Extraido de uma gravação bem mais ampla, que estará no YouTube do programa coordenado pelo Pedro Costa Jr., , o Mundo é o Moinho, sobre a Nova Ordem Mundial, que contém meu depoimento de como eu fui, em parte, responsável pela indicação do chanceler acidental a esse cargo na primeira fase do infeliz governo Bolsonaro, por ter publicado, na revista do IPRI (que eu dirigia) o artigo esquizofrênico do Ernesto Araújo, “Trump e o Ocidente”, e pelo fato dele ter ido entregar as suas bobagens ao Olavo de Carvalho, que o indicou ao Bolsonaro.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Meus livros podem ser vistos nas páginas da Amazon. Outras opiniões rápidas podem ser encontradas no Facebook ou no Threads. Grande parte de meus ensaios e artigos, inclusive livros inteiros, estão disponíveis em Academia.edu: https://unb.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida
Site pessoal: www.pralmeida.net.quinta-feira, 4 de dezembro de 2025
Joesley, um diplomata brasileiro - Mariana Barbosa (UOL)
Joesley, um diplomata brasileiro
Mariana BarbosaColunista do UOL
04/12/2025 13h20
https://economia.uol.com.br/colunas/mariana-barbosa/2025/12/04/joesley-um-diplomata-brasileiro-na-venezuela.htm
Nem Celso Amorim nem Mauro Vieira. O empresário Joesley Batista se transformou no grande articulador para assuntos internacionais do presidente Lula (PT).
O dono da JBS foi crucial para distensionar as relações de Lula com o presidente americano Donald Trump, patrocinando a "química" entre os dois chefes de Estado. E, agora, sabe-se que ele foi pessoalmente, a bordo do jato Global 7500, negociar com Nicolás Maduro a saída do ditador do país — o que ajudaria a distensionar as relações com os EUA, evitando uma guerra.
Nove dias antes de desembarcar em Caracas, no domingo, dia 23 de novembro, o mesmo jato foi flagrado em Washington DC, também em um bate e volta.
Joesley virou grande articulador do governo Lula
Com negócios nas áreas de energia, óleo e gás na Venezuela, a J&F, holding dos irmãos Batista, teria muito a perder com a deflagração de uma guerra pelos EUA. Já a aproximação com Trump começou no segundo mandato do presidente americano, com uma doação de US$ 5 milhões para a festa de posse. Pouco depois, a JBS conseguiu destravar o processo de IPO (Initial Public Offering ou Oferta Pública Inicial, na sigla em inglês) na Bolsa de Nova York, que estava obstruído na SEC (a Comissão de Valores Mobiliários americana).
A aproximação também levou à liberação do visto dos empresários, que era negado desde a Lava Jato.
O grupo J&F é dono da Âmbar Energia e entrou no setor de óleo e gás nos últimos dois anos, com a aquisição da Fluxus - ambas com interesses na Venezuela.
Como ninguém faz negócios com o país vizinho sem passar pelo Palácio de Miraflores, os Batistas passaram a manter contatos estreitos com autoridades venezuelanas.
A Fluxus tem escritório em Caracas e está há mais de ano prospectando reservatórios de petróleo do país, com perspectiva de médio prazo. Dona de grandes reservas de petróleo, a Venezuela depende de empresas privadas para conseguir extrair o produto.
Já a Âmbar Energia adquiriu recentemente a distribuidora de energia de Roraima, que durante muito tempo dependeu exclusivamente da compra de energia da Venezuela por não estar ligada ao Sistema Interligado Nacional. O estado passou a integrar o sistema em setembro.
A entrada da Âmbar marcou a retomada da compra de energia venezuelana pelo Brasil, que havia sido interrompida no governo Bolsonaro por razões técnicas do lado venezuelano. No passado, a comercialização se dava entre estatais dos dois lados, sendo a Eletronorte pelo lado brasileiro. Hoje além da Âmbar, outras empresas como Engelhart CTP, RZK Comercializadora de Energia, BTG Pactual, Matrix, Bolt Energy, Eneva, Tradener e Bid Comercializadora têm autorização do Ministério de Minas e Energia para importar energia da Venezuela.
Em nota enviada à coluna, a J&F negou que tenha negócios na Venezuela. A empresa também diz que a listagem da JBS na SEC "seguiu o rito normal" e que a história do visto "não procede".
Errata:
• Diferentemente do que foi publicado anteriormente, a Âmbar ainda não controla a Roraima Energia. A Âmbar adquiriu a Roraima Energia em outubro deste ano, mas o negócio ainda depende da aprovação dos órgãos competentes. A Âmbar não foi comprada há dois anos, como escrito anteriormente, mas foi criada pela J&F em 2015. O texto foi corrigido.
Reportagem
Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.
terça-feira, 2 de dezembro de 2025
Trabalhos publicados por Paulo Roberto de Almeida como colunista
Trabalhos publicados por Paulo Roberto de Almeida como colunista (apenas no ano de 2025)
1586. “A ideia do interesse nacional: o papel da ferramenta diplomática”, portal Interesse Nacional (3/07/2025; link: https://interessenacional.com.br/portal/a-ideia-do-interesse-nacional-o-papel-da-ferramenta-diplomatica/). Relação de Originais n. 4952.
1587. “O Brasil e o seu grande desafio, a partir de uma releitura de H. G. Wells”, Publicado no Portal Interesse Nacional (28/07/2025; link: https://interessenacional.com.br/portal/o-brasil-e-o-seu-grande-desafio-a-partir-de-uma-releitura-de-h-g-wells/). Relação de Originais n. 4977.
1591. “Onde buscar o interesse nacional nos programas de governo? Nas mensagens presidenciais ao Congresso”, portal Interesse Nacional (18 agosto 2025, link: https://interessenacional.com.br/portal/onde-buscar-o-interesse-nacional-nos-programas-de-governo-nas-mensagens-presidenciais-ao-congresso/). Relação de Originais n. 5007.
1592. “O interesse nacional nas mensagens ao Congresso entre 1933 e 1937: ameaça das ideologias e centralização a favor do Estado”, portal Interesse Nacional (4 setembro 2025, link: https://interessenacional.com.br/portal/o-interesse-nacional-nas-mensagens-ao-congresso-entre-1933-e-1937-ameaca-das-ideologias-e-centralizacao-a-favor-do-estado/). Relação de Originais n. 5009.
