O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Roberto Campos: o profeta responsavel

Acabo de colocar um ponto (provavelmente não final) em um longo (140 p.) ensaio de história das ideias de Roberto Campos.
Abaixo apenas o "Índice" do ensaio.


Roberto Campos: uma trajetória intelectual no século 20

Paulo Roberto de Almeida
(Brasília, 28/02/2017, 140 p.)

1. Turgot e Campos: dois economistas, separados no tempo, unidos nas ideias
2. As ideias movem o mundo? Provavelmente sim, para Roberto Campos

Primeira Parte: No Estado, pelo Estado, com o Estado
3. O seminarista literário se torna um economista prático
4. Do economista improvisado ao administrador pragmático
5. A irresistível ascensão do diplomata tecnocrata
6. A economia brasileira guiada pela mão do Estado
7. A produção intelectual a favor do ativismo estatal
8. Dos bastidores ao palco: o homem público se torna um estadista
9. No olho do furacão: o estadista em ação, no planejamento estatal
10. O articulista erudito a serviço da razão de Estado

Segunda Parte: Fora do Estado, sem o Estado, contra o Estado
11. Do “executivo imaginoso” ao “pregador missionário”
12. O diplomata “herege”, do “outro lado da cerca”, nadando “contra a maré”
13. O “herege diplomata” em licença, e no limbo, do Itamaraty
14. A produção intelectual, entre a academia e a tecnocracia
15. De volta às lides diplomáticas, na Corte de Saint James
16. O “herege diplomata” é sabotado no caminho da ministrança
17. A produção intelectual na terra dos grandes economistas
18. De tecnocrata a político: a ética da convicção, num país anti-weberiano
19. Do fracasso na política ao sucesso como publicista erudito

20. À guisa de conclusão: o profeta do planejamento utópico do futuro

Referências bibliográficas

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

O Estado do Progresso e o Progresso do Estado (1986) - Paulo Roberto de Almeida

Um amigo, Tulio Ferreira, descobre entre os seus guardados, esquecidos e novamente achados, um exemplar de um velho suplemento cultural do Estadão -- dos tempos que isso existia -- que publicou um longo ensaio sociológico-político que eu escrevi mais de 30 anos atrás, ainda refletindo leituras para minha tese de doutorado.
Fui buscar o trabalho em meu computador, e não achei, o que significa que ele precede a aquisição do meu primeiro computador, um MacIntosh Plus, dos primeiros modelos (sem disco rígido interno), que comprei na Suíça, meados de 1987.
O trabalho é este aqui:


140. “O Estado do Progresso e o Progresso do Estado: desenvolvimento e democracia em perspectiva histórica”, Brasília, 13 dezembro 1986, 12 pp. Digressão sobre a natureza do progresso e o papel do Estado na mudança social. Publicado no suplemento cultural do jornal O Estado de São Paulo, semanário Cultura (São Paulo, Ano VII, nº 382, 24/10/87, pp. 8-9). Relação de Publicados nº 044.


Tulio me envia uma copia da primeira página da versão publicada, que transcrevo acima.
Quem tiver interesse, vai ter de aumentar o tamanho do arquivo para ler.
A mim, tenho de ir buscar na pasta de originais as folhas datilografadas do texto de 1986, e scannerizar para tê-lo na integra. Por enquanto a imagem é só da primeira parte; também estou curioso para ver o resto...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27/02/2017

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Seis meses de IPRI: que balanço fazer? - Paulo Roberto de Almeida

Pouco mais de seis meses atrás, eu tomava posse, finalmente, como Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI-Funag, depois de longos 13 anos e meio de ostracismo, durante toda a duração do regime lulopetista (o dobro do que tinha durando meu primeiro exílio, sob a ditadura militar).
Como não houve posse formal, inclusive porque não se tratava de um cargo na Secretaria de Estado, e sim numa autarquia formalmente autônoma, ainda que não independente do Ministério das Relações Exteriores, não tive oportunidade de fazer nenhum discurso, nem de apresentar meus planos de trabalho. Mas, como sempre registro atos e fatos de minha vida, sobretudo as grandes etapas intelectuais de uma trajetória de vida toda ela dedicada aos livros, às leituras, às reflexões e escritos intermediando cada fase de um percurso rigorosamente voltado para o estudo e atividades didáticas, e como o IPRI é teoricamente um think tank (ainda que tenha pouco think e quase nenhum tank), resolvi redigir, naquele momento, minhas reflexões pessoais sobre esse "episódio", inclusive porque andava lendo as Mémoires d'outre tombe, de François-René de Chateaubriand.
Como estou ainda pensando em que tipo de balanço fazer, mas estando totalmente dedicado, no momento, à redação de um longo ensaio intelectual, resolvi postar novamente, para releitura, aquilo que eu tinha escrito no momento dessa "saída do deserto", antes de fazer propriamente um balanço, o que prometo fazer assim que possível.
Paulo Roberto de Almeida 


Considerações sobre o caráter efêmero das memórias, e das funções públicas (inspiradas em Chateaubriand)

Paulo Roberto de Almeida
Divulgado no blog Diplomatizzando (03/08/2016, link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/08/nomeacao-para-ipri-in-lieu-of.html).

Andei lendo, no período recente, uma seleção de trechos das “Memórias de Além-Túmulo” de François-René Auguste de Chateaubriand, numa compilação feita por Georges Readers, antigo diretor do Lycée Franco-Brésilien de São Paulo, já autor de um livro saboroso sobre Gobineau, O Inimigo Cordial do Brasil. No Avant-Propos dessa compilação, Les Plus Belles Pages des ‘Mémoires d’Outre Tombe’ (Rio de Janeiro: Americ=Edit., 1945), Georges Readers relembra que Chateaubriand, Chevalier de France, mais tarde Visconde, havia começado a redação de suas memórias entre 1803 e 1809, mas que ele a interrompeu em 1814, quando ingressou na vida política, sob a Restauração. Ele retomou sua escrita entre 1821 e 1822, durante o lazer que lhe proporcionavam as embaixadas em Berlim e em Londres, mas outras partes foram escritas bem mais tarde, abordando as carreiras literária e política, além de suas viagens pela Europa, já mais perto do final esperado de sua vida, nos anos 1840 (p. 7).
Chateaubriand, em um trecho de suas memórias, disse mais ou menos o que eu mesmo poderia dizer, se por acaso tivesse o seu estilo, a sua pompa, suas pretensões à glória e à imortalidade, ou se me sentisse, como ele, perto de um projetado túmulo:
“J’écris principalement pour rendre compte de moi-même... Aujourd’hui que je regrette encore mes chimères sans les poursuivre, que parvenu au sommet de la vie je descends vers la tombe, je veux avant de mourir remonter mes belles années, expliquer mon inexplicable cœur...”
François-Auguste de Chateaubriand, Mémoires d’Outre Tombe.

