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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Quem são os liberais, e o que eles têm a dizer? - Paulo Roberto de Almeida


Quem são os liberais, e o que eles têm a dizer?
Paulo Roberto de Almeida


O liberalismo é uma doutrina forjada mais sistematicamente em meados do século 19, embora possa ter raízes mais antigas, seja no iluminismo escocês (David Hume, Adam Smith) e na filosofia política britânica (John Locke é o mais distinguido, mas o economista John Stuart Mill também é representativo da corrente), seja já no constitucionalismo francês (Benjamin Constant, Alexis de Tocqueville), e mesmo em algumas correntes da filosofia e do pensamento social alemão (como Immanuel Kant e Wilhelm Humboldt, por exemplo). No século 20, ele está mais identificado, no terreno econômico, com Ludwig von Mises, Friedrich Hayek e Milton Friedman, e com Isaiah Berlin e Raymond Aron, na filosofia da história e no pensamento político. Há também uma vertente do liberalismo social, que poderia ser representada pelo italiano Norberto Bobbio, que sempre tentou fazer uma ponte entre o pensamento liberal clássico e a moderna socialdemocracia, de corte reformista, ou socialista liberal. Já nos Estados Unidos, esse conceito se identificou de modo negativo com a socialdemocracia em sua vertente intervencionista, mas republicanos conservadores, como Ronald Reagan (que não era nada teórico), encarnaram uma vertente prática da doutrina liberal. Na Grã-Bretanha tivemos Margaret Thatcher, que leu, e gostou, de Hayek, e aplicou-o tanto quanto possível.
Existem, portanto, variantes do liberalismo, nas vertentes filosóficas, políticas ou econômicas, mas todas elas parecem exibir certos traços, ou compromissos, comuns: uma desconfiança do poder e a resistência a Estados muito fortes; uma crença básica no progresso social, ou seja, que os homens e suas instituições podem ser melhorados pela aplicação racional de políticas respeitando as liberdades políticas e econômicas; uma aceitação inquestionada do fato que mercados livres sempre funcionarão melhor do que suas alternativas planejadas ou dirigidas pela via do Estado; uma tolerância fundamental em relação às crenças e sentimentos pessoais, no simples entendimento de que sempre haverá algum tipo de conflito entre os interesses concretos dos indivíduos e suas crenças subjetivas, ou religiosas (que sempre são o resultado de construções humanas e sociais).
Em resumo, liberais não são absolutamente conservadores, e sim progressistas e adeptos de reformas contínuas. Eles não são religiosos, ou não é isso que os distingue no plano doutrinal, pois aceitam que as pessoas possam ter fé em doutrinas ou crenças religiosas. Eles são profundamente democráticos, pois acreditam que sempre se deve recorrer a consultas na comunidade, com vistas a um largo debate e o encaminhamento negociado de soluções racionais aos desafios sociais e aos problemas humanos. Eles têm um compromisso fundamental com as liberdades econômicas as mais amplas, base indispensável de sistemas políticos abertos e responsáveis.
Liberais se posicionam contra todos os privilégios, de qualquer tipo e origem, e acreditam na educação e na experiência do aprendizado prático como a melhor via para desenhar soluções a questões que emergem nas interações humanas. Por isso mesmo, eles confiam em que a pesquisa científica de boa qualidade, eticamente responsável, pode oferecer respostas tentativas aos problemas que aparecem na relação do homem com o ambiente. São pacifistas por convicção, não como princípio imutável, mas no sentido de sempre buscar o entendimento racional em caso de disputas ou de conflitos entre interesses e posturas divergentes; não repugnam, porém, ao uso da força, quando alguma vontade autoritária tenta impor soluções com uso de violência. Os valores da democracia e os direitos humanos devem ser resolutamente defendidos contra tiranos e usurpadores, se preciso for pela coerção física dos seus inimigos e contraventores.
Dito isto, os liberais verdadeiros não possuem respostas definitivas para todos os problemas de organização social ou dilemas humanos, com base justamente na modesta crença de que os homens são capazes de encontrar as soluções as mais adequadas, por vezes apenas aproximativamente, a certos problemas complexos, que envolvem não apenas crenças religiosas, mas também sentimentos morais e conflitos éticos. Por exemplo, os liberais deveriam ser a favor ou contra a liberação das drogas? Eles devem ser a favor ou contra a descriminalização do aborto? Eles são por um Estado laico irredutível, ou defendem a total liberdade religiosa, inclusive de catequese e exercícios de conversão de crianças no ensino público? Eles são por casamentos de pessoas do mesmo sexo? Concordam em que bebês e crianças sejam adotadas por tais casais?
Não é seguro que existam respostas unívocas, liberais ou de qualquer outra extração, a determinadas questões, que colocam pessoas em choque umas com as outras, independentemente de suas outras crenças políticas ou econômicas. Os liberais não pretendem ter respostas prontas e soluções “definitivas” a todos os problemas humanos e conflitos sociais, sobretudo de crenças, que devem ser deixados para a esfera dos sentimentos individuais. Na dúvida, ou na incerteza, eles propugnarão acompanhar a evolução dos costumes sociais, que já foram bem mais intolerantes no passado, nos terrenos referidos, do que aparentemente são hoje, com os progressos civilizatórios acumulados ao longo do tempo. Liberais são tolerantes e sempre defenderão a total liberdade das pessoas de adotar suas opções individuais, sem prejuízo de direitos e obrigações estabelecidas democraticamente pela comunidade.
O liberalismo é antes de mais nada uma construção social em constante estado de aperfeiçoamento doutrinal – nos campos do direito, da economia, da política – e por meio de experimentos de “ensaio e erro” no campo mais prático das políticas públicas, pois não existem respostas simples, ou universais, para problemas tão corriqueiros na vida das nações como educação, saúde, sistemas securitários, normas laborais ou para a política fiscal (que envolve um debate sobre o peso do Estado, o sistema tributário e, sobretudo, os desejos de certas correntes respeitáveis por maior igualitarismo social). Nesse campo de escolhas econômicas e de políticas públicas, os liberais procuram sempre privilegiar as mais amplas liberdades econômicas, com total garantia para a propriedade legítima e para a acumulação de riquezas que sejam fruto do trabalho (e não de privilégios administrados pelo Estado), mas também reconhecem a existência de diferenças sociais e de fortuna que merecem encontrar respostas adequadas no quadro de um amplo debate democrático sobre as melhores alternativas a esses problemas. Os liberais entendem que as melhores respostas a essas questões se situam na organização voluntária da sociedade, e não na distribuição pelas mãos de burocratas estatais, que sempre serão volúveis a alguma “taxa de intermediação” pelo “trabalho social”.
Liberais têm dúvidas, sobretudo quanto a projetos de engenharia social, contra os quais eles se posicionam racionalmente, com base na experiência histórica: tentativas de moldar a sociedade, ou de “corrigir os mercados”, sempre resultaram em desastres maiores do que os problemas supostamente na origem de imperfeições de mercado ou de desigualdades sociais. Também se opõem a todos os fundamentalismos, inclusive o do liberalismo, concebido como verdade inquestionável, e infenso ao debate aberto e tolerante com marxistas ou keynesianos, por exemplo, que exibem alguma legitimidade com base em suas propostas de “correção” dos problemas econômicos e sociais. Todas as sociedades apresentam componentes ideológicos e filosóficos os mais diversos e os liberais são herdeiros de uma das correntes da teoria social, o das liberdades individuais, contra o igualitarismo principista (e irrealizável) dos marxistas e contra pretensão dos keynesianos de erigir o Estado em guia e orientador supremo das forças econômicas.
Por fim, quem escreveu estes argumentos não se classifica em absoluto como liberal, pois entende que todo rótulo pode ser redutor ou simplificador das realidades necessariamente complexas do mundo concreto. Se algo poderia ser dito sobre o que guia o seu pensamento, apenas duas palavras o definem: racionalista e irreligioso.

Hartford, 2782: 26 de fevereiro de 2015.

Brasil na Economist: problemas economicos, liberais em ascensao, etc

The Economist, 28 Feb/3 Mar, 2015

The downgrading of Petrobras’s credit rating to junk status by Moody’s sent shivers through Brazilian markets. The state-controlled oil company is mired in a corruption scandal involving politicians from Brazil’s ruling Workers’ Party, preventing Petrobras from undertaking a proper financial audit.

LEADERS
Brazil - In a quagmire
Latin America’s erstwhile star is in its worst mess since the early 1990s

