O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

2028) Dois pontos de vista sobre a politica externa brasileira

A confrontação de análises, que trazem elementos factuais diversos e opiniões pessoas divergentes, sempre é saudável, para que cada um possa formar seu ponto de vista sobre a diplomacia brasileira atual.
Primeiro um artigo de um crítico:

Política externa desastrada
Marcelo de Paiva Abreu
O ESTADO DE S. PAULO, segunda-feira, 5 de abril de 2010

É difícil discordar da avaliação de que a política externa brasileira, desde 2003, tem sido pródiga em efeitos especiais e avara na obtenção de resultados efetivos.

Muita criação de novos foros e embaixadas, poucas negociações econômicas com benefícios tangíveis permanentes. Agora, de forma ainda mais preocupante, aumenta o risco de que a política externa "altiva e ativa" defendida pelo Itamaraty resulte em sérios danos aos interesses concretos brasileiros.

Embora Brasília se esfalfe em afirmar o contrário, as relações bilaterais do Brasil com os Estados Unidos passam por um momento difícil. Para os que duvidem disso, basta uma visita a Washington e conversas francas com os membros da administração do presidente Barack Obama ou políticos de qualquer partido.

É difícil debitar integralmente ao unilateralismo norte-americano o visível mal-estar em relação ao Brasil.

Um país que se preze deve zelar por sua soberania e assegurar que suas posições internacionais sejam dignas, independentes e respeitadas.

Poucas coisas são mais desprezíveis do que uma política externa subserviente. E, no entanto, em vários momentos da história republicana ocorreram episódios de acomodação à posição dos Estados Unidos, cuja rememoração é penosa.

A ruptura das relações diplomáticas com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1947, no afã de mostrar serviço a Washington, em meio a um surto de macarthismo tropical que levou à decisão sobre a ilegalidade do Partido Comunista do Brasil. O envio de tropas no episódio de intervenção na República Dominicana, em 1965. As reações às pressões do governo Carter quanto à violação de direitos humanos no Brasil, em meio a um delírio de Brasil Grande nuclear que beirou o ridículo.

Em contraposição, muitos dos momentos memoráveis da história diplomática brasileira têm a ver com oposição aos Estados Unidos.

O lançamento das bases de uma política externa independente no início da década de 60, incluindo a posição independente mantida em Punta Del Este quanto a Cuba, e o reatamento de relações com a União Soviética. A política africana, especialmente a angolana, no governo Ernesto Geisel. A reiterada resistência ao unilateralismo da política comercial norte-americana: denúncias do uso ilegal de retaliações relacionadas à propriedade intelectual na década de 80, panels vitoriosos na Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre subsídios ao algodão e ação em Cancún do G-20, que afundaria a proposta protecionista agrícola dos Estados Unidos e da União Europeia, mais recentemente.

Uma coisa é resistir com dignidade ao unilateralismo dos Estados Unidos. Outra é engajar-se em hostilidade gratuita que redunda em deterioração das relações com os Estados Unidos, sem que haja benefício para o Brasil e, no limite, com custos inequívocos para interesses brasileiros. É a situação que hoje se configura com longa lista de problemas bilaterais.

A postura de endosso automático dos líderes populistas vizinhos, em especial do mussolinismo mal disfarçado em neobolivarianismo de Hugo Chávez, em suas provocações reiteradas dos Estados Unidos. As trapalhadas no episódio hondurenho com a diplomacia brasileira, ao final, contentando-se com o papel de estalajadeiro silencioso. Os lamentáveis comentários do presidente Luiz Inácio Lula da Silva quanto aos opositores do regime cubano, que se somaram à recusa de concessão de asilo aos boxeadores cubanos.

No caso extremo, complacência com o Irã, ao arrepio da posição relativa a sanções, não apenas dos Estados Unidos, mas também de "parceiros estratégicos" como a França. As trapalhadas com Israel, como se não fosse possível adotar posição decente no Oriente Médio, apoiando as aspirações palestinas e contendo os notórios excessos do governo israelense, sem trocar ternuras com Teerã.

Agora, com a convergência das posições dos membros permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre sanções ao Irã, há o risco palpável, não apenas de perda de face, mas de prejuízos concretos de empresas brasileiras com interesses na região.

Tornaram-se cada vez mais controvertidas as razões que poderiam justificar as posições adotadas por Brasília.

Alguns pensam em perniciosa combinação de altivez, na acepção de arrogância e antiamericanismo visceral. Outros pensam em paralisia analítica exacerbada por excesso de oportunismo. Pobre Barão.

Doutor em economia pela universidade de Cambridge, é professor titular no departamento de economia da PUC-Rio.

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Agora um ponto de vista mais conforme à visão oficial:

A encruzilhada da oposição no debate da política externa
Maria R. Soares de Lima e Fabiano Santos
VALOR ECONÔMICO, segunda-feira, 5 de abril de 2010

Projeção do Brasil no exterior levará a política externa a ser debatida na campanha eleitoral

Até o momento pouco sabemos a respeito das políticas governamentais atualmente em curso que sofreriam inflexão no caso de vir a ser vitoriosa a oposição nas eleições de outubro. Se a contundência das críticas for uma medida dos alvos de possíveis mudanças, certamente a política externa seria um deles. Como amplamente divulgado, tema chave da linha seguida pelo governo enfatiza a integração latino-americana. Inovações importantes ocorridas nessa política podem assim ser resumidas: 1) adoção de uma concepção de integração que ultrapassa a dimensão comercial, incluindo-se em seu bojo as dimensões social produtiva, energética e de infraestrutura; 2) a construção de instituições regionais, tais como a Unasul e o Conselho de Defesa Sul-Americana cuja função seria a de ampliar a coordenação política entre os diversos governantes envolvidos, além de fomentar uma identidade latino-americana; e, 3) concessão de tratamento diferenciado aos países mais frágeis da região, no sentido de diminuir assimetrias estruturais, como o Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM).

A oposição tem desdobrado suas críticas em dois eixos: a) o Brasil cumpre o papel de sucker na região (termo sucker advém da teoria dos jogos aplicada a interações sociais. Designa o comportamento de um ator que coopera, mesmo diante da recusa por parte de seu oponente em fazê-lo). Vale dizer, o país coopera incondicionalmente, sem a necessária contrapartida no que tange o comportamento de seus parceiros nos esforços de cooperação regional; b) a agenda latino-americana é partidária, pois atende unicamente aos objetivos do PT, sendo prova disso o estreitamento das relações do governo Lula com presidentes "esquerdistas". (Nesse ponto, o argumento é menos convincente, já que o Brasil tem desenvolvido ótimas relações com governantes não esquerdistas, como Uribe, Alan Garcia e Felipe Calderon).

De todo modo, se a política externa continuar sendo ponto central de diferenciação entre as agendas do governo e da oposição, ao longo do período eleitoral, estamos diante de fato inédito e promissor. Inédito, pois tal política tradicionalmente não faz parte do debate político partidário no Brasil. Promissor porque, devido a vários motivos, em geral relacionados à complexidade de seu objeto, trata-se de área opaca para o eleitor médio, no Brasil e nas demais democracias mais ou menos desenvolvidas.

É saudável, portanto, a introdução desse tema no debate eleitoral, o que de resto, acaba por fazer jus à crescente diversidade de áreas e agentes envolvidos na agenda internacional do país, consequência natural da projeção que o Brasil vem alcançando na cena internacional. Fazer parte da campanha eleitoral significa que os atores políticos vão se ver instados a esclarecer suas posições, a fornecer indicadores, formular cenários e gerar expectativas a partir das quais os eleitores poderão cobrar resultados. Enfim, teremos a chance de vivenciar uma fase de esclarecimento em torno de pontos que são cada vez mais relevantes para a sociedade.

Sabemos mais, contudo, sobre o que poderá vir a ser a política externa no caso de uma vitória das forças governistas do que no caso oposto. Afirmativa, de resto, verdadeira para diversas outras políticas governamentais, já que para o cidadão das ruas, o desempenho corrente é a medida mais próxima e eficiente do comportamento e decisões a serem tomadas no futuro. A oposição se encontra nesse caso em clara situação de desvantagem, pois não estando de posse dos meios de administração não tem como demonstrar qual será sua política caso vença as eleições. Existem maneiras, entretanto, de minimização dessa assimetria, a mais clássica e importante delas é a participação no debate parlamentar, mais especificamente nas comissões especializadas e pertinentes ao tema.

Qual tem sido no Congresso a contribuição dos partidos de oposição ao encaminhamento da agenda internacional? De um lado, temos visto a preocupação em se explicitar posições, esclarecer as várias dimensões das propostas eventualmente em tramitação, propiciar o debate pluralista em torno dos diversos setores nelas envolvidos. Esse certamente foi o caso quando da realização das inúmeras audiências públicas, no âmbito da Comissão de Relações Exteriores do Senado sobre o Protocolo de Adesão da Venezuela ao Mercosul. De outro, constatamos orientação que pouco esclarece sobre as implicações substantivas dos cursos alternativos de ação no front externo. Exemplo dessa linha de comportamento consiste nas tentativas de obstruir processos corriqueiros de endosso legislativo às indicações feitas pelo Executivo para preenchimento de postos diplomáticos fundamentais, como é o caso do retardo de nomeação dos nossos embaixadores na Venezuela e no Equador.

Questões de política externa possuem dimensões claramente vinculadas ao interesse nacional, como são exemplo, a integridade política e territorial do país e a manutenção da estabilidade e segurança regionais. A delicadeza do problema enfrentado pela oposição no Congresso reside no fato de que ao inserir essa política no debate eleitoral corre-se o risco de forjar divisões naquilo que deve ser objeto de consenso suprapartidário. No caso da política de integração da América do Sul tal risco ainda é mais importante por conta da combinação de dois pontos cruciais a nosso ver: a) a relevância do continente para os interesses econômicos e político-estratégicos brasileiros; e b) a assimetria em termos do peso econômico e político do Brasil face às nações vizinhas.

Nesse contexto, a estratégia obstrucionista da oposição no Legislativo é equivocada. O ideal seria uma crítica propositiva, que insistisse na institucionalização de mecanismos regionais de coordenação da ação coletiva no continente. Instituições capazes de fazer convergir os interesses nacionais brasileiros com os interesses nacionais dos nossos vizinhos.

Maria Regina Soares de Lima,professora e pesquisadora do IUPERJ, é coordenadora do Observatório Político Sul-Americano (OPSA/IUPERJ);

Fabiano Santos, professor e pesquisador do IUPERJ, é coordenador do Núcleo de Estudos sobre o Congresso (NECON/IUPERJ).

2027) Pausa para humor - Barao de Itararé

Link para o site remetido por um leitor habitual deste blog, Vinicius Portela:
http://www.culturabrasil.pro.br/itarare.htm

Máximas e Mínimas do Barão de Itararé
Aparício Torelli - o "Barão de Itararé"

. De onde menos se espera, daí é que não sai nada.
. Mais vale um galo no terreiro do que dois na testa.
. Quem empresta, adeus...
. Dize-me com quem andas e eu te direi se vou contigo.
. Pobre, quando mete a mão no bolso, só tira os cinco dedos.
. Quando pobre come frango, um dos dois está doente.
. Genro é um homem casado com uma mulher cuja mãe se mete em tudo.
. Cleptomaníaco: ladrão rico. Gatuno: cleptomaníaco pobre.
. Quem só fala dos grandes, pequeno fica.
. Viúva rica, com um olho chora e com o outro se explica.
. Depois do governo ge-gê, o Brasil terá um governo ga-gá. ( Ge-gê: apelido de . . Getulio Vargas. Ga-gá: referia-se às duas primeiras letras no sobrenome do novo presidente, Eurico Gaspar Dutra).
. Um bom jornalista é um sujeito que esvazia totalmente a cabeça para o dono do jornal encher nababescamente a barriga.
. Neurastenia é doença de gente rica. Pobre neurastênico é malcriado.
. O voto deve ser rigorosamente secreto. Só assim , afinal, o eleitor não terá vergonha de votar no seu candidato.
. Os juros são o perfume do capital.
. Urçamento é uma conta que se faz para saveire como debemos aplicaire o dinheiro que já gastamos.
. Negociata é todo bom negócio para o qual não fomos convidados.
. O banco é uma instituição que empresta dinheiro à gente se a gente apresentar provas suficientes de que não precisa de dinheiro.
. A gramática é o inspetor de veículos dos pronomes.
. Cobra é um animal careca com ondulação permanente.
. Tudo seria fácil se não fossem as dificuldades.
. Sábio é o homem que chega a ter consciência da sua ignorância.
. Há seguramente um prazer em ser louco que só os loucos conhecem.
. É mais fácil sustentar dez filhos que um vício.
. A esperança é o pão sem manteiga dos desgraçados.
. Adolescência é a idade em que o garoto se recusa a acreditar que um dia ficará chato como o pai.
. O advogado, segundo Brougham, é um cavalheiro que põe os nossos bens a salvo dos nossos inimigos e os guarda para si.
. Senso de humor é o sentimento que faz você rir daquilo que o deixaria louco de raiva se acontecesse com você.
. Mulher moderna calça as botas e bota as calças.
. A televisão é a maior maravilha da ciência a serviço da imbecilidade humana.
. Este mundo é redondo, mas está ficando muito chato.
. Pão, quanto mais quente, mais fresco.
. A promissória é uma questão "de...vida". O pagamento é de morte.
. A forca é o mais desagradável dos instrumentos de corda.