En 1846, dois anos antes de sua morte, Chateaubriand submeteu suas memórias, o trabalho de toda uma vida, a uma última revisão, mas como lhe faltavam recursos, ele concedeu entregar os originais a editores para aliviar suas agruras financeiras. Como ele mesmo escreveu, ele “hipotecou sua tumba” a uma sociedade de acionistas por uma soma de 250 mil francos, e uma ‘pension viagère’ (ou seja válida até sua morte) de 20 mil francos anuais (p. 8, p. 43). De minha parte, não tive ainda necessidade, graças a meu trabalho paralelo de professor, de hipotecar qualquer escrito vivo ou póstumo, não só porque não escrevi, até o momento, minhas memórias, apenas depoimentos esparsos, mas também porque nenhuma sociedade de acionistas se disporia a comprar alguns dos meus escritos, pelo estilo pesado que é o meu, falando de coisas totalmente aborrecidas.
Chateaubriand passou boa parte do regime do Terror, sob o Diretório, refugiado em Londres, onde ele começou, em 1796, a redigir um “Ensaio sobre as revoluções”, publicado no ano seguinte sob o título de Essai historique, politique et moral sur les Révolutions anciennes et modernes, considérées dans leurs rapports avec la Révolution Française, livro que dedicou “a todos os partidos” que dividiam então a França (p. 11).
Em 1799, Napoleão, então “primeiro cônsul” da França, retirou-o da lista dos emigrados impedidos de voltar, os banidos, e Chateaubriand retorna à França. Três anos depois, Napoleão se torna “cônsul eterno”, nomeando Chateaubriand Secretário de Embaixada em Roma, mas, um ano depois, como reação ao assassinato do Duque de Enghien, sequestrado a mando de Napoleão no exterior, Chateaubriand renuncia ao seu posto, mediante uma carta de demissão enviada diretamente ao primeiro cônsul.
Em 1804, Napoleão se autodesigna imperador hereditário dos franceses, título ao qual ele agregou o de rei da Itália. Chateaubriand viaja novamente ao exterior, notadamente à Terra Santa, e publica livros, além de reedições de suas primeiras obras. Em seu retorno à França, em 1807, o exército de Napoleão invade Portugal e provoca a fuga da família real para o Brasil. Pouco tempo depois, Chateaubriand começa a redigir as suas memórias; eleito para a Academia Francesa em 1811, não lhe dão posse no entanto. Quando Napoleão é derrotado pela primeira vez, por uma coalizão de exércitos europeus em 1814, Chateaubriand publica De Buonaparte et des Bourbons. Luis XVIII entra triunfalmente em Paris, e nomeia Chateaubriand embaixador na Suécia, mas ele não assume o posto, devido à saída do rei de Paris, no seguimento da fuga de Napoleão da ilha de Elba, ao mesmo tempo em que o Congresso de Viena iniciava seus trabalhos.
Depois de ser nomeado embaixador em Berlim (em 1820) e em Londres (1822), Chateaubriand é designado ministro plenipotenciário no Congresso de Verona, no qual desempenha um papel importante, quando se decide restabelecer no trono da Espanha o absolutista Fernando VII, contra a vontade dos espanhóis, revoltados em face de uma nova intervenção armada estrangeira. No final de 1822, Chateaubriand se torna ministro dos negócios estrangeiros, mas por pouco tempo, pois já em 1824 ele cai novamente em desgraça, assumindo uma posição liberal. Ele passa quatro anos escrevendo livros e publicando suas obras, antes de ser nomeado embaixador em Roma, em 1828. No ano seguinte, no entanto, descontente com o ministério Polignac, as querelas sobre o ensino e o restabelecimento da censura à imprensa na França, ele se demite de seu posto. Em 1830, defensor da legitimidade dinástica, ele se demite igualmente da Chambre des Pairs, protestando contra a revolução de 1830 e a posse de Louis-Philippe d’Orleans como novo rei. Condenado por complô contra o Estado em 1832, ele consegue a anulação da sentença e retorna à França, se instalando em Paris, voltando a escrever livros que confrontam o novo regime. Em 1836, ele vende suas memórias a uma sociedade comercial, sob promessa de que elas só seriam publicadas após sua morte. Em 1848, logo após a revolução de fevereiro e a queda de Luis Felipe, as Mémoires d’Outre Tombe começam a ser publicadas sob a forma de folhetim no jornal La Presse. Chateaubriand morre em 4 de julho, aos 80 anos, em Paris, unanimemente reconhecido como um dos maiores escritores da língua francesa em todos os tempos.

