Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
quarta-feira, 4 de maio de 2016
O programa do PT: mais do mesmo e esquizofrenia pura - Paulo Roberto de Almeida
Debate político conceitual: esquerda, direita, progressistas, regressistas, etc. - Paulo Roberto de Almeida
terça-feira, 3 de maio de 2016
Critica aos 15 pontos sugeridos pelo PSDB ao novo governo - Paulo Roberto de Almeida
As instituicoes para o lulopetismo - Jose Matias-Pereira (OESP)
Mais um artigo da série (quem quiser ler outros, pode colocar o nome dele no meu blog).
Paulo Roberto de Almeida
As instituições para o lulopetismo
José Matias-Pereira
Estadão Noite – Segunda-feira, 2 de maio de 2016
Link: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,os-destaques-do-estadao-noite-desta-segunda-feira--2,10000048687
O Brasil, paralisado pela crise de governabilidade, iniciou nesta semana a contagem regressiva para o afastamento da presidente Dilma Rousseff do cargo, cuja votação no Senado deverá ocorrer no dia 11 próximo. A intensidade da crise de governabilidade chegou a tal ponto que, em decisão recente, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, suspendeu a liberação de crédito extraordinário de R$ 100 milhões, autorizado pela presidente Dilma por meio de Medida Provisória, para a comunicação e publicidade da Presidência da República. Na decisão, Gilmar Mendes apontou que a abertura do crédito para propaganda é desnecessária e só poderia ter ocorrido com o aval do Legislativo. Tendo como referência a relevância dessa decisão, que mostra a essencialidade de instituições sólidas, sem as quais a democracia não sobrevive, é que destaco os ensinamentos de Douglass North sobre as mesmas. As instituições, sustenta North, garantem regras que reduzem os custos de transação. Assim, a liberdade, a igualdade e a democracia só sobrevivem com base no poder controlado. A principal função das instituições, nesse sentido, é regular os limites da igualdade aos limites da liberdade. Liberdade e igualdade são preservadas como bens comuns na razão direta da eficiência das instituições.
Com o processo de transição do poder em curso, e os trabalhos da comissão do impeachment no Senado que vai decidir sobre a aceitação da denúncia contra a atual mandatária continuaram avançando, nesta segunda-feira (2/5), observa-se que a importância das agendas da presidente e de seu vice, se inverteram. No palácio do Planalto a “ainda” presidente Dilma fez apenas uma reunião fechada, na parte da manhã de hoje, com dois auxiliares próximos, sentido o gosto amargo da solidão do poder. Por sua vez, no palácio do Jaburu, o vice-presidente Michel Temer vem cumprindo uma longa agenda de reuniões, sondagens e articulações com políticos, empresários e assessores, na busca de montar a sua equipe de governo, com foco na economia, política fiscal, inflação, estancar a recessão e o aumento do desemprego, em síntese, restabelecer a confiança na economia. Esses esforços, conforme se constata nas declarações do vice-presidente e de seus assessores, estão sendo dificultadas pela atual mandatária.
É oportuno recordar que, a presidente Dilma esteve ontem em São Paulo, para participar do Dia Internacional do Trabalho, e de maneira específica, do 1º de Maio da CUT, evento esse que não contou com presença do ex-presidente Lula. Dilma anunciou naquela ocasião, diversas medidas, como por exemplo, o reajuste de 9% nos benefícios do programa Bolsa Família;correção de 5% da tabela do Imposto de Renda para o próximo ano; contratação de, no mínimo, 25 mil moradias do Programa Minha Casa, Minha Vida e a extensão da licença - paternidade de cinco para 20 dias aos funcionários públicos federais. Com o país vivenciando uma depressão econômica, que está afetando a todos, era previsível que os trabalhadores, notadamente os 11,1 milhões de desempregados, não teriam motivos para as comemorações do dia do trabalhador. Assim, a festa de comemoração do 1 de maio de 2016, ano em que se encerra o lulopetismo no Brasil, deverá entrar para a história como uma das mais triste dos últimos anos.
