Um amigo leitor deste modesto blog, Gil Rikardo, de Joinville, tinha me dito, algum tempo atrás, que o Janer Cristaldo, um dos mais brilhantes cronistas da humanidade (sim, da humanidade), infelizmente falecido nesta primavera (brasileira), tinha mencionado meu blog numa de suas postagens, e que apenas por isso tinha começado a ler o
Diplomatizzando. E nunca mais parou. Grato, meu caro.
Eu nunca soube dessa menção, a despeito de visitar, ocasionalmente -- quando lia sucessivamente muitas postagens ao mesmo tempo -- o saboroso blog do Janer Cristaldo, um dos mais inteligentes que possam ter jamais existido nestes espaços brasileiros. Ele encontra-se interrompido, mas ainda disponível, neste link:
http://cristaldo.blogspot.com/
Hoje, finalmente, o Gil Rikardo encontrou a postagem do Janer que menciona o meu blog, e me faz alguns elogios. Ela está reproduzida abaixo. Infelizmente, o blog do Janer, não possui instrumento de busca, nem os arquivos estão completos, razão pela qual não pude acessar eu mesmo esta postagem, "
Um Leitor Especial", já que as postagens de setembro de 2011 são interrompidas no dia 16 desse mês, e não há jeito de recuperar o material (a menos que alguém da família tenha acesso ao computador e aos arquivos originais do Janer, o que desconheço como fazer).
Eis a mensagem do Gil Rikardo, seguida da transcrição da postagem do Janer. Ao final, transcrevo o que poderia ser a postagem minha que ele leu, sem ter certeza disso, já que não consegui acessar a integridade de suas postagens, neste link:
http://cristaldo.blogspot.com/2011_09_01_archive.html.
Também convido os leitores a percorrer algumas das melhores crônicas do Janer Cristaldo, no link que leva aos seus ebooks:
http://tinyurl.com/o6b5jmp.
No mais, é sempre um prazer ler coisas inteligentes.
Paulo Roberto de Almeida
Nome: Gil Rikardo
Cidade: Joinville
Estado: SC
Mensagem: Caro professor, encontrei o texto em que Janer o mencionava. Foi a partir dai que tornei-me assiduo de seu diplomatizzando.
Gil Rikardo
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Janer Cristaldo, quinta-feira, setembro 01, 2011
UM LEITOR ESPECIAL Se escrevesses mais crônicas como essa, terias mil vezes mais leitores – escreve-me alguém de uma lista de amigos. Referia-se à crônica “Azaléias de agosto”, que republico a cada aniversário da morte de minha mulher. Não sei se ele notou a crueldade do que disse. Está pedindo que morram mais Baixinhas em minha vida. Para começar, só existiu uma. Continuando, se foi duro enfrentar a passagem de uma, imagine o leitor como seria enfrentar a morte de várias. Crônica como aquela, espero jamais ter de escrever de novo.
Mas isto é o de menos. E sim o mil vezes mais leitores. Meu blog está se aproximando aos poucos de um milhão de acessos. Claro que isso não significa um milhão de leitores. Mas é um número significativo para um blog individual, que não é escorado por nenhum portal. Em verdade, mesmo que pudesse individualizar meus leitores, impossível ter uma idéia de quantos são na Internet. Minhas crônicas são replicadas por outros blogs e enviadas por mail a outro tantos leitores. Qualquer estimativa é inviável.
Mas digamos que, para efeitos de raciocínio, eu tivesse cem leitores. Es un suponer. Mil vezes mais significaria cem mil. Ora, no dia em que eu estiver sendo lido por cem mil leitores, vou parar, olhar-me no espelho e perguntar-me que ando escrevendo de errado. Prefiro cem. Escrevo para comunicar o que penso, não para cativar leitores. Alguns, eu os cativo e isso me faz bem ao ego. Outros, eu os irrito, e isto também me faz bem ao ego. Diria até mesmo que o número dos que irrito é bem maior do que o número dos que cativo. Paciência. Não peço para ser lido. Se sou, muito obrigado, seja lá quem for que me lê.