1593. “A ideia do interesse nacional e da ferramenta diplomática”, Revista Interesse Nacional (n. 71, outubro-dezembro de 2025, p. 54-57; link: https://interessenacional.com.br/a-ideia-do-interesse-nacional-e-da-ferramenta-diplomatica/); edição completa do n. 71 da Revista Interesse Nacional (link: https://interessenacional.com.br/edicoes/numero-71/). Relação de Originais n. 4952.
1595. “As mensagens presidenciais de 1947 a 1960: desenvolvimentismo e inflacionismo”, portal Interesse Nacional (8 outubro 2025, link: https://interessenacional.com.br/portal/as-mensagens-presidenciais-de-1947-a-1960-desenvolvimentismo-e-inflacionismo/); republicado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2025/10/as-mensagens-presidenciais-de-1947-1960.html). Relação de Originais n. 5010.
1599. “Opções da diplomacia brasileira num mundo em desordem”, artigo publicado na revista digital Será? (ano xiv, n. 681, 24/10/2025, link: https://revistasera.info/2025/10/opcoes-da-diplomacia-brasileira-num-mundo-em-desordem/); divulgado no blog Diplomatizzando (24/10/2025, link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2025/10/opcoes-da-diplomacia-brasileira-num.html). Relação de Originais n. 5097.
1600. “Trump, ou a diplomacia pelo método confuso”, revista digital Será? (ano xiv, n. 682, 31/10/2025, link: https://revistasera.info/2025/10/trump-ou-a-diplomacia-pelo-metodo-confuso/); divulgado no blog Diplomatizzando (31/10/2025, link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2025/10/trump-ou-diplomacia-pelo-metodo-confuso.html). Relação de Originais n 5098.
1601. “Rupturas nas relações internacionais no contexto do triunvirato imperial”, Revista Será? (ano XIV, n. 683, 7/11/2025, link: https://revistasera.info/2025/11/rupturas-nas-relacoes-internacionais-no-contexto-do-triunvirato-imperial/); divulgado no blog Diplomatizzando (9/11/2025, link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2025/11/rupturas-nas-relacoes-internacionais-no.html). Relação de Originais n. 5104.
1602. “Política externa e diplomacia do Brasil: como são, como podem ser, 1/2”, revista digital Será? (ano xiv, n. 684, Recife, 21 de novembro de 2025; link: https://bit.ly/4o6CUpD ou https://revistasera.us2.list-manage.com/track/click?u=411db2b245b4b4625516c92f4&id=5960193be7&e=b9cc4cc5fd); divulgado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2025/11/politica-externa-e-diplomacia-do-brasil.html). Relação de Originais n. 5109.
1603. “Política externa e diplomacia do Brasil: como são e como podem ser, 2”, revista Será? (ano xiv, n. 684, Recife, 21 de novembro de 2025; link: https://bit.ly/4o6CUpD ou https://revistasera.us2.list-manage.com/track/click?u=411db2b245b4b4625516c92f4&id=5960193be7&e=b9cc4cc5fd); divulgado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2025/11/politica-externa-e-diplomacia-do-brasil.html). Relação de Publicados n. 1602. Relação de Originais n. 5110.
1605. “Mensagens presidenciais dos governos Jânio Quadros e João Goulart: crises políticas e ruptura democrática, 1961-1964”, Publicado no portal Interesse Nacional (1/12/2025; link: https://interessenacional.com.br/portal/mensagens-presidenciais-dos-governos-janio-quadros-e-joao-goulart-crises-politicas-e-ruptura-democratica-1961-1964/); Postado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2025/12/as-mensagens-presidenciais-de-1947-1960.html). Relação de Originais n. 5011.
sábado, 29 de novembro de 2025
Listagem dos textos mais acessados no Academia.edu de 28/10 a 28/11/2025 - Paulo Roberto de Almeida
Listagem dos textos mais acessados no Academia.edu de 28/10 a 28/11/2025
Title 30 Day Views
Paulo R. Almeida: O Mercosul no Contexto Regional e Internacional (1993) - 98
5106) Geopolítica da Desordem: A Rivalidade com a China e o Abandono da Segurança Coletiva (2025) - 74
2784) Academia.edu: uma plataforma de informação e colaboração entre acadêmicos (2014) - 67
4688) Emmanuel Todd: La Défaite de l'Occident: notas de leitura (2024) - 62
5105) Politica Externa e Interesse Nacional: interacoes e descompassos (2025) - 49
5101) O Mundo segundo Trump e o ocaso da Ordem Liberal Internacional: Nacionalismo, Transacionalismo e o Futuro do Multilateralismo (2025) - 37
(...)
Brazil and the Future of Mercosur: dilemmas and options (1998) - 5
0) Indice Geral dos quatro dossiês sobre a Amazonia internacional (mais o dossiê de materiais científicos) Dossiê Amazônia 1 Primeira Onda de Boatos, maio-junho de 2000 - 5
2) Dossie Amazonia 2 - Segunda onda de boatos, novembro 2000 - 5
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 28 novembro 2025, 8 p.
Postado em Academia.edu (link: https://www.academia.edu/145206728/5123_Listagem_dos_textos_mais_acessados_no_Academia_edu_de_28_10_a_28_11_2025).
sexta-feira, 28 de novembro de 2025
Política externa e diplomacia do Brasil: como são, como podem ser, 2 - Paulo Roberto de Almeida (revista Será?)
Política externa e diplomacia do Brasil: como são, como podem ser, 2
Por Paulo Roberto de Almeida | nov 28, 2025 | Artigos | 0 |

Conjunto das Nações
Quais são, para fins de um exercício exploratório obviamente parcial e incompleto, setores e temas que aparecem como prioritários num processo de formulação de diretrizes para uma política externa consensual do ponto de vista do interesse nacional, cujas orientações básicas podem ser integradas à agenda da diplomacia brasileira? As seguintes áreas aparecem como relevantes na interface externa do Brasil que poderia ser priorizada nos anos à frente: maior e mais ativa integração à economia mundial; adaptação e modernização das estruturas e mecanismos domésticos para acelerar e tornar mais flexível esse processo de inserção na economia internacional; revisão dos atuais esquemas de integração regional (Mercosul, acordos da Aladi, preferências tarifárias com determinados parceiros) num sentido de maior abertura econômica e liberalização comercial; avaliação das parcerias estratégicas definidas nos últimos anos, de maneira a considerar, antes, os objetivos nacionais estrito senso, do que preferências ideológicas ou partidárias, de escassa ou nenhuma relevância para a política externa; modernização do funcionamento do instrumento diplomático, ou seja, reforço da organização e métodos do Itamaraty, de maneira a aparelhá-lo para responder aos novos desafios aqui enfocados.
