O FMI como bode expiatório de políticas equivocadas
Paulo Roberto de Almeida (2002)
A proposito do comentário do prof. Walter Antonio Bazzo ao artigo semanal do secretario geral da Unctad (Conferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento), Rubens Ricupero, eu teria a corrigir um equívoco comum em muitos observadores brasileiros, que tendem a considerar o problema argentino como decorrente de politicas “impostas pelo FMI”.
O prof. Bazzo fala igualmente das “algemas impostas pelo FMI”, quando o que causou o problema argentino foram algemas auto-impostas pelos próprios argentinos, como foi o regime de conversibilidade e de paridade fixa, adotado em 1991.
Como ele não deveria desconhecer, o sistema de cambio estável, criado em Bretton Woods, veio a termo entre 1971 e 1973, quando o FMI sancionou o regime de flutuação. Desde então o regime “normal” de câmbio é a flutuação, sendo este o sistema adotado por provavelmente 95 por cento dos 190 membros do FMI.
Vários países membros adotam, é verdade, um sistema de flutuação suja, isto é, com intervenções pontuais das autoridades monetárias em caso de desajustes cambiais percebidos como erráticos, mas não resta duvida que a flutuação cambial é percebida como o regime “normal” pelo FMI.
O professor não deveria desconhecer, tampouco, que uma das primeiras recomendações do FMI, quando se negocia um programa de ajuste e um acordo stand-by, é justamente a desvalorização cambial, supostamente necessária para corrigir desequilíbrios externos e adequar a economia do país em questão a novos patamares de competitividade.
Noventa e nove por cento dos economistas recomendam a mesma solução, como não deixaram de reclamar dezenas de economistas durante a fase de desvalorização do real.
A Argentina adotou o câmbio fixo por sua própria conta e risco, e não sob recomendação ou imposição do FMI, e teimou em manter esse regime a despeito de pressões do FMI pela desvalorização, algo que também ocorreu na negociação do pacote brasileiro de 1998.
Como então acusar o FMI de impor uma tal política? Só pode ser a necessidade de um bode expiatório, pois é mais fácil acusar alguma entidade externa por nossas próprias mazelas (sobretudo em se tratando do FMI), do que reconhecer as deficiências de política econômica das autoridades nacionais.
Publicada na edição de 11 de janeiro de 2002, do Jornal da Ciência, JC E-Mail, nº 1951, “17. Diplomata brasileiro comenta observações de leitor sobre o artigo de Rubens Ricupero”
“Mensagem de Paulo Roberto de Almeida, diplomata e professor, ministro-conselheiro da Embaixada do Brasil em Washington, EUA (site: www.pralmeida.org)”
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