Confesso ficar em dúvida se gosto mais dos leitores que me elogiam ou dos que insultam. Recebo centenas de mails insultuosos – e esta é uma das razões pelas quais meu blog não é aberto a debates. Discordar, tudo bem, e seguidamente publico leitores que de mim discordam. Mas não vou dar espaço a insultos. Seja como for, eles me divertem. É a reação irracional do leitor que se sente machucado e não tem argumentos. Estes leitores não demonstram muita inteligência. Se soubessem o prazer que me dão, me subtrairiam este prazer.
Não tenho vocação para best-seller. Aliás, abomino best-seller. Se um livro vendeu de repente um milhão de exemplares, este é um de meus critérios para não comprá-lo. Não existe tanta gente inteligente no mundo. Não existe um único best-seller em minha biblioteca. Aliás, quando saio atrás de um título, tenho de trotar entre uma livraria e outra, pois trata-se de livro geralmente pouco divulgado. Diga-se o mesmo de filmes.
Ora, direis, mas a Bíblia ou o Quixote não são best-sellers? Claro que são, mas por outras razões. A Bíblia, além de ter três mil anos, é um livro religioso e atende a um público que não está interessado em razões estéticas. Eu a leio não por fé – quem me lê sabe que desde meus verdes anos sou ateu. Aliás, como todo mundo, nasci ateu. Deus é fruto do Estado, da família, da educação. Leio a Bíblia, por um lado, por razões estéticas, nela há livros de extraordinária beleza, como o Cântico dos Cânticos e o Eclesiastes. Por outro lado, para entender este mundo em que vivo. Ninguém entenderá o Ocidente sem ler o Livro.
Quanto ao Quixote, que consta ser o segundo livro mais vendido depois da Bíblia, é best-seller ao longo de quatro séculos. Não é best-seller do dia para a noite, como os Paulos Coelhos da vida. Ainda há pouco, eu dizia que não leio ficcionistas contemporâneos, é como se estivesse ouvindo mais uma vez as histórias que ouço em meu boteco. Cervantes é diferente. Me leva a um país que adoro, a uma outra geografia que não a minha e rumo a quatrocentos anos atrás. Em suma, me transporta ao anecúmeno. Isso sem falar na ironia de Cervantes, que perpassa a obra toda. Best-sellers que resistem aos séculos, eu os leio com muito prazer.
Mas falava de meus cem hipotéticos leitores. Que certamente serão mais, bem mais. São de modo geral pessoas cultas, que gostam de viagens, boa leitura, bona-xira. Me sinto bem quando toco a sensibilidade de um leitor culto. Nestes dias, fiz uma descoberta daquelas que, por um lado, mostra que não escrevo rumo ao inútil. Por outro, me compromete a escrever exigindo cada vez mais de meus textos.
Andava eu pelo Google em busca de mim mesmo, quando caí no blog Diplomatizzando, do escritor e diplomata Paulo Roberto de Almeida, homem vivido, viajado e de pensamento. Já havia passado por ele, onde tive a honra de ver algumas de minhas crônicas reproduzidas. Mas agora li texto que me fez ganhar meu dia. Segue abaixo. Se o leitor que quiser ter bons momentos de leitura, voilà o link: http://diplomatizzando.blogspot.com. Suas palavras me honram, professor. (Só faria uma ressalva. Não me pretendo um anarquista. Um terrorista de idéias, talvez). Ao mesmo tempo, implicam um baita compromisso. Fico, daqui pra frente, proibido de escrever qualquer coisa que mesmo de longe roce o medíocre. Farei o que for possível.