Abertura comercial global, concomitante à reforma tributária em curso
Não parece existir espaço, no horizonte previsível, para grandes negociações no plano multilateral, sugerindo-se possíveis acordos bilaterais ou inter-regionais, que requerem um novo perfil da política comercial do Brasil, eventualmente com revisão da TEC do Mercosul. A exposição do setor produtivo à concorrência internacional – benéfica em si, para os próprios produtores e consumidores – requer a redução da carga tributária no plano interno, e uma reforma não pode ser feita sem a outra, sob risco de desmantelar ainda mais as empresas do setor manufatureiro.
Aspecto importante da conjuntura recente do Brasil é o seu projeto de aproximação à Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), emoldurada pela demanda de adesão, feita em junho de 2017, confirmada no governo subsequente, assim como pela própria organização, ao acolher esse pedido e começar a examinar tal processo desde 2022, processo que deveria ser concomitante ao da modernização institucional e operacional das principais políticas públicas no país, justamente no sentido da interdependência e de sua maior integração ao mundo. Esse processo – que compreende igualmente uma revisão e uma cuidadosa atualização dos principais compromissos externos do Brasil, nos planos regional (em política e em economia, com destaque para os esquemas de integração econômica), multilateral (organismos internacionais) e plurilateral (blocos ou grupos de países, bem como os grandes parceiros nas relações bilaterais prioritárias) – passou por diferentes fases, entre avanços e recuos, o que pode ser interessante revisar.
A aproximação do Brasil à OCDE tinha sido iniciada no agora distante governo Collor, foi em seguida perseguido sem qualquer estratégia definida nos mandatos de FHC, entre 1995 e 2002, mas foi completamente descurado nos mandatos lulopetistas de 2003 a 2015. Não obstante uma oposição ideológica do partido, ele foi retomado timidamente em 2015, por iniciativa de um ministro (“neoliberal) da Fazenda, em 2015, mediante novo exercício de aproximação, retificado e encaminhado oficialmente nos dois anos e meio do governo Michel Temer, cujo ministro da Fazendo encaminhou carta solicitando formalmente a adesão do Brasil. Tanto o Itamaraty, quanto outros órgãos interessados na adesão, trataram o dossiê durante o governo Bolsonaro, com progressos substantivos realizados no período. O novo governo petista, sob Lula 3, encapsulou novamente o projeto, por razões obscuras, não explicitadas oficialmente.
Revisão do processo de integração visando à inserção econômica externa
O Mercosul não é o culpado pelo fechamento comercial do Brasil, ou pelas disfunções acumuladas ao longo dos anos, essencialmente em função de distorções criadas por descumprimentos de suas obrigações institucionais por parte de seus dois maiores países membros. Se e quando os países membros resolverem cumprir os requerimentos estabelecidos no tratado original, ademais de eventuais arranjos que possam ser feitos em paralelo a um processo de revisão, ele voltará a ser uma base para a integração mundial das economias dos países membros. Caberia, portanto, efetuar um exame profundo das opções estratégicas do Brasil em matéria de política comercial, para decidir, a partir daí se cabe reformar o Mercosul, ou caminhar no sentido de uma independência nesse terreno. Uma agenda aberta, portanto, mas que ainda não recebeu a atenção devida, dada a descoordenação ainda existente entre os diversos ministérios envolvidos nessa frente, assim como em função de uma completa falta de diálogo entre as administrações respectivas dos dois maiores países membros, Brasil e Argentina, precisamente.
Análise das “alianças estratégicas” num sentido puramente pragmático
As políticas externas ainda que diversas, tanto do bolsonarismo quanto a atual, a do lulopetismo, conduziram o Brasil a uma série de coalizões político-diplomáticas definidas a partir de uma visão ideológica deformada das relações internacionais do país, uma vez que baseadas, a primeira, numa aliança subordinada à principal potência ocidental (em verdade a seu líder, identificado às correntes conservadoras da política mundial, a segunda na miopia de um mirífico “Sul Global” – que não existe na prática, a não ser nas concepções ideológicas de seus promotores – e de um mal definido projeto de “nova ordem global multipolar”, que é apenas um slogan para a conformação de um bloco antiocidental. O governo anterior tinha desmantelado, parcial ou totalmente, os esquemas existentes de consulta e coordenação em escala regional criados nos mandatos anteriores dos governos lulopetista, sem colocar absolutamente nada em seu lugar, a não ser uma política de adesão ao governo americano anterior (o de Donald Trump 1, 2017-2020) e com regimes similares ou de orientação iliberal e direitista. O atual governo de Lula 3, confirmou sua preferência por uma aliança estreita com as duas grandes potências contestadoras da atual “ordem ocidental”, proclamando sua adesão de princípio a uma indefinida “ordem global multipolar”, mas as tomadas de posição foram feitas no contexto de uma diplomacia presidencial personalista, não exatamente em nome da diplomacia profissional brasileira (que, diga-se de passagem, não é responsável por certas escolhas feitas primordialmente no Palácio do Planalto, e não no Itamaraty).
O tema também implica uma revisão profunda das grandes escolhas estratégicas do Brasil na arena mundial, e requer uma exposição específica que não cabe nos limites deste trabalho. Cabe, no entanto, relembrar que, ao longo de várias décadas, a política externa do Brasil logrou manter-se imune aos embates, diretos ou indiretos, entre as grandes potências, postura que atualmente parece ter sido esquecida em favor de uma aproximação irrefletida ao campo da contestação da ordem global atual, considerada pelos decisores correntes da política externa como pouco adequada aos interesses nacionais brasileiros. Não existe, contudo, nenhuma exposição clara e explícita sobre como, e por quais razões, a tal “ordem global” alternativa seria mais compatível com os interesses nacionais de longo prazo do Brasil, assim como com suas características de sociedade democrática e inserida plenamente numa economia de livres mercados.