No seu discurso do 1º de Maio da CUT, além de insistir que é vítima de um "golpe" e de que não existe crime de responsabilidade contra ela para justificar o impeachment, Dilma também voltou a utilizar-se dos argumentos distorcidos veiculados na sua campanha eleitoral em 2014, ao acusar seus adversários de tentar encerrar programas sociais. Nesse sentido, sustentou que "eles vão acabar com o Bolsa Família para 36 milhões de pessoas". Esse "pacote de bondades", além de ter sido adotado com o intuito de agradar os segmentos sociais que dão apoio ao governo, também busca atingir a figura do vice Michel Temer, a quem Dilma acusa de planejar cortes nos programas sociais.
O cenário projetado no Relatório Focus, divulgado pelo Banco Central nesta segunda-feira (2/5), por sua vez, explicita o elevado nível de dificuldade que o novo governo terá que enfrentar nos próximos meses, para reorganizar a economia. Nesse sentido, o mercado prevê que o PIB brasileiro deverá ter uma contração de 3,89% para este ano. Com a previsão de um novo "tombo" do PIB neste ano, essa também será a primeira vez que o país registra dois anos seguidos de queda no nível de atividade da economia, a série histórica oficial do IBGE, iniciada em 1948. Para o comportamento do PIB em 2017, os economistas das instituições financeiras subiram a previsão de alta de 0,30% para 0,40%. Para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2016, a previsão é de que haverá um recuou de 6,98% para 6,94%. Registre-se que, apesar da queda, a previsão de inflação do mercado para este ano ainda permanece acima do teto de 6,5% do sistema de metas e bem distante do objetivo central de 4,5% fixado para este ano. Para 2017, a estimativa do mercado financeiro para a inflação também se reduza, passando de 5,80% para 5,72%. A taxa básica de juros, para o mercado financeiro, terminará este ano em 13,25% ao ano. Para o final de 2017, a estimativa para a taxa de juros baixou de 12% para 11,75% ao ano.
Diante desse contexto, no qual a linha que separa a estabilidade democrática continua tênue, é preocupante esse exacerbado inconformismo da presidente Dilma, que vem atuando de forma deliberada contra os interesses do Brasil, denegrindo a imagem do país no exterior e criando obstáculos por meio de decisões políticas e administrativas pouco republicanas, para dificultar as ações do novo governo. Merece aplausos, nesse sentido, a decisão liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, suspendendo a abertura do crédito extraordinário para propaganda da Presidência, como um remédio jurídico para evitar danos ao erário, sinalizando que a instituição Judiciário está funcionando. Deve-se ressaltar que, o entendimento de que é essencial para a democracia e o Estado democrático de direito a preservação e o fortalecimento das instituições, nunca foi aceito pelos governantes Lula e Dilma, por incompetência e motivações políticas e ideológicas, que sempre adotaram decisões que levaram ao enfraquecimento das instituições.
Fica evidente, considerando esse quadro descrito, que a presidente Dilma, mesmo diante do iminente final do seu fracassado governo, provavelmente por arrogância, autoritarismo e motivações políticas e ideológicas ultrapassadas, ainda não compreendeu o que está ocorrendo no mundo real. Recusa-se a aceitar que o lulopetismo foi o responsável por transformar o Brasil em terra arrasada, por meio de medidas econômicas equivocadas, aparelhamento do Estado, adoção do modelo patrimonialista, concessões de benesses populistas e leniência com a corrupção, para permanecer no poder a qualquer preço. Isso explica porque a mandatária no seu ocaso, sob a forte influência de seu criador, continua insistindo, por meio da adoção de decisões temerárias, em colocar as instituições do Brasil em risco.
José Matias-Pereira, economista e advogado, é doutor em ciência política, pós-doutor em administração pela Universidade de São Paulo, além de professor de administração pública e pesquisador associado do programa de pós-graduação em contabilidade da Universidade de Brasília.
Os livros mais prejudiciais 'a humanidade, segundo conservadores americanos
Jesse Souza vs Joel Pinheiro da Fonseca: um nao-debate em torno de mentiras sectarias (FSP)
Paulo Roberto de Almeida
Quem deu o golpe, e contra quem?
RESUMO Para o autor, decisão da Câmara a favor do processo de impeachment da presidente Dilma ameaça a democracia. Em texto que retoma ideias já expostas aqui e em seu livro mais recente, diz que esta crise, como outras, contou com a manipulação, mediada pela imprensa, da classe média pela "elite de dinheiro".