Apparício Torelly, (o "Barão de Itararé), que também usou o pseudônimo de "Apporelly", era gaúcho de Rio Grande, nascido em 29/01/1895. Estudou medicina, sem chegar a terminar o curso, e já era conhecido quando veio para o Rio fazer parte do jornal O Globo, e depois de A Manhã, de Mário Rodrigues, um temido e desabusado panfletário. Logo depois lançou um jornal autônomo, com o nome de "A Manha". Teve tanto sucesso que seu jornal sobreviveu ao que parodiava. Editou, também, o "Almanhaque — o Almanaque d'A Manha". Faleceu no Rio de Janeiro em 27/11/71. O "herói de dois séculos", como se intitulava, é um dos maiores nomes do humorismo nacional. Extraído de "Máximas e Mínimas do Barão de Itararé", Distribuidora Record de Serviços de Imprensa - Rio de Janeiro, 1985, págs. 27 e 28, coletânea organizada por Afonso Félix de Souza.

Mais “Máximas e Mínimas” do Barão de Itararé!

. Deus dá peneira a quem não tem farinha.
. Testamento de pobre se escreve na unha.
. Tempo é dinheiro. Vamos, então, fazer a experiência de pagar as nossas dívidas com o tempo.
. Precisa-se de uma boa datilógrafa. Se for boa mesmo, não precisa ser datilógrafa.
. O fígado faz muito mal à bebida.
. O casamento é uma tragédia em dois atos: um civil e um religioso.
. Com as crianças é necessário ser psicólogo. Quando uma criança chora, é porque quer balas. Quando não chora, também.
. O menino, voltando do colégio, perguntou à mãe:
-- Mamãe, por que é que pagam o ordenado à professora, se somos nós que fazemos os deveres?
. O feio da eleição é se perder.
. A moral dos políticos é como elevador: sobe e desce. Mas, em geral, enguiça por falta de energia, ou então não funciona definitivamente, deixando desesperados os infelizes que confiam nele.
. Com dinheiro à vista toda gente é benquista.
. Se você tem dívida, não se preocupe, porque as preocupações não pagam as dívidas. Nesse caso, o melhor é deixar que o credor se preocupe por você.
. Palavras cruzadas são a mais suave forma de loucura.
. A alma humana, como os bolsos da batina de padre, tem mistérios insondáveis.
. O homem cumprimentou o outro, no café.
-- Creio que nós fomos apresentados na casa do Olavo.
-- Não me recordo.
-- Pois tenho certeza. Faz um mês, mais ou menos.
-- Como me reconheceu?
-- Pelo guarda-chuva.
-- Mas nessa época eu não tinha guarda-chuva...
-- Realmente, mas eu tinha...

. O homem é um animal que pensa; a mulher, um animal que pensa o contrário. O homem é uma máquina que fala; a mulher é uma máquina que dá o que falar.
. O homem que se vende recebe sempre mais do que vale.
. O mal alheio pesa como um cabelo.
. A solidez de um negócio se mede pelo seu lucro líquido.
. Que faz o peixe, afinal?... Nada.
. A sombra do branco é igual a do preto.
. "Eu Cavo, Tu Cavas, Ele Cava, Nós Cavamos, Vós Cavais, Eles Cavam. Não é bonito, nem rima, mas é profundo...
. Tudo é relativo: o tempo que dura um minuto depende de que lado da porta do banheiro você está.
. Nunca desista do seu sonho. Se acabou numa padaria, procure em outra!
. Devo tanto que, se eu chamar alguém de "meu bem" o banco toma!
. Viva cada dia como se fosse o último. Um dia você acerta...

Uísque e mulher ranzinza
Eu tinha doze garrafas de uísque na minha adega e minha mulher me disse para despejar todas na pia, porque se não...
- Assim seja! Seja feita a vossa vontade, disse eu, humildemente. E comecei a desempenhar, com religiosa obediência, a minha ingrata tarefa.
Tirei a rolha da primeira garrafa è despejei o seu conteúdo na pia, com exceção de um copo, que bebi.
Extraí a rolha da segunda garrafa e procedi da mesma maneira, com exceção de um copo, que virei.
Arranquei a rolha da terceira garrafa e despejei o uísque na pia, com exceção de um copo, que empinei.
Puxei a pia da quarta rolha e despejei o copo na garrafa, que bebi.
Apanhei a quinta rolha da pia, despejei o copo no resto e bebi a garrafa, por exceção.
Agarrei o copo da sexta pia, puxei o uísque e bebi a garrafa, com exceção da rolha.
Tirei a rolha seguinte, despejei a pia dentro da gar­rafa, arrolhei o copo e bebi por exceção.
Quando esvaziei todas as garrafas, menos duas, que escondi atrás do banheiro, para lavar a boca amanhã cedo, resolvi conferir o serviço que tinha feito, de acordo com as ordens da minha mulher, a quem não gosto de contrariar, pelo mau gênio que tem.
Segurei então a casa com uma mão e com a outra contei direitinho as garrafas, rolhas, copos e pias, que eram exatamente trinta e nove. Quando a casa passou mais uma vez pela minha frente, aproveitei para recontar tudo e deu noventa e três, o que confere, já que todas as coisas no momento estão ao contrário.
Para maior segurança, vou conferir tudo mais uma vez, contando todas as pias, rolhas, banheiros, copos, casas e garrafas, menos aquelas duas que escondi e acho que não vão chegar até amanhã, porque estou com uma sede louca ...

Apparício Torelli, Barão de Itararé, o Brando, (1895/1971), "campeão olímpico da paz", "marechal-almirante e brigadeiro do ar condicionado", "cantor lírico", "andarilho da liberdade", "cientista emérito", "político inquieto", "artista matemático, diplomata, poeta, pintor, romancista e bookmaker", como se definia, era gaúcho e é um dos maiores humoristas de todos os tempos. Dele disse Jorge Amado: "Mais que um pseudônimo, o Barão de Itararé foi um personagem vivo e atuante, uma espécie de Dom Quixote nacional, malandro, generoso, e gozador, a lutar contra as mazelas e os malfeitos".

Aqui pode-se ver o brasão da Casa de Itararé:


Antes "Duque", num gesto de humildade rebaixou-se para "Barão"...

O texto acima foi extraído do livro "Máximas e Mínimas do Barão de Itararé", Editora Record - Rio de Janeiro, 1985, pág. 28 e seguintes, uma coletânea organizada por Afonso Félix de Sousa.

2026) Quote of the week - Winston Churchill

"The inherent vice of capitalism is the unequal sharing of blessings; the inherent virtue of socialism is the equal sharing of miseries."

Winston Churchill

2026) Quote of the week - Winston Churchill

"The inherent vice of capitalism is the unequal sharing of blessings; the inherent virtue of socialism is the equal sharing of miseries."

Winston Churchill

2025) Para um debate de alto nivel sobre a Politica Economica do Governo - Gustavo Franco

O artigo abaixo tem mais de dois anos, mas isso não diminui em nada sua importância para um debate esclarecido sobre a política econômica,
Ele me foi enviado gentilmente por um leitor deste blog, Zamba.
Muito grato a ele.
Paulo Roberto de Almeida
(Aeroporto de Dubai, 5.04.2010)

NOSSA ECONOMIA
A arte de embralhar causas e efeitos
GUSTAVO H.B. FRANCO *
Revista Época, edição 510 - 25/02/2008

* Economista e professor da PUC-Rio e escreve quinzenalmente em ÉPOCA. Foi presidente do Banco Central do Brasil (http://www.gfranco.com.br/; gfranco@edglobo.com.br)

Nunca antes, numa crise internacional, a moeda brasileira ficou mais forte e o Brasil foi visto como um “porto seguro” para as aplicações financeiras. Esta podia ser uma das bravatas do nosso Presidente: o Real valendo mais que dólar, forte como nunca, reflexo de uma economia de mercado em acelerado progresso e de um governo iluminado.

Mas vamos deixar de lado o fato de que não é bem assim, como deve suspeitar o leitor, e refletir sobre uma questão filosófica mais transcendente, relativa à natureza das relações de causa e efeito no mundo da economia e da política.

Na verdade, não creio que exista problema mais difícil na ciência econômica. Um helicóptero que despeja cédulas de cem reais em cima de uma grande capital “causará” um aumento no custo de vida na referida cidade? Ou vice versa?

Antes de examinar este e outros problemas da espécie convém lembrar o preceito básico da lógica elementar segundo a qual a causa vem antes do efeito; o observador atento deverá, portanto, sempre procurar, acacianamente o que vem primeiro: o governo iluminado ou progresso econômico.

É claro que, na vida real, as coisas são mais complexas; nem sempre há clareza se o governo iluminado veio antes, ou muito antes, do progresso econômico. Na verdade, existem outras coisas que causam o progresso econômico e que o pesquisador pode não estar percebendo.

Pode ser, por exemplo, que seja uma economia internacional em franca expansão, face ao surgimento da China, a causar o progresso econômico no Brasil. Neste caso, seriam duas, portanto, as causas do progresso brasileiro, o governo iluminado e a China.

Na verdade, todavia, é possível que essas duas causas tenham peso diferente, ou mesmo que a China esteja causando a expansão da economia globalizada e o progresso no Brasil, e que o governo iluminado não tenha muita relevância nem para uma coisa nem para a outra. Na verdade, é possível mesmo que o governo não seja nada iluminado e que o progresso no Brasil esteja sendo causado por fatores alheios a nós, e pertinentes à China e ao pujante crescimento da economia internacional.

Mas o governo, que pode não ser nada iluminado, tem bons marqueteiros e entende perfeitamente as dúvidas que afligem os cientistas sociais e os eleitores quando se trata de identificar relações de causa e efeito. E num rasgo de grande iluminação lança uma iniciativa chamada PAC que consiste muito mais essencialmente em deixar claro que quer o crescimento, do que propriamente em mecanismos que sabidamente causam o crescimento.

Como as pessoas sabem que as causas costumam vir antes dos efeitos, elas escutam que o governo deflagrou iniciativas voltadas para o crescimento agrupadas pela enigmática sigla PAC. E em seguida são informadas que efetivamente está se observando algum crescimento. É de se concluir que PAC, ou o governo iluminado, produziu o crescimento? Ou terá sido a China?