Atuação do Itamaraty: fortalecimento institucional, preparação adequada
O corpo diplomático profissional, mais até do que ocasionais diplomacias presidenciais mais ou menos efetivas, foi uma componente essencial da formulação e da execução das principais diretrizes em matéria de política externa e da sua execução prática. Diplomacias presidenciais ativas podem representar um aporte adicional aos esforços da burocracia oficial, mas, se exercidas numa vertente excessivamente personalista, elas podem guardar a marca de improvisos irrefletidos, desprovidos do requerido embasamento técnico preliminar, com implementação deficiente das escolhas feitas segundo instintos momentâneos, mais até do que apoiados em uma preparação adequada. Certos dossiês, nos últimos governos, foram objeto de tratamento quase amadorístico, pois que conduzidos sob processos decisórios divididos entre o ambiente burocrático da diplomacia profissional e os interesses momentâneos dos círculos do poder político.
Tais problemas podem ser enfrentados mediante estreita coordenação entre a área técnica que formata cada um dos dossiês de política externa e a instância política decisória que decide sobre a implementação de uma determinada postura ou iniciativa diplomática. Essa coordenação exclui, em grande medida, a diplomacia personalista, poucas vezes apoiada num conhecimento rigoroso dos antecedentes e do contexto relacional de cada uma das questões tratadas em nome do Estado. Um excesso de autoconfiança pode não apenas criar novos problemas, como agravar os existentes, o que repercute negativamente na implementação da ação diplomática institucional.
O que pode ser feito?
Argumentos detalhados, relativos às diferentes vertentes da política externa – nos domínios bilateral, regional, multilateral, nas áreas econômica, de segurança e de plena inserção nos grandes temas da agenda global –, podem ser objeto de novas considerações, mais abrangentes, com abordagens macro e setoriais em cada um dos itens da agenda externa, num documento de planejamento político – ou seja, contendo objetivos estratégicos e prioridades táticas para a política externa do Brasil – de caráter mais amplamente propositivo do que a exposição sintética aqui oferecida.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5110, 8 novembro 2025, 4 p.
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O primeiro artigo, desta série de 2, pode ser consultado nestes links:
1602. “Política externa e diplomacia do Brasil: como são, como podem ser, 1/2”, revista digital Será? (ano xiv, n. 684, Recife, 21 de novembro de 2025; link: https://bit.ly/4o6CUpD ou https://revistasera.us2.list-manage.com/track/click?u=411db2b245b4b4625516c92f4&id=5960193be7&e=b9cc4cc5fd); divulgado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2025/11/politica-externa-e-diplomacia-do-brasil.html). Relação de Originais n. 5109
segunda-feira, 24 de novembro de 2025
Timothy Snider analisa e desmantela o "plano de paz russo" contra a Ucrânia - Revista ID
Timothy Snider analisa e desmantela o "plano de paz russo" contra a Ucrânia - Revista ID
1. A soberania da Ucrânia será confirmada.
Isso é grotesco. A Rússia invadiu a Ucrânia. A soberania da Ucrânia foi violada. O que será feito para reafirmar essa soberania? Sobre isso, o texto é pior do que silencioso. Os pontos subsequentes demonstram que a soberania ucraniana será, de fato, deliberadamente minada.
Na verdade, todo o documento, tanto em sua origem quanto em seus objetivos, representa a visão russa padrão de que a Ucrânia, de alguma forma, não é um Estado da mesma maneira que outros Estados.
2. Um acordo abrangente de não agressão será concluído entre a Rússia, a Ucrânia e a Europa. Todas as ambiguidades dos últimos 30 anos serão consideradas resolvidas.
Assim, em algum momento futuro, uma varinha mágica será acenada e todos os problemas serão resolvidos, porque agora está tudo estipulado dessa forma.
O mais interessante nessa estranha disposição é o inglês. Parece algo traduzido do russo. Em termos de conteúdo, a ideia de que “ambiguidades” “serão consideradas resolvidas” (isso soa como inglês para você?) não é apenas bizarra, mas totalitária. Em que mundo, exatamente, um acordo poderia resolver todas as ambiguidades?
Outro problema: as partes mencionadas já assinaram, todas elas, acordos e tratados legais que proíbem a agressão. Isso vale para todas elas coletivamente, bem como para a Rússia e a Ucrânia enquanto díade. A existência desses acordos juridicamente vinculativos não impediu a Rússia de invadir a Ucrânia em 2014 e 2022. A assinatura de mais um acordo pela Rússia para não invadir a Ucrânia em meio à sua invasão parece, no mínimo, vazia e cínica.
Ao que tudo indica, se essa disposição tem algum propósito, é de natureza propagandística. Em vez de começar (como um tratado de paz faria) com a guerra que de fato está acontecendo, ela começa com o tema preferido da Rússia, que são todas as queixas das últimas três décadas.
3. Espera-se que a Rússia não invada os países vizinhos e que a OTAN não se expanda ainda mais.
Aqui temos um exemplo gritante de russicismo: “é de se esperar” é uma forma reflexiva bastante usada em russo justamente dessa maneira. Vou evitar as implicações filosóficas dessas formulações — de que ninguém realmente assume a responsabilidade por nada — e ir direto ao propósito propagandístico deste ponto.
Espera-se que a Rússia não invada os países vizinhos. De quem? O que deve ser feito para impedir isso? O que fazer em relação à invasão russa em curso na Ucrânia? Ao apresentar a questão de forma hipotética e passiva, o autor pretende que o leitor ignore a dura realidade que deveria estar no cerne de qualquer tratado de paz: a Rússia está, de fato, invadindo um país vizinho neste exato momento.
A expectativa de que a OTAN “não se expandirá mais” introduz um argumento russo velado. A OTAN é uma organização de Estados soberanos que solicitam adesão. São eles os atores significativos, não a própria OTAN. Na visão de mundo oficial russa, existem grandes potências, como a Rússia e os Estados Unidos, e nada mais importa. A OTAN é vista como uma emanação do poder estadunidense, uma visão que faz com que os outros membros pareçam insignificantes ou inexistentes, não verdadeiramente soberanos.
E é precisamente nessa tradição que a Rússia, neste ponto, nega a soberania da Ucrânia. Um país soberano tem o direito de escolher seus aliados como bem entender. Este argumento consegue, sem mencionar a Ucrânia e sem mencionar a soberania, negar que a Ucrânia seja soberana. Isso anula qualquer significado que se possa ter tido e promove um importante interesse russo e, de fato, toda a visão de mundo do Kremlin.
