho contra aqueles que defendem o socialismo, o estatismo, um regime de intervencionismo e de controle dos mercados, ainda que eu ache essas pessoas profundamente equivocadas, em bases pragmáticas e objetivas. Apenas acho que pessoas honestas deveriam se resguardar de apoiar criminosos comprovados, e mentirosos confirmados, em suma, desonestos subintelequituais.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 6 de agosto de 2017.

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

O aparelhamento do Itamaraty sob o lulopetismo - Miguel Gustavo de Paiva Torres

O aparelhamento do Itamaraty


Miguel Gustavo de Paiva Torres, diplomata

Diário do Poder, 18/10/2018
https://diariodopoder.com.br/o-aparelhamento-do-itamaraty/

Na última semana de dezembro de 2002, época de festas natalinas e réveillon, coube a mim participar, em regime de plantão de fim de ano, ao lado de um colega embaixador, da recepção de uma equipe de transição do Partido dos Trabalhadores, que percorria a esplanada em busca de informações administrativas para a então iminente posse do novo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em primeiro de janeiro de 2003. Para nossa surpresa, verificamos que o interesse principal da equipe de transição, que visitava naquele dia o Itamaraty , era tão somente um assunto específico: quantos DAS ( Direção e Assessoramento Superior) e DAI ( Direção e Assessoramento Intermediário), referentes a cargos de chefias e assessoramentos, estavam disponíveis para preenchimento em nosso Departamento específico e no Ministério em geral.
Cuidadosamente, explicamos aos nossos interlocutores que todos os cargos do Ministério das Relações Exteriores, por lei, eram restritos aos membros do Serviço Exterior Brasileiro, admitidos por concursos públicos e , no caso específico dos diplomatas, com formação no Instituto Rio Branco, também matéria legal.
Foi evidente o desconforto da equipe visitante com a nossa resposta, mas prosseguiram tomando notas e com novas questões sobre o funcionamento da máquina administrativa do Ministério. Com o desenrolar do novo governo, alterações paulatinas passaram a ocorrer na área administrativa do MRE, uma das mais estranhas foi a de transportes internacionais das mudanças dos funcionários do Serviço Exterior, rubrica com importante impacto financeiro no minguado orçamento da Casa.
A tradição administrativa, até então, era a de que cada funcionário deveria convidar três empresas de mudanças para realizar orçamento, e o mais barato venceria, salvo em caso de comprovada inidoneidade ou ineficiência da empresa convidada , que deveria constar obrigatoriamente de cadastramento no Ministério. No exterior o processo era idêntico: o funcionário que estava em Tóquio, sendo removido para a Bolívia ou para o Brasil deveria convidar três empresas idôneas locais cadastradas no Consulado ou na Embaixada, para processo idêntico. As empresas vencedoras, aquelas de menor preço, eram responsáveis pelo recolhimento e entrega da mudança no sistema porta a porta.
Deixou de ser assim.
O Itamaraty passou a ter uma lista especifica de empresas brasileiras escolhidas para gerenciar as mudanças por regiões do mundo, e as contratações das mudanças entre postos no exterior e entre os postos e Brasília, a serem feitas exclusivamente por essas empresas brasileiras autorizadas, sem a possibilidade de escolha e decisão dos funcionários e dos postos. Assim, se você estava em Ulan Bator, na Mongólia, e precisava levar sua mudança para o Consulado em Santa Cruz de La Sierra, quem decidiria qual seria a empresa da Mongólia a adentrar sua residência e fazer a mudança passava a ser a empresa brasileira responsável por aquela região do mundo. No mínimo estranho. Esdrúxulo.
Aos poucos, por motivos de serviço, foram sendo requisitados funcionários de outros ministérios e se deu início, também, a um processo de terceirização nas atividades meio, com justificativa de economicidade. O Ministério homogêneo que garantiu excelência no serviço público por largo período da nossa história diplomática, passou a ter uma massa crescente e heterogênea de funcionários, circulando por salas e espaços depositários de documentos confidenciais e secretos.
Finalmente, para completar o quadro da suposta democratização administrativa do Ministério, seguiu-se um acelerado processo de promoções e remoções de funcionários do serviço exterior para postos chaves da diplomacia brasileira, e um afastamento progressivo de toda uma geração que dirigiu a política externa do Brasil até o início dessa nova fase administrativa. Os que permaneceram na ativa foram relegados a consulados confortáveis, para não reclamarem, a postos exóticos e distantes ou ao ostracismo permanente.
Caso emblemático ocorreu em El Salvador, onde embaixador exemplar, de fina competência e trato, passou a receber pedidos-ordens da primeira dama do país, uma senhora brasileira militante do Partido dos Trabalhadores, casada com o então Presidente socialista salvadorenho. Evidente que o digno representante brasileiro não aceitou essas interferências indevidas. Por este motivo, de não aceitar, sofreu brava reprimenda do nosso então Ministro das Relações Exteriores, sucessor de Celso Amorim, por não tratar o caso com “sensibilidade política”.
O Embaixador foi retirado do Posto para ser enviado para Sri Lanka, onde certamente não necessitaria da sensibilidade política preconizada pelo chefe, entre aspas, da diplomacia brasileira. Claro que o competente embaixador não aceitou a decisão manu militaris de ser enviado para onde não deveria ser. E sobreviveu ao tsunami do aparelhamento ideológico da esplanada dos ministérios.
Miguel Gustavo de Paiva Torres é diplomata.