CAMPAIGNING for a second term as Brazil’s president in an election last October, Dilma Rousseff painted a rosy picture of the world’s seventh-biggest economy. Full employment, rising wages and social benefits were threatened only by the nefarious neoliberal plans of her opponents, she claimed. Just two months into her new term, Brazilians are realising that they were sold a false prospectus.
Brazil’s economy is in a mess, with far bigger problems than the government will admit or investors seem to register. The torpid stagnation into which it fell in 2013 is becoming a full-blown—and probably prolonged—recession, as high inflation squeezes wages and consumers’ debt payments rise (see page 71). Investment, already down by 8% from a year ago, could fall much further. A vast corruption scandal at Petrobras, the state-controlled oil giant, has ensnared several of the country’s biggest construction firms and paralysed capital spending in swathes of the economy, at least until the prosecutors and auditors have done their work. The real has fallen by 30% against the dollar since May 2013: a necessary shift, but one that adds to the burden of the $40 billion in foreign debt owed by Brazilian companies that falls due this year.
Escaping this quagmire would be hard even with strong political leadership. Ms Rousseff, however, is weak. She won the election by the narrowest of margins. Already, her political base is crumbling. According to Datafolha, a pollster, her approval rating fell from 42% in December to 23% this month. She has been hurt both by the deteriorating economy and by the Petrobras scandal, which involves allegations of kickbacks of at least $1 billion, funnelled to politicians in her Workers’ Party (PT) and its coalition partners. For much of the relevant period Ms Rousseff chaired Petrobras’s board. If Brazil is to salvage some benefits from her second term, then she needs to take the country in an entirely new direction.
Levy to the rescue?
Brazil’s problems are largely self-inflicted. In her first term Ms Rousseff espoused a tropical state-capitalism that involved fiscal laxity, opaque public accounts, competitiveness-sapping industrial policy (see Schumpeter) and presidential meddling in monetary policy. Last year her re-election campaign saw a doubling of the fiscal deficit, to 6.75% of GDP.
To her credit, Ms Rousseff has at least recognised that Brazil needs more business-friendly policies if it is to retain its investment-grade credit rating and return to growth. This realisation is personified by her new finance minister, Joaquim Levy, a Chicago-trained economist and banker and one of the country’s rare economic liberals (see article). However, Brazil’s past failure to deal promptly with macroeconomic distortions has left Mr Levy to grapple with a recessionary trap.
To stabilise gross public debt, he has promised a whopping fiscal squeeze of almost two percentage points of GDP this year. Part of this is coming from the removal of an electricity subsidy and the reimposition of fuel duty. Both measures have helped to push inflation to 7.4%. He also plans to curb subsidised lending by public banks to favoured sectors and firms.
Ideally, Brazil would offset this fiscal squeeze with looser monetary policy. But because of the country’s hyperinflationary past, as well as more recent mistakes—the Central Bank bent to the president’s will, ignored its inflation target and foolishly slashed its benchmark rate in 2011-12—the room for manoeuvre today is limited. With inflation still above its target, the Central Bank cannot cut its benchmark rate from today’s level of 12.25% without risking further loss of credibility and sapping investor confidence. A fiscal squeeze and high interest rates spell pain for Brazilian firms and households and a slower return to growth. What makes this adjustment perilous is the political fragility of Ms Rousseff herself. On paper she won a comfortable, though reduced, legislative majority in the October election. Yet the PT is already grumbling about Mr Levy’s fiscal policies—partly because the campaign did not lay the ground for them. Ms Rousseff suffered a crushing defeat on February 1st in an election for the politically powerful post of head of the lower house of Congress. Eduardo Cunha, who vanquished the PT’s man, will pursue his own agenda, not hers. Not for the first time, Brazil may be in for a period of semi-parliamentary government.
The country thus faces its biggest test since the early 1990s. The risks are clear. Recession and falling tax revenue may undermine Mr Levy’s adjustment. Any backsliding may in turn prompt a run on the real and a downgrade in Brazil’s credit rating, raising the cost of financing for government and companies alike. Were Brazil to see a repeat of the mass demonstrations of 2013 against corruption and poor public services, Ms Rousseff might be doomed.
From weakness, opportunity
Yet the president’s weakness is also an opportunity—and for Mr Levy in particular. He is now indispensable. He should build bridges to Mr Cunha, while making it clear that if Congress tries to extract a budgetary price for its support, that will lead to cuts elsewhere. The recovery of fiscal responsibility must be lasting for business confidence and investment to return. But the sooner the fiscal adjustment sticks, the sooner the Central Bank can start cutting interest rates.
More is needed for Brazil to return to rapid and sustained growth. It may be too much to expect Ms Rousseff to overhaul the archaic labour laws that have helped to throttle productivity, but she should at least try to simplify taxes and cut mindless red tape. There are tentative signs that the government will scale back industrial policy and encourage more international trade in what remains an over-protected economy.
Brazil is not the only member of the BRICS quintet of large emerging economies to be in trouble. Russia’s economy, in particular, has been battered by war, sanctions and dependence on oil. For all its problems, Brazil is not in as big a mess as Russia. It has a large and diversified private sector and robust democratic institutions. But its woes go deeper than many realise. The time to put them right is now.

Brazil’s liberals - Niche no longer
Thatcherism is winning adherents

AMONG the buskers on Avenida Paulista, São Paulo’s main thoroughfare, one act stood out on a recent Friday afternoon. A live rock band played spiffy renditions of “Blue Suede Shoes” and other 1950s classics; between numbers, six panellists sang the praises of competition and fielded questions from 100-odd onlookers about such issues as transport prices. The event was organised by the Free Brazil Movement (MBL), a group founded last year to promote free-market answers to the country’s problems. The al fresco concert-cum-colloquium was a riposte to demonstrators who took to the streets a half-dozen times in January to demand free bus transport. A better idea would be to open bus services to competition among private firms, which would improve quality and lower costs, the MBL-ers claimed.
Although Brazil thinks of itself as a “tropical Sweden”, advocates of freer markets and a less intrusive state are making headway. Of the 50 organisations that belong to the Liberty Network, an umbrella group, all but a handful were founded in the past three years. A “liberty forum” in April is expected to draw some 5,000 South American freedom-lovers to Porto Alegre, a southern city. This year’s theme, inspired by the Charlie Hebdo murders, is freedom of expression.
Soon such folk will have a new political party to represent them. Called simply Novo (“new”), the party stands unabashedly for free markets, a minimal state, low taxes and individual liberties. This would extend Brazil’s narrow political spectrum. The Workers’ Party of the president, Dilma Rousseff, is decidedly left-wing. The main opposition party, the Party of Brazilian Social Democracy (PSDB), is friendlier to markets but, as its name suggests, it is by no means Thatcherite.
Novo sounds like it will be. Its president, a banker called João Amoêdo, calls for privatisation of state-controlled enterprises such as Petrobras, an oil giant in the midst of a corruption scandal. The fledgling party has submitted the 492,000 notarised signatures needed to register with the electoral authority. Mr Amoêdo hopes for approval in March; it plans to field candidates in next year’s local elections. A new liberal force could provide fresh answers to the country’s increasingly difficult economic plight (see article).
Novo’s brassy brand of liberalism is still a minority taste. Many Brazilians associate the liberal reforms enacted when the PSDB was in power in the 1990s with the short-term pain they caused rather than the long-term stability they secured. At the University of São Paulo, the loftiest of Brazil’s ivory towers, microeconomics courses dwell on market imperfections while neglecting government failures, laments Fabio Barbieri, who teaches the subject.
The social-science section of Livraria Cultura, a famous bookshop on Avenida Paulista, displays freshly printed copies of Karl Marx’s “Capital” but carries nothing by John Stuart Mill, his great liberal contemporary. After the military coup of 1964 “we were all deformed by revolutionary Marxism”, says Eduardo Giannetti, a liberal economist (his 29-year-old son was among the Paulista panellists). For decades a cartelised capitalism, protected by the state, kept products shoddy and prices high, which did not help the private sector win friends.
But opinion may be shifting. Brazilians have long been open-minded about gay rights and immigration (but not legalisation of drugs). A poll by Datafolha, a research firm, published in September found that 30% are sceptical about state intervention and tax-and-spend policies, up from 26% a year earlier. In October’s presidential election Ms Rousseff defeated her challenger, the pro-business candidate of the PSDB, only narrowly. These are hopeful signs for liberals. But it will be some time before “let’s introduce competition into public transport” drums up the same enthusiasm as “free tickets”.

BUSINESS
Schumpeter - Brazil’s business Belindia
Why the country produces fewer world-class companies than it should

BRAZILIANS make up almost 3% of the planet’s population and produce about 3% of its output. Yet of the firms in Fortune magazine’s 2014 “Global 500” ranking of the biggest companies by revenue only seven, or 1.4%, were from Brazil, down from eight in 2013. And on Forbes’s list of the 2,000 most highly valued firms worldwide just 25, or 1.3%, were Brazilian. The country’s biggest corporate “star”, Petrobras, is mired in scandals, its debt downgraded to junk status. In 1974 Edmar Bacha, an economist, described its economy as “Belindia”, a Belgium-sized island of prosperity in a sea of India-like poverty. Since then Brazil has done far better than India in alleviating poverty, but in business terms it still has a Belindia problem: a handful of world-class enterprises in a sea of poorly run ones.
Brazilian businesses face a litany of obstacles: bureaucracy, complex tax rules, shoddy infrastructure and a shortage of skilled workers—to say nothing of a stagnant economy (see article). But a big reason for Brazilian firms’ underperformance is less well rehearsed: poor management. Since 2004 John van Reenen of the London School of Economics and his colleagues have surveyed 11,300 midsized firms in 34 countries, grading them on a five-point scale based on how well they monitor their operations, set targets and reward performance. Brazilian firms’ average score, at 2.7, is similar to that of China’s and a bit above that of India’s. But Brazil ranks below Chile (2.8) and Mexico (2.9); America leads the pack with 3.3. The best Brazilian firms score as well as the best American ones, but its long tail of badly run ones is fatter.
Part of the explanation is that medium and large firms tend to be better-organised than small ones, and not only because well-run ones are likelier to grow. Brazil offers incentives aplenty to stay bitty, such as preferential tax treatment for firms with a turnover of no more than 3.6m reais ($1.3m). As they expand, many firms split rather than face increased scrutiny from the taxman. According to the World Bank, a midsized Brazilian firm spends 2,600 hours filing taxes each year. In Mexico, it is 330 hours.
Ownership patterns play a part too. Many Brazilian concerns are controlled by an individual shareholder, or one or two families. Two-thirds of those with sales of more than $1 billion a year are family-owned, notes Heinz-Peter Elstrodt of McKinsey, a consulting firm. That is less than in Mexico (96%) or South Korea (84%) but more than in America or Europe. Mr Van Reenen’s research shows that where family owners plump for outside chief executives, their firms do no worse than similarly sized ones with more diverse shareholders. But all too often they pick kin over professional managers—and performance suffers. This is particularly true in “low-trust” societies like Brazil, where bosses hire relatives instead of better-qualified strangers to avoid being robbed or sued for falling foul of overly worker-friendly labour laws.
Decades of economic turmoil—which ended when hyperinflation was vanquished in 1994—meant that companies were managed from crisis to crisis. This forced Brazilian firms to be nimble. But it also encouraged short-termism, which management consultants and academics finger as Brazilian managers’ number-one sin. Faced with a record drought in 2014, and a subsequent spike in energy prices in a hydropower-dependent country, Usiminas, a steelmaker, stopped smelting and started selling power it had bought on cheap long-term contracts. Energy sales made up most of its operating profits that year. Such short-term stunts are hardly the path to long-term greatness.
Worse, crisis management all too often consists of going cap in hand to the government. Brazilian bosses continue to waste hours in meetings with politicians that could be better spent improving their businesses. In January 2014, as vehicle sales flagged, the automotive industry’s reflex reaction was to descend on the capital, Brasília, and demand an extension of its costly tax breaks. Thanks to lifelines cast by the state, feeble firms stay afloat rather than sink and make room for more agile competitors. Shielded from competition by tariffs, subsidies and local-content rules, they have little reason to innovate. A locally invented gizmo which lets cars run on both petrol and biodiesel is nifty. But, asks Marcos Lisboa of Insper, a business school, does that really justify six decades of public support for the motor industry?
The dead hand of government
Indeed, a glance at the “Belgian” end of Brazil’s corporate landscape suggests that successful firms cluster in sectors the state has not tried desperately to help, such as retail or finance. Bradesco, a big lender, is internationally praised as a pioneer of automated banking. Each month Arezzo creates 1,000 new models of women’s shoes, and picks 170-odd to sell in its shops.
Brazil’s other world-beaters are in industries like agriculture and aerospace, which are free to compete at home and abroad, and in which the government sticks to its proper role. In 1990 farms were allowed to consolidate and to buy foreign machines, pesticides and fertiliser. Efforts by Brazil’s trade negotiators opened up export markets. JBS, a meat giant, can slaughter 100,000 head of cattle a day, selling more beef than any rival worldwide. Thanks in part to Embrapa, the national agriculture-research agency, Brazilian farms have been raising productivity by about 4% a year for two decades. Similarly, a supply of skilled engineers and know-how from the government’s Technological Institute of Aeronautics has helped turn Embraer, privatised in 1994, into one of the world’s most successful aircraft-makers.
The success of businesses such as these offers a lesson for the state. The best way to make Brazil’s underperforming firms more competitive would be to make them compete more. Coddling by the state can be more a curse than a blessing. Ronald Reagan’s dictum that the nine most terrifying words in the English language are, “I’m from the government and I’m here to help,” translates well into Flemish, Hindi and Brazilian Portuguese.

