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sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Percursos Diplomaticos: Samuel Pinheiro Guimaraes - Paulo Roberto de Almeida

Tivemos esta tarde, no IRBr, uma palestra do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, extremamente agradável.
Abaixo, texto que li na abertura da sessão.
O vídeo da palestra será disponibilizado tão pronto preparado, em nosso site.
Paulo Roberto de Almeida 


Percursos Diplomáticos: uma reflexão necessária

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: reflexão introdutória; finalidade: acolher um depoimento]

Permitam-me uma breve introdução a este novo depoimento dentro da série dos “Percursos Diplomáticos”, que talvez possa servir como reflexão de meio de caminho.
Pouco menos de dois anos atrás, após ter começado a trabalhar como diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), depois de uma década e meia afastado de qualquer função na Secretaria de Estado, reuni-me com o diretor do Instituto Rio Branco, o então ministro, como eu, hoje embaixador, José Estanislau do Amaral Souza Neto, para planejar o que poderiam fazer, conjuntamente, nossas duas instituições. Ambas estão dedicadas à produção de conhecimento, seja pela formação de capital humano para a diplomacia, como é a função primária do Rio Branco, ademais de aperfeiçoar constantemente os diplomatas já formados pelos seus cursos de revisão dos grandes temas da diplomacia, ou de aperfeiçoamento e especialização em nível superior, seja, pelo lado do IPRI, pela pesquisa, organização de seminários, palestras e debates e também a produção de publicações relevantes dentro da agenda diplomática brasileira, que são as suas áreas de trabalho. 
Vim visitá-lo aqui no Rio Branco e, em sua mesa de trabalho do 1o. andar, começamos a planejar novas iniciativas para reforçar o que ambos pressentíamos que deveria ser a vocação e o objetivo principal dos dois institutos: exatamente aquilo que poderia ser designado de “diplomacia do conhecimento”. Decidimos então, eu e Estanislau, iniciar uma vertente pouco explorada até aqui pela nossa Casa, que não dispõe nem de um historiador institucional, nem de um programa de história oral. Resolvemos criar um espaço dedicado à exposição pessoal dos, e de um diálogo aberto com os diplomatas seniores da Casa, funcionários que souberam deixar sua marca na diplomacia, e que ainda têm algo a dizer às gerações mais jovens, em especial aos novos ingressantes na carreira, estudantes do Rio Branco e diplomatas em início de carreira. Seria uma oportunidade para que os diplomatas aposentados oferecessem um testemunho pessoal sobre seu itinerário no serviço exterior brasileiro, sobre seu ingresso e formação, sobre as grandes etapas da carreira e sobre as experiências adquiridas ao longo de várias décadas de trabalho a serviço do Brasil, na Secretaria de Estado, nos postos no exterior, em outros órgãos da administração pública, ou até na vida acadêmica, numa eventual expressão artística, assim como na produção intelectual. 
O Itamaraty é um conglomerado extraordinário de servidores vocacionados para a ação exterior do Estado brasileiro, funcionários que já ingressam na carreira a partir de uma preparação extremamente exigente, e que são constantemente requeridos a comprovar essa excelência nos cursos criados para reforçar sua preparação e estudo em algumas etapas do processo de ascensão funcional, e que continuam a ser testados em diferentes áreas de trabalho, na Secretaria de Estado e nos postos do exterior. Eles adquirem com isso – pois a isso são forçados pelas circunstâncias especiais da carreira – uma enorme experiência de vida, pois que residindo em todos os cenários geográficos, políticos e diplomáticos abertos ao engenho e arte da diplomacia brasileira. Esses postos são os mais variados, indo do famoso circuito Elizabeth Arden aos chamados postos C ou D, ditos de sacrifício, sobretudo no plano familiar ou do pouco conforto material. 
