O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Estatisticas do blog Diplomatizzando: 4,5 milhoes de visitantes aferidos: com R$ 0,10 seria milionario...

Pelas estatística do próprio Blogger, acabo de superar, em algum momento deste mês, um total de 4,5 milhões de visitantes (não sei quanto de amigos, quanto dos "inimigos").


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Bem, se eu tivesse cobrado 10 centavos a cada visita, eu teria hoje exatamente 453 mil reais, ou dólares, dependendo do meu plano com o FMI.
Quais foram os temas das visitas mais frequentes nos últimos tempos?

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Falta ainda computar a postagem de hoje, mais um petardo contra o lulopetismo diplomático, mas isso vou ver depois.
Em todo caso, fico satisfeito, não necessariamente pelos números, mas pelos temas.
É exatamente isto que eu espero de visitantes inteligentes neste blog.
Grato a todos os curiosos, visitantes, navegantes, frequentadores, passantes ao acaso, tutti quanti, não importam os motivos, mesmo os mais inconfessáveis...
Paulo Roberto de Almeida

Addendum em 24/05/2016: 

 Depois de ter postado o que vai acima na manhã de ontem, e ao verificar novamente as estatísticas na manhã desta terça-feira 24/05 (não por que acessasse voluntariamente, mas porque já estavam abertas e assim ficaram), constatei o crescimento extraordinário, em poucas horas, da postagem sobre a TRAIÇÃO (sim, me permito destacar a palavra) do ex-presidente no caso da nacionalização dos recursos em hidrocarburos da Bolívia, o que foi feito CONTRA O DIREITO INTERNACIONAL, CONTRA OS TRATADOS BRASIL-BOLIVIA, contra acordo existentes entre a Petrobras e o governo boliviano, e tudo isso foi feito com a conivência do PRESIDENTE-TRAIDOR. É preciso que se diga:

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Alexander Gerschenkron e as vantagens do atraso: aguardando chegar a edicao brasileira

Li, a primeira vez, na edição em italiano, pois comprava muitos livros traduzidos ali ao lado de onde morava, a então Iugoslávia, quando preparava a minha tese de doutorado.
Depois vi a versão original, em inglês, desse ensaio fundamental do historiador de origem russa, como tantos outros emigrados ao Ocidente depois da revolução bolchevique ou do início do stalinismo na União Soviética.
Agora, como tomei conhecimento, por este exemplar examinado na biblioteca do Itamaraty, encomendei a minha edição brasileira, que só comprei, na verdade, pela longuíssima introdução por dois especialistas nacionais.
Já paguei, já recebi até um pedido para avaliar o serviço, mas o livro ainda não chegou, graças a nosso correio monopólico.
Quando chegar, vou avaliar a introdução, com base no que conheço dos demais trabalhos de Gerschenkron, e o que disse, por exemplo, um brasilianista americano, Albert Fischlow, que foi aluno de Gerschenkron.
Paulo Roberto de Almeida

Do lulopetismo diplomatico a uma politica externa profissional - Paulo Roberto de Almeida (Mundorama


Do lulopetismo diplomático a uma política externa profissional

Paulo Roberto de Almeida
Mundorama (23/05/2016; link: http://www.mundorama.net/2016/05/23/do-lulopetismo-diplomatico-a-uma-politica-externa-profissional-por-paulo-roberto-de-almeida/ )
  
Dura lex, sed lex: os padrões da diplomacia profissional
Diplomatas costumam ser, salvo as exceções de praxe, discretos e disciplinados. Típicos servidores de Estado, eles pautam sua conduta por servir, indistintamente, com igual proficiência, proverbial discrição e sentido de responsabilidade, os governos que, legitimamente ou não, ocupam temporariamente as rédeas do poder político (espera-se, contudo, que seja na saudável alternância das democracias consolidadas). Apenas essas características explicam que o Itamaraty e seus funcionários tenham atravessado os anos turbulentos do lulopetismo, tendo sabido preservar de modo relativamente incólume sua reputação de qualidade, em face de tantos problemas acumulados pelo modo bizarro de fazer política – e “negócios” – que caracterizaram quase três lustros de anomalias funcionais e de disparates políticos em praticamente todas as áreas da administração.
Também com as poucas exceções de praxe, os diplomatas sempre procuram conciliar a qualidade técnica de seus serviços especializados com algumas anomalias na política externa que por vezes destoam, e muito, do modo de ação diplomática que sempre distinguiu a Casa de Rio Branco. Confesso não ter sido um membro da maioria, constituindo antes uma dessas exceções de praxe. Como sabem meus colegas, e muitos de fora da carreira também, todo diplomata que pretenda escrever em outras áreas que não contos, romances ou poesia – isto é, produtos habituais da literatura e das belas artes, que não precisam passar pelos controles políticos da instituição –, defronta-se com dois instrumentos (e com dois problemas de consciência) regulando o que ele teria a dizer sobre o seu objeto próprio de trabalho. O primeiro deles é a Lei do Serviço Exterior, que, entre outros objetivos, disciplina o comportamento funcional do “autor” que pretenda discorrer sobre temas que integram a agenda de trabalho da instituição. Devo dizer, de imediato, que considero esta lei basicamente correta, e tenho me esforçado para cumprir os seus termos tão completa e fielmente quanto possível.
O outro instrumento é a famigerada “lei da mordaça”, uma circular restritiva, emitida no final de 2001 com o intuito de reforçar os controles existentes na lei, e que reforçou negativamente qualquer manifestação pública hipoteticamente considerada pelos funcionários do quadro, introduzindo o que se poderia chamar de censura prévia na eventualidade de se pretender vir a público para discorrer sobre quaisquer assuntos da pauta oficial. Não sei se essa circular, deletéria sob qualquer padrão de circulação e de debate de ideias que se considere, foi ou não revogada, mas conheço dois diplomatas que foram por ela censurados, até com consequências funcionais num dos casos. O primeiro – e creio que a circular foi feita especialmente para ele – foi o antigo diretor do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais, que costumava insurgir-se contra as negociações da Alca e contra o Mercosul neoliberal e que, demitido e transformado em vítima do ancien Régime tucanês, tornou-se um dos principais arquitetos da política externa dos companheiros, ao ser guindado à posição de Secretário Geral do Itamaraty durante quase todo o decorrer dos dois mandatos do demiurgo do lulopetismo enquanto governo. O segundo é este mesmo que aqui escreve, censurado por uma entrevista às Páginas Amarelas da Veja, não por contradizer qualquer política oficial do governo, mas simplesmente por ter falado sem o nihil obstat dos barões da Casa. Um crime!
O mais curioso é que a censura, e a advertência (feitas ao abrigo da “lei da mordaça”), ocorreram também sob o reinado do ancien Régime tucanês, isto é, quando o Brasil e seu Estado ainda não tinham sido dominados pelo pensamento único dos companheiros, e por todas as suas preferências militantes e ideológicas, especialmente em matéria de política externa. (Isto porque, numa primeira fase, a política econômica continuou a ser dominada pelo espírito “neoliberal” dos tucanos, que teriam deixado, segundo as acusações mentirosas e maldosas dos companheiros, uma “herança maldita” na passagem ao novo regime salvador.) Em matéria de política externa, como todos se lembrarão, fomos bafejados por uma “diplomacia ativa e altiva”, e também “soberana”, como se encarregavam de lembrar seus principais promotores. Como eu nunca fui de aderir a modismos, ou de me curvar às verdades do momento, continuei a fazer minhas análises, que sempre entendi objetivas e de espírito puramente acadêmico, e a publicar ocasionalmente artigos em revistas e ensaios em livros, que nunca sofreram, esclareço, qualquer sanção formal do “comitê central” do nouveau Régime companheiro.
A sanção, na verdade, veio sob outra forma: um veto não declarado, mas real e mesquinho, a qualquer trabalho na Secretaria de Estado, o que significou, na prática, uma longa travessia no deserto funcional, que redundou em ostracismo administrativo e total bloqueio na carreira. Esse foi o preço pago por ousar desafiar o adesismo em vigor, uma situação patética na qual todo o Itamaraty foi colocado a serviço do “guia genial dos povos”, e suas preferências políticas orientadas pelos apparatchiks do partido e seus mestres em outras esferas. Durante esse longo período, publiquei algumas matérias de atualidade, e até alguns livros de pesquisa, mas deixei muitos outros trabalhos – que poderiam, eventualmente se enquadrar na esfera da Lei do Serviço Exterior, que sempre procurei não infringir – dormitando em minhas pastas de “working files”, aguardando publicação em alguma ocasião mais propícia. Parece que este tempo finalmente chegou.