Aqui entra uma certa mágica, ninguém vai querer acreditar que o crescimento foi causado pela China, por uma razão muito simples: a China está fora do controle do eleitor. É mais confortável supor que foi o PAC que causou o crescimento, pois esta crença proporciona ao eleitor uma esperança. Ou uma ilusão, faz pouca diferença. Na verdade, é disso que trata esta ciência conhecida como “marketing”, o estudo de um público com vistas a fazê-lo enxergar determinada coisa que, às vezes, não existe exatamente da forma como se vende.
Fidel Castro, por exemplo, é um milagre de “marketing”, um ditador que se aposenta com pensão completa, e mesmo com algumas homenagens, e sem que nenhum juiz espanhol venha lhe apoquentar como foi o caso de outro ditador mais ao Sul, o General Pinochet. Fidel parece ter migrado para o mundo da ficção, onde vigora uma espécie de “suspensão da descrença”. Acreditamos no que não existe, não enxergamos as mazelas e defeitos do líder, e o herói revolucionário se torna um mito que nenhuma acusação é capaz de atingir. O que são alguns cadáveres, ou algumas transações financeiras exóticas tendo lugar no quarto ao lado?

domingo, 4 de abril de 2010

2024) Suite a une erreur, nous nous excusons

Parece que eu não sei contar. Inclusive não se trata de conta complicada, integral, regressão essas coisas. Não! Se trata de coisa muito simples, abaixo da aritmética mais elementar: apenas registrar a sequência certa dos números que adotei para registrar a inclusão gradativa de posts neste blog (que, aliás, segue a numeração antiga, linear, já adotada nos blogs que o precederam imediatamente, e que de repente ficaram bloqueados por outras manifestações de incompetência técnica deste que aqui escreve).
O fato é que há uma verdadeira salada de números, tendo alguns leitores atentos me cobrado anteriormente esse aspectos bizarro de minha sequência: de repente, há um salto para a frente, ou para trás, e muitos posts ou ficam com numeração muito alta, denotando algum "desaparecimento" misterioso de vários deles, ou então ficam com numeração baixa, ocorrendo nesse caso repetição de números mais adiante.
Isso tudo talvez possa ser explicado pelo fato de eu por vezes postar cansado, e então digitar errado (trocar um zero por um nove, por exemplo, ou vice-versa), ou então pelo fato de dispor de vários blogs (especializados, em textos mais longos, por exemplo, ou em resenhas de livros, whatever). Tem também a possibilidade de que alguns comentários se referem a posts anteriores e, ao retomar a sequência da postagem, eu possa ter partido novamente daquele, não do último da séria.
Seja qual for o motivo -- e isso não tem a menor importância quanto ao conteúdo, posto que a maior parte dos blogs não efetua essa numeração manual -- eu pretendo reconstituir a sequência exata assim que dispuser de tempo, pois isso envolve uma operação manual, cansativa, repetitiva e não automatizável.
Nada que afete o conteúdo do post para seus leitores, apenas uma pequena obsessão minha quanto a ordem em meus papeis e registros (se eu não numerasse meus artigos terminados, por exemplo, eu simplesmente perderia o controle dos trabalhos).
A bientôt, e muito obrigado a todos aqueles que me alertaram para as incongruências da minha numeração...
Paulo Roberto de Almeida
(Dubai, 5 de abril de 2010)

1024) Passeando nos Emirados Arabes...

Estados menores que...(escolham)
Paulo Roberto de Almeida
Dubai, 4 de abril de 2010

Bem, nao posso reclamar da contagem, mas ainda ficaram me faltando 3 dos sete emirados.
Estou passeando nos Emirados Árabes Unidos (pelo menos é o que dizem), e dos sete da lista (Abu Dhabi, Dubai, Sharjah, Fujairah, Ajman, Umm al-Quwain e Ras al-Khaimah), consegui percorrer os quatro primeiros, em carro alugado e em dois dias completos.
Ficou faltando os três últimos, que são, na verdade, enclaves minúsculos no Golfo Arábico (que os iranianos insistem em chamar de Golfo Persa, por razões mais do que geográficas) e que penso conhecer uma outra vez que por aqui passe. Não que acrescentem muito, mas seria apenas para ter a conta redonda, ou no caso, em número impar.
Dos sete, o mais importante é incontestavelmente Dubai, a economia mais importante da região. A capital, contudo, fica em Abu Dhabi, na verdade uma cidade quase sem graça comparada a Dubai. Esta, a despeito do que dizem do petróleo, não depende em quase nada do chamado "ouro negro", e sim do comércio. Trata-se de uma espécie de Miami do Oriente Médio, com todos os shoppings de luxo que se puder imaginar, vias expressas, prédios luxuosíssimos (inclusive o prédio mais alto do mundo, e o hotel mais luxuoso de todos), e um comércio realmente impressionante.

Esses minúsculos estados já foram possessão portuguesa, desde o Vasco da Gama, mas depois os ingleses entraram no jogo e raptaram, como se sabe, todos eles, inclusive Aden, que era um posto importantíssimo. Pelo menos limparam as costas dos piratas, que parece que se mudaram para a Somália...

Eles tem muito petroleo, claro, o que explica a riqueza impressionante, mas aparentemente mal distribuída. Dubai é riquíssima, Sharjah tem muitos museus (mais de 16 pelas minhas contas, dos quais consegui visitar dois, o arqueológico e o de cultura islâmica), e Abu Dhabi também tem palácios impressionantes e os três tem hoteis de luxo, resorts e prédios altíssimos refinados.
Estive também em Fujairah, que é uma espécie de primo pobre, quase socialista, comparado aos irmãos mais ricos. É o único dos emirados que fica no Oceano Indico, com um pedaço de Oman na ponta da península (e continuando depois de Fujairah). O museu é de uma pobreza fransciscana e o forte está caindo aos pedaços, muito diferente do forte de Dubai que abriga um museu muito bem organizado (ficava em frente do meu hotel, ou o contrário...).

Eles são ricos, sim, mas não acredito que isso seja o resultado do petróleo, pois do contrário Nigéria, Venezuela e outros petro-estados também seria ricos e não são. Isso é o resultado do comércio livre, da abertura aos investimentos estrangeiros, sobretudo abertura de espírito.
Em Dubai, em Abu Dhabi e nos outros emirados se encontram todos os tipos de pessoas, imigrantes e estrangeiros trabalhando, muitos turistas. Todo tipo de mulheres: desde as americanas e europeias de short ou bermuda, até aquelas cobertas dos pés à cabeça.
Tentei mas não consegui fotografar uma de burka passando em frente a uma loja de lingerie, com manequins vestidas a caráter... Enfim, é a liberdade completa, ou quase...

Parto nesta segunda-feira 5 de abril para Shanghai, outra cidade riquíssima, mas sem a liberdade de que gozam os Emirados...

Paulo Roberto de Almeida
(Dubai, 5 de abril de 2010)

1023) O Brasil no Wall Street Journal - Rodrigo Constantino

Toda vez que sai uma matéria na imprensa internacional dizendo que o Brasil está bem, as "gentes" ficam entusiasmadas e correm para cantar novas loas a quem vocês sabem. Uma análise mais promenorizada, como esta que faz o economista Rodrigo Constantino, mostraria que os motivos de comemoração são bem outros, e que os de preocupação continuam presentes...

A matéria do WSJ
Rodrigo Costantino
29 de março de 2010

Em matéria sobre o Brasil, o renomado The Wall Street Journal conclui, de forma bastante otimista, que o amanhã chegou para o "país do futuro". Naturalmente, alguns esquerdistas já correram para soltar fogos de artifício: viva Lula! Seria bom mais cautela para esta turma, que já se queimou com a comemoração precipitada da matéria da The Economist com o Cristo Redentor na capa. Fica parecendo que essa gente nem sequer lê as matérias, e que o complexo de vira-lata é tão forte que eles vibram de emoção sempre que algum ícone do capitalismo faz elogios ao país. Se ao menos lessem a reportagem, evitariam tanto constrangimento. Tentarei facilitar a tarefa deles, colocando alguns trechos da matéria (em itálico), comentados em seguida por mim (em negrito).

"But the country has enormous challenges it must overcome before it can fully live up to its potential. Its public sector is bloated and riddled with corruption. Crime is rampant. Its infrastructure is badly in need of repair and expansion. The business environment is restrictive, with a labor code ripped from the pages of Benito Mussolini's economic playbook. Brazil also risks patting itself on the back so much that it fails to see the colossal work that remains to be done."

Logo no começo, o WSJ faz um caveat: os desafios que o país ainda enfrenta são enormes! E quais seriam esses desafios? Ora, justamente aquilo que a esquerda defendeu a vida inteira! O que ainda temos de ruim, de empecilhos ao progresso, é exatamente aquilo que figuras como Lula e Dilma sempre defenderam. Abaixo, maiores detalhes desses pontos.

"Things started changing in the 1990s. The government adopted strict monetary policies and a laser-like focus on balancing the books. That fiscal prudence has given the country remarkable cash reserves—and breathing room during crises."

O que aconteceu com a "herança maldita"? O WSJ parece pensar diferente do PT: o que veio ANTES é o que foi responsável pelas mudanças mais estruturais, e justamente aquilo que o PT lutou para impedir: estabilidade da moeda, responsabilidade fiscal, abertura comercial etc.

"Even a pledge for a bigger state role in the economy by Dilma Rousseff, Mr. da Silva's outgoing chief of staff and his hand-chosen successor as the party's candidate, isn't scaring off the business community. "It's refreshing to have an election and see there's no fuss about either outcome," says Andrew Béla Jánszky, a Brazilian investment lawyer in the São Paulo office of Shearman & Sterling LLP. "For once, stability is almost a given."

Ou seja, ATÉ MESMO uma Dilma da vida não assusta tanto, porque eles acreditam que ela não vai fazer... o que sempre defendeu na vida! Aqui está o maior ponto de discordância entre mim e o WSJ: considero a visão deles bastante ingênua. A Dilma não é "mais do mesmo"; ela é uma ameaça enorme de retrocesso, de mais autoritarismo ainda, de passos largos rumo ao modelo venezuelano. Souberam iludir o jornalista do WSJ direitinho com a retórica deles. Para cada público, um discurso diferente. Acorda, minha gente!

"For one thing, even after sweeping reforms, the government's role in the economy remains relatively big. Government spending totals more than 20% of the country's gross domestic product, compared with about 15% in the U.S., 13% in China and 7% in Indonesia, another fast-growing emerging market, according to data compiled by Mosaico Economia Política, a Brazilian consultancy."

Ops! Um dos maiores problemas do país: o tamanho excessivo do governo! E o que Dilma defende? Justamente mais governo ainda, um Estado "forte", ou seja, um monstrengo inchado que se mete em tudo na economia e nas nossas vidas. O que o país tem de pior é aquilo que Dilma mais gosta!

"Another problem is the restrictive business environment, especially strict labor laws that date back to the 1940s and were originally modeled on the statist policies of Mussolini."

Pois é... um dos piores pontos para o Brasil é a nossa lei fascista trabalhista, aquela que garante infindáveis privilégios aos sindicatos, aquela que dificulta a vida dos empresários, que gera desemprego e informalidade, e sim, que a esquerda adora e não aceita mudar! O país precisa de reformas liberais trabalhistas. A esquerda defende isso?

"Yet another obstacle to growth is a lack of infrastructure—from roads, railways and bridges to docks, airports and pipelines."

E o PAC?! Ah sim, Lula já vai lançar o segundo PAC, e o primeiro mal começou! Os setores que ficam sob a responsabilidade do governo são os mais caóticos? Não acredito!

"Crime is still a big problem in most cities and in lawless rural areas where ruthless prospectors, loggers and landowners at times ride roughshod over their neighbors."

Acho que o WSJ não defenderia muito o "movimento social" chamado MST, tão próximo do PT.

Em resumo, a matéria do WSJ se mostra bem otimista com o Brasil, é verdade. Mas aponta os pricipais obstáculos, todos eles bandeiras que os esquerdistas defenderam a vida toda. Para superá-los, o país necessita de muitas REFORMAS LIBERAIS. Mas não há partido que defenda tais reformas, muito menos o PT. Ao contrário: Dilma representa um retrocesso em relação a todas essas mudanças necessárias. E eis o maior erro do WSJ, em minha opinião: ignorar este risco, aceitar a premissa de que Dilma é apenas "mais do mesmo". Não é! Dilma é a candidata de Chávez. Ela representa, mais ainda que Lula, uma guinada rumo ao modelo autoritário venezuelano.