4. Será realizado um diálogo entre a Rússia e a OTAN, com a mediação dos Estados Unidos, para resolver todas as questões de segurança e criar condições para a desescalada, a fim de garantir a segurança global e aumentar as oportunidades de cooperação e desenvolvimento econômico futuro.
Novamente, a ideia de que qualquer diálogo possa “resolver todas as questões de segurança” não faz sentido. Nenhum diálogo jamais conseguiu tal feito. E a Rússia teve todas as oportunidades para dialogar nos anos anteriores à invasão da Ucrânia em 2014, após essa invasão e até mesmo após a invasão de 2022. O objetivo deste argumento é insinuar que os Estados Unidos e a Rússia podem, por si só, decidir todas as questões na Europa.
5. A Ucrânia receberá garantias de segurança confiáveis.
Isso é obviamente sem sentido. Uma garantia de segurança é confiável na prática, não no papel. Nesta situação específica, isso significaria uma ação institucional e militar que desfizesse a atual ocupação russa e impedisse uma futura. Nada disso está especificado neste documento; e veremos que a tendência de tudo o que se segue é na direção oposta: facilitar a ação militar russa, tanto atual quanto futura. Observe novamente o uso da voz passiva: nada será feito, e nem sequer sabemos por quem nada será feito.
6. O tamanho das Forças Armadas da Ucrânia será limitado a 600.000 militares.
Qualquer país soberano pode determinar o tamanho de suas próprias forças armadas. Este ponto constitui uma violação óbvia e direta da soberania ucraniana e revela (mais uma vez) que o primeiro ponto está ali essencialmente para fins hipnóticos: a afirmação vazia no início de que a soberania ucraniana “será confirmada” visa impedir o leitor de perceber que todo o documento é um ditame dirigido à Ucrânia, que, obviamente, não foi consultada em sua elaboração.
E observe que não há limite para o tamanho das forças armadas russas.
7. A Ucrânia concorda em consagrar em sua constituição que não aderirá à OTAN, e a OTAN concorda em incluir em seus estatutos uma disposição segundo a qual a Ucrânia não será admitida no futuro.
Um pouco de história recente pode ser útil aqui, antes de chegarmos ao ponto óbvio de que isso também viola a soberania ucraniana. A OTAN não era popular na Ucrânia até a invasão russa em 2014. Depois disso, a OTAN, compreensivelmente, tornou-se atraente. Tornou-se ainda mais popular após a Rússia empreender a invasão em larga escala da Ucrânia em 2022. Em outras palavras, a OTAN nunca foi um problema até a Rússia torná-la um.
Algo semelhante pode ser dito sobre a Suécia e a Finlândia, que aderiram à OTAN porque a Rússia invadiu a Ucrânia.
Um país soberano tem a capacidade de escolher seus aliados. Desde a invasão de 2014, a Rússia tem feito repetidas e variadas exigências sobre o que a Ucrânia deveria incluir em sua constituição, o que tem sido uma das maneiras óbvias pelas quais a Rússia tem tratado a Ucrânia como algo menos que um Estado soberano.
Essa estrutura constitucional sugere uma origem russa. É difícil imaginar que um americano cogitaria interferir na constituição ucraniana.
8. A OTAN concorda em não estacionar tropas na Ucrânia.
Novamente, o ponto crucial aqui é a formulação. Observe que, mais uma vez, as coisas são feitas à Ucrânia, acontecem à Ucrânia, como se a própria Ucrânia não fosse soberana. É a Ucrânia que tem o direito soberano de decidir se países estrangeiros podem instalar tropas em seu território.
9. Caças europeus serão estacionados na Polônia.
Observe novamente a formulação peculiar. Quem os estacionará e por que exatamente na Polônia? E o que exatamente é um caça europeu? A Polônia fica na Europa e possui caças.
Mas provavelmente o que se quer dizer aqui é outra coisa: que os Estados Unidos não vão estacionar caças americanos na Polônia. Presumo que isso não tenha sido dito explicitamente para que os aliados da Rússia dentro do governo americano não tivessem que explicar por que os Estados Unidos estão fazendo essa concessão um tanto estranha.
O país invasor não está sendo solicitado a se conter de forma significativa. Não há nenhuma menção à Rússia cessar os combates, aos ataques a civis e à destruição de sua infraestrutura, à tortura ou à retirada da Ucrânia. Ucranianos, europeus e americanos estão sendo instruídos por uma Rússia que parece ter total liberdade de ação.
A direção do poder é extraordinária por si só. O que estamos lendo é uma exigência de capitulação por parte de um país que não está se saindo bem em uma guerra que ele mesmo iniciou. Jamais conseguiria obter algo sequer parecido com os termos deste acordo no campo de batalha. Para isso, precisa dos americanos.
10. A garantia dos EUA: Os EUA receberão compensação pela garantia; se a Ucrânia invadir a Rússia, perderá a garantia; se a Rússia invadir a Ucrânia, além de uma resposta militar decisiva e coordenada, todas as sanções globais serão restabelecidas, o reconhecimento do novo território e todos os outros benefícios deste acordo serão revogados; se a Ucrânia lançar um míssil contra Moscou ou São Petersburgo sem motivo, a garantia de segurança será considerada inválida.
Isso não faz sentido, já que a garantia de segurança americana não está definida. Observe, porém, que esse ponto pressupõe que as sanções contra a Rússia tenham sido revogadas. Em outras palavras, introduz a ideia de que todas as sanções econômicas contra a Rússia já terão sido removidas.
O que talvez seja mais significativo é a ideia, nova nas relações internacionais, de que os Estados Unidos são uma espécie de entidade mafiosa, paga para fornecer uma “proteção” indefinida, em vez de um Estado, um país ou um povo com interesses, aliados e amigos. Presumo que os russos tenham entendido o quão humilhante isso parece para os americanos.
11. A Ucrânia é elegível para adesão à UE e receberá acesso preferencial de curto prazo ao mercado europeu enquanto esta questão estiver sendo analisada.
A Ucrânia é elegível para adesão à UE independentemente de tudo.
O único sentido implícito neste ponto é a sugestão implícita (”está sendo considerado”, observe novamente a estranha construção passiva) de que países fora da União Europeia deveriam ter permissão para participar de algumas das considerações. Este documento, que é puramente russo ou russo com alguma contribuição de americanos, não reflete nenhuma consulta aos Estados-membros da União Europeia ou à Comissão Europeia.