terça-feira, 10 de julho de 2018

Fim da Unasul, fim do lulopetismo diplomático: seria real? - PRAlmeida

Na apresentação à compilação que efetuei de alguns trabalhos meus –  poucos, fui seletivo – sobre o que chamei de "lulopetismo diplomático", e colocada à disposição dos leitores com este título: 
Apogeu e declínio do lulopetismo diplomático
(disponível neste link: https://www.academia.edu/s/e421c22bd9/miseria-da-diplomacia-apogeu-e-declinio-do-lulopetismo-diplomatico)
eu perguntava o seguinte: 
    Treze anos de misérias diplomáticas: estaria o Brasil vacinado?

Creio sinceramente que não. Grande parte da academia, e algumas partes da própria diplomacia profissional parecem achar que a tal de "ativa e altiva" era a melhor diplomacia que o dinheiro pode comprar (ou roubar). Muitos suspiram de saudade em relação a essa estupidez geográfica chamada "Sul Global", imaginando que um país "periférico" como o Brasil só poderia mesmo praticar essa burrice da chamada "diplomacia Sul-Sul". Alguns, não sei se ingênuos, desinformados, ou simplesmente de má-fé acham que agora passamos a olhar só para o Norte, esperando as diretrizes desse monstro metafísico chamado "Consenso de Washington". 
Mas, a desocupação da sede da Unasul pelo governo pouco leninista de Lenin Moreno, no Equador, prometer encerrar com a triste trajetória desse outro avatar bolivariano que foi a Unasul, uma invenção original do lulopetismo para escapar da "tutela do império", e logo dominada, desviada e dominada pelos petrodólares chavistas para cumprir um triste papel de linha auxiliar do Foro de S. Paulo, essa emanação do Partido Comunista Cubano, orquestrada servilmente pelos companheiros alinhados do Brasil para servir como uma espécie de Cominform do castrismo enquanto durou a aventura dos ineptos e corruptos.
Ainda há muita coisa a ser feita para limpar o entulho totalitário deixado pelos êmulos do neobolchevismo latino-americano.  Mas já é alguma coisa.
Reproduzo aqui o sumário dessa minha compilação e a sua introdução escrita rapidamente no primeiro semestre deste ano, mais exatamente em fevereiro.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10 de julho de 2018

Apogeu e declínio do lulopetismo diplomático

Índice geral

Treze anos de misérias diplomáticas: estaria o Brasil vacinado? , 9

1.     Epitáfio do lulopetismo diplomático , 15
2.     O Itamaraty e a diplomacia em tempos não convencionais , 19
3.     Do lulopetismo diplomático a uma política externa profissional , 29
4.     O renascimento da política externa , 37
5.     Política externa e política econômica no Brasil pós-PT , 51
6.     O que faria o Barão hoje, se vivo fosse? , 57
7.     Auge e declínio do lulopetismo diplomático , 65
8.     O lulopetismo diplomático: um experimento exótico , 85
9.     O Itamaraty e a nova política externa brasileira , 91
10.   A política externa e a diplomacia no século XXI , 109
11.   Crimes econômicos do lulopetismo na frente externa , 123
12.   Uma visão crítica da política externa: a da SAE-SG/PR , 131
13.   Depois da diplomacia companheira: o que vem pela frente? , 153
14.   A diplomacia na construção da nação: qual o seu papel? ,  157
15. Política externa brasileira recente: algumas questões tópicas , 167

Relação cronológica dos trabalhos recentes sobre diplomacia brasileira , 179
Livros de Paulo Roberto de Almeida ,  181
Nota sobre o autor  ,  185

Treze anos de misérias diplomáticas: estaria o Brasil vacinado? 