O segundo erro do jornal é pegar a foto relativamente favorável da economia brasileira, e ignorar seus pilares de areia. Aumento de transferências do governo para os mais pobres, crédito público explodindo, aumento de gastos públicos, nada disso representa um modelo de crescimento sustentável. Sem as reformas estruturais, o país terá apenas vôos de galinha, e continuará sim sendo o eterno "país do futuro". O WSJ tem a obrigação de saber bem disso. Afinal, ao lado do Heritage Foundation ele publica o Índice de Liberdade Econômica todo ano, que coloca o Brasil entre os menos livres do mundo. Sem liberdade econômica, não há progresso de longo prazo. O governo Lula e sua candidata Dilma, por acaso, defendem mais liberdade econômica ou mais Estado gerindo a economia? Pois é...

1022) Joaquim Nabuco - Bruno Garschagen

Joaquim Nabuco e a transição no Brasil
Bruno Garschagen
Ordem Livre e Instituo Millenium

O Brasil vive um período de transição bastante interessante. Se na década de 1990 surgiram no cenário público algumas vozes dissonantes da cartilha marxista e suas derivações, a partir do ano 2000 despontou uma nova geração livre dos grilhões ideológicos turbinados durante o governo militar (1964-1985).

A ditadura maculou três gerações nas esferas política e cultural: a que estava no auge na época do golpe, a que tentava abrir espaço e a que nascia sob os coturnos. Essas gerações foram atacadas de dois lados: por um regime ditatorial e pela dominação cultural e educacional da esquerda de vários matizes. Nas universidades, no meio artístico, no jornalismo etc. o sujeito que não fosse de esquerda (o que não quer dizer que fosse de direita) era mal visto e rechaçado. Era preciso se posicionar. Do lado deles.

E já que vivemos num período de transição é fundamental que determinadas idéias sejam apresentadas e estudadas. E aqui vai minha dica: Joaquim Nabuco e seu livro Minha formação (1900).

Nabuco teve a sorte de ter um pai que o influenciasse e estimulasse. Seu liberalismo, segundo revela logo no primeiro parágrafo da obra, tinha um fundo hereditário. A herança vinha por obra e graça do senador José Tomás Nabuco de Araújo, político conservador que fez sua passagem para o liberalismo entre 1857 e 1865.

Foi nesse período que José Nabuco arrastou consigo "um grande movimento em sentido contrário, do campo conservador para o liberal, da velha experiência para a nova experimentação, das regras hieráticas de governo para as aspirações ainda informes da democracia". É a esse pai inspirador que Nabuco dedica outra obra notável, Um estadista no império: Nabuco de Araújo (1896).

Aspecto pouco ou superficialmente tratado nos ensaios sobre Minha formação é não só o liberalismo vigoroso, contundente e empolgado, mas sua transição de liberal mezzorepublicano para entusiasta e, por fim, defensor ardoroso da monarquia constitucional liberal. Em ambos os casos, vê-se como o jovem forma o homem sem graves rupturas que levem ao extremismo, desencanto ou exasperação.

As chaves de sistemas e concepções políticas que modelaram a mente de Joaquim Nabuco, por ele chamado de "verdadeiros estados do espírito moderno", foi-lhes dada pela obra The English Constitution, do economista e jornalista inglês Walter Bagehot (1826-1877), autor de outros ensaios importantes como Lombard Street: A Description of the Money Market, de 1873, e A New Standard of Value, de 1875.

The English Constitution forjou no espírito liberal de Nabuco a idéia de que era não só possível, mas democraticamente justo, a conjugação do liberalismo com o regime monarquista sob a égide do sistema parlamentarista:

"Devo a esse pequeno volume que hoje não será talvez lido por ninguém em nosso país, a minha fixação monárquica inalterável; tirei dele, transformando-a a meu modo, a ferramenta toda com que trabalhei em política, excluindo somente a obra da abolição, cujostock de idéias teve para mim outra procedência". (1)

Bagehot, um estilista e retórico sedutor, convenceu Nabuco de que o governo de gabinete, a alma da então moderna Constituição inglesa, era, de fato, superior ao sistema presidencialista por permitir um governo mais direto e mais próximo do povo do que os mecanismos aplicados pelos governos republicanos.

Cabia ao Poder Legislativo, no governo de gabinete descrito por Bagehot, a escolha do Poder Executivo, espécie de comissão, incumbido de pôr em prática as medidas necessárias ao país. E a harmonia entre os poderes era garantida pela possibilidade de o Poder Legislativo mudar a comissão executiva, caso esta não atendesse aos interesses na nação. E para que o Poder Executivo não ficasse à mercê da obediência servil ao legislativo, a comissão tinha o direito de levar os parlamentares até os eleitores, que, por sua vez, poderiam trocá-los.

A tese de Bagehot assimilada por Nabuco é a de que os Poderes Legislativo e Executivo eram unidos pelo governo de gabinete, a principal comissão da Câmara dos Comuns, a única instituição a deter, de fato, o poder. O governo de gabinete se caracterizava pela combinação e fusão dos poderes Executivo e Legislativo, não na absorção de um pelo outro.

Nabuco manteve-se fiel a esse modelo político contra o republicano sistema presidencial, que, segundo ele, enfraquecia o Poder Executivo e diminuía o valor intrínseco do Poder Legislativo. (2)

E a escolha desse sistema é, antes de tudo, a opção pelo liberalismo do tipo inglês, que guarda características importantes que o diferem do liberalismo continental. Uma delas é a tipificação normativa das condutas do indivíduo na sociedade:

"Freeman mostrava no seu pequeno livro O Crescimento da Constituição Inglesa que essa Constituição nunca foi feita; que nunca nas grandes lutas políticas da Inglaterra a voz da nação reclamou novas leis, mas só o melhor cumprimento das leis existentes; que a vida, a alma da lei inglesa foi sempre o procedente (...)". (3)

A segunda característica é a relação dos ingleses com a lei e com a Justiça:

"(...) só há um país no mundo em que o juiz é mais forte que os poderosos: é a Inglaterra. O juiz sobreleva à família real, à aristocracia, ao dinheiro, e, o que é mais do que tudo, aos partidos, à imprensa, à opinião; não tem o primeiro lugar no Estado, mas tem-no na sociedade. O cocheiro e o groom sabem que são criados de servir, mas não receiam abusos nem violência da parte de quem os emprega. Apesar de seus séculos de nobreza, das suas residências históricas, da sua riqueza e posição social, o marquês de Salisbury e o duque de Westminster estão certos de que diante do juiz são iguais ao mais humilde de sua criadagem. Esta é, a meu ver, a maior impressão de liberdade que fica da Inglaterra. O sentimento de igualdade de direitos, ou de pessoa, na mais extrema desigualdade de fortuna e condição, é o fundo da dignidade anglo-saxônica". (4)

Antes um entusiasta do modelo político americano, Nabuco, nas suas memórias escritas aos 51 anos, pretendeu desmontar aquele sistema de forma comparativa: se num grave momento o gabinete inglês tinha o poder de dissolução, os americanos deveriam esperar pacientemente a resolução dos conflitos de opinião entre os poderes Executivo e Legislativo até o término dos mandatos dos representantes eleitos:

"A idéia principal que recebi de Bagehot foi essa da superioridade prática do governo de gabinete inglês sobre o sistema presidencial americano: por outra, que uma monarquia secular, de origens feudais, cercada de tradições e formas aristocráticas, como é a inglesa, podia ser um governo mais direta e imediatamente do povo do que a república". (5)

A idéia parece sedutora pela aparente facilidade de mudança diante de problemas políticos sérios, mas não encerra o assunto. Nabuco era suficientemente inteligente para não cair numa esparrela dessas:

"Não podia deixar de inclinar-me interiormente à Monarquia a idéia de que o governo mais livre do mundo era um governo monárquico. Ainda assim um estrangeiro inteligente não seria no seu país inabalavelmente monarquista somente porque o governo chegou na Inglaterra a um grau maior de perfeição do que nos Estados Unidos, que tomaram a forma republicana, Desde que não tínhamos no Brasil os elementos históricos que a liberdade inglesa supõe, a não querer ou cometer o maior erro que se pode cometer em política, – o de copiar de sociedades diferentes instituições
que cresceram, – eu não podia repelir a República no Brasil somente por admirar a Monarquia inglesa de preferência à Constituição americana. Era preciso alguma coisa mais, no que respeita à forma de governo, para eu não me deixar arrastar". (6)

O interessante é lê-lo aos 21 anos, num texto para o jornal Reforma, aconselhar o imperador brasileiro a visitar os Estados Unidos para lá ver o progresso industrial e moral de uma sociedade amplamente liberal e livre que prescindia da tutela do rei, "um luxo, uma superfetação". (7)

Nabuco era um monarquista de ideal que julgava a República o melhor governo praticável num dado momento e dadas certas contingências. Independentemente do sistema político que adotara como o melhor, o que interessa em Nabuco é seu inabalável compromisso liberal. O sistema que regia as liberdades era menos importante do que a conquista, garantia e manutenção da liberdade.

A formação política teórica alicerçou o espírito do político eleito deputado em 1878. "Com efeito, quando entro para a Câmara, estou tão inteiramente sob a influência do liberalismo inglês, como se militasse às ordens de Gladstone; esse é em substância o resultado de minha educação política: sou um liberal inglês – com afinidades radicais, mas com aderências whigs – no Parlamento brasileiro; esse modo de definir-me será exato até o fim, porque o liberalismo inglês, gladstoniano, macaulayano, perdurará sempre, será a vassalagem irresgatável do meu temperamento ou sensibilidade política (...)". (8)

Nascido no Recife em 1849, Nabuco foi expoente de uma linhagem de intelectuais que, no início do século XIX, levada pelo espírito da geração anterior, "consolidou a idéia de que aos homens de letras cabia uma espécie de missão civilizatória", segundo notou em ensaio introdutório, Leonardo Dantas Silva, da Fundação Joaquim Nabuco. Esses homens de letras eram, entre outros, José Veríssimo, Silvio Romero, Álvares de Azevedo, Machado de Assis.

Nabuco também é autor de O abolicionismo, "um dos textos fundadores da sociologia brasileira", nas palavras do historiador Evaldo Cabral de Mello, livro que antecipou conceitos depois tornados célebres com Gilberto Freyre, como a existência de uma raça brasileira (embora célebre, o conceito de raça já foi derrubado).

Jornalista, deputado combativo, escritor, diplomata e membro fundador da Academia Brasileira de Letras, Nabuco trabalhava como embaixador em Washington quando morreu em 1910, ainda sorumbático pela queda do império em 1889. Já havia confessado em Minha formação que o espírito político que o moveu durante a vida tinha dado lugar a interesses religiosos e literários.

Perfeitamente explicável: tomou a queda do Império em 1889 como o fim de sua carreira. "A causa monárquica devia ser o meu último contato com a política... (...) O meu espírito adquirira em tudo a aspiração da forma e do repouso definitivo". (9)

Em vez do lamento improdutivo, Nabuco nos legou uma pequena jóia autobiográfica (e a notável biografia do pai) na qual compartilha sua visão liberal da política, da relação do indivíduo com a sociedade e com o poder constituído. Este texto é um pequeno tributo ao intelectual empolgado, vigoroso, combativo e, acima de tudo, apaixonado pela civilização.
_________________________________________

(1) NABUCO, Joaquim. Minha formação, Fundação Biblioteca Nacional, p. 3. Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000096.pdf.
(2) Ibid. 5.
(3) Ibid. 6.
(4) Ibid. 28.
(5) Ibid. 7.
(6) Ibid. 28.
(7) Ibid. 8.
(8) Ibid. 47.
(9) Ibid. 67.

1021) Politica externa brasileira: confirmando os vinculos com o Sul

Arrancada final na política Sul-Sul
Silvio Queiroz
Correio Braziliense, 03/04/2010

Nas próximas semanas, e provavelmente até o fim do semestre, o esforço para consolidar os espaços de diálogo e cooperação no eixo Sul-Sul deve dar o tom da atividade diplomática brasileira. É uma sucessão de compromissos, a maior parte no Brasil, que poderão marcar uma espécie de arrancada final do governo Lula para firmar, como política de Estado, a prioridade conferida nos últimos oito anos às relações com as demais potências emergentes e com o mundo em desenvolvimento.