12. Um pacote global robusto de medidas para a reconstrução da Ucrânia, incluindo, entre outras: a criação de um Fundo de Desenvolvimento da Ucrânia para investir em setores de rápido crescimento, como tecnologia, centros de dados e inteligência artificial; a cooperação dos Estados Unidos com a Ucrânia para reconstruir, desenvolver, modernizar e operar conjuntamente a infraestrutura de gás do país, incluindo gasodutos e instalações de armazenamento; esforços conjuntos para a reabilitação de áreas afetadas pela guerra, visando a restauração, reconstrução e modernização de cidades e áreas residenciais; desenvolvimento de infraestrutura; e extração de minerais e recursos naturais. O Banco Mundial desenvolverá um pacote de financiamento especial para acelerar esses esforços.
Essas promessas estão sendo feitas por um país (a Rússia) que destruiu grande parte da Ucrânia e por outro (os Estados Unidos) que destruiu as instituições de seu próprio governo que seriam capazes de implementar tais políticas.
Isso sugere fortemente que se trata de atores privados, o que em si não é algo ruim. Parte da reconstrução da Ucrânia — além da cooperação com o governo central, os governos regionais e a sociedade civil — certamente envolverá o setor privado.
Mas neste documento em particular, que parece estar menos associado ao governo americano em si do que a investidores americanos específicos, há motivos para preocupação – preocupação que será ampliada abaixo, nos pontos 13 e 14.
13. A Rússia será reintegrada à economia global: O levantamento das sanções será discutido e acordado em etapas e caso a caso. Os Estados Unidos firmarão um acordo de cooperação econômica de longo prazo para o desenvolvimento mútuo nas áreas de energia, recursos naturais, infraestrutura, inteligência artificial, centros de dados, projetos de extração de metais de terras raras no Ártico e outras oportunidades corporativas mutuamente benéficas. A Rússia será convidada a retornar ao G8.
É preocupante que os americanos envolvidos na elaboração deste documento, supondo que tenha havido algum, pareçam mais versados em como se pode ganhar dinheiro com a Rússia do que em quaisquer questões substantivas relevantes para a busca da paz.
Do lado russo, observe a tentativa tipicamente dramática de ignorar a questão óbvia e fundamental: as reparações de guerra. Durante uma guerra completamente ilegal, a Rússia infligiu centenas de bilhões, ou mais provavelmente trilhões, de dólares em danos, sem mencionar quaisquer penalidades a serem pagas por todas as mutilações e mortes ilegais.
14. Os fundos congelados serão utilizados da seguinte forma: US$ 100 bilhões em ativos russos congelados serão investidos em iniciativas lideradas pelos EUA para reconstruir e investir na Ucrânia; os EUA receberão 50% dos lucros dessa iniciativa. A Europa contribuirá com US$ 100 bilhões para aumentar o montante de investimentos disponíveis para a reconstrução da Ucrânia. Os fundos europeus congelados serão descongelados. O restante dos fundos russos congelados será investido em um veículo de investimento conjunto EUA-Rússia que implementará projetos em áreas específicas. Esse fundo terá como objetivo fortalecer as relações e aumentar os interesses comuns, criando um forte incentivo para evitar o retorno ao conflito.
Chegamos ao ponto do documento, nos itens 13 e 14, em que a Rússia está sendo recompensada pela invasão; a intenção é que não percebamos que literalmente nada foi mencionado que pudesse influenciar o fim da guerra ou garantir que a Rússia não invadisse novamente imediatamente.
Os ativos russos foram congelados porque a Rússia empreendeu uma guerra criminosa. Até o momento, nada neste documento impede essa guerra. Não há menção à retirada de tropas russas da Ucrânia, nem à disposição das tropas russas dentro da Rússia, nem ao armamento russo, nem a qualquer informação relevante sobre o comportamento russo. Neste ponto, o que vemos são duas coisas: os ativos russos serão descongelados e alguns deles serão entregues aos americanos. Os leitores podem não saber que esses ativos estão, em sua maioria, localizados na Europa. Portanto, isso equivale a retirar dinheiro russo congelado de bancos europeus e entregá-lo aos americanos.
A linguagem usada em relação a um veículo de investimento europeu-russo tem um quê de suborno: os russos pegam dinheiro que estava congelado por causa de crimes horríveis, e que sem a ajuda americana eles nunca mais veriam, e o repassam aos americanos — em troca de muito mais dinheiro — e de uma vitória na guerra contra a Ucrânia que eles não teriam conseguido sem a ajuda americana.
Infelizmente, esse ponto sugere fortemente uma troca de favores em que a Ucrânia é traída por alguns indivíduos americanos.
15. Será criado um grupo de trabalho conjunto americano-russo sobre questões de segurança para promover e garantir o cumprimento de todas as disposições deste acordo.
Isso não tem significado nenhum. É só um papo furado para fazer o resto parecer mais normal.
16. A Rússia consagrará em lei sua política de não agressão em relação à Europa e à Ucrânia.
Isso não tem significado. A Rússia já o fez ao assinar tratados, os quais desrespeitou completamente. O único caminho para a não agressão russa é uma Ucrânia forte.
17. Os Estados Unidos e a Rússia concordarão em estender a validade dos tratados sobre a não proliferação e o controle de armas nucleares, incluindo o Tratado START I.
Isso é confuso. O primeiro tratado sobre redução de armas nucleares foi notável. Ele expirou há dezesseis anos. Talvez os autores russos estivessem apenas zombando de seus parceiros americanos, presumindo que nenhum deles saiba nada sobre a história das relações EUA-URSS ou sobre o controle de armas.
18. A Ucrânia concorda em ser um Estado não nuclear, em conformidade com o Tratado sobre a Não Proliferação de Armas Nucleares.
Algo muito importante está acontecendo nesta frase. Precisamos dar um passo atrás para entendê-la. O mais fácil seria dizer que se trata apenas de mais um erro bobo sobre tratados, já que a Ucrânia, obviamente, já é membro do Tratado de Não Proliferação Nuclear. Mas o Ponto 18 não é um erro. É uma tentativa deliberada de reformular talvez a questão mais importante da guerra, pelo menos para o mundo em geral: o risco de uma guerra nuclear.