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Transcrevo agora minha postagem de 15 de maio de 2011, que suponho tenha motivado, pelas minhas palavras iniciais sobre o "anarquista" Janer Cristaldo, suas palavras finais me corrigindo. De fato, ele é um terrorista das ideias, no bom sentido claro, o que eu também admito ser. Implodimos ideias que nos parecem perniciosas, mas nisso não vai nenhum fundamentalismo ou prejuizo para a humanidade. Nunca matamos ninguém, apenas não repugnamos um bom debate de ideias. Que vençam as melhores, nesta justa luta pela elevação espiritual da humanidade. Chega de mediocridade, acadêmica ou qualquer outra.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 30/11/2014
A mediocrizacao academica - eu e Janer Cristaldo (com razao)
A
mediocrizacao academica - eu e Janer Cristaldo (com razao) - See more
at:
http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/05/mediocrizacao-academica-eu-e-janer.html#sthash.fkKyjYsq.dpuf
A mediocrizacao academica - eu e Janer Cristaldo (com razao)
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Sou um acadêmico, eu sei, vocês sabem, ademais de ser também
funcionário público federal da carreira do Serviço Exterior Brasileiro,
mais exatamente diplomata, como se diz comumente.
Não sei em qual
profissão eu me divirto mais, sou mais anarquista, ou ganho mais. Não
importa. Olho as duas com olhar crítico. E acho que mereço os dois
salários que ganho, pois como todos sabem, eu trabalho, produzo
(supostamente coisas úteis à sociedade), mostro o que produzo, e me
submeto a avaliações (dos chefes, dos alunos, dos pares, da sociedade,
todos podem ler, ou não, o que escrevo, comprar meus livros publicados,
enfim, me julgar de modo aberto, alguns até anonimamente, aqui mesmo
neste blog até agora gratuito).
Não é de hoje que eu digo que a
universidade vai para o brejo, que ela está decadente, que o ensino é
medíocre, enfim, o que constato, visualmente, diretamente.
Claro,
não pretendo ofender os colegas, chamando-os de medíocres ou
preguiçosos, tanto porque escolho me relacionar com pessoas produtivas,
inteligentes, dedicadas e honestas intelectualmente. Sinto muito, mas
não consigo me relacionar com "maus-caráteres", desonestos, fraudadores.
Esses eu simplesmente deixo de lado. Mas eu os encontro, aqui e ali:
numa palestra (ou numa arenga), num artigo entregue para revisão e
publicação (e quando chega para meu parecer sou apenas rigoroso), pelo
que leio por aí, nesses jornalecos medíocres, nesses blogs alimentados
com o dinheiro público.
Pois bem, o Janer Cristaldo é um
provocador (como eu), embora ele seja muito mais anarquista do que eu.
Ele não tem nenhum respeito pelos poderes constituídos (nem eu, mas
preciso manter as aparências, por enquanto).
Ele não só critica
as universidades (em geral, e as brasileiras em particular), no que acho
que ele faz muito bem, mas ele critica a instituição do doutoramento.
Concordo em grande medida com ele: tem muito teatro nessa coisa e muita
embromação. Mas não ouso criticar sem oferecer uma solução alternativa.
Não tenho ainda um substituto. Mas concordo em que as universidades
estão defasadas e precisam se reformar, se modernizar, se transformar
completamente...
Seguem três posts do Janer sobre um dos muitos motivos da decadência acadêmica
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de maio de 2011
A ARMADILHA DOS DOUTORADOS
Janer Cristaldo
Blog do Janer,
Quarta-feira, Maio 11, 2011
Em
2005, a Capes previa investir R$ 3,26 bilhões para aumentar o número de
doutores por ano no Brasil. O Plano Nacional de Pós-Graduação
apresentado ao então ministro da Educação, Tarso Genro, propunha a
aplicação nos seis anos seguintes de R$ 1,66 bilhão a mais em bolsas e
fomento de pós-graduação, o que permitiria passar dos 8.000 doutores
titulados por ano para 16 mil em 2010. O plano “será acolhido
integralmente", disse Genro na ocasião.