De minha parte, nunca tive qualquer pretensão de ser um novo Chateaubriand, certamente não pela política, e menos ainda pela literatura, a despeito de que, como ele, eu sempre me coloquei contra as tendências do momento, ao afirmar minhas opiniões e argumentos, mesmo quando eles podem provocar desconfortos ocasionais, ou até perda de posições possíveis na corporação que é a minha. Como ele, também enfrentei meus exílios, aliás dois: minha formação superior foi toda feita em francês, ainda que eu não tenha conhecido, como Chateaubriand, un séjour instructif dans un pays de langue anglaise, o que teria certamente ajudado a melhorar meu inglês, que, até hoje, permanece um tanto quanto déplorable.
Mas como Chateaubriand, eu me dediquei, ferozmente, às artes da escrita, não nos diversos gêneros literários que ele cultivou, sem exibir, em qualquer momento, sua crença romântica em algum “gênio do Cristianismo”, mas voltado unicamente aos temas da política, da economia e da sociologia. À diferença dele, entretanto, nunca pretendi vangloriar-me da beleza do meu estilo, que é terrivelmente pedante, em vez da elegância empolada das frases de Chateaubriand. Paul Hazard, da Academia Francesa, que introduziu a compilação das mais belas páginas das Memórias de Além Túmulo, não hesita em dizer que o escritor confundia, frequentemente, “verité avec beauté” (p. 32).
Como sabem os que acompanham minha atividade de escrevinhador, passei os quase três lustros do regime dos companheiros numa situação de ostracismo absoluto, sem qualquer cargo na Secretaria de Estado, ganhando aproximadamente o que ganhava um Secretario (já que sem qualquer “ajutório”), e fazendo da Biblioteca meu escritório de preferência, de fato compulsório. Foi, digamos assim, o meu segundo exílio, mas que durou o dobro do primeiro, que tinha sido de “apenas” sete anos e meio, passado na Europa, durante a fase mais dura do regime militar. Ao contrário de Chateaubriand, no entanto, eu não precisei hipotecar a minha tumba para sobreviver. Aliás, eu nem teria memórias para vender ou hipotecar; a quase totalidade do que escrevo é gratuitamente colocada à disposição dos interessados através de meu site pralmeida.org (atualmente em fase de reconstrução) ou por meio do blog Diplomatizzando. Para compensar o prejuízo salarial derivado da falta de alguma função na SERE, eu me exerci como professor, o que aliás eu sempre fiz, com grande prazer e muita satisfação intelectual.
Em todo caso, foram 13 anos e meio de travessia do deserto, durante os quais aproveitei para ler muito mais do que eu teria feito se inserido na máquina burocrática da diplomacia profissional durante os anos de dominação companheira sobre a política externa. Tal situação de ostracismo me poupou, aliás, do desprazer de ter de defender causas enviesadas e iniciativas míopes, ou ter de representar um governo totalmente inepto, notoriamente corrupto, literalmente podre, ao nível do patrimonialismo de tipo gangster, como infelizmente só descobrimos bem tarde. Aproveitei esse tempo de lazer totalmente involuntário para escrever vários livros e muitos artigos, assim como para reforçar o que eu chamei de meu “quilombo de resistência intelectual”, que é o blog Diplomatizzando, mesmo se muitos da Casa não gostem e achem que eu exagerei ou que ataquei demais a política externa dos companheiros, essa diplomacia partidária, medíocre, falsamente altiva e mentirosamente soberana, de fato, submissa a ditaduras.
Num dos muitos tournants de uma carreira diplomática razoavelmente feliz, na qual pude desempenhar funções profissionais, ou funcionais, durante muitos anos, temporariamente interrompidos por circunstâncias alheias à minha vontade, e combinar essas atividades com lides acadêmicas igualmente gratificantes, exclusivas no período recente, retomo agora o curso normal de atividades corporativas. Desde meu quilombo de resistência intelectual a desvios em algumas das políticas públicas que constituem o foco principal de meus estudos, reflexões e escritos, pude perceber, algumas semanas atrás, traços de terra na beira do oceano, vestígios de vegetação e de habitat humano ao final do deserto. Ao assumir o IPRI, espero poder oferecer à Casa algum retorno pelos bons momentos que desfrutei no serviço exterior, antes da chegada dos companheiros.
Tenho alguns, poucos, bons hábitos, e muitos outros maus, um dos quais, talvez péssimo, que é o de nunca pedir nada a ninguém, sequer audiências à administração, para cuidar, ou pedir, por exemplo, cargos ou funções, promoção, postos; nada, quase jamais. Sempre considerei que a Casa contasse com burocratas conscienciosos, que saberiam desempenhar suas avaliações de desempenho em total independência, sem interferências políticas externas e sem a influência nefasta dos chamados “pistolões” e sem o famoso “quem indica”. Durante todos esses anos, apenas tratei de fazer o meu trabalho, geralmente de maneira silenciosa, embora por vezes estridente, mas bem mais pela pluma do que pela voz. Posso contudo orgulhar-me de uma característica, talvez essencial em meu itinerário profissional, para o bem e para o mal: jamais deixei o meu cérebro em casa, quando saia para trabalhar, e nunca o depositei na portaria, quando ingressava no trabalho. Existem riscos nesses hábitos, porém, como se tornou evidente.
Aqui chegamos, enfim, e depois de anos e anos – na verdade os treze anos e meio da gestão lulopetista, quando fiz da Biblioteca, quase todos os dias, meu escritório de trabalho –, volto a exercer uma função na instituição diplomática, ainda que não de natureza executiva, simplesmente acadêmica, talvez decorativa, como disse certa vez o vice-presidente, hoje guindado à presidência interina. O cargo assumido não é porém isento de riscos, pois um antigo diretor foi ingloriosamente defenestrado, como se sabe, em pleno ancien régime “tucanês”. Achei francamente exagerada, e muito autoritária, aquela decisão, contra quem, aliás, não exercia nenhuma função executiva, certamente não relevante do ponto de vista das principais definições de política externa, no caso, na política comercial envolvida na questão das negociações em torno do projeto americano para um acordo de livre comércio hemisférico.
Na ocasião eu solidarizei imediatamente, com o defenestrado, para ser por ele reciprocado poucos meses depois ao ser, por minha vez, sancionado pela mesma administração por ter concedido uma entrevista sem a devida autorização prévia, que na época respondia à indecorosa circular da censura prévia, apropriadamente conhecida como “lei da mordaça”. Minha entrevista, ao contrário das tomadas de posição do ex-diretor do IPRI, se conformava inteiramente à política oficial do Itamaraty, mas ainda assim a administração resolveu me sancionar, sob a justificativa dúbia de que, tendo “punido um”, não poderia “deixar de punir outro”. Essa é a lógica da Inquisição, se me permitem a comparação totalmente indevida, nos efeitos práticos, mas creio que similar em espírito, senão em intenção intimidante ou dissuasiva.
A despeito de minha solidariedade com o primeiro punido pela “lei da mordaça” – que, ao sê-lo, converteu-se imediatamente num dos mártires da causa justiceira, e como tal manipulada pelos propagandistas do partido companheiro – tive a frustrante surpresa de ser vetado, um ano depois (já no início de 2003), para um cargo no Instituto Rio Branco, de coordenar o programa de mestrado, do qual eu já era professor orientador, desde 2001, programa que só funcionou durante dez anos apenas. O veto ocorreu quando o mesmo ex-diretor do IPRI, convertido em uma espécie de porta-voz das causas petistas em matéria de política externa, justamente em virtude de sua ejeção pelos “neoliberais”, foi guindado (depois de uma mudança nas regras em vigor) ao cargo real de “oficial-maior” e virtual de ideólogo-mor da diplomacia lulopetista. Essa diplomacia estranha e exótica, complacente com as ditaduras e desdenhosa das grandes “potências hegemônicas”, se encontra hoje felizmente desativada, mas provavelmente não de todo; como os irredutíveis gauleses, ela resiste, encore et toujours, nos corações e mentes dos gramscianos de academia. De fato, a julgar pelos manifestos divulgados recentemente por quase todas as entidades acadêmicas a propósito de um “golpe” em curso no Brasil, acredito que o lulopetismo diplomático ainda esteja plenamente ativo e altivo no plano das mentalidades gramscianas.
Fui vetado muitas outras vezes, ao longo do longo período lulopetista, pois nunca deixei de exercer meu direito de expressar minha opinião sobre as loucuras cometidas nestes anos bizarros, tempos de diplomacia não convencional e de exaltação exagerada da figura do “nosso Guia”. Não tenho porque esconder nada neste momento que poderia ser classificado de um “renascimento profissional”; todo o meu itinerário pessoal a longo desses anos, que eu chamei de um segundo exílio, apenas sobrevivendo no plano intelectual, encontra-se perfeitamente documentado em minhas listas de trabalhos, tanto as de originais quanto os publicados, disponíveis no meu site. Aliás, em apêndice a este texto, vou listar os trabalhos mais contundentes a esse respeito.
Não tenho ainda um programa de trabalho, meu, para o IPRI, mas existe um, já aprovado oficialmente, para secundar a diplomacia do governo, atuando como um canal de interação com a comunidade acadêmica. Vou pensar em agregar algumas outras coisas, talvez um pouco diferentes do programa que é desenvolvido oficialmente, ou dos debates que ocorrem normalmente na academia, apenas com certo comedimento, provavelmente. A razão da cautela é que, paradoxalmente, o ambiente universitário não parece ser um exemplo de isenção e de equilíbrio, se justamente medirmos os ânimos por todos esses manifestos divulgados nos últimos tempos, em “defesa da democracia”, contra o “golpe”, e outras bobagens do gênero. Vou tentar fazer algo em defesa dos valores e dos princípios da diplomacia brasileira, tão lamentavelmente conspurcados, ambos, sob o regime inacreditável dos companheiros. Digo inacreditável porque ainda não descobrimos ou desvelamos todas as patifarias cometidas ao longo desses anos, talvez mesmo no âmbito da política externa (não da diplomacia, cabe bem distinguir). Existe, certamente, muita coisa a ser feita, num país que passou mais de uma década num regime de mentiras constantes, propaganda fantasiosa, para nada falar dos crimes – econômicos, políticos, comuns – praticados ao longo desses anos bizarros.
Não precisa ser uma repetição de projetos já feitos anteriormente, mas pode-se pensar na continuidade do que foi feito em 2013, na obra em 3 volumes Pensamento Diplomático Brasileiro, 1750-1964 (disponível no site da Funag), que resultou de um projeto original meu (embora não exatamente da forma em que foi desenvolvido). Nessa obra assinei um primeiro capítulo, metodológico, e um outro sobre Oswaldo Aranha, feito a partir de um texto do embaixador João Hermes Pereira de Araújo, recentemente falecido. Começo agora a desenhar a continuidade cronológica desse projeto, cujos contornos exatos não estão ainda perfeitamente definidos. Mas já elaborei um projeto sobre os valores e princípios da diplomacia brasileira, que pode resultar num trabalho de reflexão sobre o que fizemos, na República, em matéria de formulação e de execução da diplomacia governamental, por meio das ações e escritos de alguns dos profissionais e intelectuais que se desempenharam nesta arena. Divulgarei quando possível.