Em resposta a qualquer disposição como esta, os ucranianos lembrarão ao mundo que, na verdade, concordaram em renunciar a todas as suas armas nucleares em 1994, em troca de garantias de segurança dos Estados Unidos, do Reino Unido e da Federação Russa. Assinaram o Tratado de Não Proliferação Nuclear como uma potência não nuclear. Entregaram à Rússia bombardeiros de longo alcance que a Rússia agora usa para matar ucranianos.
O ponto 18 implica — insinua no subconsciente do leitor — a ideia de que a Ucrânia jamais fez algo assim. Isso é extremamente injusto para os ucranianos, que foram invadidos por um dos países que emitiram essas garantias de segurança.
Mas é pior do que injusto: empurra toda a questão para o reino do irreal, o que é outra especialidade russa. Se aceitarmos que vivemos num mundo em que a Ucrânia nunca assinou o tratado, então podemos esquecer o Memorando de Budapeste de 1994, em que a Ucrânia deu um passo histórico para a paz e foi terrivelmente punida por isso pelo seu vizinho russo.
E jamais levaremos em consideração uma das maneiras fundamentais pelas quais este documento é perigoso.
O leitor, ou um americano ingênuo, pode esquecer que a Ucrânia abdicou de suas armas nucleares, mas líderes do mundo todo sabem disso. Eles estão acompanhando esta guerra e tirando lições. Se a Ucrânia for vista como tendo se defendido e vencido esta guerra, então não haverá necessidade de os países não nucleares construírem armas nucleares. Mas se a Ucrânia for vista como tendo perdido a guerra, então países da Ásia e da Europa se sentirão compelidos a construir suas próprias armas nucleares.
Essa é a verdadeira questão nuclear em jogo quando consideramos o formato da paz na Ucrânia. Queremos gerar proliferação nuclear ou queremos desencorajá-la? Este ponto, habilmente, sufoca essa questão — mentalmente — antes mesmo que ela surja. Mas, se um acordo como esse for de fato concretizado, armas nucleares reais serão construídas em todo o mundo e uma guerra nuclear real se tornará mais provável.
19. A usina nuclear de Zaporizhzhia será inaugurada sob a supervisão da AIEA, e a eletricidade produzida será distribuída igualmente entre a Rússia e a Ucrânia — 50:50.
Novamente, o termo “lançada” sugere algum tipo de problema com a tradução do russo original. Uma usina nuclear não é algo que se lança. A disposição legal não significa muita coisa — a AIEA deveria supervisionar usinas nucleares em geral. A usina está sob ocupação russa. Essa ocupação, claro, é a questão central.
20. Ambos os países comprometem-se a implementar programas educativos nas escolas e na sociedade com o objetivo de promover a compreensão e a tolerância às diferentes culturas e eliminar o racismo e o preconceito: a Ucrânia adotará as normas da UE sobre tolerância religiosa e proteção das minorias linguísticas. Ambos os países concordam em abolir todas as medidas discriminatórias e garantir os direitos dos meios de comunicação e da educação ucranianos e russos. Toda a ideologia e as atividades nazistas devem ser rejeitadas e proibidas.
Novamente, é preciso dar um passo atrás para compreender toda a reformulação que está acontecendo aqui. A Rússia invadiu a Ucrânia. Durante essa invasão, roubou artefatos de museus ucranianos, queimou livros ucranianos e sequestrou crianças ucranianas. Ucranianos estão presos em prisões russas como prisioneiros políticos. Ucranianos feitos prisioneiros de guerra são forçados a lutar contra seu próprio país até serem mortos. Na Rússia, a própria palavra e o conceito de Ucrânia foram removidos dos livros escolares. A Rússia empreendeu um programa de violência abrangente para destruir a cultura ucraniana e tem sido bastante aberta sobre isso. Nada aqui aborda esses danos.
A referência à “ideologia nazista” também merece uma análise cuidadosa. A posição da Rússia é que tudo o que é ucraniano é nazista e que nada do que a Rússia faz pode ser interpretado como nazista. Isso, por si só, é indefensavelmente bizarro: a Rússia é o principal estado fascista do mundo, e a Ucrânia é uma democracia com um presidente judeu. Mas a palavra “nazista”, para as autoridades russas, é simplesmente uma arma usada para justificar a destruição da cultura ucraniana. “Todas as medidas discriminatórias” são presumivelmente uma tentativa de forçar a Ucrânia a permitir que o Estado russo transmita conteúdo da mídia russa dentro do país.
21. Territórios: A Crimeia, Luhansk e Donetsk serão reconhecidas como territórios russos de facto, inclusive pelos Estados Unidos. Kherson e Zaporizhzhia serão congeladas ao longo da linha de contato, o que implicará reconhecimento de facto nessa mesma linha. A Rússia renunciará a outros territórios acordados que controla fora das cinco regiões. As forças ucranianas se retirarão da parte do Oblast de Donetsk que atualmente controlam, e essa zona de retirada será considerada uma zona tampão neutra e desmilitarizada, reconhecida internacionalmente como território pertencente à Federação Russa. As forças russas não entrarão nessa zona desmilitarizada.
Aceitar e recompensar a agressão, que é a essência deste ponto, viola a letra do direito internacional e anula seus propósitos mais elementares.
O terceiro subponto não tem sentido, pois não foram especificados tais territórios.
Há algo maliciosamente errado na formulação dos dois primeiros subpontos. Reconhecer algo de facto não é realmente reconhecê-lo.
Por exemplo, se você roubar meu carro, de fato, você o possui. Mas seria um exagero me pedir para escrever uma carta reconhecendo que você, de fato, possui meu carro. Coisas que são de fato são coisas que não gostamos, mas que, por ora, não podemos mudar — embora possam ser ilegais. De jure, esse carro é meu. De jure, os territórios pertencem à Ucrânia. Incluir em um documento que a ocupação de fato é de alguma forma “reconhecida” provavelmente visa confundir a situação e criar a impressão de que, na verdade, a ocupação é de jure. Essas declarações sobre “reconhecido como russo de fato” são como eu dizer que meu carro é “reconhecido como sendo seu de fato”. Ao dizer isso, eu talvez não esteja renunciando ao meu direito legal — de jure — ao meu carro, mas seria estranho da minha parte. Isso parece já ocorrer no quarto subponto, que já caracteriza os territórios ucranianos como “internacionalmente reconhecidos” como russos.