FINANCE AND ECONOMICS
Brazil’s coming recession - The crash of a titan
Brazil’s fiscal and monetary levers are jammed. As a result, it risks getting stuck in an economic rut

IT IS easy for a visitor to Rio to feel that nothing is amiss in Brazil. The middle classes certainly know how to live: with Copacabana and Ipanema just minutes from the main business districts a game of volleyball or a surf starts the day. Hedge-fund offices look out over botanical gardens and up to verdant mountains. But stray from comfortable districts and the sheen fades quickly. Favelas plagued by poverty and violence cling to the foothills. So it is with Brazil’s economy: the harder you stare, the worse it looks. 
Brazil has seen sharp ups and downs in the past 25 years. In the early 1990s inflation rose above 2,000%; it was only banished when a new currency was introduced in 1994. By the turn of the century Brazil’s deficits had mired it in debt, forcing an IMF rescue in 2002. But then the woes vanished. Brazil became a titan of growth, expanding at 4% a year between 2002 and 2008 as exports of iron, oil and sugar boomed and domestic consumption gave an additional kick. Now Brazil is back in trouble. Growth has averaged just 1.3% over the past four years. A poll of 100 economists conducted by the Central Bank of Brazil suggests a 0.5% contraction this year followed by 1.5% growth in 2016.
Economic indicators
Both elements of that prediction—the mild downturn and the quick rebound—look optimistic. The prospects for private consumption, which accounted for around 50% of GDP growth over the past ten years, are rotten. With inflation above 7%, shoppers’ purchasing power is being eroded. Hefty price rises will continue. Brazil is facing an acute water shortage; since three-quarters of its electricity comes from hydroelectric dams, this is sapping it of energy. To avoid blackouts the government plans to deter use by raising prices: rates will increase by up to 30% this year. With the real losing 10% of its value against the dollar in the past month alone, rising import prices will bring more inflation.
There is little hope of disposable income keeping pace. One reason is that Brazilian workers’ productivity does not justify further rises. In the past ten years wages in the private sector have grown faster than GDP; cosseted public-sector workers have done even better (see chart 1). Since Brazil’s minimum wage is indexed to GDP and inflation, a recession will freeze real pay for the millions who earn it.
Austerity will bite, too, as Brazil’s new finance minister, Joaquim Levy, tries to balance the books. Higher taxes on fuel are being phased in, a blow for a car-loving country. If Mr Levy reforms the generous state pension, the incomes of older Brazilians will stall.
Debt payments add to the woes. Total credit to the private sector has jumped from 25% of GDP to 55% in the past ten years. With total household debt at around 46% of disposable income, Brazilian households are much less indebted than those in Italy or Japan. Yet the price of this borrowing is sky-high. Four-fifths of it is punishingly costly consumer credit (the average rate on new lending is 27%, according to the Central Bank). Once hefty principal payments are added in, debt service takes up 21% of disposable income. With the economy slowing and the Central Bank reluctant to cut interest rates because of high inflation, consumers will feel the pinch, says Arthur Carvalho of Morgan Stanley. On February 25th a survey put consumer confidence at a ten-year low.
There are few compensating sources of demand. Investment, which rose in eight of the ten years to 2013, often substantially, will sink in 2015. Petrobras, the partially state-owned oil giant that is Brazil’s largest investor, is mired in a corruption scandal that has paralysed spending: the affair may cost up to 1% of GDP in forgone investment. On February 24th Moody’s, a credit-rating agency, cut its debt to junk status; if Petrobras fails to publish audited results soon it may be unable to borrow at all.
Exporting is no answer, despite the falling real. Five countries—China, America, Argentina, the Netherlands and Germany—buy 45% of Brazil’s exports. Ten years ago these economies’ average GDP growth, weighted by their heft in Brazilian trade, was 12%; this year 5% would be good.
Yet the biggest worry is not that Brazil has a bad year, but that its broken policy levers mean that it gets stuck in a rut. Brazil spent 311.4 billion reais (6% of GDP) on interest payments in 2014, a 25% increase on 2013. This means that even if Mr Levy’s fiscal drive works—he is aiming for a primary surplus of 1.2% of GDP—Brazil will be nowhere near the black. The state’s outgoings have proved hard to control, with benefits payments rising despite falling unemployment. In a recession it will be harder still.
Brazil’s parlous finances leave no room for debt-financed stimulus. At 66% of GDP its gross public debt is the highest of the BRIC countries. Its bonds yield 13%—more than Russia’s. Rates could rise further. Fitch, a credit-rating agency, puts Brazil one notch above junk, but it has more debt, bigger deficits and higher interest rates than most countries in that category. If growth evaporates, a downgrade would be a certainty, raising debt costs even more.
Such predicaments are not uncommon, but Brazil’s monetary problems are. The governor of the Central Bank, Alexandre Tombini, must choose between two nasty paths. The first is a hard-money approach: keeping interest rates high despite the weak economy. This would prop up the real and boost the bank’s inflation-bashing credentials. But it is not just households that are hurt by high rates; firms are, too. In aggregate the big Brazilian firms Fitch rates have had negative cashflow since 2010. They have plugged the gap by running down savings and issuing debt. Borrowing is up by 23% in five years. With the risk of default rising, a fifth of these firms face a downgrade, in many cases imminent.
In reality, a tough monetary stance would have to be softened by an extension of Brazil’s lavish financial subsidies. State-owned banks like BNDES, a development bank, and Caixa Econômica Federal, a retail one, made 35% of loans in 2009. Today their share is 55%. Since many Brazilian firms cannot pay private market rates (the average rate for new corporate loans is 16%) BNDES lends at a concessionary rate, currently 5.5%. That makes banking in Brazil a fiscal operation, says Mansueto Almeida, an expert on the public finances. The funding comes from the state, which borrows at a much higher rate than firms pay. The difference, a loss, is borne by taxpayers.
The alternative path for Mr Tombini to go down is to cut rates despite rising inflation—a daring move given Brazil’s history. The cause of price increases, after all, is not an overheating economy, but the real’s fall, rising taxes and the drought. The textbook response would be to “see through”—ie, ignore—this inflation.
But soft money would hurt, too. It would cause the real to fall further, and thus accelerate increases in the prices of imported goods. Foreign debts, which Brazilian firms and local governments have accumulated due to the lower interest rates on offer, would become harder to bear. Data collected by the Bank for International Settlements show dollar debts rising from $100 billion to $250 billion over the past five years. But the burden in local-currency terms has jumped much more, from around 210 billion reais to 655 billion reais (see chart 2). The state lends a hand here too, with the central bank offering swap contracts to insure firms against a falling real. The scheme cost the bank 38 billion reais in the second half of last year alone.
Faced with these poisonous options, a middle path is most likely. Interest rates will be too high for households and firms, so subsidised funding will grow. But they will be too low to protect the real, so swap costs will rise, too. Both subsidies put extra pressure on the government’s finances. By mixing monetary and fiscal policy in this way, Brazil is slowly rendering both ineffective. In an economy heading for recession, that is not a good place to be.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

O Rock do Impeachment: "todo mundo ja' sabe que a anta sabia / que o molusco mandava e ela obedecia" -

Está na Constituição, dizem os roqueiros: ritmo legal, versos mais ou menos, em todo caso, pode pegar. Só acho que esse nome, Os Reaças, não é o mais apropriado: afinal de contas ele só podem ser reformistas e progressistas. Reaças são os petralhas que querem conservar tudo isso que está aí. 