Esta nova compilação de trabalhos sobre a política externa e a diplomacia brasileira pode ser vista como dando continuidade a uma assemblagem anterior, que eu havia feito apressadamente para apoiar um curso sobre esses temas no primeiro semestre de 2017: Quinze anos de política externa: ensaios sobre a diplomacia brasileira, 2002-2017(Brasília: Edição do Autor, 2017, 366 p.; blog Diplomatizzando: (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/05/quinze-anos-de-politica-externa-ensaios.html). Essa coletânea, por sua vez, já incorporava uma relação preliminar feita ao final de 2016: “Uma seleção de trabalhos sobre a política externa brasileira na era Lula, 2002-2016” (Brasília, 6 junho 2016, 13 p.; também disponível no blog Diplomatizzando:http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/06/a-politica-externa-brasileira-na-era.html). Ambas se ocupavam, basicamente, da política externa e da diplomacia nos primeiros três lustros do século XXI, quando vigorou aquilo que eu logo chamei de “lulopetismo diplomático”, uma das principais facetas do lulopetismo em geral, que havia literalmente atropelado o país durante todo aquele período. 
Tanto a política lulopetista em geral, quanto sua vertente externa foram por mim acompanhadas atentamente, a cada passo, a cada medida, a cada iniciativa do bizarro regime, que no entanto dispunha de amplo apoio na sociedade, nos meios políticos e especialmente na academia, sem esquecer a própria diplomacia. Na postagem dessa relação de junho de 2016 eu dizia que os trabalhos possuíam um “caráter geralmente acadêmico, mas não posso recusar certa orientação opinativa (e portanto subjetiva, mas bem informada, pela minha condição de diplomata) sobre esses tempos não convencionais nas relações exteriores do Brasil, um período no qual a diplomacia brasileira esteve associada ao Foro de São Paulo (uma organização controlada pelos comunistas cubanos) e aos chamados bolivarianos. Agora que isso passou, posso ser mais crítico, e incisivo, sobre esses anos de chumbo da diplomacia brasileira.”
Mas, antes mesmo de ser enterrado o bizarro regime, e sem ter certeza de que a sociedade conseguiria superar a fraude e a mistificação daqueles anos excepcionais, eu já tinha publicado um livro inteiro sobre o “rabo diplomático” do “cachorro lulista”, este aqui: Nunca Antes na Diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014). Esse livro não foi feito pensando nas eleições presidenciais daquele ano, mas não deixou de ser surpreendente que, consideradas todas as informações já disponíveis sobre os descalabros econômicos, as fraudes políticos, e o espetáculo de corrupção desvendado desde o início daquele ano, que os companheiros obtivessem mais um mandato para arruinar o país. Por uma dessas ironias da história, a continuidade das investigações revelou que o candidato da oposição também estava profundamente envolvido numa gigantesca teia de corrupção, que unia as grandes empresas do país aos principais partidos políticos e seus líderes.
Seria inevitável que o ativismo lulopetista em todas as direções, por quaisquer meios disponíveis, não poupasse tampouco o lado internacional das políticas públicas. Aliás, o “rabo” da diplomacia chegou mesmo a abanar o “cachorro” do lulopetismo, tal a importância dada a essa política pelo chefe da “organização criminosa” – segundo o ministro Celso Melo, do STF – que dominou o país desde o início de 2003, como já tinha sido evidenciado por ocasião do Mensalão, em 2005. Essa importância foi bastante ressaltada pelas investigações de um jornalista, Fabio Zanini, cujo livro foi objeto de uma resenha aqui inserida; mas, à diferença do Mensalão, não haviam sido detectadas até recentemente todas as manobras criminosas empregadas pela tropa de meliantes políticos que desviou recursos de fontes brasileiras e estrangeiras.