O ponto de inflexão da história recente do Brasil contra a herança escravocrata foi a revolução comandada por contraelites subordinadas que se uniram em 1930.
A visão pessoal de Getúlio Vargas transformou o que poderia ter sido um mero conflito interno de elites em disputa em uma possibilidade de reinvenção nacional.
O sonho era a transformação do Brasil em potência industrial com forte mercado interno e classe trabalhadora protegida, com capacidade de consumo. Nossa elite do dinheiro jamais sequer "compreendeu" esse sonho, posto que "afetivamente" nunca sentiu compromisso com os destinos do país.
Desde então o Brasil é palco de uma disputa entre esses dois projetos: o sonho de um país grande e pujante para a maioria; e a realidade de uma elite da rapina que quer drenar o trabalho de todos e saquear as riquezas do país para o bolso de meia dúzia.
A elite do dinheiro manda pelo simples fato de poder "comprar" todas as outras elites.
É essa elite, cujo símbolo maior é a bela avenida Paulista, que compra a elite intelectual de modo a construir, com o prestígio da ciência, a lorota da corrupção apenas do Estado, tornando invisível a corrupção legal e ilegal do mercado que ela domina; que compra a política via financiamento privado de eleições; e que compra a imprensa e as redes de TV, cujos próprios donos fazem parte da mesma elite da rapina.
De acordo com a conjuntura histórica, sempre que o Executivo está nas mãos do inimigo, imprensa e Congresso, comprados pelo dinheiro, se aliam a um quarto elemento que é o que suja as mãos de fato no golpe: as Forças Armadas antes, e o complexo jurídico-policial do Estado hoje em dia.
A história do Brasil desde 1930 é um movimento pendular entre esses dois polos. Getúlio caiu, como o desafeto histórico maior desta elite, por um conluio entre Congresso comprado, imprensa manipuladora e Forças Armadas que se imaginavam pairar acima dos conflitos sociais.
O suicídio do presidente adia em dez anos o golpe formal, que acontece em 1964 pela mesma articulação de interesses. O curioso, no entanto, é que dentro das Forças Armadas existia a mesma polarização que existia na sociedade.
INFRAESTRUTURA
O nacionalismo autoritário das Forças Armadas articula, por meio do 2º PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) do presidente Geisel, uma versão ambiciosa do sonho getulista: investimento maciço em infraestrutura e setores-chave da vanguarda tecnológica com a disseminação de universidades e centros de pesquisa em todo o país.
Ainda que o capital privado fosse muito bem-vindo, a condução do projeto de longo prazo era do Estado. Foi o bastante para que os jornais se lançassem em uma batalha ideológica contra a "república socialista do Brasil" e os empresários descobrissem, de uma hora para outra, sua inabalável "vocação democrática".
O processo de redemocratização comandado pela elite do dinheiro tem tal pano de fundo. As Diretas-Já, na verdade, espelham a volta da rapina de curto prazo e uma nova derrota do sonho de um "Brasil grande".
Aqui já poderia ter ocorrido a conscientização de que a rapina selvagem é o fio condutor, e que a forma autoritária ou democrática que ela assume é mera conveniência. Mas o processo de aprendizado foi abortado. O público ficou sem saber por que o golpe tinha ocorrido e, depois, por que ele havia sido criticado. Criou-se uma anistia do "esquecimento" no mesmo sentido da queima dos papéis da escravidão por Rui Barbosa: para que jamais saibamos quem somos e a quem obedecemos.
Com o governo FHC, essa elite da rapina de curto prazo se insere, enfim, não apenas no mercado mas também, com todas as mãos, no Estado e no Executivo.
A festa da privatização para o bolso da meia dúzia de sempre, da riqueza acumulada pela sociedade durante gerações, se deu a céu aberto. A maior eficiência dos serviços, prometida à sociedade e alardeada pela imprensa, sempre solícita e sócia de todo saque, se deixa esperar até hoje.
Como uma imprensa a serviço do saque e do dinheiro não pode fazer todo mundo de tolo durante todo o tempo, e como ainda existem sonhos que o dinheiro não pode comprar, o Executivo mudou de mãos em 2002.
O novo governo tentou o mesmo projeto desenvolvimentista anterior, de apoio à indústria e à inteligência nacional. Mas seu crime maior foi a ascensão dos setores populares via, antes de tudo, a valorização real do salário mínimo.