Depois de alguma hesitação quanto à designação que deveríamos dar a essa nova série, nos fixamos neste nome, “Percursos Diplomáticos”, concebido exatamente como uma exposição absolutamente pessoal, focada no itinerário de carreira dos convidados a este exercício, mas totalmente aberta às preferências de cada um, quanto ao tipo de testemunho a ser oferecido à audiência, segundo as inclinações peculiares a cada um deles. Desde março de 2017, quando demos início à iniciativa com a presença do embaixador Rubens Ricupero, tivemos outros nove depoimentos, seguidos de debates, com os embaixadores Marcos Azambuja, José Alfredo Graça Lima, Roberto Abdenur, Rubens Barbosa, Thereza Quintella, Gelson Fonseca, Celso Lafer, Ronaldo Sardenberg e Maria Celina de Azevedo Rodrigues. Esses depoimentos estão disponíveis na página do IPRI (http://www.funag.gov.br/ipri/index.php/percursos-diplomaticos), aos quais eu poderia agregar o depoimento do embaixador Synesio Sampaio Goes, embora feito em outro formato. Este ano o IPRI ainda vai trazer, para falar no Rio Branco, Jório Dauster, Osmar Chohfi e Sérgio Duarte, todos eles conhecidos por eminentes serviços prestados à diplomacia brasileira ao longo de várias décadas.
Este é o caso, igualmente, do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Neto, uma vez que ele preenche todos os critérios sob os quais concebemos, Estanislau e eu, os convites prioritários a serem feitos ao abrigo desta série voltada aos aposentados, conhecidos por trajetórias de carreira especialmente relevantes do ponto de vista da política externa e da diplomacia brasileira. Agradeço pessoalmente ao embaixador Samuel ter aceito meu convite para falar a vocês, alunos e colegas, e também, agora e por meio do registro audiovisual, a todos os interessados em seu depoimento sobre um dos momentos mais importantes vividos pelo Itamaraty. 
Qualquer que seja o julgamento que se faça sobre a diplomacia levada a efeito entre os anos 2003 e 2016, período com o qual o embaixador Samuel está especialmente identificado, seu depoimento é, sem qualquer dúvida, altamente relevante no plano histórico e também político. Mas não é apenas ou principalmente sobre esse período de nossa diplomacia que ele foi convidado a falar, mas sobre o conjunto de sua carreira. Essa carreira atravessou, aliás, vários regimes políticos, ou várias fases da vida pública brasileira, assim como de nossa própria diplomacia. 
Samuel ingressou na carreira diplomática sob a égide da República de 1946, contemporaneamente à chamada Política Externa Independente; ele atravessou todo o regime militar, exercendo os seus talentos a serviço do Estado brasileiro, não necessariamente em benefício dos governos militares; continuou se dedicando aos grandes temas da diplomacia na redemocratização, com ênfase, sobretudo, no processo de integração bilateral com a Argentina, e regional, no contexto sul-americano, dos quais ele foi um paladino. Mais importante, foi um dos meus antecessores no IPRI, do qual foi ingloriosamente afastado pela ação censória da famigerada “Lei da Mordaça”, quando lhe tolhera, a livre expressão de suas opiniões quanto a determinados rumos das relações exteriores do Brasil, em especial no tocante ao Mercosul e à Alca. Finalmente, na transição de 2002-2003, foi chamado a exercer a mais alta função a que pode aspirar um servidor do Serviço Exterior, nos quadros da própria carreira diplomática: a de Secretário Geral das Relações Exteriores.
Ele foi um ativo Secretário Geral nos primeiros sete anos dos governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores, provavelmente o principal animador de sua política externa. Ao se aposentar do Itamaraty, em 2009, foi convidado a exercer o cargo de Ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, e depois se tornou o Alto-Representante Geral do Mercosul, por breve período, cargo que não hesitou em deixar quando constatou falta de apoio dos governos às suas propostas. 
