sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Ruben Dario no Brasil - livro de Luis Claudio Villafañe em espanhol

Luis Claudio Villafañe G. Santos, autor da mais recente, e melhor, biografia do Barão do Rio Branco, assina um livro em espanhol sobre as duas visitas do grande poeta nicaraguense Rubén Darío ao Brasil, mais de cem anos atrás.
Paulo Roberto de Almeida

NOVO LIVRO: Rubén Darío no Brasil

Lançado na Nicarágua o livro “Yo Pan-americanicé: Rubén Darío en Brasil” (Manágua, Ed. HISPAMER, 2018, 179 páginas, ISBN 978-99964-42-94-0).
Escrita em espanhol, a obra trata das duas vistas do poeta nicaraguense Rubén Darío ao Brasil em 1906 e 1912. Na primeira oportunidade, o Príncipe das Letras Castelhanas esteve no Rio de Janeiro como membro da delegação de seu país à III Conferência Pan-americana, tendo interagido com Joaquim Nabuco, Graça Aranha, Machado de Assis, Fontoura Xavier, Elísio de Carvalho, entre outros brasileiros.
No Ro de Janeiro, em 1906, Darío escreveu o poema “Salutación al Águila” um hino em favor do pan-americanismo, em contradição com toda sua obra anterior e posterior, de marco tom antiamericano.
Em 1912, já reconhecido pelo público brasileiro, Darío retorna ao Brasil e visita, além do Rio de Janeiro, a cidade de São Paulo.
Além de descrever com detalhes inéditos e corrigir erros factuais e interpretações equivocadas dos mais consagrados biógrafos de Rubén Darío, o livro faz uma resenha da visão de Darío sobre o Brasil e traz o inventário de todas as referências ao Brasil e aos brasileiros na obra do grande poeta e jornalista nicaraguense.
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SUMÁRIO
Agradecimiento y fuentes
Presentación
Introducción
Identidades: Rubén Darío y la invención de América Latina
Brasil, Río de Janeiro, 1906: identidades en transformación
Rubén Darío en Brasil antes de 1906
Al mare, con Joaquim Nabuco
Encuentros y desencuentros cariocas
La condesa X
Salutación al Águila
La segunda estancia de Darío en Brasil
El Brasil por la pluma de Darío
El ditirambo brasileño
Conclusión

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Resenha do livro sobre Rubén Darío no Brasil, na Folha de São Paulo