  Impeachment

Luiz Trevisani & Eder Borges

(Os Reaças)

https://www.youtube.com/watch?v=WTGUCIyDhNk

 

Brasil-Indonesia: "estupidez arquitetada no Planalto"- Marcelo Rech

Um tiro no pé da Política Externa Brasileira
 Marcelo Rech, 26/02/2015

 As relações entre Brasil e Indonésia atingiram o seu nível mais baixo após a presidente Dilma Rousseff negar-se, na última sexta-feira, 21, a receber as cartas credenciais do novo embaixador do país em Brasília, em retaliação à decisão do governo indonésio de manter a execução do traficante brasileiro Marco Archer, em janeiro.
 Ainda em janeiro, a presidente chamou à Brasília o embaixador do Brasil em Jacarta, Paulo Soares, após o governo indonésio negar o seu pedido de clemência ao brasileiro.
 Nesta semana, o governo da Indonésia chamou o embaixador Toto Riyanto de volta. O país está sem embaixador no Brasil e o presidente indonésio considerou o gesto da colega brasileira “hostil” e “abrupto”. Riyanto deve permanecer na Indonésia até que o Brasil sinalize disposição em receber
 suas credenciais. Ainda na sexta-feira, 20, o embaixador do Brasil em Jacarta, Paulo Soares, foi chamado à chancelaria indonésia para consultas – gesto que no meio diplomático é entendido como de desagrado pela contraparte.
 A decisão da presidente da República revela-se verdadeiro tiro no pé da já combalida Política Externa Brasileira. Não ajuda em nada e deve piorar ainda mais a situação de Rodrigo Gularte, outro traficante brasileiro preso naquele país e condenado à morte.
 A humilhação a que foi submetido o embaixador indonésio ocorre no momento em que aquele país decide submetê-lo a uma perícia médica para constatar se de fato, ele sofre de esquizofrenia. Com isso, Gularte poderia cumprir a pena numa instituição penal médica e com o tempo, até ser autorizado a voltar para o Brasil.
 Nesta terça-feira, 24, o presidente da Indonésia afirmou que nenhum dos condenados à morte por tráfico de drogas será poupado. Também deixou claro que as datas das execuções serão mantidas. Ele criticou duramente as tentativas de interferência nos assuntos internos do seu país e afirmou que vai ordenar a que a lei seja cumprida, apenas isso. Para a chancelaria indonésia, o gesto da presidente Dilma Rousseff é “inaceitável”.
 Consequências
 Como se não bastasse, o vice-presidente indonésio também reconheceu que o seu governo poderá rever a decisão de comprar aviões civis e militares da EMBRAER e um sistema de mísseis – ASTROS 2020 – fabricado pela brasileira AVIBRAS. Em 2010 e em 2012, foram assinados dois contratos de venda de 16 Super Tucanos.
 Além disso, outro contrato para a aquisição de 20 jatos EMBRAER 190 está pronto para ser assinado com opção de compra pela Indonésia de mais dez aviões do mesmo modelo.
 O contrato com a AVIBRAS para a entrega de 36 unidades do Sistema Astros, no valor de US$ 500 milhões, foi assinado em 2012, mas ainda não entrou em vigor. Inclusive, a AVIBRAS está montando um escritório em Jacarta apenas para executar o contrato.
 Caso a Indonésia decida rever estes contratos, o prejuízo econômico para as respectivas empresas será irreversível. Para a AVIBRAS poderá representar o próprio futuro.
 A Indonésia também vinha trabalhando para derrubar uma norma interna que obriga o país a comprar carnes apenas do mercado regional asiático. Com isso, o Brasil poderia entrar no mercado de exportação de frango, pato e peru.
 A brasileira VALE também é a maior mineradora de níquel da Indonésia desde 2006. A empresa investiu cerca de US$ 3,5 bilhões na exploração e refino de níquel. Ali estão empregados quase seis mil pessoas.
 Dependendo da evolução dos fatos, a empresa também poderá sofrer as consequências das decisões tomadas no Planalto.
 Outro impacto negativo diz respeito aos investimentos indonésios no Brasil. A empresa Riau Pulp por meio da Bahia Pulp, em Camaçari (BA), tem investimentos de US$ 500 milhões para a produção de celulose para a exportação.
 Tudo isso poderá ser revisto graças à decisão da presidente de retaliar um país soberano por conta de dois traficantes internacionais de cocaína.
 Cenários
 A presidente da República telefonar ou escrever a um colega Chefe de Estado para pedir clemência a um cidadão brasileiro, é algo aceitável e admitido inclusive do ponto de vista diplomático;
 A presidente negar o recebimento de credenciais diplomáticas de um representante estrangeiro configura interferência em assuntos internos de um país soberano;
 A presidente queimou um importante ativo – a credibilidade da política externa brasileira – na defesa de dois nacionais presos por tráfico internacional de drogas;
 Do ponto de vista dos direitos humanos, a dor das famílias é compreendida, mas a presidente buscou neste episódio, criar uma comoção nacional em torno dos traficantes brasileiros presos na Indonésia – como forma de criar um fato político capaz de retirar dos meios de comunicação, a prioridade às denúncias que todos os dias salpicam o seu governo;
 A sociedade brasileira não tragou o engodo: os dois brasileiros sempre foram vistos como traficantes internacionais de drogas, presos em um país cujas leis são rigorosas e cumpridas;
 A humilhação a que submeteu o diplomata indonésio implicará em custos altíssimos para o país, inclusive com a possibilidade de vários contratos de exportação, incluindo aviões e mísseis, serem cancelados.

 Resta saber agora o que farão as empresas envolvidas indiretamente na crise, pois poderão ser elas as que pagarão pela estupidez arquitetada no Planalto

Brasil politica: Impeachment, uma palavra que volta - Almir Pazzianotto

Impeachment - da utopia à realidade 
Almir Pazzianotto Pinto
O Estado de S. Paulo, 26/02/2015

Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho

"O utópico é voluntarista, crê ser possível afastar a realidade e substituí-la pela sua utopia"
Edward Hallet Carr

A palavra impeachment, originária da língua inglesa, corresponde ao processo político-criminal instaurado na Câmara dos Deputados contra o presidente da República com o objetivo de destituí-lo do cargo por violação de deveres funcionais que provoquem graves prejuízos à Nação. Dele cuidam os artigos 85 e 86 da Constituição e 81 artigos da velha e boa Lei n.º 1.079, de 10/4/1950, sancionada pelo presidente Dutra.
Incide em crime de responsabilidade o presidente que atentar contra a existência da União, o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e demais poderes constitucionais do Estado; o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; a segurança interna; a probidade na administração da lei orçamentária; a guarda e o emprego do dinheiro público; o cumprimento das decisões judiciais.
Desde 1891 o impeachment se fez presente em todas as Constituições. Durante mais de cem anos, porém, a medida radical somente viria a ser utilizada no governo Collor de Mello, em 1992. Circulam notícias de que se pretende voltar a recorrer a ela para afastar a presidente Dilma Rousseff.
No Estado democrático existem duas formas normais de substituição do chefe do governo: mediante eleições diretas, na conclusão do mandado, ou com o emprego do processo previsto na Constituição e disciplinado em lei.
A instauração de regular processo político iniciar-se-á mediante denúncia dirigida à Câmara dos Deputados. Prescreve a Lei que qualquer cidadão poderá fazê-lo.
Depois de assinada, a petição documentada, com firma reconhecida e rol mínimo de cinco testemunhas, será protocolada na Câmara dos Deputados e lida no expediente da sessão seguinte. Ato contínuo, remetida à comissão especial integrada por membros de todos os partidos, para lavratura de parecer a seguir distribuído entre os parlamentares. Imediatamente incluída na ordem do dia, tornar-se-á objeto de discussão. Cinco representantes de cada partido terão direito à palavra durante uma hora, ressalvada ao relator a prerrogativa de responder a cada um.
Concluída a discussão sobre procedência ou improcedência da denúncia, passar-se-á à votação. Acolhida a acusação, o presidente da República será suspenso do exercício das funções até o julgamento pelo Senado em caso de crime de responsabilidade, ou pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na hipótese de crime comum.
A esta altura o leitor terá notado que, observados o devido processo legal e o amplo direito de defesa, o caso é mais complicado do que imaginam os arautos do impeachment. A tramitação na Câmara enfrentará aguerrida obstrução da numerosa bancada do PT e de partidos da base governista. Durante todo o tempo, militantes petistas, sindicalistas da CUT e das demais centrais, brigadistas do MST e semelhantes não se conservarão indiferentes. Usufruindo as garantias constitucionais de ir e vir e de livre manifestação, camisetas vermelhas invadirão praças e avenidas com a violência fácil de imaginar.
Mesmo inimigos da presidente Dilma Rousseff não podem, todavia, recusar-lhe a legitimidade obtida com milhões de votos, dados por eleitores cientes do mensalão e da Operação Lava Jato.
Impedi-la de prosseguir no exercício do mandato é remédio previsto pela Constituição e em lei. Para que a deposição seja insuspeita, ambas devem ser rigorosamente observadas. Registre-se que, conquanto o processo tramite pela Câmara, a decisão caberá ao Senado sob a direção do presidente do Supremo Tribunal Federal, e que eventual decreto condenatório exigirá dois terços dos votos.
Equivoca-se o PSDB se acredita no impeachment como instrumento apto a resolver-lhe antigos problemas de divisão e escassez de popularidade. Derrotado em quatro eleições presidenciais sucessivas, os tucanos aparentemente nada aprenderam, e se recusam a investigar, no interior do partido, as determinantes de repetidos insucessos. Algumas delas residem na ausência de coesão, carência de lideranças fortes e falta de combatividade.
Abalado por graves casos de corrupção em que se encontram envolvidos alguns dos seus principais dirigentes, o PT, por sua vez, dá nítida impressão de estar em queda livre. Permanece, contudo, no poder e ali continuará se a oposição continuar sem líder, sem rumo, sem popularidade.
A cidade de São Paulo é a vitrine da administração petista. Jamais os paulistanos haviam padecido tanto nas mãos de prefeito autoritário, arrogante e senhor da verdade como o atual alcaide. Pergunto, entretanto: de quem o PSDB dispõe para derrotá-lo?
Há mais de 20 anos à frente do governo estadual, o PSDB encontra-se alijado da administração paulistana e de importantes cidades como Campinas, São Bernardo do Campo, Santo André, São Caetano, Osasco, Guarulhos e Ribeirão Preto. Temos entre deputados federais e estaduais, ou secretários de Estado, nomes convincentes para disputar a administração desses e de outros importantes municípios, com seguras possibilidades de vitória?
A crise, a bem da verdade, não se restringe às hostes tucanas. O PT, conforme insistentes notícias, cogita de recorrer a Luiz Inácio Lula da Silva em 2018, pois candidatos em potencial cumprem pena, estão na mira da Justiça Federal ou se acham desacreditados.
Antes de pensar em impeachment, ou de se dividir entre Aécio e Alckmin, o PSDB deveria empenhar-se em algo que até hoje não fez: ascender à condição de partido nacional forte e abrir espaço para renovadas e dinâmicas lideranças.