Na semana que se inicia amanhã, o Itamaraty se concentra no texto final de declarações e outros documentos que devem ser aprovados na reunião dos chefes de Estado e governo do Fórum Ibas, sigla para Índia, Brasil e África do Sul. A atenção dispensada a essa iniciativa, lançada em Brasília em 2004, está expressa na criação de um departamento para Mecanismos Regionais. Entre outras áreas, o Ibas mantém um fundo para cooperação que tem projetos em andamento na Palestina e no Haiti. Paralelamente, acertam-se os últimos detalhes — inclusive de segurança e infraestrutura — para a segunda cúpula dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), com presença confirmada dos presidentes Dmitri Medvedev e Hu Jintao, além do primeiro-ministro Manmohan Singh.

Tabelinha no Haiti

O ministro Celso Amorim copresidiu, na última semana, uma reunião internacional de doadores para a reconstrução do Haiti, que terminou com a promessa de US$ 5,3 bilhões em ajuda. O Brasil, que comanda a força da ONU no país, ficou um tanto de escanteio na condução das obras pós-terremoto, entregues à coordenação do governo local com a ajuda do ex-presidente Bill Clinton, escalado por Barack Obama como emissário especial. Promessas à parte, o governo brasileiro acaba de firmar um memorando de entendimento com Cuba e Haiti para cooperação triangular no restabelecimento do sistema de saúde pública haitiano. Segundo o modelo desse gênero de tabelinha, nós entramos com suporte financeiro e logístico para os médicos e enfermeiros cubanos que — desde antes do terremoto — mantêm uma missão de assistência à população local.

Rio ecumênico

O calendário dos encontros multilaterais dá um breve intervalo até o fim de maio, quando o Rio de Janeiro sediará o 3º Fórum Mundial da Aliança de Civilizações, empreitada que tomou corpo também em 2004, depois dos atentados contra trens em Madri, por iniciativa do presidente do governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero. Ele estará presente, assim como o premiê da Turquia Recep Tayyip Erdogan, e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon — além de Lula, o anfitrião. São esperados também representantes de alto nível das principais religiões, de organizações da sociedade civil e da intelectualidade.

Seria no mínimo curioso que viesse também o “patriarca” da ideia, o ex-presidente iraniano Mohammad Khatami. Foi ele quem levou à ONU, em 2000, a proposta (aprovada) de proclamar 2001 como o Ano Mundial do Diálogo entre Civilizações — expressão que foi um dos carros-chefes de sua política externa, inclusive no período em que presidiu a Organização da Conferência Islâmica. Khatami, um religioso xiita que expôs em escritos e conferência uma visão iluminista do islã e tentou aproximar em seu país a fé e as liberdades civis, hoje está na oposição. Ironia ou coincidência, o Fórum do Rio se reunirá pouco depois da esperada visita do presidente Lula ao colega iraniano, Mahmud Ahmadinejad.

Vozes d’África
Continua nesta semana o “aquecimento” para a nova turnê africana do presidente, a última antes da sucessão. Também aqui, a ideia é manter o recorde de alo menos uma visita anual ao continente que a diplomacia brasileira definiu sem rodeios como “segunda prioridade”, atrás apenas da integração latino e sul-americana. O Itamaraty ainda fecha o roteiro e a data da viagem, que deve coincidir com a Copa do Mundo na África do Sul e deve privilegiar o leste do continente.

Enquanto isso, Brasília receberá nesta semana dois chefes de Estado africanos. Na quarta, a presidenta da Libéria, Ellen Johnson-Searlif, herdeira de um país devastado por anos de guerra civil — e hoje um dos exemplos do amadurecimento institucional no continente, a despeito de tropeços como a sucessão de golpes e intervenções militares na Guiné-Bissau, ou as ondas de violência étnico-religiosa na Nigéria. Na quinta, o visitante será Amadou Toumani Touré, do Mali, que forma com Benin, Burkina e Chade o quarteto de produtores de algodão alinhados ao Brasil no combate aos subsídios com que o governo americano fecha seu mercado às importações.

1020) As leis da politica, segundo Roberto Campos e Jose Guilherme Merquior

Relembrado e registrado pelo economista Ricardo Bergamini:

Leis da política (19/12/1999)
*Roberto de Oliveira Campos

Era uma crespa noite de inverno londrino. Eu tinha convidado para um jantar na embaixada brasileira, ao fim dos anos 70, o grande filósofo liberal francês Raymond Aron e dois sociólogos radicados na Inglaterra, Ralf Dahendorf e Ernest Gellner, este último professor de José Guilherme Merquior, meu conselheiro de embaixada. Na curva do conhaque, quando filosofávamos sobre nominalismo, realismo e existencialismo, contei uma piada que Aron achou divertida. Era a definição de "realidade" por um irlandês, revoltado pela interrupção de suas libações alcoólicas à hora do fechamento dos pubs. "A realidade", disse ele, "é uma ilusão criada por uma aguda escassez de álcool".

Quando partiram os hóspedes, resolvemos, Merquior e eu, em rodadas de uísque, testar duas coisas. Primeiro, a teoria irlandesa do realismo alcoólico. Segundo, nossa capacidade de recitarmos, de memória, aquilo que poderíamos chamar de "leis de comportamento sociopolítico" de variadas personagens e culturas. Alternávamos nas citações, que registrei num alfarrábio que outro dia desenterrei numa limpeza de arquivos. Ei-las:

A lei de Lenin: "É verdade que a liberdade é preciosa. Tão preciosa que é preciso racioná-la".

A lei de Stalin: "Uma única morte é uma tragédia; 1 milhão de mortes é uma estatística".

A lei de Krushev: "Os políticos em qualquer parte são os mesmos. Eles prometem construir pontes mesmo quando não há rios".

A lei de Henry Kissinger: "O ilegal é o que fazemos imediatamente. O inconstitucional é o que exige um pouco mais tempo".

A lei de Franklin Roosevelt: "Um conservador é um homem com duas excelentes pernas, que contudo nunca aprendeu a andar para a frente".

A lei de Lord Keynes: "A dificuldade não está nas idéias novas, mas em escapar das antigas".

A lei de Bernard Shaw: "Patriotismo é a convicção de que o país da gente é superior a todos os demais, simplesmente porque ali nascemos".

A lei de Hayek: "Num país onde o único empregador é o Estado, a oposição significa morte por inanição. O velho princípio de quem não trabalha não come é substituído por um novo princípio: quem não obedece não come".

A lei de Mark Twain: "Um banqueiro é um tipo que nos empresta um guarda-chuva quando faz sol, e exige-o de volta quando começa a chover".

A lei de Lorde Kelvin: "Grandes aumentos de custos com questionável melhoria de desempenho só podem ser tolerados em relação a cavalos e mulheres".

A lei de Charles De Gaulle: "As promessas só comprometem aqueles que as recebem".

A lei de John Randolph, constituinte na Convenção de Filadélfia: "O mais delicioso dos privilégios é gastar o dinheiro dos outros".

A lei de Getúlio Vargas: "Os ministérios se compõem de dois grupos. Um formado por gente incapaz, e outro por gente capaz de tudo".

A lei do governador Mario Cuomo, de Nova York: "Faz-se campanha em poesia e governa-se em prosa".

A lei de John Kenneth Galbraith: "A política não é a arte do possível. Ela consiste em escolher entre o desagradável e o desastroso".

A lei de Sócrates: "No tocante a celibato e casamento, é melhor não interferir, deixando que o homem escolha o que quiser. Em ambos os casos, ele se arrependerá".

No último uísque, Merquior me contou um chiste anônimo, que circulava em Londres: "A natureza deu ao homem um pênis e um cérebro, mas insuficiente sangue para fazê-los funcionar simultaneamente". Ao confidenciar a Merquior que pretendia aposentar-me do Itamaraty para ingressar na política, lembrou-me ele a lei de Hubert Humphrey, vice-presidente dos Estados Unidos na administração Lindon Johnson, que dizia: "É verdade que há vários idiotas no Congresso. Mas os idiotas constituem boa parte da população e merecem estar bem representados".

Tendo em vista minhas ambições políticas, combinamos fabricar conjuntamente uma lei, que passaria à posteridade como a lei Campos/Merquior: "A política é a arte de fazer hoje os erros do amanhã, sem esquecer dos erros de ontem". Ao nos despedirmos, já mais sóbrios, lembrei-me de duas leis. A lei do King Murphy, que assim reza: "Não estão seguras a vida, a liberdade e a propriedade de ninguém enquanto a legislatura estiver em sessão". E a lei do sábio Montesquieu, o inventor da teoria da separação de poderes: "O político deve sempre buscar a aprovação, porém jamais o aplauso". Em minha vida política no Senado e na Câmara procurei descumprir a lei do King Murphy e cumprir a lei de Montesquieu. Sem resultados brilhantes nem num caso, nem no outro...

*Defensor apaixonado do liberalismo. Economista, diplomata e político também se revelou um intelectual brilhante. De sua intensa produção, resultaram inúmeros artigos e obras como o livro A Lanterna na Popa, uma autobiografia que logo se transformou em best-seller. Foi ministro do Planejamento, senador por Mato Grosso, deputado federal e embaixador em Washington e Londres. Sua carreira começou em 1939, quando prestou concurso para o Itamaraty. Logo foi servir na embaixada brasileira em Washington, e, cinco anos depois, participou da Conferência de Bretton Woods, responsável por desenhar o sistema monetário internacional do pós-guerra.

1019) Em viagem: postagens momentaneamente interrompidas

Bem, eu tentava manter a normalidade das coisas, mas alguns leitores habituais deste blog andaram reclamando de minha ausência.
Por motivos compreensíveis: estou em viagem, e nem sempre disponível para ler e postar coisas interessantes, a despeito de estar vendo, visitando, conhecendo coisas muito interessantes.
Acontece que o dia só tem 24 hs, que o tempo é ocupado com deslocamentos e visitas, e o corpo pede descanso.
Pretendi fazer uma série de posts dedicados a esta viagem, mas não tive tempo ou lazer de fazê-lo. Talvez ainda faça, sob a rubrica geral de "Rota da seda" ou algo do gênero, posto que estou indo para a China, mas ainda não tive oportunidade de testar a série.

Vou apenas listar o rol de localidades por onde passei, nesta viagem, em avião ou carro, para se ter uma ideia da intensidade de visitas e trajetos.

Dia 23 de março: voo Brasilia-Lisboa
Dia 24 de marco: Lisboa, Parque das Nações: Oceanarium, passeio nos locais da antiga exposição dos Descobrimentos (comemorando, em 1998, o quinto centenário de Vasco da Gama)
25 de março: tour por Portugal: Óbidos, Alcobaça, Nazaré, Batalha, Fátima, Lisboa.
26 de março: Lisboa-Roma, aluguel de carro no aeroporto; viagem a Florença
27 de março: Florença, exposições, igrejas, praças, passeios a pé
28 de março: Florença e passeio pela Toscana: San Casciano, Sant'Andrea in Percussina (terra do Maquiavel), Certaldo (terra do Boccacio), San Gimignano, San Giovanni in Valdarno, chegada a Perugia (na Umbria)
29 de março: visita a Praça Maggiore, Sala del Cambio; passeio pelo Lago Trasimeno (Castiglione del Lago), Arezzo (casa do Dante), piazza Maggiore, etc.
30 de março: Perugia, visita ao Museo Nazionale della Umbria (obras da Idade Média e do Renascimento); viagem a Roma: visita ao Vaticano
31 de março: Roma: Chiesa Nuova (Corso Vittorio Emmanuele), Chiesa del Giesu, Campidoglio, Museo Capitolino (exposição sobre a Era da Conquista, impérios e seus bárbaros); Casa de Goethe (exposição de desenhos do Piranesi, e materiais do Goethe); jantar na Ostaria dell'Orso 80
1 de abril: viagem Roma-Dubai
2 de abril: visita ao Museu de Dubai; visita ao Shopping Ibn Battuta
3 de abril: aluguel de carro: Dubai-Sharjah (museus arqueológico e da civilização islâmica); viagem de carro a Abu Dhabi (nada de muito espetacular, comparado a Dubai); shopping Emirates
4 de abril (domingo): Souk, Palm Bujerai, mesquita, Burj, etc...

Ufa... ainda não acabou. Amanhã, viagem a Shanghai...