Neste momento, cabe uma palavra final aos que não esmoreceram na defesa de um serviço profissional, em condições por vezes adversas de manutenção dos princípios permanentes da política externa brasileira, e que lutaram pela preservação dos valores da carreira diplomática, por parte deste colega que, por acaso, é também acadêmico, e que sempre levou um duplo combate, nas duas frentes, em prol de valores tão simples como a ideia de honestidade intelectual, ademais do princípio do interesse nacional. A minha palavra é apenas esta: vale perseverar...
Talvez eu possa terminar com uma frase atribuída a Talleyrand, contemporâneo quase exato de Chateaubriand: Quand je me regarde, je me désole. Quand je me compare, je me console… Mas o próprio Chateaubriand fez uma avaliação final de sua vida, nas páginas finais das Mémoires d’Outre Tombe:
Ainsi la vie publique et privée m’a été connue. Quatre fois j’ai traversé les mers ; (…) Pauvre et riche, puissant et faible, heureux et misérable, homme d’action, homme de pensée, j’ai mis ma main dans le siècle, mon intelligence au désert ; l’existence effective s’est montrée à moi au milieu des illusions, de même que la terre apparaît aux matelots parmi les nuages. Si ces faits répandus sur mes songes, comme le vernis qui préserve des peintures fragiles, ne disparaissent pas, ils indiqueront le lieu où est passé ma vie.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 de junho e 7 de julho; São Paulo, 21 de julho de 2016.



Apêndice sobre fontes e leituras adicionais:

As obras de Chateaubriand encontram-se disponíveis na seguinte Wikisource, embora eu tenha retirado excelentes edições na biblioteca do Itamaraty, como esta informada ao início deste texto:

Georges Readers (org.), Les Plus Belles Pages des ‘Mémoires d’Outre Tombe’ (Rio de Janeiro: Americ=Edit., 1945)
Chateaubriand, François-René Auguste de, obras, em francês: https://fr.wikisource.org/wiki/Auteur:Fran%C3%A7ois-Ren%C3%A9_de_Chateaubriand.
Almeida, Paulo Roberto de, trabalhos sobre a política externa e a diplomacia lulopetista (em ordem cronológica inversa de elaboração):
3004. “Crônica final de um limbo imaginário?”, Brasília, 1 julho 2016, 2 p. Reflexões sobre o encerramento de uma etapa e o início de outra. Divulgado no blog Diplomatizzando (link: (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/07/cronica-final-de-um-limbo-imaginario.html).

2991. “Uma seleção de trabalhos sobre a política externa brasileira na era Lula: Paulo Roberto de Almeida, 2002-2016”, Brasília, 6 junho 2016, 13 p. Listagem seletiva, na ordem cronológica inversa, dos trabalhos mais importantes, inéditos e publicados, produzidos no período em apreço em temas da diplomacia e do sistema político brasileiro. Disponível no blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/06/a-politica-externa-brasileira-na-era.html) e na plataforma Academia.edu (link: http://www.academia.edu/26393585/Trabalhos_PRA_sobre_a_politica_externa_brasileira_na_era_Lula_2002-2016_ (versão revista e atualizada); http://www.academia.edu/25901782/Trabalhos_PRA_sobre_a_politica_externa_brasileira_na_era_Lula_2002-2016_).

2983. “O renascimento da política externa”, Brasília, 25 maio 2016, 14 p. Publicado na revista Interesse Nacional (ano 9, n. 34, julho-setembro de 2016, link: http://interessenacional.com/index.php/edicoes-revista/o-renascimento-dapolitica-externa/).

sábado, 25 de fevereiro de 2017

E ja que falamos em Zweig: resenha de duas obras sobre o Brasil, pais de (do?) futuro - Paulo Roberto de Almeida

Fiz esta resenha dupla mais de dez anos atrás, mas acabo de me lembrar, em função desses trabalhos, livros e seminários sobre Stefan Zweig, o maior escritor da primeira metade do século XX, que se suicidou no Brasil 72 anos atrás, no Carnaval, justamente.
Paulo Roberto de Almeida 



Futuro preterido?: Zweig e um projeto para o Brasil

Paulo Roberto de Almeida

João Paulo dos Reis Velloso e Roberto Cavalcanti de Albuquerque (coords.):
Brasil, um país do futuro?
(Rio de Janeiro: José Olympio, 2006, 154 p.)

Projeto de Brasil: opções de país, opções de desenvolvimento
(Rio de Janeiro: José Olympio, 2006, 222 p.).