Nunca antes na política externa: os crimes diplomáticos dos companheiros
Agora que se encerra um capítulo – certamente um dos menos memoráveis – da história política brasileira, com uma mudança sensível no comando supremo da nação, pode-se tentar fazer um balanço do que representaram os anos loucos do lulopetismo na frente diplomática e no terreno da política externa, começando justamente por fazer essa necessária distinção entre diplomacia e política externa. A primeira é simplesmente uma técnica, uma modalidade de ação estatal, que congrega recursos humanos e capacitação especializada na interface do relacionamento do país com o mundo exterior, nos planos bilateral, regional ou multilateral. A segunda é o conteúdo que se imprime a essa ação, feita de opções políticas legitimadas pelas escolhas básicas feitas pelos eleitores, em função de sua percepção sobre os interesses nacionais e as prioridades sociais.
Não é incorreto dizer que a área da política externa é uma das menos exploradas nos embates eleitorais, tanto pela sua aparente distância em relação aos problemas mais prementes da cidadania – geralmente de caráter econômico e social – quanto pela complexidade da agenda internacional aos olhos da cidadania. A política externa, com, também, exceções de praxe, geralmente passa ao largo dos debates nas campanhas presidenciais, e assim costuma permanecer ao longo de um exercício político qualquer. O Itamaraty raramente aparece nas polêmicas políticas e nos embates eleitorais. Não foi o caso nos anos bizarros do lulopetismo, e não apenas no Brasil, mas extravasando regionalmente também, como sabem todos os que acompanharam as campanhas presidenciais em vários dos países vizinhos. Ignorando por completo preceitos constitucionais quanto à não ingerência nos assuntos internos de outros países, o grande demiurgo apoiou (com poucos insucessos, o sortudo), quase todos os companheiros bolivarianos candidatos (ou até mais do que isso, embora, infelizmente, não se pode dispor de registros adequados a respeito dessas ações, conduzidas por outros canais).
Ao lado dos vários crimes comuns cometidos por grão-petistas que se exerceram no governo – nem sempre devidamente sancionados pela justiça – e dos muitos “crimes econômicos” cometidos por uma gestão particularmente inepta na condução dessa área, daí a Grande Destruição – que deixou fundas marcas em termos de baixo crescimento, de recrudescimento da inflação, de desequilíbrios e irregularidades nas contas públicas, e da exacerbação do dirigismo estatal e do protecionismo comercial –, o lulopetismo diplomático representou uma séria deterioração dos padrões habituais da atuação do Brasil na frente externa. O Itamaraty só não foi aparelhado e assaltado por uma horda de militantes da causa petista – como ocorreu em praticamente todas as demais agências públicas – por injunções da legislação que obsta esse tipo de invasão exótica. Mas a política externa não ficou imune ao festival de bobagens cometidas pelos petistas em quase todas as demais esferas da administração pública.
Já examinei, em meu livro Nunca Antes na Diplomacia: a política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014), os principais exemplos das bizarrices lulopetistas nesse terreno especializado da ação estatal, mas convém neste momento chamar a atenção para alguns aspectos que tiveram de ser discretamente abordados nesse livro, em função justamente da discrição que os diplomatas devem manter quando se pronunciam sobre temas da política externa corrente. Começaria por destacar o próprio rótulo que tentaram pespegar à essa política externa, feita de gestos histriônicos conduzidos pelo “guia genial dos povos” no cenário internacional, com a assessoria de alguns diplomatas profissionais convertidos em fieis servidores da causa: ela teria sido “ativa, altiva e soberana”, como não se cansava de repetir um dos chefes dessa diplomacia feita de muita publicidade em causa própria e de poucas explicações sobre as razões de determinadas ações jamais explicadas ao Congresso ou à cidadania.
Quando se tem a preocupação de grudar um ou dois rótulos à diplomacia – que geralmente dispensa qualificações quando é exercida dentro dos parâmetros normais da ação estatal –, é porque, no plano psicológico, já se sente a necessidade de justificar as escolhas feitas, provavelmente pelo pressentimento de que elas não se moldam ao que se tinha habitualmente como padrão de um relacionamento externo normal. Esta foi justamente a atitude dos lulopetistas – diplomatas ou não – em relação a temas que deixaram cicatrizes no estabelecimento diplomático, a começar por uma estranha “diplomacia Sul-Sul”.
Essa miopia partiu, não de um exame tecnicamente isento da agenda externa do país, mas de uma escolha prévia, deliberada e totalmente ideológica, por alianças internacionais, ditas “estratégicas”, que premiavam parceiros considerados “anti-hegemônicos”, em contraposição às posições tradicionais do Itamaraty. A Casa de Rio Branco sempre se pautou por um relacionamento externo não discriminatório nos planos geográfico e político, em função unicamente dos interesses do país, não de uma tentativa ingênua e canhestra de “mudar a relação de forças no mundo”, ou de criar uma também bizarra “nova geografia do comércio internacional”, geralmente com resultados frustrantes e sempre patéticos. Os países previamente escolhidos de maneira enviesada pelos lulopetistas para serem “parceiros estratégicos” devem ter ficado satisfeitos de contar com esse apoio unilateral e preventivo, adotado sem qualquer negociação a respeito. Toda ação gera uma reação: o que podem ter pensado determinados parceiros tradicionais, sobretudo na Europa, quando um país candidato a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança adota a posição que se conhece em relação, por exemplo, ao caso da Criméia invadida pela Rússia? Ou a costura improvisada de um acordo sobre o programa nuclear iraniano, ao arrepio do que pensavam os países do P5+1?
A soberania do país foi exatamente ainda mais comprometida por uma série de escolhas que invariavelmente primavam por um anti-imperialismo infantil e por um antiamericanismo anacrônico, ou por um apoio indisfarçável a uma das ditaduras mais longevas na região e no mundo, sem mencionar os regimes populistas-autoritários, ideologicamente beneficiários da tradicional postura diplomática, aliás consagrada num dos mais sagrados princípios constitucionais – o da não intervenção nos assuntos internos dos demais países – que sempre levou o Itamaraty a nunca fazer considerações de natureza política sobre escolhas eleitorais. Por ocasião de campanhas presidenciais em países vizinhos, como já se mencionou, o demiurgo condutor da nação nunca deixou de emprestar apoio político – quando não o dinheiro da nação – aos candidatos que ele próprio julgava merecedores dessas bizarras “alianças estratégicas”, invariavelmente complementadas por financiamentos ultra-favorecidos raramente questionados pelo corpo parlamentar. Vários, aliás, nunca foram devidamente esclarecidos, até aqui.
O Mercosul, um projeto basicamente de abertura econômica e de liberalização comercial, e de formação de um espaço integrado com os vizinhos do cone sul, foi desviado de seus objetivos essenciais, e convertido num empreendimento político que serviu unicamente de palanque para a retórica vazia dos lulopetistas e bolivarianos, com um recuo notável nos seus padrões de funcionamento, uma vez que a administração petista condescendeu com todas as violações cometidas contra o livre comércio e a união aduaneira que deveriam servir de regras fundamentais para a sua existência.
Não se descobrirá, por outro lado, qualquer iniciativa na frente externa que tenha descontentado as lideranças castristas ou bolivarianas, invariavelmente beneficiadas pelo apoio político ou financeiro do lulopetismo diplomático. Certamente que o Itamaraty por si próprio não teria apoiado determinadas escolhas – na Bolívia, em Honduras, na Venezuela, ou no Paraguai – que foram decididas exclusivamente no círculo restrito dos apparatchiks petistas, sem o devido registro nos expedientes diplomáticos e nos arquivos da Casa. Este é um dos aspectos que reputo mais nefastos em toda a trajetória do lulopetismo diplomático: não contentes em se desviar dos padrões de uma política externa simplesmente sensata, eles também transformaram determinados episódios em “buracos negros” nos anais da Casa: não há registro sobre como algumas iniciativas foram tomadas, ou como se conduziram certas ações.

Rumo à normalidade na diplomacia profissional: algum balanço possível?
Fico imaginando como os futuros historiadores interpretarão, se puderem, certas decisões tomadas nesses anos loucos, na ausência de um processo diplomático de exame circunstanciado da cada ação empreendida na frente externa. Como e por que, por exemplo, se decidiu suspender o Paraguai do Mercosul, na ausência completa de uma estrita observância dos rituais próprios ao Protocolo de Ushuaia, relativo à cláusula diplomática do bloco? Como, e sob quais justificativas, se decidiu admitir politicamente a Venezuela no mesmo bloco, se ela, simplesmente, jamais conseguiu cumprir qualquer um dos requisitos técnicos e das normas conducentes à sua adesão à união aduaneira do Mercosul (sem mencionar o lado bem mais grave da observância de padrões aceitáveis no plano da democracia)? Que tipo de acordo foi feito com a ditadura cubana para repassar um volume expressivo de recursos para aquele regime, se o parlamento não foi chamado a dar a sua chancela a esses “encargos gravosos” no plano externo, como aliás determinado pela Constituição?
Esses são apenas alguns dos muitos casos nos quais não foram respeitados dispositivos legais em vigor no Brasil, bem como padrões habituais do acatamento do Itamaraty às regras do direito internacional que sempre pautaram a atuação da Casa de Rio Branco ao longo de sua história. Num momento em que uma diplomacia normal, sensata, sem rótulos bizarros, começa a ser novamente estabelecida, não apenas em benefício do próprio Itamaraty, mas em função dos reais interesses da nação, caberia refletir sobre o volume inacreditável de deformações impostas pelo lulopetismo à ação externa do Brasil. Não tenho certeza de que tal avaliação seja integralmente possível.
Um balanço feito a partir dos registros disponíveis certamente revelaria um número bem maior de bizarrices diplomáticas que conviria examinar, e corrigir, para que a política externa do Brasil retorne aos seus padrões habituais de atuação, e de equilíbrio, sem mais aventuras exóticas e escolhas francamente deletérias do ponto de vista dos interesses nacionais. Pode-se temer, no entanto, que algumas grandes lacunas persistam no plano dos registros devidos, uma vez que o demiurgo, ao que parece, não tinha o hábito de ler, e na verdade exibia verdadeiro horror a qualquer texto que lhe fosse apresentado para leitura. Lembro-me, por exemplo, que ano após ano, nas datas habituais de comemoração do “Dia do Diplomata” – oficialmente a cada 20 de abril, mas muitas vezes delongado no calendário, e invariavelmente atrasado nos horários – o demiurgo em questão desdenhava, aberta e acintosamente, a “maçaroca” de papeis que lhe passavam diplomatas ciosos da “boa palavra” numa síntese regular do que se tinha feito no ano decorrido, para discorrer improvisadamente sobre todas as glórias da sua diplomacia triunfante, seja no confronto com os poderosos do mundo, seja no total entendimento com os companheiros regionais. Lições memoráveis, no YouTube...
Mesmo que um balanço rigoroso desses anos bizarros não seja feito pela própria Casa, espera-se que membros da academia não contaminados pelo pensamento único dos companheiros possam conduzir uma análise mais serena da diplomacia e da política externa da nossa “década infame”, embora eu duvide muito disso. Pelos contatos que mantenho na academia, pelos pareceres que sou chamado a dar anonimamente a artigos submetidos a revistas e publicações dessa área, pelo acompanhamento de discussões que se processam nas chamadas redes sociais, percebo que o espírito do lulopetismo ainda é amplamente majoritário entre os gramscianos de academia que se dedicam aos temas de política internacional e de diplomacia brasileira.
Durante esses três últimos lustros fui uma das poucas vozes dissonantes – talvez apenas seguido por veneráveis porta-vozes do chamado “partido da imprensa golpista” – na avaliação das bizarrices diplomáticas do lulopetismo em vigor. Agora que ele perdeu suas alavancas de poder, bem como muitas das correias de transmissão na chamada sociedade civil (na verdade “movimentos sociais” e blogueiros “sujos” mais assemelhados a mercenários do que a aderentes voluntários), pode ser que algo mude nesse terreno. Como já escrevi algumas vezes a última neste artigo do Estadão, um dos jornais reacionários, “Epitáfio do lulopetismo diplomático” (17/05/2016; disponível: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,epitafio-do-lulopetismo-diplomatico,10000051687) –, já não era sem tempo...