Paulo Roberto de Almeida
PS.: Acho que a falta de postagens está agora explicada...

sábado, 3 de abril de 2010

1018) Itinerarios academicos: um retrato perfeito do Brasil de hoje...

Recebido em consulta direta, por e-mail:

On Apr 3, 2010, at 5:34 PM, Axxxxx Pxxxxx xx Sxxxx Rxxx wrote:

Gostaria de esclarecimento sobre a criação dos planos economicos, período e situações reais para trabalho acadêmico de economia sobre os planos econômicos criados desde 1986 até os dias de hoje com fontes confiáveis. Obrigado, Axxxxx.


Minha única resposta foi:

Eu tambem gostaria. Quando voce encontrar, por favor, me avise...
-----------------
Paulo Roberto Almeida
(Dubai, 3.04.2010)

1017) Carreira diplomatica: um candidato perfeito para o Brasil de hoje...

Recebido de um eventual candidato à carreira:

On Apr 3, 2010, at 8:59 PM, dxxxx cxxx wrote:

Eu gostaria de algumas dicas qualquer coisa que possa me ajudar.
Eu estava pensando em fazer esse curso preparatoria oq q tu acha?
http://www.xxxxxxx.com.br/xxxxxx

Mais uma pergunta so estou curioso. Como tu ti tornou diplomata se tu nao foi para o instituto rio branco?

Só tive esta resposta:

Cum essi Purtugueis tu num entra nu Rio Branco...
.
-----------------
Paulo Roberto Almeida
(Dubai, 3.04.2010)

sexta-feira, 2 de abril de 2010

1016) Carreira diplomatica: um questionario academico

Dois estudantes de um curso de Relações Internacionais São Paulo, me contataram para um trabalho acadêmico. Abaixo minhas respostas a seu questionário.

Carreira Diplomática: um questionário acadêmico
Paulo Roberto de Almeida

1. O que o levou a seguir a carreira diplomática?
PRA: Primeiro, a natural afinidade com uma carreira de Estado que se aproximava de minha experiência precedente de vida, qual seja, o fato de ter saído do Brasil e residido por cerca de sete anos no exterior, como estudante, e o contato daí decorrente com temas internacionais. Em segundo lugar, o fato de ser uma carreira de Estado com a maior interface possível para atividades de natureza intelectual, o que se amoldava a meu espírito de pesquisador e estudioso de temas de desenvolvimento econômico em perspectiva comparada, tanto geográfica quanto historicamente. Em terceiro lugar, um questionamento pessoal quanto a minha situação política depois de alguns anos de exílio forçado – ainda que voluntário – e incerteza quanto ao estatuto pessoal do ponto de vista dos órgãos de segurança (na época se passava pelo escrutínio do SNI para ingresso numa carreira de Estado).

2. Já pensou em seguir alguma outra?
PRA: Sim, diversas vezes, e teria sido, naturalmente, a carreira acadêmica. Em retrospecto, vejo que não teria sido a melhor escolha, em vista da crescente mediocrização das universidades públicas, sua partidarização, a carência de meios e, também, a impotência quanto aos processos decisórios mais importantes.

3. Onde e em que área o senhor realizou seus estudos?
PRA: Iniciei estudos de Ciências Sociais na USP, em 1969, abandonado no segundo ano por razões de militância política e auto-exílio. Retomei os mesmos estudos, na Universidade de Bruxelas, em 1971; conclui a graduação (1975), fiz um mestrado em Planejamento Econômico na Universidade de Antuérpia em 1975-76, e me inscrevi para um doutoramento na Universidade de Bruxelas, em 1976, deixado pendente durante alguns anos. Tendo ingressado na carreira diplomática em 1977, retomei o doutoramento, já como diplomata, em 1981, tendo concluído em 1984, na mesma universidade belga.

4. Quais são os principais prós e contras da carreira no Itamaraty?
PRA: Ser uma carreira aberta aos talentos, à reflexão e aos estudos, o mais próximo possível que se possa ter como atividade acadêmica, mas diversificada e aberta a diversas experiências, inclusive no plano decisório. Em contra ser uma carreira excessivamente hierarquizada e disciplinada, com mecanismos de controle que se coadunam mal com a liberdade acadêmica e o exercício do livre arbítrio; também se presta a politização indevida e pode ser excessivamente submissa a influências externas nefastas, no caso de uma presidência comprometida com princípios manifestamente em desacordo com os interesses nacionais (com base num julgamento pessoal, obviamente, do que seja o interesse nacional).

5. Na sua opinião, qual o perfil de um bom diplomata?
PRA: Disciplinado sem ser submisso; pesquisador e investigativo, mas sabendo inserir seus estudos no processo decisório próprio à diplomacia; detentor de todas as qualidades técnicas (inclusive lingüísticas) para bem representar e bem negociar externamente em nome do Brasil; dotado de conhecimento e imaginação suficiente para saber representar os interesses nacionais mesmo na ausência de instruções específicas quanto ao objeto em discussão num determinado foro; saber se comportar socialmente, ter um bom espírito (e estomago e disposição) para recepções sociais e eventos dessa natureza mundana, que são inevitáveis na diplomacia.

6. Sabemos que o domínio de línguas é fundamental, quais o senhor fala?
PRA: O domínio da própria é um requisito indispensável; o inglês é altamente necessário (e o meu é apenas razoável); Francês (perto da perfeição, por ter estudado todo o ciclo superior nessa língua); Espanhol (muito bem, por ter viajado, convivido, morado em países de língua espanhola); Italiano (razoável, por interesse próprio, acadêmico e de viagens); Alemão (muito precariamente).

7. Em quais países o senhor já morou?
PRA: Como estudante na Bélgica e na ex-Tchecoslováquia (Praga). Como diplomata na Suíça (duas vezes), na ex-Iugoslávia (Sérvia-Belgrado), no Uruguai, na França e nos Estados Unidos. Estou indo morar por sete meses na China (Shanghai).

8. Já exerceu atividades em alguma outra área em relações internacionais?
PRA: Apenas academicamente, como professor e consultor.

9. Durante sua carreira, qual a pessoa mais importante que o senhor já conheceu?
PRA: Não posso dizer que tenha “conhecido”, mas já estive, por trabalho ou em ocasiões sociais, com diversos presidentes ou chefes de Estado ou de governo e com personalidades tão dispares quanto Kissinger e Chávez.

10. Em seu ponto de vista, qual a importância das relações internacionais na vida.
PRA: Podem ser tudo, ou quase nada, dependendo de como o país organiza sua interface externa e como seu governo se relaciona com o mundo. Diria que num mundo globalizado, as oportunidades são imensas para o desenvolvimento, desde que o país se abra ao comércio e investimentos estrangeiros, o que não é exatamente o caso do Brasil, ainda protecionista e medroso quanto aos capitais estrangeiros.
Depende do governo e das lideranças políticas: algumas são bem medíocres ou mal informadas sobre as realidades do mundo, outras sabem das possibilidades e dos limites que se oferecem ao Estado e à nação num mundo interdependente. Em geral, sou contrário ao nacionalismo patrioteiro, estilo avestruz, e sou totalmente aberto às interações externas.

Florença (Itália), 28.03.2010)

segunda-feira, 29 de março de 2010

1015) Contas publicas enroladas - Carlos Alberto Sardenberg

Alguém vai se decepcionar
Carlos Alberto Sardenberg
O Estado de S.Paulo, 29.03.2010

Para ficar apenas no noticiário mais recente, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer capitalizar, ou seja, colocar mais dinheiro na Petrobrás, na Eletrobrás, na Telebrás, no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal, no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e num novo banco de financiamento à exportação.


Também quer gastar dinheiro, na forma de subsídios a compradores e de financiamento a empreiteiras, para "acabar com o maldito déficit habitacional", como disse na sexta-feira.

Acrescente aí os compromissos com o aumento real do salário mínimo e das demais aposentadorias, com a ampliação das bolsas e com os reajustes do funcionalismo, mais as megaobras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - como o trem-bala e a transposição do Rio São Francisco - e se verifica que, sem fazer contas, o governo não tem dinheiro para isso tudo.

Há algumas engenharias financeiras ou simplesmente alguns truques em andamento, como essa ideia do governo de capitalizar a Petrobrás "pagando" com barris do petróleo do pré-sal, que ainda não existem. Mas continuam enroladas.

Já o endividamento do Tesouro existe. O governo andou lançando uns papagaios na praça para emprestar ao BNDES - o que aumentou a dívida pública bruta, que, aliás, já se aproxima perigosamente dos limites.

Ou seja, esse é um artifício de pouco uso, daqui em diante, se o governo pretende, como promete, manter a estabilidade das contas públicas.

Também há - ou havia - promessas de aliviar a carga tributária de alguns setores da economia, como o de exportação, o que também significa custo para o Tesouro.

De novo, a conta real não fecha com as promessas.

E aí?

Aí é que muita coisa simplesmente não vai acontecer. O pacote de apoio à exportação, por exemplo, saiu bem mixuruca.

A principal reivindicação dos exportadores é que eles possam compensar automaticamente os impostos que pagam indevidamente. A exportação é isenta, mas, quando o exportador compra insumos e partes, esses produtos vêm com impostos embutidos no preço, em razão do nosso sistema - perverso - de cobrar antecipadamente.

Com isso, os exportadores ficam com uma espécie de crédito, que gostariam de descontar automaticamente de outros impostos, devidos sobre o comércio local, por exemplo. Gostariam, também, de poder vender esse crédito de maneira simples e rápida. Mas não saiu. Ficou o sistema antigo, pelo qual o exportador tem de praticamente implorar a devolução. Entra na fila, e aí já viu.

E por que não mudaram a regra, se todos estão de acordo que é preciso apoiar a exportação? Porque o governo precisa do dinheiro para os gastos já contratados, a Previdência Social, pessoal, os programas sociais e o custeio, que levam mais de 90% das receitas líquidas do governo federal.

Ou seja, eis a alternativa: ou o presidente Lula se convenceu de que ganhou uma licença para gastar e deixou de lado as metas de superávit primário e de redução do endividamento público ou esse amontoado de planos e promessas não passa de agitação e propaganda.

O mercado, que o presidente Lula e seus companheiros adoram atacar, acredita piamente na promessa de austeridade que está no Orçamento: superávit primário de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) - ante menos de 1% no ano passado - e redução da dívida líquida do setor público de 41,5% para 39,5% do PIB, com juros em alta e inflação contida. É o cenário que aparece no Relatório de Mercado, publicado pelo Banco Central (BC), com base nos cenários desenhados por instituições financeiras e consultorias.

Por outro lado, o setor produtivo - especialmente entre aqueles que dependem de encomendas do governo e das estatais - acredita piamente que o dinheiro para os seus negócios vai pintar.

Um dos dois vai se decepcionar. Capaz de os dois se decepcionarem, o que seria o pior cenário para o País.

Fixação. Parece que dois sentimentos movem a atividade externa do presidente Lula. Um é a fixação nos Estados Unidos. O outro é uma espécie de teimosia, que o leva a dobrar a aposta toda vez que é criticado.

Dirão: como fixação, se o presidente não perde a oportunidade para atacar "a subserviência" aos Estados Unidos?

Pois é justamente isso, uma fixação ao revés. Lembram-se daquela diplomacia do regime militar - "O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil ?" Troquem um "bom" por um "ruim" - e eis o comportamento atual.

Quanto ao segundo sentimento, basta observar as reações do presidente. Quanto mais criticam, por exemplo, sua futura visita ao Irã, mais Lula anuncia que vai lá, que vai falar isso e aquilo e que, para não perder o embalo, não vai deixar de ir só porque os Estados Unidos não querem.

Na sexta-feira passada, por exemplo, Lula disse que era "subserviência" aceitar a tese de que a paz no Oriente Médio depende dos Estados Unidos. Por isso, o Brasil está se metendo na história.

E, se dizem que a capacidade da diplomacia brasileira por lá é muitíssimo limitada, o presidente Lula acusa os críticos de sentimento de inferioridade e declara que vai fazer muito mais pela paz.