Minha relação de trabalhos cobrindo essas áreas é bem superior, mas coletei neste volume apenas aqueles que já tinham sido publicados ou divulgados pelos canais habituais que utilizo. Alguns outros serão divulgados oportunamente, o que permitirá justificar plenamente o título escolhido para este volume e esta apresentação: “miséria da diplomacia”, o que me parece muito evidente, sobretudo a partir de uma visão interna, portanto bem informada e “prevenida”, sobre as iniciativas tomadas na vertente externa do Brasil. Essa visão precede, inclusive, a própria diplomacia e o regime dos companheiros, pois se estende, originalmente, às organizações da esquerda armada que provocaram a radicalização do regime militar desde meados dos anos 1960 até o final do período autoritário. Um conhecimento sobre os métodos de atuação dos militantes neobolcheviques que se integraram ao partido hegemônico da esquerda, aqueles que eu chamei de “guerrilheiros reciclados”, permitiu retirar elementos de convicção quanto à ação deletéria, em grande medida encoberta, desenvolvida por eles igualmente na frente externa, o que entretanto é difícil de ser evidenciado, em virtude, precisamente, da falta de provas documentais de muitas dessas ações nessa vertente (sobretudo aquelas feitas em direção, e em acordo com regimes vinculados ao Foro de São Paulo). 
Esse lado da “miséria diplomática” talvez não possa ser exposta em toda a sua extensão, pois, à diferença daquilo que ocorreu com os papeis da Stasi, no momento da queda do muro de Berlim e da incorporação relativamente rápida da RDA à República Federal da Alemanha, os companheiros e seus aliados externos tomaram as devidas precauções para “neutralizar” possíveis evidências da diplomacia paralela conduzida de modo obscuro durante toda a duração do regime companheiro. Em alguns dos meus escritos aqui coletados eu abordo esse aspecto da “miséria diplomática”, que é o seu lado obscuro, mas que ainda não foi objeto de estudos mais detalhados. 
Como conhecedor de longa data do movimento comunista internacional, e de seus “derivativos” nacionais, surpreende-me que doutrinas, práticas e argumentos já devidamente denunciados e expostos claramente desde os estertores do regime stalinista nos anos 1950 – objeto de inúmeros livros esclarecedores a esse respeito, entre eles um dos mais famosos, O Ópio dos Intelectuais, de Raymond Aron, prefaciado no Brasil por Roberto Campos, o Aron brasileiro –, ainda tenham plena vigência nos meios políticos e acadêmicos do Brasil, e encontrem bastante aceitação em camadas mais amplas da opinião pública. Mais surpreendente ainda é que, a despeito de todas as denúncias e condenações já oficializadas quanto aos atos criminosos perpetrados pelos principais chefes do partido hegemônico da esquerda, várias dessas pessoas bem informadas ainda insistam em apoiar os personagens. Não é preciso lembrar aqui que o próprio chefe da chancelaria brasileira durante boa parte do regime lulopetista, diplomata de carreira, figura nessa tropa de choque constituído para uma defesa quase impossível, de certo modo desesperada, do grande responsável pela corrupção avassaladora a que assistimos durante todos esses anos de euforia, de fraudes e de mistificações. 
Meus textos não se ocupam de tais crimes comuns, mas várias das ações externas conduzidas pelo poder petista, com base em recursos nacionais, podem configurar o que eu chamaria de “crimes econômicos” (talvez não muito diferentes de crimes comuns), uma vez que diversas “intervenções” externas pelo então chefe de Estado, depois ex-presidente, foram precipuamente conduzidas para se integrar a essa cadeia de corrupção montada deliberadamente por esses líderes políticos em pleno acordo com os dirigentes de grandes empresas geneticamente corruptas. Por outro lado, pontos obscuros da ação externa dessa diplomacia lulopetista foram diversas vezes detectados em determinados episódios – nacionalização de ativos brasileiros no exterior, apoio financeiro a aliados ideológicos, por exemplo – também poderiam ser catalogados sob a rubrica de “crimes diplomáticos”, ou seja, mais um aditivo definidor da “miséria da diplomacia” que legitima a opção pelo título deste compêndio. Continua a existir uma imensa zona de sombras sobre o desenvolvimento de toda a diplomacia lulopetista.
