Em 2015, eu ainda me encontrava fora do Brasil, lamentando a continuidade do governo da organização mafiosa, que comandava aos destinos do país desde 2003, mas que duraria apenas um ano mais, até cair de podre, em meados de 2016.
Naquele ano, fui especialmente ativo para demonstrar minha contrariedade com os rumos que as coisas estavam tomando no Brasil, publicando alguns artigos no Estadão.
Relembro alguns, agora...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 29 de agosto de 2018
Reproduzo alguns desses artigos:
Brasil: a doenca do lulo-petismo, uma coceira tremenda (mas se pode eliminar) - Paulo Roberto de Almeida
A persistirem os sintomas do lulo-petismo, procure um médico...
Paulo Roberto de Almeida
A sociedade brasileira está emergindo de um longo pesadelo: o lulo-petismo. Essa variante tupiniquim de um persistente mal latino-americano, a crença ingênua nas virtudes sociais supostamente benéficas do populismo demagógico e do salvacionismo redentor – ambos irracionais, mas possuindo poderosos efeitos eleitorais –, tinha sido quase elevado à categoria de doutrina política, quando não de projeto nacional, por um desses gramscianos de academia conquistados à causa dos companheiros. Entretanto, ele revelou-se, ao fim e ao cabo, uma enfermidade passageira no cenário político, uma espécie de doença da pele, que coça bastante durante certo tempo, mas que acaba sendo eficazmente combatida desde que aplicada a pomada correta: a consciência cidadã.
O lulo-petismo foi a nossa doença de pele, que persistiu enquanto as reais desigualdades da sociedade brasileira estiveram falsamente identificadas a supostas “falhas de mercado”, ou a maldades do “neoliberalismo”, duas “deformações do capitalismo” que poderiam ser superadas com “distribuição de renda” e políticas sociais “inclusivas”. Foi assim que mergulhamos na década e meia de medidas ativas em prol da desconcentração de renda e da correção das tais “falhas de mercado”, pelas mãos (e pés) de um Estado comprometido com a “justiça social”. Os verdadeiros efeitos – que eu chamo de crimes econômicos – só se tornaram explícitos depois da aplicação dos exercícios de engenharia econômica da tropa no poder, a tal de “nova matriz econômica”, com o seu séquito de consequências devastadoras sobre a economia.
Os historiadores econômicos podem até chamar estes anos negros do lulo-petismo de “A Grande Recessão”, que se reflete no recuo geral de todos os indicadores econômicos e sociais – estagnação ou crescimento negativo, alta da inflação, do desemprego, déficits ampliados, dívida acrescida, perda da competitividade externa e interna, forte desvalorização cambial, desinvestimentos –, mas o fato é que o declínio econômico está apenas começando. Teremos pela frente anos de penoso reajuste para, finalmente, voltar a uma situação parecida com a que estávamos, digamos, na segunda metade dos anos 1990, ou no início dos anos 1980. Esses são os efeitos catastróficos dos anos persistentemente equivocados do lulo-petismo econômico. Estaríamos mesmo no início de uma grande recessão?
Não descarto o prolongamento de uma fase realmente dura na área econômica, uma experiência poucas vezes registrada nos anais da vida nacional, que conheceu taxas de crescimento relativamente satisfatórias, a despeito dos anos de crise e de aceleração inflacionária, das trocas de moedas e dos “voos de galinha”, depois de tentativas mal conduzidas de estabilização. Que ocorra agora uma Grande Recessão, essa é uma marca histórica que ficará para sempre identificada com a esquizofrenia econômica do lulo-petismo, um resultado exemplar do ponto de vista daqueles que pretendiam corrigir as tais falhas de mercado por meio de unguentos e poções mágicas que só revelam a extraordinária ingenuidade econômica (ou seria estupidez?) dos seus aprendizes de feiticeiros, esses que eu chamo de “keynesianos de botequim”.