Os territórios em questão também são importantes. A Ucrânia está sendo pressionada a se retirar de importantes áreas na região de Donetsk que, de fato, controla e que a Rússia não conseguiu tomar. A Rússia invadiu o Donbas há onze anos e ainda não controla toda a região. Grande parte do que não controla está fortemente fortificada. A simples entrega dessas terras à Rússia deixaria a Ucrânia muito mais vulnerável a uma futura invasão russa.
Neste ponto, assim como em todo o documento, a Rússia está sendo recompensada por invadir a Ucrânia.
22. Após concordarem com os futuros arranjos territoriais, tanto a Federação Russa quanto a Ucrânia comprometem-se a não alterar esses arranjos pela força. Quaisquer garantias de segurança não serão aplicáveis em caso de violação deste compromisso.
A primeira frase parece sugerir que a Rússia pode continuar a guerra até ficar satisfeita e, em seguida, obrigar a Ucrânia a não fazer nada a respeito. Observe a palavra “futuro”. Claro, é possível que aqui tenhamos novamente um problema de tradução do russo.
23. A Rússia não impedirá a Ucrânia de usar o rio Dnieper para atividades comerciais, e serão alcançados acordos sobre o livre transporte de grãos através do Mar Negro.
Em inglês, a grafia deste rio é Dnipro. Observe a grafia russa.
A primeira frase, se lida com atenção, não promete muito. A Ucrânia pode usar suas próprias vias navegáveis em seu próprio território soberano da maneira que bem entender; a formulação sugere, em vez disso, que a Rússia tem algum tipo de influência sobre essa questão, o que não é verdade. O que essa frase realmente deveria nos lembrar é o seguinte: com exceção dessa promessa muito limitada no ponto 23, a Rússia não se compromete neste texto a fazer nada de específico para cessar as hostilidades ou torná-las menos prováveis no futuro.
24. Será criado um comitê humanitário para resolver as questões pendentes: Todos os prisioneiros e corpos restantes serão trocados na proporção de “todos por todos”. Todos os civis detidos e reféns serão devolvidos, incluindo crianças. Um programa de reunificação familiar será implementado. Serão tomadas medidas para aliviar o sofrimento das vítimas do conflito.
Parte disso já está acontecendo. O restante seria desejável, é claro. Mas, obviamente, essa postura neutra é extremamente enganosa. A Rússia invadiu a Ucrânia e sequestrou dezenas de milhares de crianças.
25. A Ucrânia realizará eleições em 100 dias.
Novamente, observe que a Ucrânia precisa fazer algo, e que não há qualquer indício de que a Rússia também deva fazer algo.
A Rússia não realiza eleições livres há duas décadas. A Ucrânia, por outro lado, já teve uma série delas. Portanto, essa formulação sugere que existe um problema onde não existe, e ignora a questão central e bastante evidente da ditadura russa.
A Rússia vem argumentando, por vezes de forma antissemita, que o atual presidente ucraniano não é de fato legítimo, não é real, é apenas um fantoche, etc. Ele tem sido alvo de propaganda russa há anos. Mas, ao contrário do presidente russo, ele foi eleito em eleições livres e justas. Essa questão foi escolhida para que os russos pudessem ver esse conflito terminando com a vitória do seu candidato sobre o candidato do outro lado.
E a questão é tão básica que vale a pena repetir: a Ucrânia é um país soberano, com seus próprios mecanismos para eleições. Elas não podem ser realizadas legalmente agora, durante a lei marcial. Quando a lei marcial for suspensa — quando a guerra realmente terminar — elas serão realizadas.
Este acordo não porá fim à guerra e foi concebido para obrigar a Ucrânia a realizar eleições sob pressão russa durante uma guerra com a Rússia.
26. Todas as partes envolvidas neste conflito receberão anistia total por suas ações durante a guerra e concordam em não apresentar quaisquer reivindicações ou considerar quaisquer queixas no futuro.
Todas as partes envolvidas neste conflito? Isso parece conferir imunidade legal a todos na Rússia e na Ucrânia por tudo o que fizeram ao longo dos últimos onze anos. O que, por si só, é estranho.
Inúmeras vezes, crimes de guerra russos muito específicos foram documentados: a própria guerra como uma guerra de agressão, as deportações de ucranianos, especialmente crianças, o assassinato de civis e prisioneiros de guerra, a tortura. Esses são crimes de acordo com o direito internacional. É evidente que isso não deve ser esquecido. Na prática, a lei não é determinada por russos e americanos, que não podem conceder anistia em nome de organizações internacionais ou outros países.
27. Este acordo será juridicamente vinculativo. Sua implementação será monitorada e garantida pelo Conselho da Paz, presidido pelo Presidente Donald J. Trump. Sanções serão impostas em caso de violação.
Ainda não existe um Conselho de Paz, e não está claro como ele poderia monitorar e garantir essa massa de impossibilidades, contradições e ilegalidades.
Nenhuma pessoa sozinha pode ser nomeada chefe de uma instituição que se destina a ser permanente.
Vemos aqui, no entanto, uma sugestão do problema processual básico que mencionei no início: parece haver alguns americanos que pensam que fazer um “acordo” rápido e dar crédito ao presidente é uma maneira de atingir seus objetivos pessoais, e cuja ânsia em tudo isso os permitiu delegar o texto propriamente dito aos russos.
28. Assim que todas as partes concordarem com este memorando, o cessar-fogo entrará em vigor imediatamente após ambas as partes se retirarem para os pontos acordados para iniciar a implementação do acordo.
Que cessar-fogo? Literalmente nada foi dito sobre isso.
Não há clareza sobre como esse texto entraria em vigor, ou mesmo que tipo de status ele teria (o ponto anterior não fornece essa informação).
Grande parte do que teria de acontecer após um cessar-fogo exigiria a participação da Ucrânia e da Europa. Mas nenhum ucraniano ou outro europeu esteve envolvido na elaboração deste texto. Ucranianos e europeus teriam de ser partes em qualquer acordo concreto.
Chegamos ao fim, e as questões executivas fundamentais não foram abordadas. Quem são os partidos? Não sabemos.
Essas disposições violam dezenas de leis e tratados já em vigor. Como isso será resolvido?
Enquanto escrevo, europeus, ucranianos e americanos estão reunidos em Genebra. É importante compreender que este texto não pode ser visto como um quadro para um acordo de paz, mesmo que, para fins diplomáticos, possa ser apresentado dessa forma.
Mas talvez sirva de estímulo para algo muito melhor. E como um lembrete de como as políticas públicas não devem ser feitas.