Os mais pobres passaram a ocupar espaços antes exclusivos às classes do privilégio.
Parte da classe média sofria profundo incômodo diante dessa nova proximidade em shopping centers e aeroportos, mas "pegava mal" expressar o descontentamento em público. Pior, a classe média temia que essa classe ascendente pudesse vir a disputar os seus privilégios e os seus empregos.
O discurso da "corrupção seletiva" manipulado pela mídia permite que se enfrente agora o medo mais mesquinho com um discurso moralizador e uma atitude de pretenso "campeão da moralidade". O que antes se dizia a boca pequena entre amigos agora pode ser dito com a camisa do Brasil e empunhando a bandeira nacional. Está criada a "base popular", produto da mídia servil à elite da rapina.
A luta contra os juros desencadeada pela presidente Dilma em 2012 reedita a eterna crença da esquerda nacionalista brasileira na existência de uma "boa burguesia", ou seja, a fração industrial supostamente interessada em um projeto de longo prazo de fortalecimento do mercado interno.
Mas todas as frações da elite já mamam na mesma teta dos juros altos que permite transferir recursos de todas as classes para o bolso dos endinheirados de modo invisível, funcionando como uma "taxa" que encarece todos os preços e transfere parte de tudo o que é produzido para os rentistas –inclusive da classe média feita de tola pela imprensa comprada.
Quando em abril de 2013 as taxas de juros voltam a subir, a elite está armada e unida contra a presidente. As "jornadas de junho" daquele ano vêm bem a calhar e, por força de bem urdida campanha midiática, transformam protestos localizados em uma recém-formada coalizão entre a elite endinheirada e a classe média "campeã da moralidade e da decência" contra o projeto inclusivo e desenvolvimentista da esquerda.
Como os votos dos pobres recém-incluídos são mais numerosos, no entanto, perde-se a campanha de 2014. Mas a aliança entre endinheirados e moralistas de ocasião se mantém e se fortalece com um novo aliado: o aparato jurídico-policial do Estado.
Construído pela Constituição de 1988 para funcionar como controle recíproco das atividades investigativas e jurisdicionais, todo esse aparato passa por mudanças expressivas desde então. Altos salários e demanda crescente por privilégios de todo tipo associados ao "sentimento de casta" que os concursos dirigidos aos filhos das classes do privilégio ensejam transformam esses aparelhos que tudo controlam, mas não são controlados por ninguém, em verdadeiros "partidos corporativos" lutando por interesses próprios dentro do aparelho de Estado.
A manipulação da "corrupção seletiva" pela imprensa é o discurso ideal para travestir, também aqui, os mais mesquinhos interesses corporativos em suposto "bem comum". O troféu de "campeão da moralidade pública" passa a ser disputado por todas as corporações e se estabelece um conluio entre elas e a imprensa, que os vazamentos seletivos cuidadosamente orquestrados comprovam tão bem.
Esse é o elemento novo do velho golpe surrado de sempre. Ainda que o golpe tenha se dado no circo do Congresso em uma palhaçada denunciada por toda a imprensa internacional, sem o trabalho prévio dos justiceiros da "justiça seletiva" ele não teria acontecido.
O Estado policial a cargo da "casta jurídica" já está sendo testado há meses e deve assumir o papel de perseguir, com base na mesma "seletividade midiática", o princípio: para os inimigos a lei, e para os amigos a "grande pizza".
A "pizza" para os amigos já está em todos os jornais e acontece à luz do dia. O acirramento da criminalização da esquerda é o próximo passo. Esse é o maior perigo. Muita injustiça será cometida em nome da Justiça.
Mas existe também a oportunidade. Nem toda classe média é o aprendiz de fascista que transforma seu medo irracional em ódio contra os mais fracos, travestindo-o de "coragem cívica".
Ainda que nossa classe média esteja longe de ser refletida e inteligente como ela se imagina, quem quer que tenha escapado do bombardeio diário de veneno midiático com dois neurônios intactos não deixará de estranhar o mundo que ajudou a criar: um mundo comandado por um sindicato de ladrões na política, uma justiça de "justiceiros" que os protege, uma elite de vampiros e uma sociedade condenada à miséria material e à pobreza espiritual. Esse golpe precisa ser compreendido por todos. Ele é o espelho do que nos tornamos.