O que ocorreu, na verdade, desde os primeiros anos, ditos gloriosos, do lulo-petismo, foi uma Grande Destruição, em todos os setores, um desmantelamento geral das instituições, da organização política e da ética pública. Ela começou cedo, pelo aparelhamento das agências públicas, dos ministérios (com a possível exceção do Itamaraty), dos demais órgãos de Estado, pelos “servidores” do partido neobolchevique, não exatamente os gramscianos de academia (eles não são muito confiáveis), mas os militantes de chinelo de dedo; estes são os membros obedientes e disciplinados do partido leninista, que repetem de forma canina os ditames do comitê central – vale dizer, do chefe da tropa e da pequena clique de super-apparatchiks – e que pagam o dízimo mensal costumeiro, assim como uma boa parcela (30%?) dos subsídios associados aos cargos ganhos na máquina do Estado.
A Grande Destruição seguiu pelo ativismo exacerbado das “políticas públicas”, estendendo-se em todas as direções e dimensões da vida nacional, criando uma clientela de beneficiários planejados – o curral eleitoral do Bolsa Família – e uma outra de ricos beneficiários mais planejados ainda. Quem são, finamente, os financiadores do partido hegemônico? Eles são industriais e banqueiros, pagadores compulsórios de “doações legais ao partido”, com parte das rendas asseguradas pela mesma máquina do Estado: empréstimos generosos por parte do BNDES, proteção tarifária, linhas de crédito consignado, juros da dívida pública e várias outras prebendas setoriais.
Tudo isso se refletiu no crescimento dos gastos do Estado além e acima do crescimento do PIB e da produtividade, excedendo a capacidade contributiva do setor produtivo da economia – daí o esforço sempre crescente de extração fiscal por parte desse órgão fascista por excelência que é a Receita Federal –, tudo em detrimento dos investimentos produtivos. Não há dúvida quanto a isso: a Grande Recessão, que está recém começando, foi precedida pela grande devastação efetuada pelo lulo-petismo econômico. E não se enganem: o pior ainda está por vir.
É por isso que eu chamo o período lulo-petista de “A Grande Destruição”, um mal de pele que se incrustou em todos os poros da sociedade brasileira. Esta se deu conta, finalmente, das fontes do mal, e se prepara para expulsar pelas vias legais os sabotadores da economia e os fraudadores da moralidade. As causas do mal de pele já foram identificadas; as prescrições estão a caminho, e esperamos que rapidamente.
Mas, a persistirem os sintomas do mal, recorra-se aos cuidados de um médico. Os bons médicos, nas democracias, costumam receitar a cura constitucional: na hipótese de mal crônico, a prescrição é sempre a via eleitoral. Em caso de ataques agudos, ou de câncer ameaçando metástase – como um procurador já alertou –, a solução tem de ser mais drástica, para se extirpar o mal em toda a sua extensão. Nesses casos, o Congresso e os tribunais superiores são chamados a operar o paciente. Depois, no pós-operatório, economistas sensatos costumam ser bons enfermeiros, desde que eles não tenham sido contaminados pelo keynesianismo de botequim que sempre caracterizou os economistas aloprados do lulo-petismo. Adiante, minha gente: mais um pouco e acabamos com a coceira...
Paulo Roberto de Almeida
[Filadélfia, 1 de agosto de 2015, 3 p.]
O Estado Fascista do Brasil - Paulo Roberto de Almeida
Colunas Dom Total, 16/07/2015
O fascismo, reduzido à sua expressão mais simples, é quando o Estado manda em você, e você sequer tem consciência disso, uma vez que tal interação passa quase despercebida, já foi embutida pela sociedade. O contrário do fascismo é, obviamente, uma sociedade libertária, onde cada um usa de seu livre arbítrio para guiar-se na vida e nas atividades cotidianas. Tomados nesse entendimento ideal-típico mais simples possível, é claro que ambos os conceitos não expressam nenhuma sociedade concreta, nossa contemporânea, mas eles podem ajudar a situar os casos nacionais num ou noutro extremo desse espectro que leva do fascismo explícito ao libertarianismo utópico. Em outros termos, uma sociedade será tanto mais fascista, ou tendencialmente libertária, quando os comportamentos típicos dos indivíduos se aproximarem do inferno dirigista a cargo do Estado, ou da mais plena liberdade pessoal, sem interferência estatal.