Paulo Roberto de Almeida
[Anápolis, 2840: 11 de julho de 2015; Brasília, 2982: 22 de maio de 2016]

De Michel a Dilma (grampearam o email) - Paulo Miranda

De Michel a Dilma

DilmAmada,
 
Primeiro, o meu aplauso por te manteres, e a mim, ao corrente da atualidade, apesar da recomendação dos verdadeiros amigos, e minhas, de que te relaxes nesses preciosos e, infelizmente curtos, momentos de descanso e reflexão.

Fico deveras sensibilizado com tuas judiciosas considerações a respeito das insídias da imprensa estrangeira. Que querem nos lançar à vala comum dos  néscios e idiotas de uma sub-raça, não tenho dúvidas.
Vou tomar providências enérgicas a respeito. E aqui, penso eu, quem sabe poderíamos cancelar umas participações olímpicas declarando persona non grata em casos mais flagrantes?

A propósito: estamos a setenta e poucos dias da abertura do evento, e, reitero-te, conto com tua presença a abrilhantá-la. Serás o lábaro que ostenta estrelado o verde-louro de nossa flama. Não abro mão. Mano a mano hemos quedado por tantas veces, y ahora, más que nunca, és llegada la vez que el mundo nos vea juntitos. Hermanos, otra vez.

Ah, quase que me esquecia: agora que estou sob os holofotes, naturalmente sem querer, alguma boa alma lembra-se de suscitar o meu lado literário. Pois é, de constitucionalista ferrenho que sou, dei minhas escapadelas românticas. Poucas, é verdade. E tudo no rigor da simbologia, do onanirismo...Mas vê: estou te enviando pelo mesmo emissário um exemplar de meu livro, Anônima Intimidade. Estou seguro de que te fará arrepiar. Moderadamente, penso eu. Foi composto a partir de anotações em guardanapos, em meus intermináveis voos BSB-SP-BSB.
E já não tenho mais essa sinecura. A todo tempo me demandam, uma loucura. E como sabes, passar dois fins de semana seguidos em BSB é dupla tortura.

Estou buscando um garçom, que fale ao menos français para servir o cafezinho no Planalto. De boa aparência, e apolítico. Não podemos misturar as cores, perdão, coisas. É meu estilo, vem de berço - e um terço.

Ah, e un abrazazo para honrar la fecha!!!
Polidamente.

Michelzinho

(Paulo Miranda, recebido em 22/05/2016)

Lava Jato: nomes pitorescos, consequencias inesperadas, pessoas nervosas...

Neste preciso momento, manhã da segunda-feira 23 de maio de 2016, ouço, leio, vejo que uma nova fase da Operação Lava Jato, a 29a., acaba de ser deslanchada em Brasília e Pernambuco, com detenções de pessoas ainda não identificadas.
Mas, peraí, a 29a. fase já existia, e tinha detido um parente indireto do chefão da quadrilha, por causa de operações angolanas...
Meu cômputo das operações até aqui, algumas sem nome, e por isso não listadas, é o seguinte:

Fases da Operação Lava Jato
2014:
1. Lava Jato; (...)
7. Juízo Final

2015:
9. My Way;
10. Que pais é esse?;
11 A Origem; (...)
14 Erga Omnes;
15. Conexão Monaco; Operação Politeia (políticos: Fernando Collor);
16 Radioatividade;
17. Pixuleco;
18 Pixuleco 2;
19 Nessum Dorma;
20. Corrosão;
21 Passe Livre (+ Delcídio Amaral; Operação Catilinárias; Eduardo Cunha, Renan Calheiros, Fernando Collor;

2016:
22. Triplo X;
23. Acarajé (João Santana e Dona Xepa);
24 Aletheia;
25. Polimento;
26. Xepa;
27. Carbono 14;
28 Vitoria de Pirro (Gim Argelo);
29. Janus (sobrinho da primeira mulher do Lula: Taiguara Rodrigues dos Santos. operações em Angola); nova fase da MESMA (?) operação em 23/05/2016 com prisões em Brasília e Pernambuco.

Bate coração, quando é que vamos chegar no chefão?
Só na 35a. fase?
Paulo Roberto de Almeida

Guinada 'a direita no Itamaraty - Celso Amorim (FSP, 22/05/2016)

Opinião

Guinada à direita no Itamaraty

Uma imagem vale mais que cem palavras, diz o provérbio chinês; e uma ação vale por cem imagens, poder-se-ia complementar. E, no entanto, na diplomacia, as palavras podem ter grande peso.
A combinação das palavras com as ações em matéria de política externa, que se ouviram ou viram até aqui, inspira preocupação.
É até compreensível que o novo chanceler do governo interino defenda o processo que o guindou ao cargo, amplamente criticado no mundo, ainda que uma grande parte da população brasileira considere tal processo ilegítimo.
E não estamos falando apenas dos militantes do PT e do PC do B, mas de artistas e intelectuais, que, de maneira intuitiva, interpretam a alma do povo. Certamente, a imagem da equipe do filme "Aquarius", estampada pela Folha em sua primeira página da edição de quarta-feira (18), contrasta, inclusive por sua diversidade, com as figuras cinzentas que aparecem na cerimônia de posse do presidente interino.

Evaristo Sá -18.maio.2016/AFP
Novo chanceler brasileiro, José Serra, em seu escritório no Itamaraty, Brasília
Novo chanceler brasileiro, José Serra, em seu escritório no Itamaraty, Brasília
Por um momento, ao vê-las, com os áulicos de ontem e de sempre, fui transportado aos eventos palacianos do tempo do governo militar, quando não se viam mulheres, negros ou jovens.
O que assistimos no Itamaraty guarda semelhança com esse quadro mais amplo.
Em suas primeiras ações, o novo chanceler disse a que veio: com palavras incomumente duras, que fazem lembrar os comunicados do tempo da ditadura, como a acusação de que governos de países da nossa região estariam empenhados em "propagar falsidades", as notas divulgadas (aliás, estranhamente atribuídas ao Ministério das Relações Exteriores e não ao governo brasileiro, como de praxe, com o intuito provável de enfatizar a autoria) atacam governos de países amigos do Brasil, ameaçam veladamente o corte da cooperação técnica a uma pequena nação pobre da América Central e acusam o secretário-geral da Unasul (União das Nações Sul-Americanas), um ex-presidente colombiano, eleito pela unanimidade dos membros que constituem a organização, de extrapolar suas funções.
Um misto de prepotência e de arrogância pode ser lido nas entrelinhas, como se o Brasil fosse diferente e melhor do que nossos irmãos latino-americanos.
Talvez, por prudência (ou temor do sócio maior dessa entidade), as notas evitaram palavras equivalentes sobre a OEA (Organização dos Estados Americanos), a despeito das expressões críticas do seu secretário-geral e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Até o momento, eximiu-se de manifestar-se sobre as preocupações expressadas pela pequena, mas altiva Costa Rica, insuspeita de bolivarianismo.
Mas o que mais preocupa é o afã em diferenciar-se de governos anteriores, acusados de ação partidária, como se esta só existisse na esquerda do espectro político. Quando o partido é de direita, e as opções seguem a cartilha do neoliberalismo, não haveria partidarismo. Tratar-se-ia de políticas de Estado.
Há muito que "especialistas", cujos discursos são ecoados pela grande mídia, acusam de "partidária" a política externa dos governos Lula e Dilma, esquecendo-se que muitas de suas iniciativas foram objeto de respeito e admiração pelo mundo afora, como a própria Unasul —aparentemente desprezada pelos ocupantes atuais do poder— os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul; sem os quais não teria havido a primeira reforma real, ainda que modesta, do sistema de cotas do FMI e do Banco Mundial) e o G-20 da OMC (Organização Mundial do Comércio), que mudou de forma definitiva o padrão das negociações em nível global.
Ao mesmo tempo, busca-se derreter o Mercosul, retirando-lhe seu "coração", a União Aduaneira (para tomar emprestado uma metáfora do presidente Tabaré Vasquez).
Em matéria comercial, o afã em aderir a mega-acordos regionais do tipo do TPP (a Parceria Transpacífico ) denota total ignorância das cláusulas, que cerceiam possibilidades de políticas soberanas (no campo industrial, ambiental e de saúde, entre outros).
Chega a ser espantoso que alguém que se bateu, com coragem e firmeza, pelo direito de usar licenças compulsórias para garantir a produção de genéricos, não esteja informado da existência de cláusulas, intituladas enganosamente de Trips plus (na verdade, do nosso ponto de vista, seriam Trips minus), que, de forma mais ou menos disfarçada, reduzem a latitude para o uso de tais medidas, no momento em que comissões de alto nível criadas pelo secretário-geral da ONU alertam para o risco de debilitar a Declaração de Doha sobre Propriedade Intelectual e Saúde, consagrada pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, aprovada pelos chefes de Estado na 20ª Assembleia Geral da ONU.
A África, de onde provém metade da população brasileira e onde os negócios do Brasil cresceram exponencialmente —sem falar na importância estratégica do continente africano para a segurança do Atlântico Sul- ficará em segundo plano, sob a ótica de um pragmatismo imediatista. Sobre os Brics, o Ibas (Índia, Brasil e África do Sul), as relações com os árabes, uma menção en passant. Esqueça-se a multipolaridade, viva a hegemonia unipolar do pós-Guerra Fria. Nada de atitudes independentes.
A Declaração de Teerã, por meio da qual o Brasil, com a Turquia (e a pedido reiterado do presidente Barack Obama, diga-se de passagem) mostrou que uma solução negociada era possível, completou seis anos, no dia 17 de maio. Na época, foi exaltada por especialistas das mais variadas partes do mundo, inclusive nos Estados Unidos. Porém causou horror aos defensores do bom-mocismo medíocre em nosso país.
Mas as elites não terão mais nada a temer. Nenhuma atitude desassombrada desse tipo voltará a ser tomada. O Brasil voltará ao cantinho pequeno de onde nunca deveria ter saído.