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A objetividade contra o discurso sectário
Agora as circunstâncias mudaram. Temos um governo a serviço do partido, que já abandonou qualquer projeto de ajuste e que se mostra incapaz de governar. Enquanto isso, a economia não dá sinais de melhora, e o desemprego já passa dos 10%; não podemos nos dar ao luxo de esperar mais três anos. Nessa conjuntura, defender o governo com unhas e dentes não é tarefa fácil. Não faltam, contudo, intelectuais dispostos a fazê-lo, com variável grau de seriedade.
Em "Quem deu o golpe, e contra quem?" (Ilustríssima, 24/4), Jessé Souza apresenta uma leitura de nossa história amplamente guarnecida de adjetivos e juízos de valor, mas desprovida de fatos. Faz acusações sem prova e rebaixa a discussão, tudo para proteger um projeto de poder particularmente criminoso, cuja incompetência tem destruído o sonho de milhões de brasileiros.
Para Souza, nossa história é dominada por uma "elite de rapina" que sabota qualquer esforço mais generoso de promover a ascensão social do restante do país, como supostamente era o objetivo do PT e de Dilma. Não só o golpe de 64, mas também as Diretas-Já e os protestos de 2013 foram ardis da elite malvada contra as classes trabalhadoras.
Nos raros momentos em que não está atribuindo finalidades escusas a seus desafetos e interpretando a linha do tempo seletiva e minguada que ele mesmo constrói, Souza comete inverdades flagrantes, como a afirmação de que a imprensa internacional tem "denunciado" o processo de impeachment como golpe.
Uma rápida pesquisa revela que nenhum jornal importante o fez. Aliás, publicações de peso como "Le Monde", "The Economist" e "Washington Post" rejeitaram explicitamente a tese do golpe em seus editoriais. Tal tese existe apenas entre nossa elite cultural engajada.
ALIANÇAS
Para manter a narrativa moralista em nível quase de caricatura, ele ignora por completo as complexidades de alianças políticas que, se lembradas, refutam sua leitura. A "av. Paulista", símbolo máximo das forças do mal, era, até pouco tempo atrás, aliada de Dilma. Basta lembrar que a Fiesp elogiou a redução tarifária da eletricidade e as isenções e desonerações de setores e empresas.
O subsídio do BNDES a grandes corporações, conhecido como "bolsa empresário" (que supera em valor o Bolsa Família), fez a alegria do alto empresariado brasileiro. O setor bancário lucrou como nunca, e sua atitude oscilava entre o apoio explícito e o silêncio omisso. A mudança de trajetória dos juros, ademais, foi consequência direta da piora de nossos fundamentos econômicos, causados por esse mesmo governo.
A afirmação de que o que move o impeachment é o ódio contra a ascensão econômica dos pobres não resiste à mais simples constatação: a luta para derrubar o governo só tomou fôlego a partir de 2015, justamente quando o desemprego passa a subir rapidamente e a inflação corrói a renda dos mais pobres. Naquela época dourada em que o PT podia se gabar de que pobre andava de avião, não havia nenhum movimento minimamente forte que defendesse o impeachment.
Para completar, Souza omite e relativiza os crimes e a corrupção. O petrolão, maior esquema de corrupção da história do Brasil, nem é mencionado. Cabe dizer que ele não é uma consequência inevitável do capitalismo –mesmo porque países muito mais capitalistas que o Brasil não têm a mesma corrupção que nós–, e sim fruto de um projeto de captura do Estado que viola as regras mais elementares de nosso sistema. O mesmo vale para a fraude fiscal cometida pelo governo Dilma e que dá a base legal do impeachment.
Apesar do viés, o artigo nos leva a considerar horizontes mais amplos. Para além da grave ilegalidade cometida pelo governo Dilma ao fraudar as contas para esconder o rombo fiscal, é possível buscar uma narrativa maior por trás do impeachment –o embate de forças históricas que disputam os rumos do Brasil. Não vejo, contudo, a luta maniqueísta entre espíritos generosos, de um lado e aves de rapina, do outro.