Sem adentrar na consideração de abstrações sociológicas, pode-se tentar extrair exemplos de como as sociedades se situam em torno de um ou outro modelo de organização social. Tomemos os casos típicos dos Estados Unidos e do Brasil, e mesmo, numa configuração mais ampla, o das sociedades anglo-saxãs, de um lado, e o das sociedades latino-americanas, de outro, estas uma extensão do molde ibérico original. Qualquer pessoa sensata reconheceria que os EUA se aproximam bem mais do modelo libertário do que modelo fascista, e que, inversamente, o Brasil é um típico caso de corporatismo, ou seja, um clássico modelo tendencialmente fascista.
Exemplos abundam, num e noutro sentido. Vou tentar ficar em casos práticos, da vida diária, e que portanto influenciam o modo de vida, para melhor ou para pior, de milhões de pessoas. Sabe-se, por exemplo, que normas industriais são padrões adotados pelas indústrias para facilitar o uso e a disseminação de bens de consumo durável que possam gozar de ampla aceitação entre os consumidores, como uma tomada elétrica de parede, utilizável indistintamente para os mais diferentes aparelhos. As normas são adotadas progressivamente e voluntariamente pelas indústrias, e passam a ser, a partir de certa extensão de aceitação e uso, um componente da vida diária ao qual sequer se presta atenção. Já as regulações são típicos decretos estatais que impõem, por via de um instrumento legislativo, o uso exclusivo e obrigatório de um determinado padrão, estabelecido burocraticamente, e não por livre disposição das indústrias.
No caso das já citadas tomadas elétricas, é sabido, também, que o Brasil, depois de conviver durante décadas com a mais simples tomada, a de dois furos redondos (de acordo com normas industriais de corrente elétrica estabelecidas naturalmente ao longo de toda a história da indústria elétrica), passou a adotar a famosa tomada de três pinos, nas quais o terceiro se referia ao pino de segurança (ou de aterramento), e que os dois redondos originais foram complementados por fissuras verticais chatas, aproximando-se do padrão típico em uso universal nos EUA.
Pois bem, essa norma adaptada ao Brasil pelo seu caráter praticamente universal, foi alterada anos atrás pela imposição de um novo padrão, uma regulação absolutamente exótica determinada pelo Inmetro como de uso compulsório pelas indústrias consistindo de três pinos redondos em linha, mas com o central em superposição, formando um pequeno arco. Os leitores já pararam para pensar nos custos imensos, impossíveis de serem mensurados, mas se situando na casa das centenas de bilhões de reais (traduzidos nos orçamentos familiares e empresarias de 200 milhões de brasileiros e de centenas de milhares de empresas), que resultaram dessa imposição absolutamente fascista do Estado brasileiro? A totalidade da população sofreu com a medida, que, por outro lado, deu benefícios e lucros fantásticos, até hoje, às poucas dezenas de milhares de empresas que se dedicam à fabricação de tomadas de aparelhos e de parede (e de adaptadores, claro).
Eu poderia multiplicar os exemplos do mesmo tipo, como o fato de, por determinação da Anvisa, as farmácias terem sido proibidas de comercializar produtos típicos de padaria, como chicletes e refrigerantes. Qual grave atentado à saúde dos consumidores adviria da liberdade concedida às farmácias de comercializarem quaisquer produtos que são normalmente encontrados nas padarias? Penso, penso, e não encontro nenhum motivo sensato para justificar a medida, a não ser o comportamento tipicamente fascista dos burocratas da Anvisa. Que tal o comportamento dos burocratas da Ancine, impondo cotas obrigatórias de exibição de filmes nacionais, se substituindo autoritariamente às preferências dos frequentadores das salas de cinema? Para mim, isso é típico do fascismo ambiente no Brasil.