 CELSO AMORIM, diplomata de carreira, foi ministro das Relações Exteriores (governos Itamar e Lula) e da Defesa (governo Dilma).

Ronaldo Caiado: o PT afundou o Brasil (FSP, 21/05/2016)

PT assaltou o Brasil
Ronaldo Caiado, Senador (GO)
Folha de S. Paulo, Sábado, 21 de maio de 2016

Como era previsível, o PT, na sua primeira semana de retorno à oposição, fez cobranças ao novo governo com a autoridade de quem se presume vítima – e não réu – dos delitos expostos.

O país está arruinado. Os números da economia são bem piores do que se imaginava. As contas ainda não estão inteiramente levantadas, já que o governo deposto – e o termo é esse, pois ninguém de bom senso cogita vê-lo de volta – se recusou a providenciar o processo de transição.

Tal recusa a um procedimento meramente técnico equivale a uma confissão de crime, que os números confirmam. Não há outra expressão: o PT assaltou os brasileiros, dilapidou o Estado, deixou atrás de si um rastro de destruição.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, chegou a um deficit estratosférico: R$ 120 bilhões. Logo na sequência, porém, o ministro do Planejamento, Romero Jucá, constatou que o rombo é maior: R$ 160 bilhões.

Nenhum desses levantamentos incluiu a novidade que se anunciou na quarta-feira: as perdas da Eletrobras, suspensa pela Bolsa de Nova York por não apresentar o balanço auditado de 2014. A perda imediata é de R$ 40 bilhões, mas pode aumentar, já que o escritório Hogan Lovells, que investiga a estatal brasileira, ainda não chegou ao fim da linha. Segundo a agência Reuters, "a cada apuração feita, encontram-se novos indícios de irregularidades que estimulam novas investigações".

A Eletrobras é uma das muitas caixas-pretas a serem abertas – como BNDES, Dnit, Caixa Econômica, Banco do Brasil, fundos de pensão. Como se diz na roça, "a cada enxadada, uma minhoca".

Na Petrobras, os prejuízos são de R$ 42 bilhões – mas os danos são bem maiores. Além de ter perdido a oportunidade de leiloar mais de 40 áreas do pré-sal, quando o barril valia US$ 120, vende agora todos os ativos a preço de banana. É, hoje, a empresa mais endividada do mundo.

Outra descoberta assombrosa relaciona-se à publicidade. A Secretaria de Comunicação da Presidência da República, sob Dilma Rousseff, já gastou toda a verba prevista para 2016: R$ 152 milhões.

Essa verba alimenta, entre outras coisas, os blogs sujos da internet, pagos não só para defender a quadrilha do PT mas, sobretudo, difamar seus adversários. Esses blogueiros estão organizando um congresso na Bahia, para junho, em que esperam a presença de Dilma e Lula, para tratar do "combate ao golpe".

A insistência criminosa no termo "golpe", para definir o processo constitucional de impeachment, mereceu reação por parte da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, que pediu esclarecimentos à presidente afastada, dando-lhe o prazo de dez dias para se manifestar. Não o fará, por falta de argumentos.

A letal conjunção de corrupção sistêmica e gestão desastrosa, que os números atestam, produz efeitos em todos os setores da vida nacional, atingindo sobretudo a parcela mais desprotegida da população.

Na saúde, por exemplo, segundo levantamento divulgado pelo Conselho Federal de Medicina, perderam-se nada menos que 24 mil leitos de internação do SUS, ao longo dos últimos cinco anos – tempo que corresponde à presença de Dilma na Presidência.

A tragédia do desemprego – 11 milhões de vítimas –, da qual a militância do PT estava poupada, é outro subproduto dessa herança maldita.

E uma das medidas preliminares de higiene moral –e de cunho pedagógico– é fazer uma assepsia da máquina pública federal demitindo os milhares que foram nomeados para partidarizar o Estado. E esperar que a Justiça seja célere em julgar e condenar os que assaltaram o Brasil.

Roberto Campos fala sobre o capitalismo do povo, em 1985

O Capitalismo do Povo
*Roberto de Oliveira Campos (11/08/1985)

“A coisa mais importante para os governos não é fazer as coisas que os indivíduos já estão fazendo, ou fazê-las um pouco melhor ou pior; e sim fazer aquelas que no presente ninguém possa fazer” (Lord Keynes).

Para o começo de conversa precisamos de uma revolução semântica. A expressão “setor privado” inspira uma conotação de egoísmo e apropriação. A expressão “setor público” transmite a ideia de generosidade. Isso é injusto e inadequado. Mais correto seria, como sugere o economista paulista Rafael Vechiatti, chamarmos o setor público de “setor coercitivo”, e o privado de “setor voluntário”.

Sempre que se fala em desestatização, surge logo a indagação: de onde virão os recursos para o setor voluntário comprar as empresas do setor coercitivo? Uma resposta complexa é explicar que: 1) o governo não gera recursos e sim administra os recursos hauridos do setor voluntário por tributação ou tarifas; 2) que a poupança do governo é hoje negativa e que seu déficit é coberto mediante sucção da poupança privada; 3) que, na medida em que o Governo corte suas despesas, liberando a poupança privada, esta poderia comprar as empresas do “setor coercitivo”. Estas, aliás, não nasceram do nada e sim de tributos pagos pelo “setor voluntário”. A velocidade de geração de recursos para a privatização dependeria assim apenas da velocidade da redução do déficit público e da liberação das poupanças do setor voluntário. 

Num sentido fundamental, entretanto, o problema é simples e não exige qualquer despesa. Basta uma revolução conceitual, que pode ser feita por definição legal. O importante, num primeiro estágio, é separarmos o conceito de propriedade, do direito de gestão, diferenciando-se “ações de propriedade” de “ações de gestão”. O Governo é gestor das despesas públicas. Mas não precisa ser seu proprietário. As empresas públicas devem ser do público.

É esse o objetivo do projeto de lei número 139 que apresentei ao Senado Federal, em junho de 1983, e que há dois anos ali dorme o sono dos justos, pois as ideias simples são em princípio escandalosas. Nesse projeto se prevê que o governo devolva aos cidadãos a propriedade das poupanças deles arrecadadas, mediante a transferência gratuita de ações integralizadas – boas ou más – que sejam de propriedade da União, suas autarquias e entidade públicas, a um grande fundo de repartição de capital. Todos nós, contribuintes do INPS ou IPASE ou Funrural receberíamos gratuitamente frações ideais desse fundo. Os dividendos eventualmente resultantes seriam creditados aos cotistas, vale dizer, ao universo dos contribuintes, cujos impostos financiaram originalmente a criação dos elefantes estatais. As ações ficariam em custodia num organismo central, que poderia ser a Caixa Econômica Federal, ou qualquer outro órgão suficientemente computadorizado, que manteria escrituração da carteira de ações dos beneficiários. Enquanto mantidas em custódia, essas ações seriam de propriedade, porém não de gestão. O poder de voto e de gestão continuaria, como no presente, nas mãos dos administradores governamentais, até que essas ações doadas se transformassem em ações vendidas ou negociadas, através dos mecanismos normais de Bolsas de Valores ou de licitação de ações. O projeto de lei acima citado prevê que a alienação das ações ou a retirada da custodia se faça gradualmente (à razão de 5% ao ano), a fim de na se congestionar o mercado de valores.