Se foi acolhido
integralmente, não sei. Na época, falei da desmoralização do título de
Doutor que, entre nós, se deve à universidade brasileira, ao distribuir
doutorados a torto e a direito, como quem joga milho aos porcos. Não
faltou quem protestasse. Que quem jogava milho aos porcos era a
universidade francesa, com seus diversos doutorados, o Dr. Ingénieur, o
Doctorat d’Université, o Doctorat de IIIe Cycle e o famigerado Doctorat
d’État. Pode ser.
O missivista considerava que o único
doutorado francês válido seria o Doctorat d’État. “Um doutorado na
França é conhecido por doctorat d’Estat (sic!) e esse sim é equivalente o
doutorado no Brasil. Lá existem vários tipos de doutorado, a maioria
pode ser realizada em no máximo dois anos, à exceção do doctorat d’Estat
(resic!), cuja duração é equivalente aos dos outros países – uns cinco
anos. Quase todos os nossos intelectuais de esquerda fizeram um curso
Troisiéme Cycle na França e se dizem doutores".
O
ilustre especialista em doutorados – que escreveu sob pseudônimo –
sequer sabia redigir corretamente a designação do título. Também
ignorava que o Doctorat de IIIe Cycle se faz em quatro – eventualmente
cinco – anos e que o famigerado doctorat d’Estat, como ele grafava , era
feito em dez ou mais anos. O Doctorat de IIIe Cycle sempre foi
reconhecido como doutorado em todos os países europeus. O d’État era
tido como mais uma bizarrice dos galos.
Distorção da
universidade francesa, servia como placebo ao desemprego, ao mesmo tempo
que mantinha o doutorando afastado por uma boa década do mercado de
trabalho. O candidato ao título desenvolvia teses monumentais, às vezes
de quatro ou cinco volumes, que nem mesmo a banca julgadora lia na
totalidade. Tais calhamaços ficavam entregues às traças e à poeira nas
bibliotecas e a universidade francesa sequer percebia que delas poderia
tirar algum lucro. Exportando para a Holanda, por exemplo, para fazer
diques. O governo Mitterrand tomou consciência desta perversão acadêmica
e a extinguiu. Agora existe apenas Doctorat, tout court.
Há
horas venho afirmando que os doutorados são uma solene inutilidade. Ou
melhor, uma armadilha acadêmica. Você faz um curso universitário e
desemboca no desemprego. Para capear a adversidade, você se inscreve em
mestrado. Mais quatro anos afastado do mercado de trabalho. Conclui o
mestrado e de novo vê o breu pela frente. Seu professor, que precisa de
doutorandos para cumprir sua carga horária enquanto folga em casa ou no
Exterior, o convida para um doutorado. Você aceita, afinal está
desempregado e a bolsa não é de se jogar fora. Mais quatro ou cinco anos
fora do mercado.
Quando você vai ver, tem mais de
trinta anos e nunca teve carteira de trabalho assinada. Em um país onde
se tende a considerar que uma pessoa com 35 anos já é idosa, ou você tem
pistolão na guilda e entra no magistério – para que a poleia sem fim
dos doutorados continue rodando – ou vai talvez dirigir um táxi ou ser
corretor de imóveis. Afinal, comer é preciso.
Isso sem
falar no que chamei de mestrandos carecas. Entre as muitas anomalias da
universidade brasileira estão os mestrandos quarentões. Aquela iniciação
à pesquisa, pela qual o candidato deveria optar tão logo terminasse o
curso superior, é adiada para uma idade em que do acadêmico já se espera
obra consolidada. Pior mesmo, só os doutorados de terceira idade.
Marmanjos de cinqüenta e mais anos, em idade de aposentar-se, postulando
um título que só vai servir para pendurar junto com as chuteiras.
Mestrado
não é para carecas. Já um doutorando, este deveria defender sua tese no
máximo aos trinta e poucos, para que sua experiência em pesquisa possa
ser útil ao ensino e à sociedade. Que mais não seja, é patético ver um
homem já maduro humilhando-se, ao tentar iniciar-se em metodologias que
devia desde jovem dominar. Isso sem falar em métodos que não passam de
masturbação acadêmica, como ocorre na área das ditas Humanas. Na
universidade brasileira, o doutorado nem sempre é visto como início de
uma carreira, mas como louro a coroar a calva do acadêmico quando este
está prestes a usar pijamas. Quem paga tais vaidades senis? Como sempre,
o contribuinte.