A diferença básica entre as sociedades anglo-saxãs e as ibéricas é que, nas primeiras tudo o que não estiver formalmente proibido na legislação está ipso facto liberado para a iniciativa privada dos indivíduos, ao passo que nas segundas tudo o que não estiver devidamente autorizado pelo poder público está automaticamente proibido aos particulares. Esta é a diferença entre a liberdade e o fascismo. Pense nisso, caro leitor, na próxima vez que for à farmácia, usar algum aparelho elétrico ou sair para ir ao cinema. Veja o que está acontecendo com a plataforma Uber, uma simples atualização tecnológica das relações contratuais entre motoristas e passageiros. Lamente viver em um Estado fascista.
2015, o ano em que o Brasil despencou
O ano de 2015 não vai deixar saudades, muitos economistas dirão nestes últimos dias do ano. Ao que os astrólogos políticos acrescentarão: “Se vocês gostaram de 2015, esperem para ver como vai ser 2016...”. Os mais afoitos dos adivinhos farão previsões ainda mais sombrias para o ano que pronto se inicia, enquanto os economistas tentarão ser mais circunspectos, mas eles sempre erram em 10 de suas 12 previsões de crises, não é mesmo? Não pretendendo ser astrólogo político nem adivinho econômico, limito-me, do meu lado, a resumir o que me pareceu serem as principais características deste 2015, o ano horribilis em que o Brasil despencou espetacularmente.
Começamos por uma primeira ironia fraudulenta: o ministro da “nova matriz econômica”, que havia sido demitido mais de três meses antes, pela chefe da mesma matriz, e por meio da imprensa, continuou fazendo previsões impossíveis até o primeiro dia do ano, quando finalmente entregou o cargo ao seu sucessor, suposto representante dos Chicago-boys, mas que se revelou um corajoso partidário de aumento de impostos e de tímidos cortes seletivos nas despesas públicas, sem jamais tocar no gigantesco corpo balofo, obeso e disfuncional do Estado companheiro. O principal personagem do ano foi justamente este, o Estado companheiro, administrado por um governo idem, composto obviamente por companheiros engajados em sua manutenção dispendiosa (obviamente que apenas para a sociedade, não para eles).
Como diriam os americanos, o ano começou por um bing e terminou por um bang. O bing foi a composição esquizofrênica do governo, metade comprometida com gastos continuados e uma pequena, modesta parte tentando consertar os equívocos cometidos durante anos de gestão amadora, na verdade irracional, na política econômica (em várias outras políticas setoriais também). O bang é, obviamente, representado pelo pedido constitucional de impedimento da presidente, por crimes continuados na gestão fiscal – gestão talvez não seja o termo adequado, consagrando-se, ao longo do período, o mais vistoso conceito de “pedaladas” (em outros setores também).
Até o início do ano, todas as previsões do governo relativas aos principais indicadores econômicos pecavam por otimismo excessivo. Mas também os economistas independentes pecaram por escasso realismo em suas previsões. Todos eles foram duramente desmentidos pela mais cruel deterioração desses mesmos indicadores nunca antes vista desde crises longínquas. As agências de classificação de risco também se mostraram surpreendentemente lenientes em face do claro itinerário do Brasil em direção ao que desde já pode ser chamado de A Grande Destruição lulopetista.
Registre-se que essa destruição não foi o resultado de um mandato apenas. Parafraseando Nelson Rodrigues, podemos dizer que desastres não se improvisam: eles são o resultado de anos de acúmulo de erros, equívocos, trapalhadas, bobagens mais ou menos intencionais, enfim, daquilo que eu classifico como sendo os crimes econômicos do lulopetismo. Atenção: os crimes econômicos companheiros não o são exatamente no sentido do Código Penal, embora muitas vezes com eles se confundam; foi tal o empenho em cometê-los que se pode perguntar se muitos desses equívocos não foram deliberadamente planejados, o resultado de ações cientificamente calculadas, como diria o Chapolim Colorado.