Ao longo de uma carreira sempre permeada por muitas pesquisas, pela docência e publicações diversas, Samuel deixou uma marca própria no pensamento diplomático, especialmente durante os anos que lhe coube administrar na prática o serviço exterior, na condição de Secretário Geral das Relações Exteriores. Essa fase, que correspondeu aos dois governos do presidente Lula, retomou o velho costume, bastante usual durante o período militar, de designar sob um conceito unificador a diplomacia que se pretendia desenvolver. Tínhamos tido, antes, a “diplomacia da prosperidade”, sob Costa e Silva e Magalhães Pinto, a “diplomacia da Grande Potência”, sob Médici e Gibson Barbosa, a “diplomacia do pragmatismo responsável”, sob Geisel e Azeredo da Silveira, e a “diplomacia ecumênica e universalista”, sob o último presidente militar, Figueiredo, com o chanceler Saraiva Guerreiro. A “diplomacia presidencial”, que parece ter sido exercida por Fernando Henrique Cardoso, ganhou essa designação malgré lui, ou seja, não que ele, ou o chanceler Lampreia, a tenham designado por esse nome, que foi bem mais uma designação jornalística do que propriamente diplomática. Já o chanceler Celso Amorim fazia questão de chamar a diplomacia do governo Lula, que ele dirigia, junto com Samuel e o assessor internacional da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, de “ativa e altiva”, e tinha orgulho dessa designação, que prometia reproduzir o estilo e alguma substância da antiga Política Externa Independente. 
Qualquer que seja a importância que se atribua a um simples rótulo, não há como recusar a centralidade que teve a política externa no conjunto das políticas desenvolvidas sob o chamado lulopetismo. Não estou certo de que a política externa “ativa e altiva” mereça esse rótulo de lulopetismo diplomático, termo que eu mesmo empreguei em diversas ocasiões. Alguns acadêmicos consideram que a política externa desses anos se propunha, como talvez a revolução bolchevique setenta anos antes, não apenas orientar um país, mas, mais exatamente, remodelar a nação com base em novos valores e princípios políticos. Os companheiros quase o conseguiram, e talvez também por isso mesmo eu tenha me arriscado – parafraseando a periodização histórica do mundo ocidental, dividida entre um AC e um DC, um Antes e um Depois de Cristo – a estabelecer um novo calendário político para a história recente do Brasil, sob a forma de um AC e um DC, um Antes e um Depois dos Companheiros. 
No intervalo entre um e outro, se situa uma fase certamente diferente da política externa brasileira, e nela Samuel Pinheiro Guimarães desempenhou um relevante papel de ideólogo dessa diplomacia, no sentido mais estrito e direto do conceito de ideologia. Sem qualquer conotação depreciativa desse termo, o que nos interessa saber, enquanto diplomatas, pesquisadores, ou futuros historiadores dessa política externa, é como, exatamente, foi estabelecido o processo de decisão diplomática nesses anos, que é uma questão central na avaliação de um período tão importante de nossa história recente. 
O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães está especialmente dotado de um conhecimento intrínseco sobre esse período, para nos contar como foram pensadas e formuladas as principais ideias que moveram a política externa ativa e altiva, e como funcionava a diplomacia lulopetista (ou qualquer outra designação que ele preferir). Eu sou, como provavelmente muitos colegas e outros interessados aqui presentes, um leitor de seus muitos escritos, assim como fui um espectador de seu desempenho à frente da Secretaria Geral do Itamaraty. Embora eu tenha sido um observador um pouco distante de sua gestão, pois nunca trabalhei na Secretaria de Estado durante seus novo anos de Secretaria Geral, acompanhei atentamente as iniciativas e novidades da diplomacia ativa e altiva, tanto que a ela dediquei um livro inteiro: Nunca Antes na Diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais, publicado em 2014. 
Caro embaixador Samuel: tenho o prazer de lhe passar a palavra para que nos fale sobre o seu percurso diplomático. 

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 12-24 de agosto de 2018

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