Pelo jeito, os acadêmicos começam a se
dar conta desta catástrofe. Acabo de receber artigo de Mark C. Taylor,
presidente do departamento de religião da Universidade de Columbia em
Nova York e autor de Crise no Campus: um plano arrojado para reforma das
nossas Faculdades e Universidades (Knopf, 2010). Em seu ensaio, o
professor considera que o sistema de doutorado nos Estados Unidos e em
muitos outros países é insustentável e precisa de ser remodelado. Em
muitos campos, ele cria apenas uma fantasia cruel de um futuro emprego,
que promove o auto-interesse dos membros do corpo docente, em detrimento
dos estudantes. A realidade é que existem poucos empregos para as
pessoas que gastaram até doze anos em sua formação.
“A
maioria dos programas de educação-doutoramento está em conformidade com
um modelo definido nas universidades européias durante a Idade Média, em
que a educação era um processo de clonagem, que treinava os estudantes
para fazer o que os seus mentores faziam. Os clones já ultrapassam o
número de seus mentores. O mercado de trabalho acadêmico entrou em
colapso em 1970 e as universidades ainda não se ajustaram as suas
políticas de admissão, porque precisam de estudantes de pós-graduação
para trabalhar nos laboratórios e como assistentes de ensino. Mas uma
vez que os alunos terminam o ensino, não existem trabalhos acadêmicos
para eles.
Para o professor Taylor, só há duas saídas:
reformar radicalmente os programas de doutoramento ou fechá-los. “A
especialização levou a áreas de investigação tão estreitas que são de
interesse apenas para outras pessoas que trabalham nos mesmos domínios,
subcampos ou sub-subcampos. Muitos pesquisadores lutam para conversar
com colegas do mesmo departamento, e comunicação entre departamentos e
disciplinas podem ser impossíveis".
A bicicleta precisa
continuar rodando. Milhões de teses no mundo todo, que já não cabem nas
bibliotecas oficiais, precisam de anexos para serem guardadas.
Guardadas para quê? Para juntar pó. Uma tese é algo que sai caro ao
Estado. É preciso subsidiar os graduandos e os professores que os
orientam. Deveria ter retorno aos contribuintes que, no fundo, são quem
as financiam. Você já viu alguma tese publicada? Às vezes encontramos
alguma, mas precisamos pagar por ela. O doutor recebe para redigi-la e
depois cobra de novo para que seja lida.
Se o Brasil
eliminasse hoje seus cursos de doutorado, não me parece que perderíamos
grande coisa. (Vou mais longe: cursos de Letras, Filosofia ou Sociologia
não fazem falta alguma). Os professores americanos parecem estar
despertando para o problema. Como o Brasil adora importar modas ianques,
seria salutar que esta postura chegasse até nós.
Mas
não vai chegar. O Brasil prefere importar rock, blockbusters e outras
mediocridades do Primeiro Mundo. Do melhor que acontece lá, Pindorama só
quer distância.
PS – O artigo do professor Mark Taylor pode ser lido na íntegra em
http://www.nature.com/news/2011/110420/full/472261a.html
===========
AINDA OS DOUTORADOS
Janer Cristaldo,
13 de maio de 2011
De uma boa amiga que está concluindo seu doutorado em Letras na USP, recebo:
Oi, Janer
Lendo
seu texto, concordo com a avaliação feita. Os alunos são enviados por
inércia ao doutorado por não enxergarem muitas perspectivas (no caso das
ciências humanas) no mercado de trabalho, principalmente o acadêmico.
E, para sobreviver, aceitam passar mais quatro anos na vida de bolsista.