O real embate de nossa política é entre a busca do desenvolvimento em algum atalho facilmente trilhado pela canetada política e pelo gasto irresponsável –os crentes no poder mágico do Estado–, e a crença de que o importante é ter um sistema funcional e sustentável para promover o desenvolvimento de longo prazo.
PÉS PELAS MÃOS
Intenções boas e más existem em todos os lados. Elas em nada alteram os resultados práticos de diferentes políticas. Saído de uma ditadura estatizante, burocrática e autoritária, o Brasil meteu os pés pelas mãos repetidamente. Inflação, desemprego e uma "década perdida" foram os resultados de governos supostamente preocupados com o desenvolvimento.
A discussão séria de políticas públicas prescinde da avaliação moral dos participantes. Suponhamos que a política monetária dos anos 1980 estivesse de fato munida das melhores e mais generosas intenções ao atribuir ao Banco Central a missão de financiar o desenvolvimento do Brasil. Funcionou? Não. Apenas gerou a hiperinflação que só seria vencida com o Plano Real. Foi somente no governo FHC que, contrapondo-se à demagogia populista de curto prazo, se conseguiu o equilíbrio fiscal e a estabilidade monetária que permitiram ao país crescer. O primeiro mandato de Lula manteve essas conquistas e trouxe um importante foco em políticas de transferência de renda para a base da pirâmide.
O que poderia ser um novo caminho para um Brasil mais sério, contudo, foi abortado pelo projeto de poder do Partido dos Trabalhadores. A partir de 2006, machucado pelo mensalão, o governo fez o que se chamou na época de uma "inflexão desenvolvimentista", e voltamos aos velhos vícios.
As obras vistosas do PAC, a miragem do pré-sal, a aposta na expansão do crédito ao consumo, a política de campeões nacionais, o controle de preços, a piora de nossa dívida pública, as aventuras geopolíticas. Se foram mesmo reflexos de boas intenções eu não sei, o fato é que nos lançaram no que já é uma nova década perdida. Década que foi antecedida por muitas oportunidades perdidas.
O Brasil surfou a onda internacional favorável, quando nossas exportações valiam muito, e não fez nenhuma reforma significativa: nosso Estado não investiu em nossos gargalos e criou dificuldades para o investimento privado; nada se fez pela educação básica; nossa arcaica legislação trabalhista (que mantém 40% da mão de obra na informalidade) ficou intocada; a bomba-relógio da Previdência foi empurrada para o futuro incerto; nossos impostos continuaram superiores aos de países com a mesma renda per capita, sem falar de nossa complexidade tributária, que é recordista mundial inconteste.
Em suma, apostamos na demanda sem nada fazer para resolver as limitações de nossa oferta. O desenvolvimento ilusório deu lugar à recessão.
E agora, quando o Brasil precisa encontrar saídas, ficamos presos à polarização crescente. O terrorismo eleitoral governista impediu qualquer debate nos anos decisivos de 2010 e 2014. Perdeu-se de vista qualquer ideia de projeto para o Brasil.
É o retumbante fracasso teórico e prático do projeto governista que cria a necessidade da demonização de propostas alternativas. O resultado é o empobrecimento do debate público e a entronização de um discurso altamente moralista que, como sempre acontece, serve para justificar práticas corruptas.
Quais países na América Latina e na África têm tido mais sucesso? Os que criam instituições sólidas e regras claras, com equilíbrio fiscal, respeito à propriedade e facilidade de empreender e investir, ou os que, em nome de algum ideal, gastam o que não têm e criam entraves ao trabalho e ao lucro?
Essa escolha determinará nosso futuro, para o nosso bem, ela deve ser discutida sem partir do pressuposto de que o lado contrário é mau por natureza.
Uma política séria, madura e democrática (que aceita e respeita a existência de uma oposição) não demoniza adversários, discute soluções. Essa evolução –que é também institucional– tem sido combatida ferozmente pelo governo e por sua tropa de choque intelectual. Felizmente, ninguém mais acredita no discurso oficial.
O governo responsável por lançar 3 milhões de famílias da classe C para a classe D segue dizendo que governa para os pobres. Resta à oposição ter a grandeza e a maturidade que a gestão do PT não teve. Onde vigora o espírito sectário, devemos cultivar a objetividade. Ou então reeditaremos o fracasso petista em uma versão verde e amarela.