A “compra” da refinaria de Pasadena, por exemplo, vista em retrospecto, quem poderia dizer, hoje, que se tratou apenas de um “erro de gestão”, ou seja, de um “cálculo mal feito”? Minha interpretação é a de que o “negócio” foi um sucesso, conduzido para produzir exatamente aqueles resultados, que são os que se conhecem atualmente em termos de movimentações bancárias entre vários paraísos fiscais no exterior. Enfim, um “sucesso” companheiro, até que um anônimo funcionário da Petrobrás – a ser homenageado na galeria dos “heróis desconhecidos” – chamou a atenção de membros do Ministério Público Federal e da Polícia Federal para certas “peculiaridades” do grande negócio.
As consequências foram aquelas que se viram: a Petrobrás, que chegou a valer mais de US$ 300 bilhões e figurar entre as sete primeiras companhias do setor, afundou-se numa crise que deveria ser terminal, se não fosse estatal (a preferida dos companheiros, que a transformaram numa “vaca petrolífera” continuamente ordenhada à exaustão). As contas públicas produziram um outro mergulho, de quase dez pontos do PIB, para um abismo cujo fundo ainda não se conhece exatamente, pois uma das especialidades companheiras foi justamente a maquiagem contábil, que eles já vinham praticando desde muitos anos entre o Tesouro e os bancos estatais, entre eles o BNDES, uma caixa-preta ainda não aberta pelos órgãos de controle. O ano foi tão horrível que aposto como a maioria dos leitores já se esqueceu desta coisa bizarra chamada Fundo Soberano do Brasil, uma invenção satânica dos mesmos autores da “nova matriz econômica” – na verdade, ele a precede de alguns anos – e que desapareceu de forma inglória, depois de deixar um buraco provavelmente superior a R$ 18 bilhões.
Uma contabilidade exata dos montantes envolvidos nos crimes econômicos do lulopetismo é singularmente difícil, pois, além dos custos estritamente monetários, isto é, recursos orçamentários dilapidados em projetos mal concebidos e mal implementados – talvez de propósito –, precisaríamos computar também o que os economistas chamam de custo-oportunidade, tudo o que se perdeu ao não se fazerem investimentos corretos, ou simplesmente sensatos. Quando é que economistas curiosos, procuradores atentos ou jornalistas investigativos avaliarão as imensas perdas causadas pelos crimes econômicos do lulopetismo? Já não é sem tempo...
É diplomata e professor universitário.
Site: www.pralmeida.org / Blog: diplomatizzando.blogspot.com
Miséria do capital no século 21
O capital viaja bastante pelo mundo, mas não existe uma autoridade global ou uma única fonte de regulação dos fluxos e estoques de capital. Os Estados nacionais mantêm jurisdições próprias, com regras diferentes para o tratamento desses fluxos e estoques, o que dificulta a concepção de um instrumento uniforme e universalmente aplicável de taxação de renda e riqueza. A esse respeito se sobrepõem diferentes concepções acerca de como devem ser tratadas (ou taxadas) as diferentes formas de renda e riqueza.
As filosofias sobre isso podem ser divididas, grosso modo, entre o liberalismo, que entende que a criação de renda e riqueza deve ficar sob a competência dos indivíduos, com um mínimo de interferência dos Estados, e o "marxismo" (ou variantes do socialismo), que acha que os Estados devem regular as rendas do capital em benefício de todos, transferindo fluxos e estoques de renda segundo critérios fixados por políticos e burocratas. Existem êmulos de Marx para todos os gostos e para todas as finalidades, alguns deles - pode ser o caso do francês Thomas Piketty e do seu livro O Capital no Século 21 -, até mais espertos do que os demais, aproveitando-se da adesão de muitos à teoria do valor-trabalho para aumentar o seu próprio capital à custa dos crentes que acham que o capital só pode aumentar à custa do trabalho.