O Fórum Nacional do ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso sempre organiza, ademais dos encontros anuais, foros especiais dedicados a temas específicos. Em 2006 foram organizados dois, conectados pelo tema comum de se lograr um “projeto de Brasil”, suas opções de país e de desenvolvimento. Estes dois livros resultam desse esforço de diagnóstico e de proposição.
Stefan Zweig teria gostado de assistir ao seminário que lhe foi dedicado, em setembro de 2006, por ocasião do 125º aniversário de seu nascimento e dos 65 anos da publicação do seu livro tão famoso, quanto desconhecido (hoje), terminado poucos meses antes do suicídio do autor, no carnaval de 1942, em Petrópolis. Ele concordaria com o artigo indefinido e talvez até com o ponto de interrogação. A primeira edição brasileira modificou o título original, agora restabelecidoBrasilien, ein land der Zukunft, não der land e o colóquio agregou a condicionalidade, refletindo o ceticismo dos examinadores quanto à utopia não realizada. No essencial, Zweig provavelmente se alinharia aos argumentos dos seus revisores contemporâneos.
Alberto Dines, autor de uma biografia que pode considerar-se completa do escritor austríaco – Morte no Paraíso: a tragédia de Stefan Zweig (3ª ed.; Rio de Janeiro: Rocco, 2004) –, considera que Zweig, depois de assinar mais de quarenta biografias de personalidades mundiais, fez a biografia de uma nação, no “inferno do Estado Novo”. Como ele diz, essa obra “tornou-se a crônica mais conhecida e a menos discutida, a mais celebrada e mais negligenciada” do Brasil. Ela foi um dos primeiros lançamentos simultâneos da história editorial mundial: oito edições em seis línguas diferentes. Em vista dos percalços recentes no processo de crescimento, parece difícil concordar com Zweig em que, “quem conhece o Brasil de hoje, lançou um olhar sobre o futuro”.
Bolívar Lamounier e Regis Bonelli examinam, respectivamente, os avanços políticos e econômicos obtidos pelo Brasil desde que Zweig traçou seu diagnóstico sobre o Brasil do início dos anos 1940. Para Lamounier, o Brasil é um país de “muitos futuros”, mas ele critica as utopias institucionais que frequentemente pretendem revolucionar a participação e as formas de se fazer política no país: a romântico-participativa da democracia direta,  a do parlamentarismo clássico que ressurge sempre em momentos de crise e a utopia barroca do presidencialismo plebiscitário. Já Bonelli opera uma “volta para o futuro” ao examinar os elementos de continuidade e de mudança na esfera econômica: o Brasil certamente mudou muito, nesse terreno, mas a propensão a esperar tudo do Estado permanece, assim como uma certa desconfiança dos mercados externos. Algumas mudanças foram na direção errada, como o aumento na tributação, outras permanências são irritantes, como a péssima distribuição de renda e as incertezas jurídicas. Finalmente, o “fantasma do estrangulamento externo” estaria, de fato, superado?
Boris e Sérgio Fausto acrescentam um ponto de interrogação ao título de Zweig, temperando o otimismo do autor com certa dose de pessimismo. Não se trata do niilismo da esquerda, que vê na “dominação imperialista” a razão do nosso atraso. O duplo nó górdio da carga tributária e do gasto público limita hoje as possibilidades de crescimento. João Luís Fragoso analisa a “equação” de Zweig para o Brasil: concentração de poder + tolerância. Três comentários finais tratam das promessas não cumpridas de um olhar estrangeiro, do futuro que já chegou sob a forma da votação eletrônica e das dificuldades para a retomada de taxas razoáveis e sustentáveis de crescimento. No conjunto, o livro oferece uma boa visita ao que se poderia chamar de “futuro do pretérito”.

O segundo livro, Projeto de Brasil, é na verdade uma tripla obra. A segunda parte apresenta dois estudos de especialistas acadêmicos sobre emprego e inclusão digital. A terceira parte consiste, tão simplesmente, na transcrição (talvez dispensável, em retrospecto) da visão de Brasil defendida pelos quatro principais candidatos nas eleições presidenciais de 2006: Lula, Alckmin e Heloisa Helena, pelos respectivos coordenadores de campanha, e Cristovam Buarque, pelo próprio. Digo dispensável porque qualquer um deles, se eleito, dificilmente seguiria as pomposas recomendações dos respectivos programas, que a rigor não possuíam nenhuma importância substantiva. A primeira e mais importante parte constitui uma síntese, por João Paulo dos Reis Velloso, de propostas para uma agenda nacional, com base em todas as ideias de modernização do Brasil formuladas desde o surgimento do Fórum por ele presidido, em 1988. Ele consegue resumir claramente os principais obstáculos ao desenvolvimento do país, mostrando-o como um “Prometeu acorrentado”, que vive hoje uma crise de “autoestima”, em uma “era de expectativas limitadas” (apud Paul Krugman).
As opções de país que ele propõe são, nominalmente: o desenvolvimento como valor social, prioridade máxima à segurança, reforma política para construir um sistema político moderno, um Estado “inteligente” (com legislativo e judiciário modernos), a revolução do império da lei, da equidade, da tolerância e dos valores humanistas e a opção por uma sociedade moderna. Quanto às opções de desenvolvimento, elas consistem em três conjuntos de tarefas: a criação de bases para um crescimento sem dogmatismos, uma estratégia de desenvolvimento baseada na inovação e na sociedade do conhecimento e o progresso com inclusão social e portas de saída para os pobres. Ele conclui dizendo que subdesenvolvimento não é destino, é apenas o reflexo de opções equivocadas. Oxalá o Prometeu pudesse tomar consciência de quais são elas, exatamente. Aparentemente, além das correntes estatais, ele está com um pouco de cera nos ouvidos e ainda usa viseiras conceituais.

Brasília, 26 de janeiro de 2007.
Publicada em Desafios do Desenvolvimento
(Brasília: IPEA-PNUD, ano 4, n. 31, fevereiro de 2007)

Reescrevendo a historia: o fracasso monumental da Petrossauro - Roberto Campos

Preciso comentar? Acho que não. Só não sei porque ainda não se discute seriamente a questão da privatização completa desse ente deficitário e antro de corrupção que se chama Petrobras.
Paulo Roberto de Almeida

REESCREVENDO A HISTÓRIA...
Roberto Campos
Jornal do Comércio,  21/03/1999

Quando for escrita a história econômica do Brasil nos últimos 50 anos, várias coisas estranhas acontecerão. A política de autonomia tecnológica em informática, dos anos 70 e 80, aparecerá como uma solene estupidez, pois significou uma taxação da inteligência e uma subvenção à burrice dos nacionalistas e à safadeza de empresários cartoriais. Campanhas econômico-ideológicas como a do "o petróleo é nosso" deixarão de ser descritas como uma marcha de patriotas esclarecidos, para ser vistas como uma procissão de fetichistas anti-higiênicos, capazes de transformar um líquido fedorento num unguento sagrado. Foi uma "passeata da anti-razão" que criou sérias deformações culturais, inclusive a propensão funesta às "reservas de mercado".

A criação do monopólio estatal de 1953 foi um pecado contra a lógica econômica. Precisamente nesse momento, o ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, mendigava um empréstimo de US$ 300 milhões ao Eximbank, para cobertura de importações correntes (inclusive de petróleo). A ironia da situação era flagrante: de um lado, o país mendigava capitais de empréstimos que agravariam sua insolvência, de outro, pela proclamação do monopólio estatal, rejeitava capitais voluntários de risco. Ao invés de sócios complacentes (cuja fortuna dependeria do êxito do país), preferíamos credores implacáveis (que exigiriam pagamento, independentemente das crises internas). Esse absurdo ilogismo levou Eugene Black, presidente do Banco Mundial, a interromper financiamentos ao Brasil durante cerca de dez anos (com exceção do projeto hidrelétrico de Furnas, financiado em 1958). Houve outros subprodutos desfavoráveis.

