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quinta-feira, 23 de março de 2023

Sobre a tal "neutralidade" brasileira e a questão das sanções "unilaterais" - Paulo Roberto de Almeida

 Sobre a tal "neutralidade" brasileira e a questão das sanções "unilaterais"


Muitas pessoas ignoram que, bem antes da África do Sul ser objeto de sanções multilaterais, ela sofreu, durante vários anos, sanções unilaterais por parte de países que condenavam o nefando regime do Apartheid. 
Essas sanções seriam menos legítimas por isso? 
Claro que não! Tanto que foram depois estendidas a todos e o Brasil teve também de aplicar essas sanções ainda que a contragosto. 
A neutralidade, sobretudo no caso de um país que VIOLOU grosseiramente a Carta das Nações Unidas, em diversos artigos, e que perpetra crimes de guerra, contra a paz e contra a humanidade diariamente, pode ser uma indignidade política, não sustentável em qualquer doutrina jurídica que se queira.
Recomendo a leitura do livro de Rui Barbosa, "Conceitos Modernos de Direito Internacional", original de 1916, no qual ele, referindo-se ao caso da Bélgica neutra invadida pelo Império alemão na Grande Guerra, dizia muito claramente que não se pode ser neutro entre a Justiça e o crime (livro de 1983, da Fundação Casa de Rui Barbosa).
A mesma postura teve Oswaldo Aranha, na Segunda Guerra, referindo-se explicitamente a Rui Barbosa, quando alinhou o Brasil às demais Nações Unidas em luta contra as potências fascistas que justamente invadiram outros países, contra o Direito Internacional. 
Em 1939, o Brasil não reconheceu a usurpação violenta da Polônia por Hitler, assim como não reconheceu a invasão e incorporação dos três países bálticos à URSS em 1940.
A doutrina jurídica e diplomática brasileira é muito clara com respeito às normas mais elementares do Direito Internacional, e nem o Estado Novo de Vargas ousou contrária-la, por mais que tivesse simpatias fascistas em 1939-40.
Em 2014, o governo Dilma não se pronunciou em face da invasão ilegal da Crimeia pela Rússia, numa clara indiferença pela histórica posição do Brasil no campo do Direito Internacional.
A vergonha começou ali, foi continuada por Bolsonaro, e parece que está sendo retomada por Lula. 
O Brasil não pode ser neutro em face das violações grosseiras da Carta da ONU pela Rússia, e teria de deixar isso muito claro.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 23/03/2023

Chanceler russo vem ao Brasil em teste à posição de neutralidade do país - Murillo Camarotto (O Globo)

Neutralidade não se significa se eximir ante o crime e a injustiça já se ensinava Rui Barbosa. (PRA)

Chanceler russo vem ao Brasil em teste à posição de neutralidade do país

Viagem é última escala de Sergei Lavrov na busca por maior apoio entre Brics

Por Murillo Camarotto — De Brasília

O Globo, 23/03/2023

 

O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, chega a Brasília no dia 17 de abril para uma reunião com o chanceler Mauro Vieira. A visita é mais uma escala do experimentado diplomata russo em seu périplo por países emergentes, de onde vem conseguindo extrair alguns gestos para atenuar o isolamento imposto ao país desde a invasão da Ucrânia, há cerca de um ano.

A missão por aqui parece a mais desafiadora, ao menos se considerado o conjunto de países-sócios do Brics. O Brasil foi o único membro do grupo a votar contra a Rússia em uma resolução da Organização das Nações Unidas (ONU) que condenou a invasão da Ucrânia. China, Índia e África do Sul se abstiveram.

Se o objetivo de Lavrov é movimentar a posição brasileira no tabuleiro, as chances de ele sair daqui apenas com uma fotografia são grandes. No Itamaraty, a versão quase unânime é de que o Brasil vai manter intocado seu posicionamento atual, de neutralidade no conflito, mas crítico à invasão de um país soberano.

A agenda em Brasília prevê apenas uma reunião entre os dois ministros de Relações Exteriores, mas não está totalmente descartado um encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, caso haja disponibilidade.

A tendência do Brasil, a meu ver acertada, é continuar na posição atual. Uma posição de décadas do Itamaraty. Ao presidente Lula também não interessa se indispor com o Ocidente”, pondera Angelo Segrillo, professor de história pela Universidade de São Paulo e especialista em Rússia.