Bobagem, portanto, querer discutir a eficiência dessa política externa. A coisa não passa por essas racionalidades.

sábado, 27 de março de 2010

1014) Mudancas na economia mundial: perspectiva historica de longo prazo

Meu mais recente artigo publicado:

Mudanças na Economia: uma história de longo prazo
seção de Economia do Portal IG (23/03/2010).
Título original:
Transformações da economia mundial: visão histórica de longo prazo
Paulo Roberto de Almeida

A economia mundial, tal como a conhecemos atualmente, é um “arquipélago” em construção desde o século 16, pelo menos e, ainda hoje, ela não constitui um sistema perfeitamente unificado, sequer homogêneo, a despeito de toda a retórica em torno da globalização. Talvez, um dia, ela venha a ser unificada num mesmo universo de redes comerciais, financeiras e de recursos humanos circulando sem restrições sobre fronteiras e controles alfandegários. Por enquanto, contudo, trata-se de uma colcha de retalhos, reunindo pedaços hoje essencialmente capitalistas, é verdade, mas ainda dotados de características nacionais distintas em seu colorido diversificado. Ela poderá caminhar progressivamente para um conjunto mais homogêneo de sistemas econômicos nacionais, mas isso depende dos progressos da liberalização comercial, financeira e “humana”, o que ainda está longe de ser garantido.
Vejamos esse processo com lentes de longo alcance, começando na era dos descobrimentos. Mesmo a partir da unificação geográfica conduzida por Colombo (1492), Vasco da Gama (1498) e Fernão de Magalhães (1521), a economia mundial do início da era moderna não era, em absoluto, universal. Nessa primeira onda de globalização, de caráter mercantil, tratava-se, mais exatamente, de um arquipélago de economias centrais, predominantemente de origem européia, vinculadas a suas respectivas periferias nas novas terras descobertas, mediante um sistema usualmente conhecido como ‘exclusivo colonial’. Os demais centros regionais – o ‘Império do Meio’ (China), o império Mogul, na Índia, o mundo muçulmano (que começava a ser unificado sob o jugo otomano) e outros ‘blocos’ sub-regionais, na Eurásia ou nas Américas – não tinham realmente condições de disputar qualquer hegemonia econômica mundial, como diriam os marxistas.
Até o final do século 18, China e Índia constituíam duas grandes economias, produzindo bens valorizados nos mercados ocidentais, mas dotadas de instituições pouco adaptadas aos desafios da nova economia industrial, caracterizada pelo que se poderia chamar, ainda no jargão marxista, de um ‘modo inventivo de produção’. Foi precisamente a partir da revolução industrial na Inglaterra, nessa mesma época, que tem início a diferenciação dos centros econômicos mundiais, processo que os historiadores econômicos chamam de ‘grande divergência’, ou seja, a aceleração da transformação tecnológica no Ocidente, seguida da dominação absoluta das potências européias sobre o resto do mundo (destinada a durar cinco séculos, talvez até hoje).
Essa segunda grande onda da globalização, de natureza industrial, conforma o que se poderia chamar, pela primeira vez, de economia mundial, uma rede integrada de centros produtores de matérias primas, de um lado, servidas pelos centros financeiros europeus – com a libra inglesa e os bancos britânicos em seu núcleo – e as oficinas manufatureiras, de outro, dotadas das novas tecnologias industriais de produção em massa. As economias nacionais, até então pouco diferenciadas entre si – posto que uniformemente e predominantemente de base agrícola ou mercantil – começam a exibir diferenças estruturais, a partir de níveis de produtividade bem mais elevados nos sistemas industriais. A defasagem de renda começa sua escalada para índices sempre crescentes, entre o centro e a periferia, num processo que se desenvolveria durante praticamente dois séculos, com um recrudescimento ainda maior durante a maior parte do século 20, para diminuir apenas a partir da terceira onda de globalização, a partir do último quinto desse século.
No intervalo, a economia mundial capitalista seria desafiada por duas ameaças muito diferentes, entre si, mas concordantes em sua ação desagregadora de um sistema verdadeiramente unificado de relações mercantis e financeiras. A partir da primeira guerra mundial, as crises recorrentes dos centros capitalistas desenvolvidos no entre guerras (em especial a de 1929 e a depressão que se seguiu) e a implantação de sistemas coletivistas (de natureza soviética, desde 1917, e os fascismos, pouco depois), com suas experiências estatizantes e antiliberais, representaram uma ‘breve’ interrupção de setenta anos no processo de globalização. No imediato pós-segunda guerra mundial, as muitas experiências de nacionalizações e de estatizações no Ocidente capitalista, com seu cortejo de práticas intrusivas, dirigistas e planos de ‘desenvolvimento’ (com muito planejamento estatal centralizado, mesmo no capitalismo) representaram, igualmente, um retrocesso na reunificação de um sistema de mercado verdadeiramente mundial, desde então colocado sob a égide dos dois irmãos de Bretton Woods (o FMI e o Banco Mundial) e do GATT (OMC, em 1995).
Foi somente a partir das reformas econômicas ‘neoliberais’ iniciadas na China a partir dos anos 1980 e da implosão e quase completo desaparecimento dos regimes socialistas, entre 1989 e 1991, que o processo de reunificação da economia mundial é retomado, no bojo da terceira onda de globalização capitalista, desta vez dominada pela sua vertente financeira (mas que inclui também os investimentos diretos). O fim do socialismo representou pouco em termos de concorrência manufatureira – já que o socialismo era um medíocre produtos de bens industrializados – e menos ainda em termos de fluxos financeiros e tecnológicos – onde os países socialistas eram ainda mais marginais, senão irrelevantes – mas significou um impacto decisivo em termos de mercados e, sobretudo, de mão-de-obra (com um destaque absoluto para a China).
A fase atual, se ainda não pode ser identificada com um novo processo de ‘convergência’ da economia mundial, caracteriza-se, pelo menos, pela diminuição da divergência entre as regiões – com notáveis exceções, como nos casos da África, do Oriente Médio e em grande medida da América Latina – e pelo rápido catch-up experimentado por alguns emergentes dinâmicos. No curso dos últimos vinte anos de globalização, a China e a Índia retiraram centenas de milhões de pessoas de uma miséria abjeta, colocando-as numa situação de pobreza moderada, justamente em função das reformas econômicas empreendidas e de sua inserção na globalização. Esse processo deve continuar, pelo menos naqueles países que decidiram substituir antigas políticas protecionistas e estatizantes por uma abertura ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros diretos.
O lado financeiro permanece ainda a dimensão problemática da globalização, não porque a liberdade de circulação de capitais seria, em si, desestabilizadora das economias nacionais, mas porque os governos ainda insistem em praticar políticas monetárias e cambiais inconsistentes com os novos dados da economia mundial. O monopólio dos bancos centrais na emissão de moedas-papel, na fixação das taxas de juros (sem correspondência efetiva com o equilíbrio real dos mercados de capitais) e seu papel na manutenção de regimes cambiais irrealistas e desajustados explica muito das crises financeiras ocorridas na segunda metade dos anos 1990 e em 2007-2009. As bolhas que se formam não são o resultado de ‘forças cegas do mercado’ – como políticos inescrupulosos e economistas pretensamente keynesianos proclamam – mas sim a conseqüência das manipulações dos governos em setores sensíveis da economia real. A possibilidade de maiores progressos em direção à convergência econômica mundial depende, assim, tanto da continuidade da abertura dos países ao processo de globalização quanto da habilidade dos governos em manterem soberania monetária e cambial no novo contexto criado pela unificação paulatina dos mercados de capitais.
Não é provável que essa convergência se dê rapidamente, tendo em vista a resistência de muitos governos à abertura comercial e financeira e sua tendência a continuar manipulando taxas de juros e regimes cambiais, mas é previsível que a globalização continue avançando naqueles países e regiões propensos a aceitarem as novas regras de mercado. Independentemente do que digam aqueles que condenam as novas políticas ‘neoliberais’, é um fato que os países que mais progressos fizeram no plano do crescimento econômico e da prosperidade de seus povos são aqueles que mais rapidamente souberam integrar-se comercialmente na economia mundial, e dela puderam aproveitar os efeitos benéficos dos investimentos diretos, que trazem capitais, know-how e tecnologia. A lição parece ter sido aprendida, mas nem todos souberam dela retirar os ensinamentos adequados. Esse tempo chegará, um dia...

Rio de Janeiro, 17 de Março de 2010.

1013) Teoria da Jabuticaba (2): estudos de casos

Eis a segunda, mais completa:

Teoria da jabuticaba, II: estudos de casos
Brasília, 2 julho 2006, 5 p. Continuidade do exercício iniciado com o trabalho 1488, listando casos dignos de estudos e de serem enquadrados no modelo teórico pretendido.

Em outubro de 2005, retirando das catacumbas de meu pensamento algo que me incomodava desde longos anos, eu finalmente tive a petulância de redigir um pequeno ensaio sobre algumas das idiossincrasias nacionais, ou seja, nossa indesmentível tendência a achar – e oferecer ao resto da humanidade – soluções geniais a alguns dos mais velhos problemas que angustiam essa mesma humanidade. Dei ao pequeno ensaio o título sofisticado de “Teoria da jabuticaba, I: prolegômenos”, mas à época ele estava tão simplesmente apresentado como um conjunto de considerações sobre uma nova teoria em formação. Vejam que modesto, consciente e honesto pesquisador eu sou, sempre preocupado em não vender gato por lebre, nunca pretendendo oferecer aos leitores uma teoria grandiosa, quando eu tinha apenas os rabiscos de uma crítica à razão tupiniquim.
Em sua versão parcial e reconhecidamente incompleta – uma vez que eu não tinha ainda sido capaz de elaborar um verdadeiro tratado filosófico sobre essa nova “teoria da jabuticaba” –, esse texto preliminar foi publicado na revista eletrônica Espaço Acadêmico (nº 54, novembro de 2005) e ficou desde então aguardando complementação. Ou seja, os meus “prolegômenos” deveriam receber elaboração mais sofisticada, tendo em vista sua possível relevância teórica na vida intelectual do país e sua importância prática para a própria organização da nacionalidade.
Explico agora resumidamente do que se trata e volto em seguida ao objeto deste texto, que recebe o elegante número romano II, indicando que minha intenção agora é, justamente, a de oferecer case studies, como diriam nossos colegas anglo-saxões, também conhecidos como scholars. Repito aqui o que já disse antes a título de introdução à citada teoria:

“Teoria da jabuticaba é tudo aquilo que só existe no Brasil, como essa saborosa fruta selvagem da respeitada família das mirtáceas (myrciaria jaboticaba). Isso significa pertencer a uma família de ‘explicações sociais’ única e exclusiva neste planeta, situação inédita no plano universal, que consiste em propor, defender e sustentar, contra qualquer outra evidência lógica em sentido contrário, soluções, propostas, medidas práticas, iniciativas teóricas ou mesmo teses (em alguns casos, antíteses) que só existem no Brasil e que só aqui funcionam, como se o mundo tivesse mesmo de se curvar ante nossas soluções inovadoras para velhos problemas humanos e antigos dilemas sociais.” (Apud e copyright, Paulo R. de Almeida, op. cit., p. 1).