FOLHA DE SÃO PAULO
17/11/2018
Impacto das visitas de Rubén Darío ao Brasil é esmiuçado em livro
Diplomata brasileiro lembra passos do poeta e ensaísta nicaraguense, que esteve no país em 1906 e em 1912
Sylvia Colombo
O nicaraguense Rubén Darío (1867-1916), hoje celebrado como um dos grandes poetas em língua hispânica dos dois lados do Atlântico, tem tido agora sua obra ensaística e jornalística rememorada.
Primeiro, em Buenos Aires, onde viveu entre 1893 e 1898, quando escreveu crônicas para o jornal La Nación, há pouco reeditadas, mas também em novas reflexões sobre sua obra realizadas em outros países.
Um desses textos é o livro “Yo Pan-americanicé – Rubén Darío en Brasil” (disponível em https://hispamer.online.com.ni), do brasileiro Luís Cláudio Villafañe G. Santos, diplomata e autor do recente “Juca Paranhos, o barão do Rio Branco” (Companhia das Letras).
No livro, Villafañe relata as duas visitas que Darío fez ao brasil, em 1906 e em 1912. “Contadas muito rapidamente e como algo menor por seus biógrafos tradicionais, são passagens reveladoras de sua personalidade e que impactaram seu modo de pensar”, diz o autor.
Villafañe sustenta a tese de que Darío, ao lado do cubano José Martí (1853-1895) e do uruguaio José Enrique Rodó (1871-1917), formou a tríade de intelectuais que começou a forjar a identidade latino-americana, “não mais em alteridade com a Espanha, mas, a partir de então, em alteridade com os EUA”.
“O Brasil entraria nesse conceito cultural e intelectual de América Latina muito depois, nos anos 1960, e até hoje esse processo não está completo”.
Porém, além da elaboração da tese biográfica, o livro conta algumas anedotas e passagens do autor pelo país que revelam aspectos de sua personalidade. Por exemplo, quando divide uma embarcação para chegar ao pais com Joaquim Nabuco (1849-1910), então uma das principais figuras da intelectualidade brasileira, que num primeiro momento despreza Darío por não saber bem de quem se tratava – embora depois mudasse de comportamento, reconhecendo-o como intelectual. Darío virou fã imediato de Nabuco.
No Rio, Darío transitou entre a elite intelectual de então e terminou por mencionar em seus artigos esse cenário, que incluía Olavo Bilac, Euclydes da Cunha e Machado de Assis. “O que no Brasil é um fato, entre nós são tentativas. O Brasil tem uma literatura, nós não”, escreveria Darío no La Nación.
Para Villafañe, isso era um recado para os argentinos. “Darío estava sempre defendendo que as artes tinham de ter mecenas, e foi isso que ele viu no Brasil, que muitos desses autores eram pagos de alguma forma pelo Estado. No fundo, esse parecia o mundo ideal para ele”, diz o autor.
Sobre Machado de Assis, Darío escreveu um lindo poema (ver íntegra ao final do texto), em que diz: “Doce ancião que vi, em seu Brasil de fogo e de vida e de amor […], aceite esta lembrança de quem ouviu uma tarde, em teu divino Rio tua palavra nobre”.
“Foi de tremendo impacto para ele não apenas o encontro com esses homens letrados do Brasil, mas ficou também muito impressionado com as belezas naturais, como a floresta da Tijuca”, diz Villafañe.
O livro reforça o aspecto cosmopolita deste escritor que se tornaria um dos primeiros latino-americanos verdadeiramente internacionais. “Quando vai viver em Paris, não escreve apenas para os latino-americanos, mas passa a integrar a cena intelectual local, algo que era difícil e em que foi um dos pioneiros”, acrescenta Villafañe.
O cosmopolitismo de Darío começa quando, adolescente, vai viver em El Salvador. Com 19 anos viaja ao Chile, onde escreve algumas publicações e se torna colaborador do La Nación. Por esse diário, é enviado para a Espanha como correspondente, em 1898. Com um pé no mundo diplomático, vira, em 1903, cônsul da Nicarágua em Paris.
A experiência e a vivência em tantas viagens moldaram o poeta e também o cronista e o ensaísta. O que o livro de Villafañe faz é incluir o impacto que o Brasil teve em seu perfil de escritor e pensador de um mundo que vivia um momento de grande transformação e de uma América Latina que buscava desenhar uma nova identidade.
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Poema de Rubén Darío a Machado de Assis
Doce ancião que vi, em seu Brasil
de fogo e de vida e de amor, todo modéstia e graça
Moreno que da Índia teve sua aristocracia;
aspecto mandarino, língua de sábio grego.
Aceita esta lembrança de quem ouviu uma tarde
em teu divino Rio tua palavra nobre,
dando ao orgulho todos os farrapos que arde,
e à inveja ruim o que apenas a cobre.
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Eleitores que ficaram sem candidato - Isabelle Anchieta de Melo

Os “sem-lugar”: os brasileiros que não aderiram à guerra ideológica

Isabelle Anchieta de Melo

O Estado de S. Paulo, 14/11/2018

Como ficam os brasileiros que não se identificam com nenhum dos lados da recente disputa eleitoral e querem construir uma nova face política para o País ‘sem resistência’?