Ocorre que desde 2007 vige uma portaria da CAPES a respeito da
publicação de teses e dissertações que obriga o ex-aluno a
disponibilizar integralmente o conteúdo de seu trabalho na internet, no
banco de dados das universidades brasileiras. Portanto, qualquer pessoa
pode ter acesso em um clique. Eu só me pergunto sobre os direitos
autorais nesse caso. Existem? - na medida em que o autor é obrigado a
cumprir tal medida - embora na lei de 1998 exista um artigo a respeito
de que trabalhos financiados pelo Estado não pertencem a ele por
conseqüência. Qual sua opinião?
Bom, Aninha,
essa
portaria de 2007 é uma boa notícia. Mas tem gente que não vai gostar.
Em Florianópolis, nos anos 70, houve um incêndio numa sala da Reitoria,
justo aquela em que estavam depositadas as teses. Alguns professores me
confessaram que adoraram o incêndio, pois tinham vergonha do próprio
trabalho. Quanto a direitos autorais, acho que o autor deveria renunciar
a eles. Afinal, foi pago pelo contribuinte. Que devolva, então,
gratuitamente, o que lhe foi financiado.
========
Esta do Janer é mais forte:
SOBRE TESES E PAPEL HIGIÊNICO
Janer Cristaldo,
Sexta-feira, Maio 13, 2011
Do
Vanderlei Vaselesk, meu fiel leitor, recebo uma resposta a meu artigo
sobre os doutorados, postada em algum fórum da Internet.
Gente,
Esse cara é ultraconservador no pior dos sentidos. O cara propõe
praticamente o fechamento dos doutorados e a extinção de determinados
saberes tais como Letras, Filosofia e Sociologia. Acho que ele deve ter
nascido de chocadeira últra-moderna com a idade que ele tem, pois creio
que não deve ter tido um(a) professor(a) de língua portuguesa ou, então,
deve ter sido reprovado em Estudos Sociais e OSPB. É possível que a
capacidade intelectual dele de raciocinar tenha sido comprometida pela
falta de abstração filosófica. De qualquer forma, nem de longe entende
que a universidade abre portas e cria possibilidades de se romper com
determinadas restrições socio-culturais e econômicas, viabilizando a
construção da cidadania e de pessoas efetivamente críticas.
O cara alega que os doutorados são inúteis e custosos. É claro que são
custosos e ainda falta investimento! A universidade precisa ser
democratizada (algo que não depende só dela para que isso ocorra), mas,
agora, associar à inutilidade foi demais! A gente sabe que as
universidades têm problemas mil, que ultrapassam questões estritamente
pedagógicas ou administrativas, mas a miopia
ultra-neoliberal-conservadora do cara é de enojar. Tese e papel
higiênico para ele é a mesma coisa. Para ele, as pessoas mais velhas que
entram na universidade são praticamente um desperdício de dinheiro
público, porque, fica subtendido, são figuras pateticamente anacrônicas.
Não vê os professores mais velhos como pessoas que tem algo a
contribuir com seu conhecimento e experiencia.
Fico só lembrando também dos meus alunos e alunas com mais de 45 anos
que estão fazendo a faculdade pela primeira vez, buscando não somente
melhorar de vida ou simplesmente conhecer e explicar o mundo em vivemos a
fim de ajudar a mudá-lo. O cara nem está a par do mercado editorial
virtual ou não! Para mim, o que está em jogo é um discurso ou uma
atitude perigosamente conservadora de um recalcado que só justifica os
investimentos válidos se forem direcionados para os cursos da moda,
especialmente os relacionados à economia capitalista e à alta
tecnologia. Ah, ele diz que é jornalista, escritor e ensaista! Outra
coisa: acho que ele não fez o mestrado e doutorado! Ah, entendi!
[Retoma o Janer:]
Vamos
por partes. Tese e papel higiênico não são para mim a mesma coisa.