Se a privatização da propriedade pode ser resolvida, resta o problema da privatização da gestão, indispensável para aumento da produtividade global do sistema. Esta continuaria a ser buscada através dos programas correntes de desestatização, por venda em bolsa ou licitação. O importante seria abandonarmos a ideia – usada pelos estatizantes para sabotar a desestatização – de que o Governo tem que reaver integralmente o capital investido. Em muitos casos, os investimentos foram superdimensionados, com custos financeiros tornados proibitivos pela lerda execução, de sorte que seria irrealista esperar vendê-las senão pela rentabilidade real ou esperada do patrimônio, aferida segundo as regras do mercado.

O programa de “repartição do capital” inauguraria imediatamente o capitalismo do povo. O programa de “desestatização” aumentaria gradualmente a eficiência de gestão, além de trazer receitas, que o Governo utilizaria para sanar aflitivas carências básicas – analfabetismo, endemias e epidemias, desnutrição e insuficiência dos serviços básicos de infraestrutura. Não faz sentido o governo ter postos de gasolina quando não tem postos de saúde, ou competir na fabricação de computadores quando não tem dinheiro para cuidar da malária...

Se há hoje uma constatação universal é a da falência do Estado-empresário. Até mesmo os regimes socialistas estão sentindo a rigidez e o desperdício dos sistemas centralistas. No universo das estatais brasileiras, o julgamento da eficiência é dificultado porque, contrariamente ao previsto no Art. 170, Parágrafo 20 da Constituição Federal, elas desfrutam de privilégios de mercado ou vantagens fiscais inacessíveis às empresas privadas. A Petrobrás, por exemplo, é lucrativa, mas desfruta de um monopólio que impede a aferição de eficiência. O Banco do Brasil é lucrativo, mas recebe recursos trilionários da Conta de Movimento do Tesouro a juros simbólicos, e coleta depósitos compulsórios de entidades públicas, sem ter que pagar os altos custos de captação. A Vale do Rio Doce e Usiminas, que operam superavitariamente e sem subsídio, em mercados competitivos, figuram talvez entre as únicas empresas sobre cuja eficiência não pairam dúvidas. Os grupos Telebrás e Eletrobrás não podem ser julgados porque operam em condições monopolísticas, caso em que o lucro pode resultar de manipulação tarifária e não eficiência competitiva.

O importante é acentuar que o Ministro Dornelles e Roberto Gusmão, que pregam a privatização por sentirem na carne os abusos dos elefantes enlouquecidos do setor coercitivo, não precisam se preocupar inicialmente com a carência de recursos para a privatização. Podemos privatizar imediatamente a propriedade por transferência gratuita, e, mais gradualmente, o voto e a gestão, pela venda convencional das ações à medida que o mercado as absorva. Mas mesmo o primeiro passo tem consequências psicológicas importantes. Sentindo-se proprietário, ainda que em frações minúsculas, das empresas públicas, os contribuintes se interessariam em fiscalizá-las, na esperança de algum dividendo, e para isso se organizariam em associações civis, a fim de se manifestarem nas assembleias gerais. Os gestores, sentindo-se também coproprietários, ainda que microscópios, talvez deixassem de considerar os dinheiros públicos um bem de ninguém. E o lucro da empresa passaria a ser considerado o que realmente é, um prêmio do desempenho e não uma secreção de cupidez capitalista. É uma perfeita imbecilidade dizer-se que não se pode privatizar as estatais porque elas são “patrimônio do povo”. Precisamente por isso é que devem ser privatizadas, na forma indicada no projeto de lei número 139. Para que sejam do povo. Hoje são dos tecnocratas, que às vezes delas abusam, ou dos políticos, que as desfiguram. O povo não tem vez....

*Defensor apaixonado do liberalismo. Economista, diplomata e político também se revelou um intelectual brilhante. De sua intensa produção, resultaram inúmeros artigos e obras como o livro A Lanterna na Popa, uma autobiografia que logo se transformou em best-seller. Foi ministro do Planejamento, senador por Mato Grosso, deputado federal e embaixador em Washington e Londres. Sua carreira começou em 1939, quando prestou concurso para o Itamaraty. Logo foi servir na embaixada brasileira em Washington, e, cinco anos depois, participou da Conferência de Bretton Woods, responsável por desenhar o sistema monetário internacional do pós-guerra.

Como o Ocidente (e todo o resto) se tornou rico - Deirdre MacCloskey

How the West (and the Rest) Got Rich
LIFE | IDEAS | THE SATURDAY ESSAY
The Great Enrichment of the past two centuries has one primary source: the liberation of ordinary people to pursue their dreams of economic betterment

A statue of Adam Smith in Edinburgh, Scotland PHOTO: ALAMY
By DEIRDRE N. MCCLOSKEY          
The Wall Street Journal, May 20, 2016
                        
Why are we so rich? An American earns, on average, $130 a day, which puts the U.S. in the highest rank of the league table. China sits at $20 a day (in real, purchasing-power adjusted income) and India at $10, even after their emergence in recent decades from a crippling socialism of $1 a day. After a few more generations of economic betterment, tested in trade, they will be rich, too.

Actually, the “we” of comparative enrichment includes most countries nowadays, with sad exceptions. Two centuries ago, the average world income per human (in present-day prices) was about $3 a day. It had been so since we lived in caves. Now it is $33 a day—which is Brazil’s current level and the level of the U.S. in 1940. Over the past 200 years, the average real income per person—including even such present-day tragedies as Chad and North Korea—has grown by a factor of 10. It is stunning. In countries that adopted trade and economic betterment wholeheartedly, like Japan, Sweden and the U.S., it is more like a factor of 30—even more stunning.

And these figures don’t take into account the radical improvement since 1800 in commonly available goods and services. Today’s concerns over the stagnation of real wages in the U.S. and other developed economies are overblown if put in historical perspective. As the economists Donald Boudreaux and Mark Perry have argued in these pages, the official figures don’t take account of the real benefits of our astonishing material progress.

Look at the magnificent plenty on the shelves of supermarkets and shopping malls. Consider the magical devices for communication and entertainment now available even to people of modest means. Do you know someone who is clinically depressed? She can find help today with a range of effective drugs, none of which were available to the billionaire Howard Hughes in his despair. Had a hip joint replaced? In 1980, the operation was crudely experimental.

Nothing like the Great Enrichment of the past two centuries had ever happened before. Doublings of income—mere 100% betterments in the human condition—had happened often, during the glory of Greece and the grandeur of Rome, in Song China and Mughal India. But people soon fell back to the miserable routine of Afghanistan’s income nowadays, $3 or worse. A revolutionary betterment of 10,000%, taking into account everything from canned goods to antidepressants, was out of the question. Until it happened.

What caused it? The usual explanations follow ideology. On the left, from Marx onward, the key is said to be exploitation. Capitalists after 1800 seized surplus value from their workers and invested it in dark, satanic mills. On the right, from the blessed Adam Smith onward, the trick was thought to be savings. The wild Highlanders could become as rich as the Dutch—“the highest degree of opulence,” as Smith put it in 1776—if they would merely save enough to accumulate capital (and stop stealing cattle from one another).

A recent extension of Smith’s claim, put forward by the late economics Nobelist Douglass North (and now embraced as orthodoxy by the World Bank) is that the real elixir is institutions. On this view, if you give a nation’s lawyers fine robes and white wigs, you will get something like English common law. Legislation will follow, corruption will vanish, and the nation will be carried by the accumulation of capital to the highest degree of opulence.

But none of the explanations gets it quite right. What enriched the modern world wasn’t capital stolen from workers or capital virtuously saved, nor was it institutions for routinely accumulating it. Capital and the rule of law were necessary, of course, but so was a labor force and liquid water and the arrow of time.

The capital became productive because of ideas for betterment—ideas enacted by a country carpenter or a boy telegrapher or a teenage Seattle computer whiz. As Matt Ridley put it in his book “The Rational Optimist” (2010), what happened over the past two centuries is that “ideas started having sex.” The idea of a railroad was a coupling of high-pressure steam engines with cars running on coal-mining rails. The idea for a lawn mower coupled a miniature gasoline engine with a miniature mechanical reaper. And so on, through every imaginable sort of invention. The coupling of ideas in the heads of the common people yielded an explosion of betterments.

Look around your room and note the hundreds of post-1800 ideas embedded in it: electric lights, central heating and cooling, carpet woven by machine, windows larger than any achievable until the float-glass process. Or consider your own human capital formed at college, or your dog’s health from visits to the vet.

The ideas sufficed. Once we had the ideas for railroads or air conditioning or the modern research university, getting the wherewithal to do them was comparatively simple, because they were so obviously profitable.
     
Storefronts along Hudson Street in New York City, circa 1860 to 1900. PHOTO: FOTOSEARCH/GETTY IMAGES

If capital accumulation or the rule of law had been sufficient, the Great Enrichment would have happened in Mesopotamia in 2000 B.C., or Rome in A.D. 100 or Baghdad in 800. Until 1500, and in many ways until 1700, China was the most technologically advanced country. Hundreds of years before the West, the Chinese invented locks on canals to float up and down hills, and the canals themselves were much longer than any in Europe. China’s free-trade area and its rule of law were vastly more extensive than in Europe’s quarrelsome fragments, divided by tariffs and tyrannies. Yet it was not in China but in northwestern Europe that the Industrial Revolution and then the more consequential Great Enrichment first happened.