Ainda assim, e a despeito de todas as evidências e sinais “precursores” de que coisas estranhas estavam acontecendo na diplomacia brasileira durante esses anos de euforia do lulopetismo, sua vertente diplomática continuou a dispor de amplo apoio entre os principais formadores de opinião no Brasil, notadamente nos meios acadêmicos e jornalísticos, com ampla capacidade de convencimento dos “corações e mentes” dos brasileiros comuns, simples eleitores ou até membros das chamadas elites. Nisso, a esquerda em geral e o lulopetismo em particularmente foram particularmente eficientes – sobretudo usando recursos do Estado para divulgar sua versão deformada da realidade e sustentar propaganda mentirosa por diversos canais de comunicação – na veiculação e na disseminação de uma visão do mundo conforme a seus princípios ideológicos, que encontram, por isso mesmo, grande aceitação em diversos meios. 
Tenho plena consciência de que meus escritos destoam, em grande medida, das análises acadêmicas e dos próprios argumentos diplomáticos normalmente encontrados nos diferentes veículos que se dedicam à discussão e análise da política externa, das relações internacionais e da diplomacia brasileira. Talvez porque eu me dedique não só a uma exposição descritiva do que é feito na vertente externa das políticas públicas do Brasil, mas também por que é feito, e por quem é conduzido, e com quais motivações. Começo, aliás, por discordar frontalmente da terminologia geralmente empregada nas exposições e análises “normais”, que tendem a caracterizar as ações diplomáticas como sendo “do Brasil”, quando eu me inclino a falar diretamente da “diplomacia lulopetista” como sendo diferente, específica e peculiar às forças que controlaram o poder do Estado durante os anos de seu controle dos executivos federais (e até de outros poderes). 
Meus artigos – os aqui compilados, os demais em livros ou periódicos, inclusive os ainda não divulgados  – não esgotam, obviamente, a análise de todos os aspectos conceituais e operacionais daquilo que eu chamei de “miséria da diplomacia” no Brasil. Isso que vai requerer ainda certa pesquisa (mas existem muitos fatos sem documentação adequada) e acesso adequado a atores envolvidos em vários episódios não devidamente documentados ao longo desses anos de fraudes, mentiras, de mistificações e de crimes, de diversas ordens. De minha parte não tenho nenhuma hesitação em expressar minha opinião fundamentada sobre esses anos pouco gloriosos de nossa trajetória política. Só não tenho certeza de que o Brasil e os brasileiros estejam devidamente vacinados contra essa “doença de pele”, que representou o lulopetismo, a despeito de todos os crimes desvendados e de todos os processos concluídos ou em curso. Talvez ele seja mais do que uma simples “doença de pele”, e conforme uma predisposição “genética” na incorporação de concepções políticas e econômicas absolutamente nefastas e prejudiciais à boa governança do país, e nisso se confunda com outras “epidemias” muito comuns no Brasil: patrimonialismo tradicional, corporativismo entranhado, protecionismo exacerbado, nepotismo e fisiologismo extensivos, nacionalismo primário e ingênuo, estatismo atávico e outros “ismos” desde longe presentes em nossa cultura e no sistema político. 
Na diplomacia, no entanto, vigorava, um profissionalismo meritocrático – ainda que contaminado por diversos resquícios “feudais” – e uma excelente capacitação dos recursos humanos, o que sempre distinguiu o serviço exterior no conjunto das carreiras de Estado e das instituições de boa qualidade a serviço do Estado e dos governos. O período lulopetista afetou apenas superficialmente o serviço diplomático em si, ainda que tenha contaminado mais amplamente a orientação da política externa e da atuação do Estado brasileiro em escala regional e internacional. Esperemos que ao menos o serviço diplomático tenha sido vacinado contra o exotismo e a bizarrice dessa presença deformadora em nossa diplomacia, com um mínimo de efeitos colaterais sobre suas ações futuras. É o que posso esperar como participante e analista – relativamente objetivo e independente – de nossa política externa e de nossa diplomacia nos últimos 40 anos de atividades e de reflexões nesse campo especializado da ação estatal.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 17 de fevereiro de 2018