Petrobras: doze anos de desmantelamento - Editorial Estadao

A Petrobrás rebaixada
Editorial O Estado de S. Paulo, 26/02/2015

Saqueada, processada e desvalorizada nos mercados, a Petrobrás foi humilhada mais uma vez ao ser rebaixada ao grau especulativo, reservado aos pagadores duvidosos, pela agência Moody's de classificação de risco. Pouco antes do anúncio do rebaixamento, baderneiros do PT se exibiram em arruaça no Rio de Janeiro num ato "em defesa" da estatal, com pancadaria e discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foi um prelúdio perfeito para a notícia divulgada logo depois do fechamento da Bolsa de Valores. Defesa contra quem? A manifestação ocorreu como se nenhuma relação existisse entre a longa gestão petista, o loteamento de cargos, a indicação de malandros para altas posições na empresa e a pilhagem revelada pela Operação Lava Jato. No dia seguinte, as ações da companhia caíram de novo, mas a esse espetáculo os investidores do mercado de capitais já estão acostumados. Novidade, mesmo, foi a extensão do rebaixamento informado na véspera: num único movimento, a empresa caiu duas posições na escala da avaliação de riscos.
O tamanho dos danos causados pelo saque prolongado e pela interferência política na gestão da empresa - hoje uma das mais endividadas do mundo - só será divulgado oficialmente quando estiver pronto o balanço do terceiro trimestre do ano passado. Uma primeira estimativa indicou uma diferença de R$ 88 bilhões, para mais, na avaliação dos ativos. Mas essa avaliação, considerada insegura, nem sequer foi incluída no arremedo de balanço apresentado em janeiro e nunca publicado oficialmente.
A dimensão do estrago pode ser desconhecida, neste momento, mas nenhuma dúvida existe quanto a alguns pontos: as perdas são enormes, a capacidade de investimento foi muito reduzida nos últimos anos e as condições financeiras da empresa são precárias. Por isso mesmo, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ofereceu à Moody's uma "carta de conforto", isto é, uma garantia de ajuda à Petrobrás, se necessária. A agência recusou o acordo.
As explicações para o rebaixamento da empresa vieram sem nenhuma surpresa. A agência mencionou a preocupação com os resultados da Operação Lava Jato, as dificuldades de caixa da Petrobrás e as prováveis consequências de um novo atraso na publicação de um balanço auditado. Se o atraso ocorrer, credores poderão antecipar cobranças de bilhões e até sujeitar a empresa a uma declaração de calote técnico, a impossibilidade de cumprir uma obrigação num prazo determinado.
Duas das maiores agências de classificação, a Standard & Poor's e a Fitch, ainda atribuem à Petrobrás o grau de investimento, conferido aos pagadores considerados seguros. Mas é difícil de dizer por quanto tempo manterão essa avaliação. O rebaixamento por uma das três maiores agências classificadoras já é um sinal ruim para o mercado. A empresa rebaixada já é muito endividada, sua situação é sabidamente difícil e a extensão real de seus problemas ainda é desconhecida.
Mas os problemas da Petrobrás são muito especiais, porque vão muito além da empresa, ainda classificada como a maior do Brasil. Suas dificuldades para investir e até para operar normalmente já afetam muitas outras companhias. Economistas do setor financeiro têm procurado estimar o impacto desses problemas no crescimento econômico do País.
Qualquer socorro à Petrobrás com recursos do Tesouro afetará a saúde das contas públicas e tornará mais difícil o ajuste programado pela equipe econômica. Mesmo sem esse fator, o resultado fiscal prometido para o ano já é qualificado como duvidoso por vários especialistas. A promessa é obter um superávit primário - dinheiro para pagamento de juros - equivalente a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Se o Tesouro socorrer a Petrobrás, o governo assumirá o risco de um rebaixamento da nota de crédito soberano, advertiu na semana passada o analista Mauro Leos, vice-presidente da Moody's.
O rebaixamento da Petrobrás é só mais uma consequência dos desmandos e malfeitos cometidos durante a longa gestão petista. A extensão dessas consequências ainda será verificada nos próximos meses.

Mercosul, doze anos de desmantelamento - Celso Ming (Estadao)

MERCOSUL
Pobre Mercosul 
Celso Ming
O Estado de S. Paulo, 26/02/2015

No dia 4 de fevereiro, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, fechou com a China um pacote de acordos que envolvem negócios de mais de US$ 20 bilhões, a maioria na área de investimentos.
A China se comprometeu a construir hidrelétricas, projetos de infraestrutura, telecomunicações e tecnologia aeroespacial. Além de financiamentos de longo prazo, está previsto fornecimento de equipamento produzido na China com isenção alfandegária e emprego de mão de obra chinesa.
São acordos que contrariam frontalmente os tratados do Mercosul na medida em que dão prioridade aos produtos chineses sobre os provenientes dos sócios do Mercosul.
Há uma semana, o diário El Clarim, de Buenos Aires, citou uma anônima autoridade do governo que justificou mais esse atropelamento dos tratados e a crescente prioridade dada a produtos chineses com a alegação de que a Argentina não está obrigada a pagar bem mais caro por produtos brasileiros.
O problema, obviamente, não está no preço, que a China põe onde quer, desde que obtenha as contrapartidas de seu interesse. O problema está em que os produtos brasileiros seguem sujeitos a travas e a licenças prévias de importação, não importando seu preço, enquanto os da China vêm tendo porteira aberta.
A justificativa é a de que a crise cambial não deixa outra saída à Argentina. Enquanto isso, o governo Dilma vem tolerando passivamente os desaforos comerciais, sob o argumento de que não pode abandonar os hermanos numa hora difícil. A principal vítima é o Mercosul, que se apresenta como uma união aduaneira, o segundo estágio de integração entre Estados nacionais. (O primeiro é a definição de uma área de livre-comércio, em que mercadorias e serviços podem circular livremente, sem restrições e impostos alfandegários.) Além de intercâmbio comercial livre entre membros do grupo, uma união aduaneira exige unificação das políticas de comércio e tratamento comum a produtos provenientes de países de fora do bloco. Daí a existência de uma TEC, a Tarifa Externa Comum, que unifica as alíquotas do Imposto de Importação.
O Mercosul não conseguiu completar nem o primeiro estágio, o de área de livre-comércio. Por imposição da Argentina, o comércio bilateral está repleto de restrições, embargos e licenças prévias. Mesmo antes de atravessar a atual penúria de dólares, a Argentina já vinha perfurando sistematicamente a TEC.
A Argentina também não aguenta a concorrência externa. Por isso vem sabotando as negociações de um acordo comercial com a União Europeia. Porque entende que a união aduaneira está em vigor e, com ela, o tratamento comum do comércio exterior, o Brasil vem tolerando o desmanche do Mercosul pela Argentina. Não está nem um pouco claro o tratamento que o governo Dilma pretende dar agora a este cada vez mais desmoralizado bloco.
O gráfico mostra como evoluem as importações da Argentina tanto do Brasil quanto da China. A fonte é a própria Argentina. Mostra o crescimento da importância do produto chinês e a forte redução de importância do produto.