Why did ideas so suddenly start having sex, there and then? Why did it all start at first in Holland about 1600 and then England about 1700 and then the North American colonies and England’s impoverished neighbor, Scotland, and then Belgium and northern France and the Rhineland?

The answer, in a word, is “liberty.” Liberated people, it turns out, are ingenious. Slaves, serfs, subordinated women, people frozen in a hierarchy of lords or bureaucrats are not. By certain accidents of European politics, having nothing to do with deep European virtue, more and more Europeans were liberated. From Luther’s reformation through the Dutch revolt against Spain after 1568 and England’s turmoil in the Civil War of the 1640s, down to the American and French revolutions, Europeans came to believe that common people should be liberated to have a go. You might call it: life, liberty and the pursuit of happiness.

To use another big concept, what came—slowly, imperfectly—was equality. It was not an equality of outcome, which might be labeled “French” in honor of Jean-Jacques Rousseau and Thomas Piketty. It was, so to speak, “Scottish,” in honor of David Hume and Adam Smith: equality before the law and equality of social dignity. It made people bold to pursue betterments on their own account. It was, as Smith put it, “allowing every man to pursue his own interest his own way, upon the liberal plan of equality, liberty and justice.”

And that is the other surprising notion explaining our riches: “liberalism,” in its original meaning of “worthy of a free person.” Liberalism was a new idea. The English Leveller Richard Rumbold, facing the hangman in 1685, declared, “I am sure there was no man born marked of God above another; for none comes into the world with a saddle on his back, neither any booted and spurred to ride him.” Few in the crowd gathered to mock him would have agreed. A century later, advanced thinkers like Tom Paine and Mary Wollstonecraft embraced the idea. Two centuries after that, virtually everyone did. And so the Great Enrichment came.

Not everyone was happy with such developments and the ideas behind them. In the 18th century, liberal thinkers such as Voltaire and Benjamin Franklin courageously advocated liberty in trade. By the 1830s and 1840s, a much enlarged intelligentsia, mostly the sons of bourgeois fathers, commenced sneering loftily at the liberties that had enriched their elders and made possible their own leisure. The sons advocated the vigorous use of the state’s monopoly of violence to achieve one or another utopia, soon.

Intellectuals on the political right, for instance, looked back with nostalgia to an imagined Middle Ages, free from the vulgarity of trade, a nonmarket golden age in which rents and hierarchy ruled. Such a conservative and Romantic vision of olden times fit well with the right’s perch in the ruling class. Later in the 19th century, under the influence of a version of science, the right seized upon social Darwinism and eugenics to devalue the liberty and dignity of ordinary people and to elevate the nation’s mission above the mere individual person, recommending colonialism and compulsory sterilization and the cleansing power of war.

On the left, meanwhile, a different cadre of intellectuals developed the illiberal idea that ideas don’t matter. What matters to progress, the left declared, was the unstoppable tide of history, aided by protest or strike or revolution directed at the evil bourgeoisie—such thrilling actions to be led, naturally, by themselves. Later, in European socialism and American Progressivism, the left proposed to defeat bourgeois monopolies in meat and sugar and steel by gathering under regulation or syndicalism or central planning or collectivization all the monopolies into one supreme monopoly called the state.

While all this deep thinking was roiling the intelligentsia of Europe, the commercial bourgeoisie—despised by the right and the left, and by many in the middle, too—created the Great Enrichment and the modern world. The Enrichment gigantically improved our lives. In doing so, it proved that both social Darwinism and economic Marxism were mistaken. The supposedly inferior races and classes and ethnicities proved not to be so. The exploited proletariat was not driven into misery; it was enriched. It turned out that ordinary men and women didn’t need to be directed from above, and when honored and left alone, became immensely creative.

The Great Enrichment is the most important secular event since human beings first domesticated wheat and horses. It has been and will continue to be more important historically than the rise and fall of empires or the class struggle in all hitherto existing societies. Empire did not enrich Britain. America’s success did not depend on slavery. Power did not lead to plenty, and exploitation was not plenty’s engine. Progress toward French-style equality of outcome was achieved not by taxation and redistribution but by the Scots’ very different notion of equality. The real engine was the expanding ideology of classical liberalism.

The Great Enrichment has restarted history. It will end poverty. For a good part of humankind, it already has. China and India, which have adopted some of economic liberalism, have exploded in growth. Brazil, Russia and South Africa, not to speak of the European Union—all of them fond of planning and protectionism and level playing fields—have stagnated.

Economists and historians from left, right and center cannot explain the Great Enrichment. Perhaps their sciences need revision, toward a “humanomics” that takes ideas seriously. Humanomics doesn’t abandon the economics of arbitrage or entry, or the math of elasticities of demand, or the statistics of regression analysis. But it adds the study of words and meaning and their stunning contribution to our enrichment.
      
Over 200 years, average world income per person has soared from about $3 a day to a stunning $33 a day. PHOTO: GETTY IMAGES
What public policy to further this revolution? As little as is prudent. As Adam Smith said, “it is the highest impertinence…in kings and ministers to pretend to watch over the economy of private people.” We certainly can tax ourselves to give a hand up to the poor. Smith himself gave to the poor with a liberal hand. The liberalism of a Christian, or for that matter of a Jew, Muslim or Hindu, recommends it. But note, too, that 95% of the enrichment of the poor since 1800 has come not from charity but from a more productive economy.

Rep. Thomas Massie, a Republican from Kentucky, had the right idea in what he said to Reason magazine last year: “When people ask, ‘Will our children be better off than we are?’ I reply, ‘Yes, but it’s not going to be due to the politicians, but the engineers.’ ”

I would supplement his remark. It will also come from the businessperson who buys low to sell high, the hairdresser who spots an opportunity for a new shop, the oil roughneck who moves to and from North Dakota with alacrity and all the other commoners who agree to the basic bourgeois deal: Let me seize an opportunity for economic betterment, tested in trade, and I’ll make us all rich.

Dr. McCloskey is distinguished professor emerita of economics, history, English and communication at the University of Illinois at Chicago. This essay is adapted from her new book, “Bourgeois Equality: How Ideas, Not Capital or Institutions, Enriched the World,” published by the University of Chicago Press.

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Jose Serra sobre o governo e a politica externa - entrevistra a Eliane Cantanhede (OESP)

‘Governo não tem a opção de fracassar’, diz José Serra

O Estado de S.Paulo,

Com promessa de ‘turbinar’ o Itamaraty, Serra prepara viagem à Argentina para começar ‘atualização’ do Mercosul

BRASÍLIA - O novo chanceler, José Serra, enumera os erros da política externa dos 13 anos de governo do PT, anuncia que vai discutir uma “atualização” do Mercosul em sua primeira viagem internacional, hoje, à Argentina, e assume um compromisso com a opinião pública e os diplomatas: “Vamos turbinar o Itamaraty”.

Serra disse estar acertando com o ministro do Planejamento, Romero Jucá, como cobrir a carência de R$ 800 milhões do Itamaraty, que tem até atrasado salários e aluguéis e imóveis no exterior. Fora isso, há dívidas de R$ 6,7 bilhões do Brasil a organismos e bancos internacionais, tema também em discussão.
Ele também prometeu abrir o País ao mundo e uma relação melhor com os Estados Unidos. “Nossa relação comercial com os EUA deve com certeza se tornar mais próxima e o grande investimento aí é a remoção de barreiras não tarifárias”, disse na noite de sexta-feira, em entrevista ao Estado na qual resumiu os desafios do governo Michel Temer: “Não temos a opção de fracassar. Tem que dar certo”.