Jamais afirmaria tal heresia. Papel higiênico é um dos grandes avanços
da humanidade. Tanto que sempre faltou nos países mais atrasados do
mundo, os socialistas. Tese nem como papel higiênico serve. Não vou
negar que cá e lá – falo da área humanística - encontramos alguma tese
que constitui uma contribuição à cultura. Mas são raríssimas. Tanto que a
maioria quase absoluta delas fica relegada ao pó das bibliotecas. Tese,
no fundo, só serve para manter as mordomias dos PhDeuses orientadores e
aumentar salários dos acadêmicos. Também é muito conveniente para fazer
turismo às margens do Sena, Tâmisa ou Spree.
Que
velhos façam a universidade pela primeira vez, nada contra. Mas estas
pessoas já avançadas em idade nunca procuram os cursos realmente úteis à
sociedade, como enfermagem, odonto, medicina ou engenharia. Geralmente
buscam aqueles cursos de vestibular fácil, isto é, as tais de Humanas.
Como lazer de terceira idade é uma opção interessante. Melhor que ficar
espichado no sofá vendo novelas. Daí que isto traga alguma contribuição
ao país vai uma longa distância. Mas minha restrição não é a quem busca
universidade em idade provecta. E sim aos mestrandos e doutorandos
carecas. Terceira idade não é idade para se fazer mestrado, muito menos
doutorado.
Se um ancião quiser fazer doutorado, para
seu prazer espiritual, pagando de seu próprio bolso, que esteja a gosto.
O que é obsceno é ver macróbios subsidiados pelo contribuinte para
satisfazer uma vaidade. Ou para aumentar a aposentadoria. Tanto o mestre
como o doutor devem formar-se ainda jovens, para que possam prestar bom
tempo de serviço ao ensino. Tenho visto gente que começa doutorado lá
pelos cinqüenta. Quando obtém o título, está em idade de aposentar-se.
Isto é uma perversão típica da universidade brasileira.
Professor
mais velho é outra coisa. Nada a ver com mestrandos carecas. Um
professor mais velho acumulou experiência e saber durante todo seu
magistério. Desde que não tenha começado a aprender quando já era velho.
Neste caso, é muito curto seu período de aprendizado.
Em
seu arrazoado precário, o missivista apela ao argumento ad hominem:
“acho que ele não fez o mestrado e doutorado”. De fato, mestrado não
fiz. Quando ia inscrever-me em curso de mestrado na Université de la
Sorbonne Nouvelle – Paris III – encontrei numa fila M. Raymond Cantel,
doyen da antiga Sorbonne, que não mais existe. Considerou que era uma
perda de tempo matricular-me em mestrado. Eu tinha publicações
suficientes para postular um doutorado. Naquele breve diálogo, meu
mestrado se transformou em doutorado.
Mas ninguém pense
que um dia almejei tal título. Quando terminei minhas universidades –
Filosofia e Direito – prometi a mim mesmo que jamais voltaria a pôr os
pés nesses templos do saber. Enveredei pelo jornalismo. Acontece que
sempre gostei de viajar. Bolsa é uma boa chance de viajar, os acadêmicos
tupiniquins que o digam. A França oferecia bolsas. Candidatei-me a uma
delas, na área de Literatura Comparada. Certo dia, encontrei na rua o
cônsul francês em Porto Alegre. “Tu és o nosso candidato. Mas não podes
trocar de área? Em literatura é difícil. Não pode ser Direito?”
Poder,
podia. Mas nada mais queria com Direito. Ao terminar meu curso, em
gesto simbólico, joguei meus códigos e tratados no Guaíba. Tive uma
extraordinária sensação de libertação. Insisti em Literatura e fui
contemplado com a bolsa.
Ora, eu nem sabia o que era
doutorado e muito menos Literatura Comparada. O que eu queria, lá no
fundo, era Paris, sua estética, seus cafés, seus queijos e vinhos. E
também suas mulheres. Se o preço era redigir uma tese, eu o pagava com
prazer.