Brasil "vs" Indonesia: duas medidas e nenhum peso - Editorial Estadao

Diplomacia da picuinha
Editorial O Estado de S. Paulo, 26/02/2015

A presidente Dilma Rousseff parece mesmo ter tomado como ofensa pessoal a soberana decisão do Judiciário da Indonésia de executar brasileiros condenados por tráfico de drogas. Sem conseguir entender seu papel como chefe de Estado nem o efeito de suas atitudes destrambelhadas para a imagem do Brasil no exterior, Dilma preferiu o caminho da picuinha para lidar com o governo indonésio. Somente isso explica o constrangimento público a que a presidente submeteu o novo embaixador da Indonésia, ao despachá-lo do Palácio do Planalto sem receber suas credenciais. Gestos como esse mostram que a diplomacia brasileira não atingiu o atual estado lamentável por acidente ou em razão de contingências econômicas, mas por ação deliberada de Dilma.
Na sexta-feira passada, a presidente da República deveria receber as credenciais do embaixador Toto Riyanto, entre outros embaixadores. Essa cerimônia oficializa o início do trabalho do representante diplomático no País. Não é, portanto, um ato qualquer, pois, enquanto o embaixador não entrega as credenciais, ele exerce suas funções em caráter provisório e não pode firmar acordos. Por essa razão, a entrega das credenciais é solene, manifestando a aceitação de boas relações entre os países.
Riyanto seria o primeiro embaixador a entregar as credenciais a Dilma naquele dia. Ele já estava na cerimônia quando foi informado de que a presidente não o receberia. Foi retirado pela entrada lateral do palácio, enquanto os demais embaixadores cumpriram a formalidade normalmente.
Riyanto poderia ter sido avisado com antecedência sobre a decisão de Dilma de não receber as credenciais. Essa providência não teria diminuído a descortesia da presidente, mas ao menos tiraria do episódio a sensação de molecagem, que não se coaduna com as tradições da diplomacia brasileira. A resposta da Indonésia foi à altura da ofensa: chamou de volta seu embaixador, entregou ao embaixador brasileiro em Jacarta uma nota de protesto e qualificou a atitude de Dilma como “hostil” e “inaceitável”.
Dilma está levando longe demais seu engajamento no caso dos dois brasileiros condenados à morte na Indonésia. Nunca é demais lembrar que ambos foram sentenciados porque eram traficantes de drogas. Um deles, Marcos Archer, foi executado no mês passado. Ele havia entrado no país, em 2003, com nada menos que 13 quilos de cocaína. Não é algo trivial - e as leis indonésias são claríssimas a respeito. Mesmo assim, logo depois que Archer foi fuzilado, Dilma, que pedira clemência, chamou o embaixador brasileiro em Jacarta para consultas - uma reação muito dura no mundo da diplomacia - e disse que a relação com a Indonésia estava “gravemente” afetada.
A presidente perdeu a noção de que seu papel nesse caso era o de apenas pedir clemência e respeitar a decisão soberana dos indonésios. O exagero se repete agora, com o caso de outro brasileiro que está no corredor da morte na Indonésia pelo mesmo crime, Rodrigo Gularte. Dilma mobilizou o Itamaraty para interferir no processo e adotou a patética decisão de não receber as credenciais do novo embaixador.
A presidente tentou se explicar: “Nós achamos importante que haja uma evolução na situação para que a gente tenha clareza em que condições estão as relações da Indonésia com o Brasil”. Traduzindo: se a Indonésia resolver cumprir suas leis e executar o outro brasileiro, há grande chance de que as relações entre os dois países caminhem para a ruptura.
Tudo indica que Dilma resolveu usar a Indonésia - um país distante, com participação pífia na balança comercial do Brasil - para exibir o que supõe ser a firmeza na defesa dos interesses brasileiros no exterior. Enquanto isso, e em meio ao brutal sucateamento do Itamaraty, assuntos mais urgentes que o destino de um traficante de drogas - como a violação sistemática de direitos humanos e a ruptura da normalidade democrática na Venezuela, que deveriam resultar em punição no âmbito do Mercosul, do qual o Brasil é o atual presidente - recebem de Dilma apenas seu mais profundo silêncio.

China e America Latina: reprisando a historia do imperialismo de cem anos atras? - InterAmerican Dialogue

O IAD tem um programa de estudos e pesquisas sobre as relações da China com a América Latina, do qual sairam as informações abaixo sobre o investimento direto chinês e empréstimos financeiros na e para a AL, desde 2005. Os países que mais se beneficiaram foram certos bolivarianos (por causa do petróleo) e o Brasil, por causa de várias coisas...
Parece que a China está seguindo o caminho já seguido por europeus e americanos um século atrás.
E tem gente que ainda acha que "this time is different"...
Paulo Roberto de Almeida

CHINA AND LATIN AMERICA FINANCE DATABASE: CHINESE FINANCE TO LAC STILL SURGING, DESPITE ECONOMIC SLOWDOWN
 InterAmerican Dialogue - China & Latin America Program
Washington, DC, February 24, 2015

Just updated to include data from 2014, the Inter-American Dialogue’s China-Latin America Finance Database is the only publicly available source of empirical data on Chinese finance in Latin America and the Caribbean (LAC). The database features upwards of $119 billion in Chinese loan commitments to LAC nations since 2005.

Key findings on China’s 2014 lending to the region include the following:

-          2014 was the second highest year on record for Chinese finance in Latin America, with loans to the region topping $22 billion. Many of these loans were announced during President Xi Jinping’s July 2014 trip to Latin America.

-          Chinese finance to Latin America in 2014 was more than that of the World Bank and the Inter-American Development Bank combined.

-          Chinese loans in 2014 were given exclusively to Venezuela, Ecuador, Brazil, and Argentina. China continues to be an increasing source of finance for those countries in the region with weaker access to global capital markets.

-          Countries in the region with higher levels of perceived risk receive finance from China far in excess of their share of the region’s total GDP. Venezuela received $56.3 billion since 2007, or approximately 47 percent of China’s total finance in the region. Another 43 percent of Chinese finance to Latin America goes to Argentina, Brazil, and Ecuador.

-          Chinese banks continue to focus on LAC’s extractive and infrastructure sectors. From 2005 to the present, Chinese policy banks financed $49.9 billion in infrastructure projects. Energy projects accounted for $32.9 billion of overall Chinese finance in LAC.

-          Most of China’s overseas lending is issued by the China Development Bank ($83 billion since 2005) and China Export-Import Bank ($20.9 billion). Both were created as “policy banks” to support the Chinese government’s policy objectives. CDB generally offers higher rates than its international counterparts. China Ex-Im Bank rates are slightly lower than those of the US Ex-Im Bank.

The China-Latin America Finance Database is a product of collaboration between the Inter-American Dialogue and the Global Economic Governance Initiative (GEGI) at Boston University. The leading US center for policy analysis and debate on Western Hemisphere affairs, the Inter-American Dialogue is supported by private foundations, international organizations, governments, corporations and individual donors.

A ideia do interesse nacional: onde estamos? - Paulo Roberto de Almeida (Mundorama)

Artigo recente, hoje publicado no boletim Mundorama:

A ideia do interesse nacional: onde estamos?