José Serra durante posse como Ministro das Relações Exteriores no Itamaraty, em Brasília.
José Serra durante posse como Ministro das Relações Exteriores no Itamaraty, em Brasília.
O que é uma política externa “regida pelos valores do Estado e da Nação”?
A política externa lida com os interesses nacionais num contexto mundial e vamos ter uma política de Estado, numa nova modalidade de política externa independente. Além de não se alinhar às potências, será independente de partidos e de aliados desses partidos no exterior, diferentemente do que havia nos governos do PT.
O sr. não vê diferenças entre a política externa de Lula e a de Dilma? O sr. chegou a ficar bem próximo do chanceler de Lula, Celso Amorim, quando o sr. era ministro da Saúde e ele embaixador em Genebra e atuaram juntos para a quebra de patentes de medicamentos contra a Aids.
Trabalhamos muito bem e de forma produtiva. Aliás, o Celso deixou de fumar cachimbo por minha causa. Eu disse que ele não podia fumar cachimbo e ir a reuniões antitabagismo e ele jurou que tinha deixado de fumar. Minha relação com o Celso foi muito boa. Depois, no Itamaraty, prefiro não analisar.
Uma crítica a Amorim era que ele era antiamericanista, mas o sr., pelo passado de UNE e de esquerda, também é visto assim.
Não é bem assim, mas, de todo modo, não tenho condições agora de revisar a minha biografia e o que eu pensava a respeito. Só que tive uma experiência pessoal que foi muito importante, quando passei parte do meu exílio nos Estados Unidos, nas Universidades de Princeton e Cornell, e comecei a conhecer a sociedade e a democracia americanas muito de perto. Daria uma outra entrevista eu contar o impacto que eu tive ao viver o cotidiano e junto à base da sociedade a democracia americana.
O sr. assume num momento em que o Brasil precisa revigorar as relações com Washington, depois que elas ficaram esgarçadas pela contaminação ideológica no Brasil e pela espionagem da NSA até da presidente...
NSA, o que é isso? Os EUA são uma peça essencial do mundo contemporâneo, embora já não tão dominante como no passado, pois você tem novos centros de poder e de economia, caso típico da China. Nossa relação com os EUA é secular e fundamental e deve com certeza se tornar mais próxima no comércio. O grande investimento aí é a remoção de barreiras não tarifárias. Eles têm uma rede de proteção não tarifária, na área fitossanitária, por exemplo, que exige negociação. Vamos trabalhar incessantemente nessa direção.
Uma eventual eleição do republicano Donald Trump pode atrapalhar esse processo?
Prefiro não acreditar nisso...
No seu discurso de posse o sr. defendeu a reaproximação com parceiros tradicionais, como EUA, Europa e Japão. É o fim da política Sul-Sul?
Veja, se o Brasil é um país continental, tem de ter relações com o mundo inteiro. Nós vamos levar adiante nossa relação com a África, mas não com base em culpas do passado ou em compaixão, mas sabendo como podemos cooperar também beneficiando o Brasil. Aliás, minha ideia é fazer um grande congresso no ano que vem entre Brasil e África, para discutir comércio, cooperação e trocas, inclusive na área cultural, onde temos grande afinidade.
Quando fala em compaixão, o sr. quer dizer que o Brasil não vai mais perdoar dívidas de países africanos, como fez Lula?
Pedi um levantamento para definir o que será feito daqui em diante. O Brasil não é um país que tem dinheiro sobrando, não somos um país desenvolvido. Não implica estabelecer relações predatórias com nenhuma parte do mundo, mas temos que gerar empregos e combate à pobreza aqui dentro também.
Dilma disse em entrevista ser ignorância uma política externa sem os vizinhos e sem os Brics.
A impressão que eu tenho é de que ela não sabe o que está dizendo. Entendo as dificuldades e até esse certo desnorteamento e me sinto constrangido e pouco à vontade para debater com ela nessas condições.
Muitos elogiaram, mas muitos consideraram acima do tom diplomático suas notas contra o diretor da Unasul e os países “bolivarianos” que criticaram o processo político brasileiro. Foram acima do tom?
Foi um tom abaixo das agressões feitas. Na minha primeira reunião no ministério eu disse que não iríamos nem calar nem escalar. Essa é a linha. O que fizemos foi apontar o que não era verdadeiro. Dizer que a democracia está atropelada no Brasil? Que não há garantias democráticas? Basta qualquer um de fora passar uns dias aqui para ver que a democracia está funcionando normalmente. Foi um processo traumático? Foi. Mas todo dentro da democracia e do previsto pela Constituição.
Como fica a relação com Venezuela, Cuba, Equador, Bolívia, Nicarágua e El Salvador, que se manifestaram sobre o Brasil? E com o diretor da Unasul?
A tendência é ir tendo relativizações. Aliás, eu sou amigo do Ernesto Samper (da Unasul). Depois da nota, nós já nos falamos.
Por que a primeira viagem é para a Argentina?
A Argentina é considerada por nós para lá de prioritária. Entre os propósitos da viagem está o debate sobre a atualização do Mercosul, criação do mecanismo de ação conjunta Brasil-Argentina e acertar uma conferência regional sobre ilícitos nas fronteiras, uma questão vital para o Brasil e para a Argentina.
Quando se fala nisso, pensa-se no Paraguai, que, aliás, atuou para evitar notas oficiais contra o Brasil.
Uma ação dessa natureza é inviável sem a colaboração dos países, porque não se resolve na linha das fronteiras, mas no interior dos países. Estou convencido de que teremos a cooperação da Argentina, do Paraguai, da Bolívia, da Colômbia... O Paraguai é um país que está se modernizando e o chanceler deve vir aqui em breve.
O sr. falou em atualização do Mercosul. O que significa isso, já que o sr. é considerado inimigo do Mercosul?
Não, não sou, mas o Mercosul é uma união alfandegária que terminou sendo um obstáculo a acordos bilaterais de comércio. Houve uns 500 acordos bilaterais nos últimos anos, mas o Brasil só fez três: com Israel, Palestina e Egito. É preciso aprofundar as condições da zona de livre comércio, porque ainda há barreiras, e encontrar formas de flexibilizar as regras para permitir acordos bilaterais mundo afora.
Uma das críticas à política externa do PT é que foi toda centrada no multilateralismo na OMC, que não deu certo, vetando o bilateralismo, que todos os demais fizeram. Isso vai mudar?
O multilateralismo poderia ter sido bom para o Brasil, mas, na medida em que Doha, da OMC, não avançou, ficou preso nisso, sem multilateralismo e sem acordos bilaterais. Mas, veja, não estou dizendo que vamos abandonar a OMC, apenas que vamos ter os pés no chão.
O Brasil vai reforçar relações com a Aliança para o Pacífico?
É uma grande prioridade. Relação Brasil-Chile sempre foi próxima e temos boa relação com Colômbia e Peru. Queremos estreitar relações com o México, que é da Aliança para o Pacífico e, assim como a Argentina, é prioridade número 1.
Aproximar dos pragmáticos e neutralizar os bolivarianos?
Posso ser sincero? Não tem nada a ver com conjunturas políticas. Tem a ver com estratégias mais permanentes.
Na era Lula-Amorim, o Brasil participava de negociações para a crise do Irã, para a crise do Oriente Médio... O sr. vai priorizar o comércio em detrimento da diplomacia, ou isso vai voltar?
Sem megalomania. Vamos participar pela paz, pelo entendimento, usando as vantagens comparativas que o Brasil possa ter, mas, repito, sem megalomania.
Com suas críticas à política externa do PT, vem aí uma dança de cadeiras em cargos-chave da chancelaria e das embaixadas?
Vamos manter uma política gradualista de preenchimento de cargo e o mais importante é que nós vamos turbinar o Itamaraty. Nesses anos todos, seja pelo jeito de fazer política externa, seja pelas dificuldades orçamentárias mais recentes, houve certo desânimo e ceticismo que comprometeram a autoestima do Itamaraty. Mas isso, eu prometo, será revertido.
Como, se o governo prevê um rombo de R$ 170,5 bilhões?
A carência imprescindível do Itamaraty é da ordem de R$ 800 milhões e não precisa ser tudo de uma vez. Então, o peso do Itamaraty nas finanças públicas é insignificante e eu não posso atribuir senão ao descaso tudo isso que vinha acontecendo.
E as dívidas com organismos e bancos internacionais?
Quem paga é o Planejamento e hoje (sexta-feira) passei um bom tempo com o ministro Romero Jucá discutindo isso. Ao todo, são R$ 3 bilhões de dívida com os organismos, mais R$ 3,7 bilhões para os bancos (BID, Bird, FMI...)
Vai ter corte de embaixadas e consulados?
Eles criaram uns 60 postos e agora são 227. Será que tudo isso é necessário? Estamos vendo custo-benefício.
A concessão de passaporte diplomático para o tal bispo evangélico foi uma derrapada?
Eu não assino passaportes, seria exótico se assinasse. O problema é que a Igreja Católica sempre teve dois passaportes diplomáticos, as evangélicas reivindicaram a mesma coisa, e algum governo, acho que do Lula, concedeu. Não cabe ao governo definir que uma igreja é mais ou menos importante que a outra.
O Itamaraty é um trampolim para sua candidatura em 2018?
Claro que não, não tem trampolim nenhum. Tudo o que eu quero é fazer uma boa administração aqui. Pode parecer uma declaração de político tradicional, mas é verdadeira.
Seus filhos acreditam nisso?
Meus dois filhos, sim, principalmente o homem. As mulheres são mais desconfiadas.
E se o governo Michel Temer naufragar?
Os desafios são imensos, mas não temos a opção de dar certo ou fracassar. Tem de dar certo, pelo País. O impeachment é doloroso e traumático, mas é uma questão de salvação do Brasil.

domingo, 22 de maio de 2016

Gustavo Franco: abriu-se uma janela de oportunidade para consertar as coisas (Entrevista Estadao)

Entrevista. Gustavo Franco
'Para reduzir a dívida pública, é preciso vender patrimônio', diz Gustavo Franco
Ex-presidente do Banco Central defende a privatização como caminho para recompor o fluxo de caixa do governo – que é o superávit primário
Alexa Salomão
O Estado de S.Paulo, 21maio 2016

O economista Gustavo Franco se diz surpreso com a excelente qualidade da equipe econômica. Ficou acima do que ele mesmo esperava. Também está positivamente surpreso com a decisão do presidente em exercício, Michel Temer, em “sentar na cadeira, fazer o diagnóstico e assinalar o legado – que parece horroroso”. Mas Gustavo Franco faz uma ressalva para o novo time: para reduzir a dívida pública, a prioridade neste momento, será preciso ir muito além do corte de gastos. Na avaliação dele, será preciso resgatar uma agenda perdida, a das privatizações. “Só conseguirá fazer reduções relevantes na dívida pública se vender patrimônio: concessões, participações, créditos. Esse é o principal desafio, cujos termos do enfrentamento ainda não estão definidos”, diz Franco. A seguir, os principais trechos da entrevista que concedeu ao Estado.

O que lhe parece a nova equipe econômica?
Melhor do que se esperava. Assinala que haverá uma guinada drástica da política econômica na direção do bom senso.