Os êmulos de Marx acham que os Estados devem taxar mais as rendas do capital para distribuir entre os que só possuem rendas do trabalho, o que supostamente tornaria o mundo mais igualitário, ou menos desigual. Mas essa recomendação marxista não deriva de nenhuma análise econômica sobre a criação de renda e riqueza, sendo apenas e tão somente uma recomendação política, baseada numa filosofia do igualitarismo. Essa filosofia orienta os Estados a avançarem sobre o capital, ou seja, sobre o estoque de riqueza das poucas pessoas muito ricas (que por definição são sempre em menor número), para distribuí-la entre os que dispõem apenas dos fluxos de pagamentos derivados do seu trabalho. Ela tem tido algum sucesso ao redor do mundo, uma vez que as pessoas dependendo do seu trabalho são sempre em maior número, formando a vasta maioria dos votantes nas modernas democracias de mercado.
Tal tipo de política aproximaria a sociedade do modelo recomendado pelos marxistas, que é aquele em que não existiria renda do capital, nem riqueza acumulada alguma, na qual todas as rendas do trabalho seriam igualitária e equitativamente divididas pelo Estado. Não são necessárias grandes digressões, com base em equações econômicas ou em séries estatísticas históricas de renda e de riqueza, para constatar que esse tipo de sociedade não funcionou e que os únicos exemplos reais na História - o socialismo de tipo soviético e seus êmulos ao redor do mundo - foram notórios fracassos econômicos na criação de renda e riqueza, só conseguindo manter-se à custa de enorme repressão política, que produziu grande infelicidade humana (total falta de liberdade e até mesmo algumas dezenas de milhões de mortos).
Um igualitarismo mais ameno é o socialismo em vigor nas democracias de mercado da Europa, com contrafações no restante do mundo. Sabe-se que o crescimento foi maior nos países onde foi menor a apropriação de fluxos e estoques de renda e riqueza pelos Estados. Não se trata aqui de opinião ou filosofia política, mas de uma constatação simples, a partir de uma correlação entre níveis de carga fiscal dos países e as taxas de crescimento do produto interno bruto (PIB) per capita, independentemente da distribuição social dessas formas de riqueza. Maior taxação, menor crescimento, ponto.
Piketty, juntando todas as formas de capital no mesmo saco, acaba de "provar" que a desigualdade vem aumentando. Ele também acha que governos devem taxar mais o patrimônio e as rendas dos muito ricos. O problema, para ele, é a existência de poucas pessoas muito ricas - e que tendem a enriquecer cada vez mais -, não a existência de um imenso contingente de pobres. Independentemente dos problemas de agregação de dados e de processamento da informação estatística, inevitáveis dado o amplo espectro de valores e a grande dispersão cronológica com os quais Piketty trabalhou, o que mais parece contestável em sua tese é o argumento de que a riqueza tende a caminhar mais rapidamente do que o crescimento econômico das economias de mercado.
Tal tese - que, em sua formulação sintética, tende a assumir ares de grande síntese genial, um pouco ao estilo da famosa equação einsteiniana E=mc2 - parece contradizer a lógica formal dos processos econômicos e a própria evolução das sociedades humanas, cada vez mais sofisticadas intelectualmente, com amplo acesso à educação superior de amplas camadas de indivíduos. Pode ser que patrimônio e a riqueza, de forma geral, passem por processos temporários e parciais de acumulação preferencial e de concentração em certos grupos e indivíduos, em geral vinculados a atividades financeiras e comerciais; mas daí a transformar essa constatação numa nova "lei geral da acumulação capitalista no século 21", como pretende Piketty, vai uma grande distância. Assim como ocorreu com as teses de Marx, essa também vai ser desmentida pela evolução do capitalismo.
Piketty prefere empobrecer os ricos a enriquecer os pobres. Pela experiência visual que já tivemos no século 20, esse tipo de empreendimento pode ser mais um desastre econômico e social à espreita do que propriamente uma forma de criar o verdadeiro capital do século 21, baseado no conhecimento. Distribuir o dinheiro dos ricos entre os pobres vai tornar as sociedades mais ricas? Duvidoso que ocorra, a menos de dirigir todos os recursos para aumentar e melhorar o capital social: conhecimento.
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