por Paulo Roberto de Almeida

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The Idea of National Interest é o título de um livro que o historiador americano Charles Beard publicou em 1934, em plena crise econômica dos Estados Unidos e no início do New Deal, programa de recuperação impulsionado pelo presidente Roosevelt. O livro, porém, não é conjuntural; ele não trata exclusivamente da realidade imediata do país, e sim faz uma reflexão histórica de longo prazo sobre a construção do projeto nacional pela vertente das relações exteriores. O subtítulo do livro é An Analytical Study in American Foreign Policy, e o primeiro capítulo trata dos “pivôs da diplomacia”, analisando, nos demais capítulos, a expansão territorial da nação, o seu crescimento econômico e comercial, ademais do impacto externo dos assuntos internos; o apêndice traz um balanço dos interesses americanos no exterior (capitais e investimentos diretos), embora a edição que consultei, publicada em 1966 por seu filho e por um assistente de pesquisa, procedeu a alguns cortes nas estatísticas da edição original e fez atualizações sobre os dados que Beard havia consolidado até o final dos anos 1920.
Beard foi o único acadêmico americano a ter exercido a presidência de duas associações profissionais diferentes: a American Historical Association e a American Political Science Association. Ele abre o seu livro citando um discurso do Secretário de Estado Charles Hughes, que trabalhou sob os presidentes Harding e Coolidge na primeira metade dos anos 1920, e que se pronunciou sobre o interesse nacional na política externa nestes termos: “As políticas externas não são elaboradas sobre a base de abstrações. Elas são o resultado de concepções práticas do interesse nacional que emergem a partir de alguns requerimentos imediatos ou de fundamentos essenciais, em perspectiva histórica. Quando mantidas por bastante tempo, essas concepções expressam as esperanças e os temores, os objetivos de segurança e de engrandecimento, que se tornaram dominantes na consciência nacional, transcendendo, assim, divisões partidárias e fazendo com que se atenuem as oposições que poderiam advir de certos grupos” (discurso na Filadélfia, em 30/11/1923). Beard analisa então todas as facetas do interesse nacional americano em sua expressão diplomática e nas relações com o ambiente doméstico, sobretudo em sua dimensão econômica.
É bem possível que seus argumentos, e o seu próprio livro, tenham inspirado o célebre cientista político germano-americano Hans Morgenthau – autor do clássico Politics Among Nations, publicado em 1948, o mesmo ano da morte de Charles Beard – a elaborar um outro livro, chamado justamente In Defense of the National Interest (1951), seguido, no ano seguinte, de um artigo sobre o mesmo tema: “What Is the National Interest of the United States?” (The Annals of the American Academy of Political and Social Science, vol. 282, julho de 1952, p. 1-7). Morgenthau também serviu como consultor do Departamento de Estado no começo da Guerra Fria, quando um diplomata, também célebre, George Kennan, dirigia ali a divisão de planejamento político, o Policy Planning Staff, que trabalhou no Plano Marshall e na formulação das principais medidas da então nascente doutrina da contenção. O próprio Kennan, aliás, não cessava de alertar seus chefes quanto às fragilidades que poderiam emergir do ponto de vista do interesse nacional americano a partir da erosão da posição competitiva dos Estados Unidos no mundo e do aprofundamento dos déficits no balanço de pagamentos; ele expressou suas preocupações, entre outros escritos, no livro Realities of American Foreign Policy, publicado em 1954.
O livro de Morgenthau sobre o interesse nacional americano foi republicado em 1982, e talvez tenha animado o já então famoso jornalista Irving Kristol a dar início, em 1985, à revista The National Interest, apoiada nos mesmos princípios da escola realista, que está identificada com a expressão política, econômica e militar do poder americano em escala global, mas cujos fundamentos devem sempre ser construídos internamente. Pode ser também que a mesma revista e sua ideia central tenham inspirado o embaixador Rubens Barbosa a lançar, em 2008, a revista Interesse Nacional, fundada em concepções similares sobre as bases internas da expressão internacional do Brasil. Qual seria, então, o interesse nacional brasileiro, e que tipo de políticas e orientações econômicas melhor serviriam à sua defesa e consolidação? Difícil dizer, já que existem concepções muito diversas do que seja o interesse nacional, como já dizia o próprio Beard em 1934.
O editor da revista brasileira se encarrega, aliás, de expressar tal dificuldade em nota de apresentação: “Sendo necessariamente genérica, a noção de interesse nacional não tem uma definição precisa. De um lado, porque, sobre o que seja concreta e especificamente o interesse nacional, haverá sempre visões não coincidentes, apoiadas em valores e/ou interesses diferentes. De outro, porque a definição do interesse nacional requer um juízo informado, mas sempre político e não estritamente técnico, sobre riscos e oportunidades que se apresentam à realização dos valores e interesses de um país em cenários estratégicos de longo prazo. E estes serão, sempre, objeto de incerteza e controvérsia”. Mas o editorial acrescenta logo em seguida: “O interesse nacional é, pois, uma construção política”, o que pode ser uma constatação óbvia, mas que não nos ajuda muito na busca por uma definição mais precisa sobre qual seria o interesse nacional brasileiro.
Conceda-se, pois, que diferentes grupos políticos, e diferentes agregações de poder, representados pelas forças políticas temporariamente predominantes no sistema de governança, manifestem concepções diversas do chamado interesse nacional, e que eles defendam, portanto, suas orientações particulares, ou setoriais, com base numa legitimidade supostamente construída nas urnas, a cada escrutínio eleitoral. Esta é uma suposição arriscada, e provavelmente falsa, pois os eleitores não possuem, geralmente, no momento do voto, um grau suficiente de informação sobre os programas, ou sobre as consequências de determinadas políticas do ponto de vista de seus interesses imediatos e os de mais longo prazo, e menos ainda do ponto de vista dos interesses da nação.
Na impossibilidade de se chegar a uma definição consensual de quais seriam as expressões efetivas do interesse nacional, talvez seja o caso de investigar numa outra direção, ou seja, identificar aquelas políticas e orientações que se opõem, ou que podem contrariar, o interesse nacional. Nesse caso, é melhor trabalhar com exemplos concretos do que com definições abstratas, como afirmava em 1923 o secretário de Estado Charles Hughes, em pronunciamento recuperado pelo historiador Charles Beard uma década depois. E quais seriam, no nosso caso, os exemplos contrários ao interesse nacional que podem ser identificados numa perspectiva mais imediata ou de mais longo prazo, que podem ser prejudiciais ao nosso desenvolvimento e ao “engrandecimento” do país? Mas mesmo para identificar essas ações contrárias, seja no plano interno, seja no âmbito internacional, é preciso ter balizas mínimas sobre o que o país pretende ser como nação e como sociedade. É preciso saber o que se quer, para rejeitar o que não serve a tal fim.
O editorial da revista Interesse Nacional nos fornece, mais uma vez, alguns dos parâmetros que podem ser aplicados ao caso: “A democracia e a inserção internacional são parte do interesse nacional brasileiro, aquela como valor, esta como objetivo. Se a democracia é um valor que queremos preservar, e se a inserção internacional é hoje, mais do que nunca, uma condição do desenvolvimento, resta perguntar como se inserir no mundo para fortalecer a democracia e promover o desenvolvimento” (nota editorial de Interesse Nacional, loc. cit.). A pergunta traz, portanto, um começo de resposta.
Se concordarmos com essa “plataforma”, democracia e inserção internacional passam a ser as palavras chave do interesse nacional brasileiro. Então, qualquer ação nacional que vise a diminuir as bases da democracia representativa, que constitui a forma atual da governança política no Brasil, seria contrária e prejudicial ao interesse nacional brasileiro; como, por exemplo, um famoso decreto “bolivariano” que pretende instituir a intermediação de “conselhos populares” na definição e aprovação de políticas públicas, quando sabemos que eles constituem uma emanação de tipo bolchevique – e por isso mesmo foram chamados de “sovietes” – do partido gramsciano que tem a clara intenção de se eternizar no poder. No plano externo, o apoio acintoso a regimes pouco democráticos, ou ditatoriais de fato (e de direito), diminui a credibilidade de nossa política externa, ao nos identificar com sistemas políticos já devidamente denunciados em protocolos instituindo “cláusulas democráticas” a que aderimos voluntariamente, e por força de nossa adesão (inclusive constitucional) aos valores da democracia.
Da mesma forma, qualquer política ou medida que obstaculize a integração da economia nacional aos circuitos internacionais da interdependência econômica pode ser considerada como contrária ao interesse nacional, na medida em que diminui nossa capacidade de absorção de know-how e de tecnologias de ponta que são essenciais ao processo de desenvolvimento do país. O protecionismo comercial não é apenas estúpido no plano estritamente econômico; ele é também profundamente reacionário, no sentido marxista da expressão, já que pretende “fazer rodar para trás a roda da História”, como dito no Manifesto de 1848. Com efeito, ele representaria uma volta a um regime de autarquia econômica que estava na base da economia hitlerista – bastante admirada por militares brasileiros, naquela época e depois – e seria uma espécie de “stalinismo para os ricos”, um projeto de “capitalismo num só país” que talvez ainda encante alguns arautos da burguesia industrial tupiniquim e seus representantes acadêmicos.
Mais ainda, e com especial impacto na imagem e na confiabilidade do país no plano internacional, ao aderir a essas medidas de duvidosa eficácia competitiva – ao contrário, elas diminuem nossa capacidade de competir internacionalmente – o país não apenas deixa de cumprir obrigações contraídas ao abrigo do sistema multilateral de comércio, como também se mostra conivente com sócios do mesmo esquema regional de integração, o Mercosul, que reincidem nas mesmas transgressões, e aqui não só contra os próprios interesses comerciais do Brasil e contra regras do bloco comercial, mas igualmente contrárias às normas do Gatt, de seus protocolos setoriais e de acordos emanados da Rodada Uruguai de negociações comerciais. É, sob todos os aspectos, uma péssima demonstração de inadimplência no tocante ao respeito a princípios do direito internacional e, mais uma vez, de ação contrária ao interesse nacional.
Democracia e inserção internacional vêm sendo, assim, afastados de nosso horizonte de realizações históricas, em nome de uma concepção de política interna e de política externa que rompem com consensos nacionais laboriosamente mantidos ao longo de um itinerário diplomático de quase dois séculos de existência efetiva. Esses desvios de conduta – que representam, na verdade, concepções que não transcendem, ao contrário, alimentam as “divisões partidárias”, como a elas se referia o secretário de Estado Charles Hughes – se revelam não apenas em relação à substância mesma das políticas seguidas, mas igualmente no tocante ao próprio instrumento diplomático, ou seja, a ferramenta da política externa, que é o seu serviço exterior.
Charles Beard, no capítulo de seu livro dedicado à “interpretation, advancement, and enforcement of national interest”, dizia que “By far the most important means used to advance and enforce national interest is the ‘system’, or institution, of diplomacy” (p. 341). Ele se referia, exatamente, à administração e ao funcionamento das atividades diplomáticas, bem como à “multitude of services performed by diplomatic agents in behalf of the citizens” (p. 347), ou seja, a cobertura que um país é capaz de dar aos seus cidadãos e às empresas nacionais presentes nos mais diversos cantos do mundo. Nesse particular, a ferramenta da política externa brasileira tem custado muito pouco à nação durante a maior parte de sua história: menos de 1% do orçamento da União (que parece ter passado a menos de 0,5% atualmente). Ver essa dotação ainda mais diminuída, em detrimento da boa qualidade, do funcionamento e, sobretudo, da respeitabilidade desse instrumento, é a pior forma de promover o dito interesse nacional.
Os bolcheviques costumavam repetir, em seus tempos de hegemonia absoluta, e para justificar os incontáveis crimes cometidos contra os direitos humanos, a conhecida frase que pretende que “não se faz omelete sem quebrar os ovos”, querendo significar que sacrifícios são necessários para obter resultados em algum objetivo qualquer. Pode ser que seja verdade, mas no caso que nos é próximo, nem ovos, nem omelete parecem ter resultado dos sacrifícios impostos ao instrumento diplomático nacional. Não se pode, com efeito, fazer diplomacia, sem um mínimo de gastos com representação: o interesse nacional, nesse caso, vem sendo atingido em sua dignidade pelos seguidos exemplos de inadimplência no cumprimento de suas obrigações, da mesma forma como, no passado, se decretava “moratórias soberanas” sobre os compromissos financeiros externos. A insolvência pode até ter deixado de ser financeira, mas ela passou a ser de ordem moral.
Paulo Roberto de Almeida é diplomata e professor do Centro Universitário de Brasília – Uniceub (@pauloalmeida53).

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Adolf Hitler e o seu Mein Kampf: o que George Orwell disse a respeito? - Ishaan Tharoor (WP)

What George Orwell said about Hitler’s ‘Mein Kampf’