Quais são seus principais desafios?
No Ministério da Fazenda, o comando central de todos os desafios da área econômica, é difícil hierarquizar o mais sério e o mais urgente, inclusive porque eles lá dentro estão tendo uma percepção mais fina do que é possível perceber daqui de fora. Mas, para começar, é bastante claro que enxergaram uma situação fiscal muito pior do que se imaginava – e já se imaginava uma coisa muito pior do que o conhecido. Eu acredito que eles precisam deixar isso muito claro, na partida, evitar o que aconteceu com Joaquim Levy (ex-ministro da Fazenda): sentar na cadeira e assinalar o legado. Levy não assinalou o tamanho dos problemas que herdava e ficou parecendo que os problemas foram criados por ele. Hoje a gente vê muita gente colocando no Joaquim a culpa pelos descaminhos da política econômica. Começou muito bem a nova equipe em dar uma parada e fazer o diagnóstico. O próprio presidente Temer deve fazer um pronunciamento à nação. Independentemente disso, vejo com muita clareza que é preciso estabelecer qual é o legado – e ele parece horroroso.

Do lado de fora, conseguimos prever o que pode vir ou é obscuro?
É obscuro porque as coisas mais polêmicas ficam numa área que não é bem do orçamento ou dos bancos públicos federais. Ficam ali no meio disso: são as operações criativas envolvendo bancos, fundos, Tesouro. A área que, nós técnicos, chamamos de parafiscal. É onde a Lei de Responsabilidade Fiscal tem pouco a dizer, pouco controle, e onde ocorrem as piores atrocidades. Mas a síntese, por assim dizer, do problema fiscal é o nível do endividamento público interno. Nunca tivemos uma dívida interna tão grande e tão cara. O Brasil pagou de juros, no ano passado, o equivalente a 10% do PIB (Produto Interno Bruto). Isso é algo como duas vezes o que pagou o Tesouro grego. É a maior conta de juros do mundo. É claro que isso ocorre porque o juro é alto e porque a dívida é alta. A dívida é alta demais para o Brasil. Na minha percepção, esse é o maior desafio de todos. Não há muito precedente histórico, seja aqui, seja em outros países, de desalavancagem – a redução rápida do estoque da dívida interna. Há alguma coisa que vale observar no pós-guerra, nas economias desenvolvidas. Também naquele momento era uma dívida de guerra, com caráter excepcional. Pessoas que compraram algo como bônus da vitória não estavam tão interessadas em receber do mesmo jeito que hoje os detentores da dívida pública brasileira estão.

E como resolve?
Só conseguirá fazer reduções relevantes na dívida pública se vender patrimônio. Se vender ativos: concessões, participações, créditos. Esse é o principal desafio, cujos termos do enfrentamento ainda não estão definidos. Há boas intenções no ar, mas não vimos nada operacional ainda.

Parte dos ativos em questão são aqueles que não se conseguiu privatizar lá atrás, no governo do PSDB, porque eram privatizações polêmicas. Um governo não eleito, de transição, consegue privatizar Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa?
Tem muita coisa para fazer tirando esses três que você mencionou. Tem uma infinidade de participações do setor elétrico. O governo federal vai fazer programa de ajuda aos Estados. Tal qual fez no passado, poderá aceitar empresas estaduais em pagamento e as privatizar. Aqui no Rio de Janeiro, por exemplo, pode fazer isso com a Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgoto). Ou seja: trata-se de o governo federal fazer o que a Petrobrás está fazendo. Sem maior alarde, a Petrobrás vendeu uma porção de ativos, sem passar pelo rito e burocracia do Programa Nacional de Desestatização. Mas é fundamental que a Petrobrás tenha agilidade para fazer isso, com o mesmo intuito que é o do governo federal: reduzir o endividamento. Isso precisa ser feito com agilidade. Esse é um desafio que perpassa todos os outros. Você precisa recompor o fluxo de caixa do governo – que é o superávit primário. Mas não é com um superávit primário de 1%, 2% do PIB que você vai reduzir dramaticamente uma dívida que já está em 73% do PIB – que é onde se encontra, por ora, a dívida bruta.

Há economistas defendendo que uma medida prioritária é reduzir o juros da dívida. Como o sr. vê essa questão?
Infelizmente, isso você precisa combinar com os credores. Aqui é preciso clareza. O Brasil, no passado, teve problemas com a dívida externa. Aí era possível, com muita facilidade, transformar um credor estrangeiro em inimigo e tornar o assunto politizado e irracional. Agora é diferente. A dívida é interna. Os credores são os aposentados de fundos de pensão, os poupadores. É impensável fazer qualquer pirueta com os títulos e suas remunerações. Quantos milhões de aposentados são remunerados por fundos de pensão? Quantos compraram papéis no Tesouro Direto? Não há o que fazer, seja reduzir artificialmente os juros ou mexer na remuneração dos papéis. Isso torna o problema do endividamento público diferente do que foi no passado. Esse tema é parte do assunto que, no fundo, pertence ao Congresso. Corte de gastos do governo e aumento de tributos ou aumento da dívida: essa é a escolha do Congresso. Se não aceitar cortes, nem elevar impostos, o Congresso estará elevando a dívida. Mas estou otimista. O Brasil está enfrentando com mais maturidade temas importantes, como a reforma da Previdência.

É ano de eleição municipal e os especialistas em Previdência dizem que, na hora de mexer em direitos, as pessoas resistem. Uma agenda impopular pode mesmo ser aprovada agora?
As coisas que se dizem impopulares são meio enganosas. A coisa mais impopular que existe em economia é errar. O que esse governo não pode fazer é errar. Mas depois que você faz uma coisa impopular do jeito certo, todo mundo gosta. O Plano Real tinha muitas coisas impopulares. É preciso ter clareza de que mais importante do que fazer coisas populares é fazer correto. Se fizer correto, o povo vai gostar.

Qual será o desafio de Ilan Goldfajn à frente do Banco Central?
A escolha dele é muito boa. Ilan é uma macroeconomista de mão cheia e participou da criação do regime de metas. Nota dez para a escolha. Agora, o BC não é o centro do problema. O desafio é fiscal. O inimigo agora é outro. Claro que, se tudo der certo no fiscal, a taxa de câmbio tenderá a se valorizar e o Banco Central de Ilan vai enfrentar o que ocorreu comigo, com o Henrique (Meirelles, atual ministro da Fazenda e ex-presidente do BC): ver a apreciação cambial, com seus efeitos, como afetar a competitividade brasileira. Mas aí tomara que esse desafio apareça: vai significar que a economia vai bem.

Há apreensão em relação à saúde de bancos de médio porte. Poderia vir daí uma surpresa desagradável?
Pode ser, sim, que haja um razoável conteúdo de estresse creditício, tendo em vista o que ocorreu no nível de atividade. Mas hoje a qualidade de supervisão bancária, o nível de capitalização, a transparência na supervisão da qualidade das carteiras de crédito nos colocam num patamar muito melhor do que em 1993, seja nos bancos público, sobretudo nos privados, onde não vejo nada muito significativo. É uma situação ciclicamente difícil, mas está longe de ser uma mega desafio como foi lá atrás.

E os bancos públicos? Há especial preocupação com a Caixa.
É verdade. O Banco Central vai ter de ver isso. No caso da Caixa, há um complicador: o FGTS. As relações entre o FGTS e a Caixa merecem um destaque, uma transparência inicial. Deveria haver mais isolamento entre uma coisa e outra. A Caixa, por outro lado, como é um banco 100% do Tesouro, é quem efetua muitas políticas de governo e coloca no seu balanço. É um problema antigo. O Banco do Brasil sempre teve um minoritário privado, atento a essas coisas. Tanto que o Banco do Brasil manteve muito mais a sua integridade operacional e patrimonial nos últimos anos. O desafio é colocar a Caixa no mesmo padrão do Banco do Brasil. Aí talvez se possa, para melhorar a sua governança, abrir o capital da Caixa – até porque o dinheiro vai ser bem-vindo.

O sr. divulgou uma nota comemorando a nova direção do BNDES...
Entre o BNDES e o Tesouro ocorreram muitas operações exóticas. Há meio trilhão de títulos transferidos ao BNDES, numa modalidade de operação parecida com a que havia entre Tesouro e Banco do Brasil, que a gente chamava de conta movimento e achava um absurdo. O principal desafio de Maria Sílvia (Bastos Marques, nova presidente do BNDES), ao sentar na cadeira, é devolver meio trilhão ao Tesouro dessas operações. É uma coisa que só executivos experientes como ela têm conhecimento para fazer.

Muitos economistas dizem que o tempo desse governo é curto para mostrar resultados. O sr. concorda?
Vou começar com um lugar comum. O tempo é relativo. É uma das variáveis econômicas mais delicadas e interessantes. O tempo pode ser ampliado conforme o horizonte de expectativas se expande. Cada boa notícia aumenta o tempo deles. Você não pode encarar o pouco tempo como uma restrição para fazer só coisas de curto prazo. Eles podem trazer coisas cujos os efeitos integrais só serão sentidos muito lá na frente. Reforma da Previdência, por exemplo. Os efeitos não são imediatos, mas sobre as expectativas, são avassaladores.

O sr. parece mesmo otimista.
Estou. Abriu-se uma janela. A gente está olhando lá para fora, ainda deslumbrados. No calor dos acontecimentos, a gente não consegue discernir as coisas, mas daqui há dez anos, quando olharmos para trás, talvez a gente perceba que esse momento foi paradigmático. As pessoas querem reformas, falam em fazer coisas ambiciosas, que eram impossíveis. De repente, o impossível parece corriqueiro.