Ele explica que a movimentação de Vladimir Putin sobre os emergentes é, em síntese, o aprofundamento forçado de uma estratégia que já tem mais de 20 anos, de promoção de um mundo multipolar, com menor protagonismo dos Estados Unidos.

O próprio Brasil, já sob Lula, participou ativamente dessa agenda anos atrás, com a criação do G20 e a formação de blocos de nações emergentes, caso do Brics, no chamado “Sul Global”. Isolado rapidamente por americanos e europeus após invadir o vizinho, Putin se viu forçado a buscar suporte nesses países.

Sua estratégia, na avaliação de Segrillo, tem obtido algum êxito. Além do estreitamento das relações com a China - evidenciado nas últimas declarações de Pequim e na visita de Estado de Xi Jinping a Moscou -, Putin conseguiu manter laços firmes com a Índia e observou a neutralidade de quase metade do continente africano em votações na ONU.

Além de ter reforçado a compra de petróleo e gás da Rússia, o que ajudou Moscou a atenuar os embargos, o governo indiano tem adotado um tom crítico ao Ocidente. Em janeiro, o ministro do Exterior da Índia, Subrahmanyam Jaishankar, apontou a “hipocrisia” dos europeus sobre a invasão de um país pelo outro.

Posso dar-lhes muitos exemplos de países que violam a soberania de outro país. Se eu perguntasse onde está a Europa em muitos deles, temo ter um longo silêncio”, disse ele em entrevista a uma rede de TV austríaca, ao ser questionado sobre a posição de Nova Déli sobre a Ucrânia.

Ano passado, ele já havia sugerido que a Europa mudasse a mentalidade. “Em algum momento a Europa tem que sair da mentalidade de que os problemas da Europa são problemas do mundo, mas problemas do mundo não são problemas da Europa”, criticou o ministro durante uma conferência na Eslováquia.

Jaishankar teve uma reunião bilateral com Lavrov no início deste mês, em meio ao encontro dos ministros de Relações Exteriores do G20, na Índia. O chanceler Mauro Vieira compareceu ao evento e manteve reuniões.

Lavrov também colheu bons frutos na viagem à África do Sul, em janeiro. A ministra de Relações Exteriores do país, Naledi Pandor, descreveu a Rússia como um “país amigo”. A calorosa acolhida veio pouco tempo depois de Pretória confirmar exercícios militares conjuntos com as marinhas russa e chinesa - o que foi criticado pelos Estados Unidos.

A ofensiva russa para o continente africano aposta na relação construída durante a Guerra Fria, um período em que vários países da região estavam saindo da colonização europeia. A União Soviética ofereceu ajuda econômica e militar a várias nações.

Em julho do ano passado, Lavrov visitou quatro países africanos em apenas cinco dias na busca por alianças. Levou na bagagem a mensagem de que a Rússia garantiria o acordo para a exportação de grãos pelos portos ucranianos, operação importante para o abastecimento da região.

No início da guerra, somente 28 dos 54 países da África, pouco mais da metade, votaram contra a Rússia na Assembleia Geral da ONU. O percentual de votos africanos favoráveis à resolução, de 51%, ficou bem abaixo dos 81% representados pelas demais nações participantes da reunião.

Há, entre muitos analistas internacionais, a impressão de que se não há apoio para a invasão da Ucrânia entre os países emergentes, também é baixo o interesse por tomar lado no conflito. É nessa posição que o Brasil deve permanecer e que, de certa forma, a China parece disposta a mudar.

Apesar da pompa da visita a Moscou, nesta semana, o regime chinês ainda não seu sinais de que poderá dar subir o patamar da tensão ao anunciar uma aliança militar com Putin. Indiretamente, no entanto, Pequim seguirá financiando os russos, com compra de petróleo e gás e possíveis novos acordos comerciais.

Segundo o professor Segrillo, um possível teste para a posição neutra do Brasil seria a Rússia cruzar a linha do uso das armas nucleares, por exemplo. Isso poderia forçar o Itamaraty a tomar lado, o que, por ora está fora do radar. “Ninguém tem bola de cristal, mas acredito que a posição do Brasil não deve mudar.”

https://valor.globo.com/google/amp/brasil/noticia/2023/03/23/chanceler-russo-vem-ao-brasil-em-teste-a-posicao-de-neutralidade-do-pais.ghtml