Criou-se uma cultura de "reserva de mercado", hostil ao capitalismo competitivo. Surgiu uma poderosa burguesia estatal que, protegida da crítica e imune à concorrência, acumulou privilégios abusivos em termos de salários e aposentadorias. Criou-se uma falsa identificação entre interesse da empresa e interesse nacional, de sorte que a crítica de gestão e a busca de alternativas passaram a ser vistas como traição ou impatriotismo.  Vistos em retrospecto, os monopólios estatais de petróleo, que se expandiram no Terceiro Mundo nas décadas de 60 e 70, longe de representarem um ativo estratégico, tornaram-se um cacoete de países subdesenvolvidos na América Latina, África e Médio Oriente. Nenhum país rico ou estrategicamente importante, nem do Grupo dos 7 nem da OCDE, mantém hoje monopólios estatais, o que significa que os monopólios não são necessários nem para a riqueza nem para a segurança estratégica.

Essas considerações me vêm à mente ao perlustrar os últimos relatórios da Petrossauro. Ao contrário de suas congêneres terceiro-mundistas, que são vacas-leiteiras dos respectivos Tesouros, a Petrossauro sempre foi mesquinha no tratamento do acionista majoritário. Tradicionalmente, a remuneração média anual do Tesouro, sob a forma de dividendos líquidos, não chegou a 1% sobre o capital aplicado. Após a extinção de jure do monopólio, em 1995 (ele continua de facto), e em virtude da crítica de gestão e da pressão do Tesouro falido, os dividendos melhoraram um pouco, ma non troppo. Muito mais generoso é o tratamento dado pela Petrossauro à Fundação Petros, que representa patrimônio privado dos funcionários.

A empresa é dessarte muito mais um instituto de previdência, que trabalha para os funcionários, do que uma indústria lucrativa, que trabalha para os acionistas. Aliás, é duvidoso que a Petrossauro seja uma empresa lucrativa. Lucro é o resultado gerado em condições competitivas. No caso de monopólios, é melhor falar em resultados. Quanto à Petrossauro, se fosse obrigada a pagar os variados tributos que pagam as multinacionais aos países hospedeiros-bônus de assinatura, royalties polpudos, participação na produção, Imposto de Renda e importação - teria que registrar prejuízos constantes, pois é alto seu custo de produção e baixa sua eficiência, quer medida em barris/dia por empregado, quer em venda anual por empregado.

Examinados os balanços de 1995 a 1998, verifica-se que o somatório dos dividendos ao Tesouro (pagos ou propostos) alcançam R$ 1,606 bilhão enquanto que as doações à Petros atingiram 2,054 bilhões.

Considerando que o Tesouro representa 160 milhões de habitantes e vários milhões de contribuintes, enquanto que a burguesia do Estado da Petrossauro é inferior a 40 mil pessoas, verifica-se que é o contribuinte que está a serviço da estatal e não vice- versa.

Nota-se hoje no Governo uma perigosa tendência de postergação das privatizações seja na área de petróleo, seja na área financeira, seja na eletricidade. É um erro grave, que põe em dúvida nosso sentido de urgência na solução da crise e nossa percepção dos remédios necessários. A privatização não é uma opção acidental nem coisa postergável, como pensam políticos irrealistas e burocratas corporativistas. É uma imposição do realismo financeiro. Há duas tarefas de saneamento imprescindíveis. A primeira consiste em deter-se o "fluxo" do endividamento (o objeto mínimo seria estabilizar-se a relação endividamento/PIB). Essa é a tarefa a ser cumprida pelo ajuste "fiscal".  A segunda consiste em reduzir-se o estoque da dívida. Esse o objetivo da reforma "patrimonial", ou seja, a "privatização".

Não se deve subestimar a contribuição potencial da reforma patrimonial para a solução de nosso impasse financeiro. Tomemos um exemplo simplificado.

Apesar da crise das Bolsas, a venda do complexo Petrossauro-BR Distribuidora poderia gerar uma receita estimada em R$ 20 bilhões. Considerando-se que a rolagem da dívida está custando ao Tesouro 40% ao ano, uma redução do estoque em R$ 20 bilhões, representaria uma economia em curto prazo de R$ 8 bilhões. Isso equivale a aproximadamente 20 anos dos dividendos pagos ao Tesouro pela Petrossauro na média do período 1995-1998 (a média anual foi de R$ 401,7 milhões).

Se aplicarmos o mesmo raciocínio à privatização de bancos estatais e empresas de eletricidade, verificaremos que a solvência brasileira dificilmente será restaurada pela simples reforma fiscal. Terá que ser complementada pela reforma patrimonial.  É perigosa complacência a atitude governamental de que a reforma fiscal é urgente e a reforma patrimonial postergável. É dessas complacências e meias medidas que se compõe nossa lamentável, repetitiva e humilhante crise existencial.

Casa Stefan Zweig, Retratos do passado: Hubert Studenic/Hugo Simon

Flashes de um passado distante, de glória numa Europa fulgurante, e de horror e desespero no auge da violência nazista contra simples cidadãos produtivos, culpados "étnicos" por causa de uma das maiores estupidezes que já vitimaram o povo alemão em sua história, se não a maior, e uma gigantesca.
Paulo Roberto de Almeida

http://www.casastefanzweig.org.br/agenda_en/s26.html


Ujscie, Poland, 1880 — São Paulo, 1950

Banker, social-democrat activist, pacifist, Maecenas, founder of a silkworm  farm.

His and Stefan Zweig’s paths crossed five times: in the group around the businessman-philosopher-statesman Walter Rathenau; after the Great War in the Weimar Republic; in Paris, in the circle of German émigrés after the Nazis came to power; in 1940, in Brazil, when they stayed in the same hotel on Flamengo beach; and in early 1942 in Barbacena, during a meeting with another refugee writer, the Frenchman George Bernanos.

From a Jewish family and interested in agricultural and social issues, influenced by the German utopist Adalbert Stifter, and thanks to his adherence to social-democratic ideals, Simon worked a small property he inherited from his father in Kahlstadt, near the Polish border, a model grange. He was forced to abandon it due to the Germanist and reactionary wave stimulated by Chancellor Otto von Bismarck, in Prussia.

In Berlin, he helped found the bank Bett, Carsh, Simon & Co and with his wife, Gertrud, he turned the house on Drakestrasse into a centre for art and culture frequented by writers, intellectuals and artists such as Albert Einstein, the Mann brothers Heinrich and Thomas, René Schikele, Stefan Zweig, the “red” count Harry Kessler, Walter Rathenau, Kurt Tucholsky, Jakob Wasserman, maestro Bruno Walter, Walter Benjamin and artists of the Expressionist avant-guard.

