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sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Carlos Lacerda: confrontando Getulio Vargas em 1950

Agradeço enfaticamente ao Carlos Mauricio Pires Albuquerque Ardissone por ter não apenas corrigido meu erro monumental, ao atribuir o alerta abaixo de Carlos Lacerda à circunstância da eleição de JK, em 1955, e não, como é o correto, à eleição de Getúlio Vargas, em 1950. Feita a correção, transcrevo o texto gentilmente cedido pelo Carlos Ardissone, a quem manifesto uma vez mais minha gratidão pela retificação.
Paulo Roberto de Almeida

ADVERTÊNCIA OPORTUNA
Carlos Lacerda
Tribuna da Imprensa, 1º de junho de 1950

A esta hora terá o sr. Getúlio Vargas recebido uma advertência oportuna. Não se trata de retirar-lhe os direitos políticos, pois o que não foi feito a 29 de outubro não teria cabimento agora. Menos ainda se trata de proibir-lhe o acesso a assembleias legislativas, para uma das quais, a mais alta de todas, foi eleito e à qual não se dignou de comparecer.

Trata-se, isto sim, de advertir o antigo ditador sobre os perigos que ele faz correr a nação, e os que ele próprio terá de arrostar, se insistir em se prevalecer das armas democráticas que negou aos seus concidadãos para voltar ao poder de que se havia apropriado pela força.

Essa advertência feita agora com ponderação e equilíbrio pelo Ministro da Guerra, sem arreganhos de força, mas sem o açodamento ignóbil com que alguns políticos e outros tantos militares desmandados procuram fazer reverdecer a árvore seca da ditadura, deve calar fundo no espírito do sr. Getúlio Vargas.

Ele bem sabe que não tem o direito de protestar contra qualquer aparente cassação de seus direitos de ser candidato à presidência da República. Candidato ele pode ser, o que não pode é ser presidente. Absurdo? De nenhum modo. O sr. Getúlio Vargas bem sabe que não é absurdo, uma vez que não fez outra coisa senão beneficiar-se dele.

Em 1930, derrotado na eleição - ainda que esta não fosse das mais lisas - prevaleceu-se de uma revolução para assumir a presidência. O candidato legalmente eleito era o sr. Júlio Prestes. Quem subiu ao poder foi o sr. Getúlio Vargas.

Em 1934, quando a eleição deveria ser feita pela consulta direta ao sufrágio direto e universal, o sr. Getúlio Vargas manobrou de modo a que se escamoteasse a decisão das urnas - e se fez eleger pelo voto indireto da Constituinte. Com isso, evitou o debate, a campanha e a concorrência nas urnas livres. E não houve candidato - pois quem estava lá ficou.

Em 1937, quando se devia efetuar uma eleição livre e honrada, o grande benefício da Revolução de 30 ao Brasil, a qual deveria ser, apesar dos pesares, a consagração do seu governo, ele traiu a Constituição e, mentindo, fez-se ditador - cancelando a eleição e, portanto, suprimindo os candidatos.

Em 1945, preparava-se para fazer o mesmo quando foi apeado do poder. Com um governo provisório, ele se rebelou? Mostrou-se, acaso, inconformado? Nada disso. Concorreu muito bem comportado às eleições. E à última hora fez valer todo o peso de sua propaganda e da confiança que de boa-fé depositava nele uma grande parte do povo para eleger o seu candidato, o candidato de Getúlio Vargas, chamado Eurico Gaspar Dutra. Aceitou, portanto, o novo estado de coisas, submeteu-se às regras e princípios que informaram a nova situação, surgida do 29 de outubro. E fez das franquias que lhe foram concedidas o uso que se sabe: elegeu o general Dutra.

Agora, premido pelos famintos do poder e da volta à comilança, por todos os coronéis Teles, por todos os Artures Pires deste país, ele conta utilizar o honrado apoio de muitos brasileiros dignos que nele creem como tantos bons italianos acreditaram em Mussolini, ele se dispõe a ser candidato - e ainda pretende tomar posse.

Não. Mil vezes não. Ainda que para isso seja preciso fazer uma revolução no Brasil, tenhamos a coragem de dizer claramente ao sr. Getúlio Vargas: desista, porque não voltará à presidência da República.

Isso desgostará muitos brasileiros? É pena. O que não é possível é ver o governo que tem governado tão mal, por culpa do próprio sr. Getúlio Vargas, que o elegeu, servir afinal à volta do seu antigo amo, do ditador fantasiado de democrata.

A campanha divide opiniões. A existência de mais um candidato divide salutarmente as correntes partidárias, provoca um choque útil - aquele que o Estado Novo procurou eliminar. Mas, uma vez terminada a campanha, cessa a luta e o que existe ou deve existir é apenas governo e oposição numa emulação, numa concorrência útil ao país.

A eleição do sr. Getúlio Vargas, porém, seria diferente. Ela não dividira opiniões dos brasileiros, ela dividiria os brasileiros. Verdadeiramente não seria uma luta política, seria uma luta de vida ou morte, entre os que acreditam na democracia com democratas e os que acreditam na democracia com antidemocratas.

A divisão não seria de opiniões e sim de concepções de vida, do Estado, da sociedade, da nação. O sr. Getúlio Vargas deixaria de ser aquele velhote galhofeiro e churrascal do Itu para ser, então, na prática, o símbolo de uma empreitada monstruosa de destruição do regime em que pretendemos viver, e que ele já traiu mais de uma vez.

O sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar. Ele já fez várias, isso para ele não é novidade.

Sentimo-nos no dever de lealmente lhe dizer que a advertência do ministro da Guerra não é apenas a do oficialismo, a do governo, a das Forças Armadas. É a de uma parte considerável e também responsável da nação, que está pronta a se unir com o governo ou com quem quer que seja para evitar que ele, o traidor de 10 de novembro de 1937, volte a governar o Brasil com a sua camorra.

O sr. Getúlio Vargas já teve tudo o que podia esperar do Brasil - e muito mais. Deixe-o agora em paz, se quiser ter paz. Pois, se quiser guerra, ele a terá também, e não poderá se queixar dos resultados.

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