Paguei. Comprei vários ensaios na área, estudei
a disciplina e redigi minha tese. Menção? Très Bien. Isso após uma
defesa tumultuada. Fiz um ensaio absolutamente antiacadêmico, sem citar
nenhum teórico. O que constitui heresia no universo dos PhDeuses. Método
é um freio mental que a banca impõe ao thèsard. Você não pode pensar
com seu próprio intelecto. Seria o caos.
Tant pis pour
moi. Eu não buscava nenhum título e não tinha compromisso com
universidade alguma. Minha tese, fosse aprovada ou não, não mudava nada
em meus propósitos. Havia escrito um ensaio útil e, mais importante,
legível. Fiquei surpreso quando, ao final do doutorado, soube que uma
tese servia para lecionar. Foi assim que caí no magistério de Letras, os
quatro anos mais inúteis de minha vida.
A defesa, peça
teatral que dura em geral uma hora, se estendeu por quatro horas. Uma
doutora da banca não admitia tese sem metodologia. “Où est votre
méthode?” – questionou-me. Respondi que não havia ido à França para
pensar com a cabeça de terceiros. Pensava com a minha. “Ma méthode,
c’est la cristaldesque”.
Após longos e tensos debates
entre os membros do júri, a tese foi aceita. Atribuo um pouco esta
concessão à platéia. Na salle Bourjac, da Sorbonne, havia entre
cinqüenta e sessenta mulheres, e um único rapaz. Não só a banca, como eu
e minha mulher, estávamos perplexos. “Trabalhaste duro neste tempo
todo” – me disse a Baixinha. Bom, confesso que tinha me esforçado. No
fundo, penso que devo àquelas meninas minha aprovação. Seria uma
grosseria rejeitar meu trabalho ante platéia tão florida.
Sou
doutor por diletantismo, não por projeto. Me candidatei a outro
doutorado na Espanha, queria curtir Madri. Ganhei a bolsa, curti Madri,
mas me recusei a redigir a tese. Era picaretagem. Exigiam a redação de
uma tese em seis meses. Ora, nenhuma tese séria pode ser redigida em
seis meses, ainda mais com uma carga horária de cinco horas de aula por
dia. Escrevi uma carta a meu orientador. Cito de memória.
“Dr!
Quando se recebe uma bolsa para doutorado, os doutorados são dois. Um
deles resulta numa tese que fica mofando nas bibliotecas. O outro é
aquele que defendemos nos bares e restaurantes, lendo a imprensa e a
literatura do país, conhecendo suas cidades. Esta eu a defendi com
brilho e com ela me contento. Salud y felicidad a los suyos”. (Esta era a
fórmula burocrática com a qual se terminava um pedido de estada à
polícia).
Doutor por acaso, não tenho maior respeito
por doutores. Sim, existirão os que merecem consideração por seus
trabalhos. Mas estes são muito raros. O que vejo, o mais das vezes, são
pavões que se apóiam em teorias sem pés nem cabeça e vivem da antiga
fórmula francesa, “louons-nous les uns les autres”.
Antes
que me esqueça: até hoje não peguei meu diploma de doutorado. Quando
fui apanhá-lo na secretária da Sorbonne Nouvelle, uma velhota burocrata
me atalhou: “C’est pas comme ça, Monsieur!” Meu diploma estava ali, do
outro lado do balcão. Mas eu precisava enviar uma carta à universidade e
esperá-lo em casa. Ora, eu já estava de pé no estribo, entregando as
chaves do apartamento. Desisti. Não fui a Paris buscar um papelucho.
Last
but not least, quem está propondo o fim dos doutorados não sou apenas
eu. Mas também o professor Mark C. Taylor, presidente do departamento de
religião da Universidade de Columbia em Nova York.
Papel
higiênico, meu caro, é muito mais necessário que uma tese acadêmica. A
humanidade consegue viver sem teses. Sem papel higiênico já é mais
complicado.
Janer Cristaldo
=========
Bem ficamos por aqui, e esperemos os próximos rolos de papel higiênico.... quero dizer, teses acadêmicas...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de maio de 2011