Voilà! Creio que a teoria está mais ou menos exposta, ainda que sob prováveis protestos dos epistemólogos kuhnianos. Em todo caso, ela parece funcionar de acordo com aquele velho princípio segundo o qual “para cada problema complexo, existe uma solução simples, em geral equivocada”. Com efeito, como eu ainda explicava no citado trabalho, a teoria da jabuticaba pertence a essa família das respostas rápidas a problemas complicados que, aparentemente, se conformam ao chamado senso comum, mas que no fundo derivam de concepções equivocadas sobre a origem desses problemas e que apontam para soluções mais errôneas ainda. Nem por isso essas soluções “geniais” deixam de ser apresentadas como a mais perfeita resposta “indígena”, isto é endógena, a problemas supostamente universais, enchendo de justo orgulho patriótico seus formuladores e promotores.
Eu fazia digressões de cunho teórico e metodológico, tentando explicar o estatuto da “coisa” e procurando validar seus fundamentos epistemológicos. Eu falei, então, que ela consistia, nitidamente, em: (a) uma anomalia lógica, mas que tem toda a aparência de algo normal (ou seja, de solução aparentemente adequada ao problema que tenciona enfrentar); (b) que ela constitui uma contradição nos termos, uma vez que consagra e mantém o próprio problema que pretende resolver; (c) e que, finalmente, ela é absolutamente indígena, isto é, autóctone, legitimamente nacional (como a fruta que lhe dá o nome), constituindo mais uma dessas nossas contribuições originais para a felicidade geral da humanidade, podendo, talvez, rivalizar com o jeitinho, a caipirinha, a broa de milho. Em suma, um “fenômeno”.
Não sei se fui feliz na minha primeira abordagem do problema – os scholars diriam, nesse first approach –, mas eu ainda não consegui terminar a definição de um “tipo-ideal” de explicação “jabuticabal”, em sintonia com o que se espera de uma verdadeira teoria do conhecimento. Não seja por isso, não vamos ficar por aí nos enrolando em teorias quando a realidade brasileira é muito mais rica, motivadora e despreza solenemente qualquer teoria que não se conforma à prática, como sabem todos os empiristas anglo-saxões. Eu tinha, aliás, deixado de lado os contornos conceituais da teoria da jabuticaba, para oferecer, naquele momento, alguns exemplos práticos de como ela se apresentava no Brasil (e do Brasil para o mundo, como sempre acontece, modestamente, como nossas trouvailles mais geniais).
Pois bem, cessa agora tudo o que a antiga musa canta e vamos passar diretamente ao objeto desde segundo ensaio, que como diz o próprio conceito, é uma tentativa, cheia de erros e enrolações. Faço agora apelo à generosidade dos meus (poucos) leitores, para começar um enunciado de casos representativos da “teoria da jabuticaba”. Vale tudo o que se enquadra, de perto ou de longe, em meus citados critérios de inclusividade: anomalia lógica, contradição nos termos e caráter indígena do fenômeno em questão.
Sei que muitos candidatos a case studies não conseguem passar pelo teste de validação e legitimar-se como representativos da espécie, mas vale a tentativa e o esforço analítico, pois uma vez isolado o caso pode-se depois aplicar a famosa teoria popperiana da falsificabilidade e constatar se ele merece ou não elevação ao museu das jabuticabas. Por exemplo: seriam o “caixa 2” e os chamados “recursos não contabilizados” exemplos perfeitos dessa teoria ou simples inovações no campo da ciência política e da contabilidade partidária? Mistério ainda não resolvido, mas tenho certeza de que esses exemplos de “informalidade política” devem deixar boquiabertos de admiração os vizinhos imediatos e outros observadores estrangeiros.
Eu listava, naqueles prolegômenos, alguns poucos exemplos que me pareciam suficientemente representativos da “minha” teoria – mas estou disposto a compartilhá-la com outros pesquisadores –, dizendo que eram apenas ilustrativos e prometendo completar o rol em prazo razoável. Entre esses poucos casos encontravam-se os seguintes: bolsa-escola, bolsa-família e a reserva de mercado para jornalistas (ou seja, a obrigatoriedade de diploma para o exercício da profissão nas redações dos meios de comunicação).
Pois bem, chegou a hora, caro leitor, de arregaçar as mangas, tirar a poeira da memória e começar a colocar no papel todos os casos possíveis e imagináveis de teoria da jabuticaba que possam acorrer à lembrança. A tarefa, devo confessar, nos é imensamente facilitada pela atualidade política, pois esta sempre traz tudo o que é preciso e humanamente imaginável em matéria de exemplos perfeitos e acabados da “nossa” teoria (eu já a estou considerando uma construção coletiva). Não é que, nestes primeiros dias de julho de 2006, eu leio nos jornais um exemplo totalmente ilustrativo daquilo que pretendemos? Refiro-me ao projeto do ilustre presidente da Câmara dos Deputados sobre a adição de farinha de mandioca ao pão nosso de cada dia. É justamente por esse belo exemplo que eu começo a minha lista de case studies.

1) Mandioca no pão: projeto de lei que torna obrigatória a mistura de derivados de mandioca à farinha de trigo, do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), apresentado em 2001, agora em votação final na Câmara dos Deputados. Corre o risco de ser aprovado, para gáudio dos plantadores de mandioca e outros amigos dos tubérculos. Mas, atenção deputado: não vale mais patentear a invenção, pois o critério da confidencialidade já foi há muito rompido. Permanecem, no entanto, o salto inventivo, o chamado “estado da arte”, sua aplicabilidade industrial e o caráter absolutamente nacional da genial inovação para o pão nosso de todo dia; ou seja, é tudo o que se requer de uma boa invenção tupiniquim, conforme à teoria. Nosso tradicionalíssimo pão francês vai, finalmente, ser nacionalizado, sob o vibrante slogan: “Mandioca nele!”. Falando nisso, já foi instituído o “dia da mandioca”?

2) Estudos afro-brasileiros e de história da África nas escolas nacionais: mais uma genial contribuição para resgatar nossa imensa dívida histórica com o continente negro, sobretudo em direção daqueles alemãezinhos e polacos do sul do país, ou seja os descendentes dos imigrantes europeus, que ainda não sabem o quanto os antecessores dos atuais afro-brasileiros sofreram nas mãos dos feitores e latifundiários perversos que fundaram este Estado desigual e racista. Vale um prêmio Unesco de educação.

3) Obrigatoriedade do ensino de espanhol nas escolas primárias: vai no mesmo sentido de agregar valor aos estudos do ciclo básico, contribuindo para a plena integração dos povos do Mercosul e da Comunidade Sul-Americana de Nações, mesmo se eles, os castelhanos, ainda não agiram conforme a “teoria da reciprocidade” (que, como se sabe, comanda ao fichamento de americanos em nossos portos e aeroportos) e não decidiram, até o momento, introduzir o ensino de português em seus currículos correspondentes. Servirá, pelo menos, para constituir um imenso exército de professores treinados em “portunhol” que, como todo mundo sabe, é uma língua perfeitamente necessária e adaptada aos nossos tempos de globalização assimétrica.

4) Estatuto da Desigualdade Racial: Ops, perdão, eu quis dizer “igualdade”, mas é aquele projeto que vocês conhecem, n° 3.198/2000, do Senador Paulo Paim (PT-RS) que visa, africanamente, separar os brasileiros em afro-descendentes, de um lado, e todo o resto da população, do outro lado. Agora, teremos algo como “preto no branco”, já incluídos na primeira categoria, obviamente, os mulatos e assemelhados, o que permite, portanto, deixar as coisas muito mais claras do que elas são hoje, com todo esse racismo insidioso se infiltrando nos poros da nacionalidade. O digníssimo senador, que já tem alguns problemas com a aritmética simples – ele está sempre querendo corrigir o salário mínimo por um fator de três, o que faria estourar de vez o orçamento das prefeituras e da Previdência –, pretende apenas conferir direitos aos que nunca desfrutaram de um bom apartheid, organizado e patrocinado em bases racionais pelo Estado. Prêmio Martin Luther King para o senador.

5) O escritor de carteirinha: Trata-se do projeto de Lei nº 4641, apresentado em setembro de 1998 pelo deputado federal Antônio Carlos Pannunzio (PSDB-SP) e que “dispõe sobre o exercício da profissão de escritor”. A Câmara dos Deputados é realmente pródiga em case studies para a nossa teoria (e eu ainda nem fiz uma pesquisa em sua base de dados). Acredito que exemplos de nossa teoria seriam ainda mais surpreendentes nas câmaras de vereadores, mas aí o trabalho de seleção teria de ser deslocado para um exército inteiro de pesquisadores pagos. Não é preciso, sequer, descrever o projeto, não é mesmo, caros colegas escrevinhadores? Eu apenas queria saber se o escritor profissional terá de trabalhar 8 horas por dia (bate cartão em casa mesmo?), se ele descontaria imposto sindical, se teria férias remuneradas, FGTS, essas coisas todas... Com a palavra, o nobre deputado.

6) Sociologia e filosofia no ensino médio: traidor da categoria, me dirão alguns leitores, meus colegas. Pois é, não queria dizer, mas eu também pertenço à “tribo” dos sociólogos, embora nunca tenha exercido legalmente a profissão – esqueci de me inscrever na associação da categoria – e vivo por aí pontificando em sociologuês sem o devido registro na classe. Mas, não seja por isso: não deixo de me manifestar virulentamente contra essa iniciativa que visa apenas criar mais uma reserva de mercado legal para um bando de sociólogos e filósofos sem emprego no mercado, além de servir para infernizar a vida dos pobres estudantes com alguma contrafação do marxismo vulgar, sem que eles consigam aprender direito o que deveriam: português, matemáticas, ciências e estudos sociais (onde deveriam estar normalmente compreendidas essas matérias, junto com história e geografia, que não deixam de ser variações sobre um mesmo tema, inclusive com fortes doses de certa religião política). Alerto que eu não tenho nada contra o ensino das duas matérias em quaisquer anos dos ciclos fundamental e médio, e até da pré-escola, se assim decidirem os defensores da iniciativa, mas o que sou contra é essa “obrigatoriedade” que torna tudo o que é bom uma chatice insuportável. Por que é que o Brasil não pode ser um país normal, no qual as pessoas, as associações de pais e mestres, os educadores geniais, enfim, decidem democraticamente, depois de um bom estudo de “custo-benefício”, o que as escolas vão enfiar ou não na cabeça das crianças, sujeitas as decisões a revisões periódicas em função da experiência adquirida e das vantagens constatadas (if any)? Por que é que tudo tem de ser objeto de uma lei obrigatória? Nossa natureza jabuticabal está sempre nos traindo...

Creio que bastam esses casos, por enquanto, mas certamente eles existem em maior número: como, por exemplo, aquele outro projeto de um nobre deputado que pretende limitar o rendimento máximo dos brasileiros, desviando tudo o que ultrapassar um valor limite para uma poupança coletiva nacional. A cooperação de meus leitores não deixará de enriquecer a galeria de candidatos a exemplos puros da teoria da jabuticaba. Não me parecem ainda suficientemente claras as razões desse extraordinário sucesso, no Brasil, da teoria – não da fruta, obviamente – mas pode ter algo a ver com nossas bizarrices institucionais. Afinal de contas, qual é o país que consegue ter, simultaneamente, dois chefes de governo (e de Estado) atuando paralelamente, ambos dotados de plenos poderes para assinar atos legais? Sim, ninguém ainda ouviu dizer que quando o presidente viaja – e fica lá fora, assinando acordos internacionais, ou seja, no pleno exercício de seu mandato – o vice, montado na cadeira presidencial, também assina leis e outros atos de sua potestade imperial? Um país que tem coisas desse gênero, pode ter quaisquer outras coisas, podendo-se daí deduzir que a teoria da jabuticaba ainda tem, em nosso país, brilhantes dias (e anos) pela frente.
Com a ajuda dos leitores, nós vamos mapear todos esses casos, descrevê-los e extrair sua racionalidade intrínseca – sim, eles devem ter alguma, do contrário não se sustentariam no plano da institucionalidade jurídica e não se validariam do ponto de vista da teoria pura – de maneira a oferecer ao mundo mais alguns lampejos de nossa genialidade. Espero, portanto, a colaboração voluntária de todos – e de todas, como convém, agora, segundo um outro projeto de lei, que visa evitar, justamente, discriminações de gênero – nesse esforço jabuticabal de teorizar sobre o inútil e o absurdo. Se por um desses acasos do destino – e num desses exercícios de história virtual –, Kant fosse transplantado de Königsberg para este patropi, jamais teria conseguido escrever seus muitos tratados de filosofia, ou então teria virado um passista de escola de samba, com sua peruca empoada e sua bengala de mestre-sala. Enfim, alguma razão deve haver para tantos exemplos de surrealismo cotidiano em nossa terra. Com sua ajuda, encontraremos a explicação, caro leitor...

P.S.: Não vale incluir a seleção brasileira de futebol na teoria da jabuticaba, pois ela não passaria pelo teste. Como adiantei, os exemplos precisam ser genuinamente nacionais e nossa seleção está mais para Legião Estrangeira Futebol Clube (sans aucun Beau Geste).

Brasília, 2 de julho de 2006