The Washington Post, February 25 at 12:20 PM
As my colleague Anthony Faiola reported this week, Adolf Hitler's "Mein Kampf" is expected to be reissued in Germany for the first time since the end of World War II. Although widely available elsewhere in the world, the book — Hitler's testament and what's considered the founding text of Nazism — was never reprinted in postwar Germany.
Its planned reissue in Germany, The Post notes, will come in the form of a 2,000-page academic tome that supplements Hitler's own text with sharp commentary and criticism. The new version offers "a useful way of communicating historical education and enlightenment," says one of the scholars behind the project. "A publication with the appropriate comments, exactly to prevent these traumatic events from ever happening again."
[Read: ‘Mein Kampf’: A historical tool, or Hitler’s voice from beyond the grave?]
There was a time, though, when "Mein Kampf" was not just the repugnant treatise of the 20th century's greatest villain. More than seven decades ago, Hitler and the message of Nazism had great traction, and it required clear-eyed thinkers to cut through its seductions.
George Orwell's 1940 review of an English edition of the book is as important now as it would have been then. (You can read a digitized version of the piece, which appeared in the New English Weeklyhere.) That's not because he's uniquely right about the threat of Hitler — at this point, World War II was already in full swing. But the celebrated British man of letters has a special lens into the dangers and allure of fascism.
Orwell offers this withering assessment of Hitler's ambitions:
What [Hitler] envisages, a hundred years hence, is a continuous state of 250 million Germans with plenty of “living room” (i.e. stretching to Afghanistan or thereabouts), a horrible brainless empire in which, essentially, nothing ever happens except the training of young men for war and the endless breeding of fresh cannon-fodder. How was it that he was able to put this monstrous vision across?
It's not sufficient to answer that last question just by looking at the political and economic forces that buoyed Hitler's rise, Orwell contends. Rather, one has to grapple with the inescapable fact that "there is something deeply appealing about him."
Hitler, Orwell writes, "knows that human beings don’t only want comfort, safety, short working-hours, hygiene... they also, at least intermittently, want struggle and self-sacrifice, not to mention drums, flags and loyalty-parades."
For good reason, the Atlantic's Graeme Wood quoted this same piece in his lengthy meditation on the worldview of the militants of the Islamic State. The militarist pageantry of fascism, and the sense of purpose it gives its adherents, echoes in the messianic call of the jihadists.
Wood cites this passage in Orwell's review: "Whereas Socialism, and even capitalism in a more grudging way, have said to people 'I offer you a good time,' Hitler has said to them, 'I offer you struggle, danger, and death,' and as a result a whole nation flings itself at his feet."
But, in my view, the most poignant section of Orwell's article dwells less on the underpinnings of Nazism and more on Hitler's dictatorial style. Orwell gazes at the portrait of Hitler published in the edition he's reviewing:
It is a pathetic, dog-like face, the face of a man suffering under intolerable wrongs. In a rather more manly way it reproduces the expression of innumerable pictures of Christ crucified, and there is little doubt that that is how Hitler sees himself. The initial, personal cause of his grievance against the universe can only be guessed at; but at any rate the grievance is here. He is the martyr, the victim, Prometheus chained to the rock, the self-sacrificing hero who fights single-handed against impossible odds. If he were killing a mouse he would know how to make it seem like a dragon. One feels, as with Napoleon, that he is fighting against destiny, that he can’t win, and yet that he somehow deserves to.
Hitler projected this image — of a self-sacrificing hero, wounded by the universe — and went on to unleash horrors on the world. But the narcissism of a "martyr" and the penchant to make dragons out of mice, as Orwell puts it, can be found in demagogues of all political stripes. It's worth keeping these words in mind when watching the spectacle of our contemporary politics.
Related links
Ishaan Tharoor writes about foreign affairs for The Washington Post. He previously was a senior editor at TIME, based first in Hong Kong and later in New York.

Educacao brasileira: 12 mitos desmontados por Gustavo Ioschpe

Material do ano passado, mas ainda plenamente válido.
Acesse a postagem interativa, neste link: http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/gustavo-ioschpe-derruba-12-mitos-da-educacao-brasileira
Paulo Roberto de Almeida

Veja.com, 26/07/2014 - 09:22

Entrevista: Gustavo Ioschpe

Gustavo Ioschpe derruba 12 mitos da educação brasileira

Professor ganha pouco, universidade pública deve ser gratuita... O economista desconstrói versões predominantes sobre a realidade e os desafios do ensino nacional. Leia também: trecho inédito do novo livro do colunista de VEJA

Bianca Bibiano
Gustavo Ioschpe: "No dia em que a má qualidade do ensino tirar votos, teremos uma mudança verdadeira no país."
Gustavo Ioschpe: "No dia em que a má qualidade do ensino tirar votos, teremos uma mudança verdadeira no país." (Heitor Feitosa/VEJA.com/VEJA.com)
No início de 2013, Israel Lelis (PP), prefeito de Ibipeba, cidade de 17.000 habitantes no interior da Bahia, teve uma atitude bastante incomum: deu a todos os 200 professores da rede municipal de ensino local um exemplar do livro O Que o Brasil Quer Ser Quando Crescer?", de Gustavo Ioschpe, economista e colunista de VEJA. "Pensamos que era uma piada de mau gosto", conta Cleide Lelis, secretária de Educação da cidade. "Os professores que não conheciam o autor acharam que se tratava de um pseudônimo criado pelo prefeito para criticar nosso trabalho." Esclarecida a situação, os docentes organizaram um evento para discutir os artigos do livro, publicados originalmente em VEJA. "Os textos falam do que ninguém quer ouvir e fazem questionamentos que enriqueceram o debate sobre o que fazer para melhorar a qualidade da educação", diz a secretária.
Divulgação/ Ed. Objetiva
O que o Brasil quer ser quando crescer?
O Que o Brasil Quer Ser Quando Crescer? (Editora Objetiva; 254 páginas; 36,90 reais)
Sim, falar de temas espinhosos, questionar versões consagradas e derrubar mitos sobre a educação brasileira (leia na lista abaixo) é uma especialidade de Ioschpe, de 37 anos. Apoiado em rigor metodológico e na análise minuciosa de pesquisas nacionais e internacionais, o economista desconstrói discursos que se tornaram predominantes entre professores, pais, políticos e quase toda a sociedade para explicar a funesta situação do ensino nacional e seus desafios. Ioschpe volta à carga em novo livro, uma edição ampliada de "O Que o Brasil Quer Ser Quando Crescer?", que chega às livrarias no dia 1º de agosto e reúne 40 artigos publicados em VEJA entre 2006 e 2013. Os textos tratam de questões como financiamento da educação, participação dos pais e propostas de melhoria do ensino. O volume traz ainda um extenso material produzido após uma viagem do autor à China, em 2011, para investigar as causas do recente e acelerado avanço da educação no país asiático. Parte da apuração foi publicada à época em VEJA, mas parte permanecia inédita até agora (leia capítulo na íntegra).

Leia mais:
Capítulo inédito do novo livro: "A educação que constrói uma potência"

A viagem de Gustavo Ioschpe à China
A bagagem que permite ao economista fazer afirmações incisivas, que destoam da maioria — como a de que o Brasil não gasta pouco em educação e de que os professores não ganham mal —, foi acumulada ao longo de mais de 15 anos de pesquisas. "Eu não escrevo para mostrar minha opinião. Escrevo como pesquisador, apoiado em literatura empírica", diz Ioschpe. O gaúcho de Porto Alegre começou a escrever quando cursava o ensino médio e se preparava para o vestibular. "Sempre gostei de escrever e resolvi fazer um livro com dicas para vestibulandos que, assim como eu, precisavam aguentar a pressão dos exames." A repercussão do livro rendeu um convite para se tornar colunista do jornal Folha de S.Paulo, em 1996. No mesmo ano, foi aprovado na Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, onde estudou administração, economia e ciências políticas.
O interesse pela educação brasileira nasceu com a repercussão de um artigo que defendia a cobrança de mensalidade nas universidades públicas. "Foi a primeira vez que recebi uma resposta agressiva dos leitores", diz. Para compreender o que causava tantas queixas, decidiu aprofundar a discussão em uma pesquisa científica. O resultado do trabalho ganhou forma em sua tese de graduação e foi aprofundado no curso de mestrado em desenvolvimento econômico na Universidade de Yale, onde ele mergulhou no estudo da economia da educação.
"Minha pesquisa me deixou chocado. Àquela altura, o Brasil ganhava visibilidade internacional com a promessa de um forte crescimento econômico, mas sofria com um problema seriíssimo de falta de capital humano, que atrapalhava o crescimento da nação e persiste até hoje. Para piorar, a discussão a respeito era irrelevante. O debate se resumia ao financiamento da educação e ao salário dos professores."
Com a "pretensão da juventude", como ele mesmo define, Ioschpe pensou que poderia mudar o eixo central do debate usando argumentos de sua tese de mestrado, publicada em 2002. "Eu queria mostrar que soluções comprovadamente eficazes para alavancar a aprendizagem, como cobrar diariamente o dever de casa, não envolviam recursos financeiros. Mas ninguém quer ouvir sobre soluções que deem mais trabalho aos professores. A educação nacional era e continua um desastre."
O receio de que o atraso educacional aniquilasse as chances de o Brasil se tornar um país desenvolvido motivou Ioschpe a seguir escrevendo — ele é colunista de VEJA desde 2006. "O maior elogio que posso receber é uma crítica pessoal. Se os comentários apontassem fraquezas nos dados que apresento, eu me importaria de verdade. Quando elas vem recheadas de xingamentos, vejo apenas que faltaram argumentos consistentes aos meus interlocutores." Com poucos interlocutores nessa seara dispostos a debater, o economista mirou outro alvo. "Antes, eu acreditava que poderia interferir no debate educacional mostrando que o problema é de má gestão e não de falta de recursos financeiros ou tecnológicos. Recentemente, concluí que discutir com esses grupos não adianta: a mudança só vai acontecer quando a população passar a cobrar melhorias."

Gustavo Ioschpe derruba 12 mitos da educação brasileira

Em entrevista, o economista comenta a situação e os desafios do ensino nacional

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"O Brasil investe pouco em educação"

“Se um médico prescreve um remédio para uma doença e ele não surte efeito, a primeira opção é aumentar a dosagem. Se o problema persistir, provavelmente o médico tentará outro medicamento. Quando o assunto é educação, a lógica segue o caminho oposto: a solução para todos os problemas é sempre aumentar a dosagem do que se considera o único remédio, ou seja, o dinheiro. Os defensores desse tratamento desconsideram o fato de que repasses de verba cada vez maiores já foram anunciados por programas como Fundef e Fundeb sem melhorar a qualidade da educação. Apesar disso, o Plano Nacional de Educação, recém-sancionado pela presidente Dilma Rousseff, prevê que, até 2024, 10% do PIB brasileiro deve ir para o setor. Segundo a Unesco, países como Finlândia, China, Irlanda e Coreia do Sul, que apresentam os melhores índices educacionais do mundo, gastam até 5,7% do PIB com educação. Em contraponto, nações como Quênia, Namíbia, Armênia e Mongólia despendem entre 7% e 12,9% do PIB no setor: mesmo assim, não conseguiram solucionar o problema da baixa qualidade do ensino.”