The German defeat in the Great War, the end of the empire, the creation of the Weimar Republic and Rathenau’s political star, which twice elevated him to the post of minister, resulted in Simon becoming Finance minister of the Prussian cabinet. Rathenau’s assassination (1922) crushed all further hope. The economic and political instability of Germany lead him to create a banking house in Paris and he bought a house on Rue de Grenelle, 182. When the Nazis took power and his friends warned him to flee immediately, a small portion of his assets and art collection were safe in France. The mansion and the bank were confiscated soon afterwards. The French government received the couple, their daughters and sons-in-law as political refugees, thus they avoided internment in prisoner of war camps.

In the Paris apartment the cream of the intelligentsia in exile gathered: the Mann brothers, Franz Werfel and his wife, Ernst Toller, Lion Feuchtwanger, Alfred Döblin, Friderike Zweig (after the annexation of Austria), the Berlin journalist Ernst Feder, the French who support the Popular Front – Jews, atheists, Catholics, Protestants, Aristocrats, Communists, Socialists, Anarchists. Simon lead several operations to help refugees, such as removing those in danger from the occupied zones, financing newspapers, buying visas and liaising with the foreign diplomatic corps.

To finance these operation Simon began to shed part of his art collection that he’d salvaged from Germany. In Switzerland in 1937, through his friend and marchand Bruno Cassirer, he sold one of the versions (the fourth) of the famous Expressionist work by Norwegian Edvard Munch (1863-1944) “The Scream”.

The anti-Nazi trenches quickly emptied out as German troops approached Paris. Hugo and Gertrud were told that at the American consulate in Marseille there were visas for non-immigrants, valid for six months. However, with the capitulation, the puppet Vichy government annulled them along with all safe-conduct documents, asylum certificates and foreign exit visas.

The Simons joined the hoards heading for Marseille, where the Czech consul obtained the passports of a recently deceased couple. From the list of the living the names Hugo and Gertrud Simon disappeared and, in their place, emerged Hubert Studenic and Garina Studenicova, soon to be incorporated into the legion of people protected by the American journalist Varian Fry, sent by the Emergency Rescue Committee to rescue intellectuals persecuted by the Nazis and hemmed in the South of France.

The daughter Ursula and husband Wolf Demeter, and the other daughter, Annete Simon, got passports from the French Resistance with the names Leonie Renée Denis, André Denis and Marie Luise Pecherman. Wolf Demeter, a well-known sculptor, as well as changing his name, had to disguise himself to look 15 years older.

They reached the Spanish border by train, crossed the Pyrenees on foot (the same route taken by Friderike, her daughters and sons-in-law; see entry) and with visas secretly supplied by the Brazilian ambassador in  Vichy, Luís Martins de Souza Dantas, they entered Spain, buying tickets to Rio and embarking on the “Cabo Hornos”, which was sailing from Vigo, on the Atlantic coast. The daughters, son-in-law and grandson travelled on another ship to Argentina, where they remained a short time.

They arrived in what was then the capital of Brazil on March 3rd, 1941 and stayed first at Hotel Central, where they were met up with Stefan and Lotte Zweig (arriving from New York on August 27th, 1941). Without financial resources, they later shared the apartment of Ernst Feder and his wife, in Laranjeiras.

Thanks to his international connections, the money Simon had in England and the USA started arriving small amounts addressed to the São Bento monastery, which had a tradition of sheltering the persecuted and pilgrims. The monk Paulus Gordan, (a converted Jew who was to become abbot of the monastery), helped them with initial arrangements.

Fearful of being recognized in such a cosmopolitan atmosphere and rekindling old rural dreams, the Studenics moved to the interior of Minas Gerais, where they bought a small property in Barbacena to farm silkworms.

They became close to other refugees: the famous French Catholic writer George Bernanos, who was hidden away in a ranch called Cruz das Almas while he wrote his books and articles for O Jornal, and the young Jewish Romanian painter, Emeric Marcier, who had bought a house there to turn into a studio.

On the initiative of Ernst Feder, who in early 1942 went to spend the summer in a pension in Petrópolis, thereby becoming Stefan Zweig’s closest friend, Studenic arranged an invitation from Bernanos for Zweig to visit in mid-January. He thought it might help him overcome his solitude and depression.

The moving encounter in remote Barbacena between those Europeans who were so different yet so similar, was included in both their biographies. But it wasn’t enough to prevent Stefan Zweig’s tragic end.

With the end of the war, Hubert Studenic began the operation of resuscitating Hugo Simon. Thanks to the intervention of his old friends Albert Einstein and Thomas Mann, he managed to recover his name and part of his assets. He went to live in Penedo, a picturesque Finnish colony in the mountains of Rio state, not far from Resende, where his daughter lived with her husband and son, all still using the surname from the war, Denis.

There he began writing a novelistic autobiography called Seidenraupen, (Silkworms; or silk threads), a voluminous manuscript of around 1,500 pages, which the post-war German publishers weren’t interested in publishing because they hardly even knew who Hugo Simon was. The researcher Izabela Maria Furtado Kestler, a pioneer in Brazil in the field of Exilliteratur, Exile Literature, located the manuscript and published an extract.

Inspired by his valiant forefather, Simon’s great-grandson, Rafael Cardoso Denis, a professor of art history in Rio de Janeiro, and therefore  skilled in the art of links and connections, is trying to edit his valuable testimonial.


Address listed:  5 Av. Apparicio Borges, Ap. 4R, Rio. Tel. 42-1265.
  

A guerra no Pacifico poderia ter sido evitada? Diplomatas tentaram... - Book review

Não, não poderia ter sido evitada, pois os líderes militares japoneses já tinham decidido atacar os EUA, numa rara, inédita, demonstração de total irrealismo quanto às chances de prevalecer contra o que já era, naquele momento, a maior potência industrial e tecnológica do planeta (mas ainda não militar, obviamente).
Diplomatas costumam ser obedientes, e só em casos raros eles vão contra instruções recebidas, ou desobedecem deliberada e conscientemente ordens da capital.
Mas, eles possuem uma vantagem sobre líderes nacionais (civis ou militares): vivendo no exterior, convivendo com amigos e "inimigos", eles possuem uma percepção mais clara, mais realista, dos fatores em jogo, quando políticos ou militares no próprio país possuem uma visão deformada dessa realidade, quando não são completamente ignorantes do que é o mundo real.
Essa é a tragédia da profissão: atuar no exterior, tendo de receber instruções, muitas vezes, de ignaros nacionais...
Paulo Roberto de Almeida

H-Diplo Article Review 682 on The Desperate Diplomat: Saburo Kurusu’s Memoir of the Weeks before Pearl Harbor
by George Fujii
H-Diplo

Article Review
No. 682
24 February 2017

Article Review Editors:  Thomas Maddux and Diane Labrosse
Web and Production Editor: George Fujii

J. Garry Clifford and Masako R. Okura. The Desperate Diplomat: Saburo Kurusu’s Memoir of the Weeks before Pearl Harbor. Columbia: University of Missouri Press, 2016. ISBN: 978-0-8262-2037-0 (hardcover, $35.00).
URL:  http://tiny.cc/AR682
Review by Justus D. Doenecke, New College of Florida, Emeritus

The reputation of Saburō Kurusu has not been good. As special envoy of the Japanese government in the final three months before the Pearl Harbor attack, Kurusu met with American leaders in a last-ditch effort to prevent Japan and the United States from engaging in a bloody conflict. In a famous encounter that took place at 2:20 P.M. on the afternoon of December 7, the Japanese diplomat—along with Ambassador Kichisaburō Nomura—met with Cordell Hull, who had already been informed of the attack on Pearl Harbor.  The Secretary of State, his hand shaking, accused them of “fabrication and falsehood.”[1] In his memoirs, Hull accused Kurusu of seeking “to lull us with talk until the moment Japan got ready to strike.” [2]

Hull was not alone. Undersecretary of State Sumner Welles found the “oily” diplomat acting as the “goat tethered as bait for the tiger.” On Pearl Harbor day, Eleanor Roosevelt complained about that “nasty little Jap sitting there talking to my husband while Japanese planes were attacking Honolulu and Manila.” (9) Though no specialist has accepted this indictment, Kurusu’s popular image has been one of duplicity.

Thanks to the efforts of the late J. Garry Clifford and Masako R. Okura, a far more sympathetic—and accurate—picture of Kurusu has emerged. The two scholars have supervised the publication of an English translation of Kurusu’s memoir, published in Japanese in 1952 and deposited in the National Diet Library in 2007. The diplomat had died in 1954, before he could publish the English version. Okura, a political scientist conducting research in Tokyo in 2001, came upon the manuscript by accident and immediately recognized its importance. Okura and Clifford, her mentor at the University of Connecticut, have produced a beautifully edited document, whose introduction and elaborate endnotes reveal a superb knowledge of Japanese decision-making and the most recent scholarly literature. Manuscript sources include the papers of Kurusu, President Franklin Roosevelt, British Ambassador Halifax, Herbert Hoover, financier Bernard Baruch, diplomat Sumner Welles, Secretary of War Henry L. Stimson, and the U.S. State Department.  This reviewer finds one slight error: “pace” should be “peace.” (12)

Kurusu had long been a major diplomatic figure, having served in posts as varied as Hankou, Honolulu, New York, Santiago, Rome, Athens, Lima, Hamburg, and Brussels. He was Ambassador to Germany when, in September 1940, Foreign Minister Yosuke Matsuoka negotiated the Tripartite Pact. In his unpublished memoir Kurusu claimed he unsuccessfully sought to resign in protest of the accord.

Early in November 1941, Foreign Minister Shigenori Tōgō, realizing that relations with the U.S. were at a dangerous impasse, sent Kurusu to Washington as special envoy. Ambassador Kichisaburō Nomura, a former admiral, was well liked by the Roosevelt administration. However, Nomura, whose command of English was poor, found himself out of his depth. Hence, that summer he asked his foreign office for Kurusu’s aid. Before he left Tokyo, Kurusu met with Hideki Tōjō, who held the offices of Prime Minister and War Minister and was a full general. Tōjō stressed the necessity of concluding negotiations by the end of the month, although he did not reveal that war preparations were to be completed by early December. (Two days later, Japanese leaders fixed the date of December 7 for an attack on Pearl Harbor). Tōjō saw the negotiations having only thirty percent chance of success, but promised that despite powerful internal opposition he would keep any agreement.

Most of the memoir covers Kurusu’s negotiations with the Americans. During his first meeting with Roosevelt and Hull on November 17, the President suggested direct negotiations between Japan and China. There was, however, no follow through. Within a week, American decoders mistranslated significant Tokyo instructions to Kurusu. The U.S. thought that Japan would be obligated to act ‘automatically’ if Germany invoked the Tripartite Pact of September 1940. In reality the foreign office told Kurusu Japan would act ‘independently.’ When Nomura and Kurusu sought to assure Hull that their nation was under no obligation to assist Germany, the Secretary believed that the diplomats were deliberately lying.

The varied propositions of the American and Japanese representatives (Proposals A and B, Hull’s ten points of November 26) resemble a form of diplomatic ping pong. Because of deadlock over such matters as continued American support for China, the U.S. suggested a three-month modus vivendi: Japan would withdraw 50,000 troops from southern Indochina in return for which the United States would resume moderate sales of oil. Once China objected, Hull decided to “kick the whole thing over” (14). Hull’s ten points were the ultimate ‘nonstarter,’ as they included withdrawal of all Japanese forces from China and Indochina and support only for Chiang Kai-shek’s (Jiang Jieshi’s) government. War appeared inevitable.

By and large historians have overlooked the fact, so clearly brought out in the Kurusu memoir, that even after November 26 the Japanese diplomats actively continued their peace efforts. Due to the efforts of Herbert Hoover, Kurusu met with international lawyer Raoul Desvernine, an attorney on trade matters for Japan’s embassy. Desvernine in turn put him in touch with financier Bernard Baruch, who convinced Roosevelt to reconsider the modus vivendi. Meanwhile, the Methodist missionary E. Stanley Jones suggested that Roosevelt communicate with Emperor Hirohito directly and immediately. By the evening of December 6, however, when the president cabled the emperor, it was too late.

In their perceptive introduction to the memoir, Clifford and Okura indicate that the Pacific War might have been avoided.  They write, “Without rekindling conspiracy theories about who fired the first shot in 1941, we are nonetheless struck by the pervasive atmosphere of fatalism and diplomatic passivity in the final days prior to war” (12). American fatigue played an obvious role. Hull, who suffered from tuberculosis, had put in sixteen-hour days.  The Japanese envoys noted that Roosevelt, too, appeared “very tired” (22). The President had undergone blood transfusions that spring and summer and may well have been suffering aftereffects in late fall. The two historians speculate that had Roosevelt contacted Hirohito shortly after Hull’s ten-point note, the diplomatic process might have been continued.  Conscious that the U.S. was committed to a ‘Europe first’ strategy, American military officials were pressing Roosevelt and Hull for more time, so as to deliver B-17 bombers to the Pacific.

Thanks to the labors of Clifford and Okura, it will be difficult to look again at the last three weeks of peace in quite the same way.

Justus Doenecke is emeritus professor of history at New College of Florida with a Ph.D. from Princeton (1966). He has written twelve books, including Storm on the Horizon: The Challenge to American Intervention, 1939-1941 (Lanham, MD: Rowman & Littlefield, 2000), and in 2015 came out with the 4th edition, with John E. Wilz, of From Isolation to War, 1931-1941 (Malden: Wiley Blackwell, 2015). He is writing a sequel to Nothing Less Than War: A New History of America’s Entry into World War I (Lexington: University Press of Kentucky, 2011). The volume will cover the politics and diplomacy of U.S. as a full-scale belligerent, the period from April 6, 1917- November 11, 1918.