Somos 40 milhões. E isso não é uma força de expressão. Somados os votos brancos, nulos e abstenções. Os “sem-lugar” na última eleição representam cerca de um terço do total dos ‘eleitores’. Desde 1989, não se via algo igual. Destaco ‘eleitores’, porque, ao contrário do que se propaga no senso comum, a suposta não escolha é, sim, uma escolha de um lugar por vir. Um lugar em que o combate à corrupção e à violência possa associar-se, sem contradições, a interações humanas equânimes e à priorização da cultura e da educação ─ setores estratégicos e motivadores para a superação das pobrezas simbólicas e reais de nosso País. Um lugar em que não seja necessário falar grosserias movidas a testosterona para ser forte e que não abuse da ideia de vitimização como estratégia política para manobrar as massas e uma elite de intelectuais e artistas ─ que julgam combater o bom combate.
Os “sem-lugar” são capazes de colocar à prova suas certezas, examiná-las, desconfiando sempre de cartilhas prontas, de ideologias com cheiro de mofo, de palavras de ordem e de salvadores da pátria. Não vestem camisas com frases prontas. Não adotam identidades partidárias. Críticos de si mesmos, riem daqueles que se julgam superiores moralmente por saberem que o homem é processo. “O homem é superável”. 
Não são anarquistas, muito menos deslegitimam os vencedores só porque eles não os representam. Os “sem-lugar” não fazem “resistência a priori”. Irão apoiar e defender as boas decisões do governo para o País, questionar os possíveis retrocessos e não farão oposição por oposição que, no fundo, almeja somente desestabilizar o candidato eleito democraticamente para roubar-lhe poder. Os que agem assim são os verdadeiros inimigos da democracia (e do País), e não o contrário, como tentam fazer crer. 
Nesse mesmo sentido, o teórico franco-búlgaro Tzetan Todorov, sagazmente, afirma que os inimigos da democracia “têm a aparência menos assustadora do que os de ontem, que a atacavam de fora; não projetam instaurar a ditadura do proletariado, não preparam um golpe de estado militar. Eles usam os trajes da democracia e, por essa razão, podem passar despercebidos. Nem por isso deixam de representar um verdadeiro perigo: se não lhes for posta nenhuma resistência, um dia eles acabam por esvaziar esse regime de sua substância”. 
Não sem razão temi quando esses inimigos íntimos da democracia fingiam protegê-la e iniciavam um suposto movimento em sua defesa. Havia um grande risco do esvaziamento do sentido forte dessa palavra. Assim como foi feito com a ideia de “golpe”. Mesmo a ideia de “tortura” foi desvirtuada no momento em que o candidato do PT acusou falsamente o vice de Bolsonaro de torturador. A mentira acaba por macular a força da verdade, a memória e mesmo a legítima resistência daqueles que passaram, sim, por essa barbárie da nossa História. Foi desrespeitoso.   
Nem a esquerda, nem a direita, esse lugar sem nome e sem rosto, mira um futuro comum em que o equilíbrio e a imparcialidade sejam uma busca inquietante, nunca uma parada. Uma busca em nada pacífica. Exige um esforço para não se deixar levar; por ter autonomia; por criar seu próprio juízo após a apreciação dos contrários. Reconhece e apoia as conquistas de lado a lado, sem, no entanto, deixar de manter um distanciamento crítico de seus excessos. Mas não se trata somente de uma exigência racional. Ela requer, sim, a paixão pela busca da verdade, por uma aproximação possível dela.   
É a paz depois de um longo período de guerra. 
Esse lugar que os “sem-lugar”, hoje, ocupam não é o da indecisão ou de uma postura reticente. Trata-se apenas de um movimento não nomeado e que terá de ser construído. Criado. “São sujeitos sem predicados. Mas, certamente, estão em processo de autocriação como sujeitos políticos. Em algum momento, acabarão por encontrar com uma ideia com a força de nomeá-los”.
São pessoas cansadas dos ‘ismos’ e de suas armadilhas retóricas, que intuem haver algo além do já conhecido e apontando para a autossuperação histórica. Mesmo que esse ‘algo’ seja um híbrido do que já existiu, combinando a liberdade econômica com a responsabilidade social. Sim, responsabilidade social. É preciso ter coragem de dizer que “a solidariedade humana não é um palavrão. As pessoas precisam de proteção e isso é um direito. O trabalho, a educação, a saúde e a aposentadoria”.  Entenda-se: trabalho e aposentadorias mais dignas do que as existentes hoje no país, além de uma educação de excelência, com professores selecionados, avaliados e bem remunerados. 
Um Estado atuante no que é necessário ser, inclusive como sendo aquele que detém o ‘monopólio da violência’ para coibir a ‘guerra de todos contra todos’ e a justiça feita pelas próprias mãos, típicos de uma barbárie social à qual não queremos retornar.  Mas ao mesmo tempo em que possamos construir uma sociedade fluída em termos de comportamento e afetos, que valorize a meritocracia, a livre concorrência, o empreendedorismo, a pesquisa e a educação. Em outras palavras, uma sociedade que desse conta de somar “a inovação da sociedade com a proteção social”, escapando tanto de um populismo hipócrita como de um capitalismo sem freios. 
Os “sem-lugar” são pessoas que se deram conta de que os seus desejos não estavam representados por ‘nenhuma alternativa acima’ e resolveram correr o risco de apostar no vazio. Se toda mudança pressupõe risco, quanto mais se fizer necessária a mudança, maior terá de ser a nossa aposta, já que “toda produção de um novo sujeito político é também a produção de sua sombra e de novos riscos”.
Por isso, enganam-se profundamente os que pensam que os “sem-lugar” saíram do jogo político. Ao contrário. Eles serão o futuro, são os que abrirão o caminho para a mediação e a conciliação social e política. Ao não assumirem um lado, são livres para apoiar e mesmo compor o que há de bom e mesmo apresentar elementos que escapam a mirada dos partidários. Costumo dizer que estar “em cima do muro” é a melhor posição estratégica para ver as coisas por cima. Para não se envolver em brigas desnecessárias, mas, sobretudo, para indicar aos que não conseguem enxergar de seu ângulo de visão que há, sim, um caminho comum no horizonte. 

Isabelle Anchieta de Melo é doutora em Sociologia pela USP, jornalista, mestre em Comunicação Social pela UFMG. Recebeu prêmio como Jovem Socióloga brasileira pela Associação Internacional de Sociologia com apoio da UNESCO

Futuro chanceler: perto de Trump e longe da China - Lu Aiko Otta (OESP)

Futuro chanceler está perto de Trump e longe da China

Escolhido para chefiar Itamaraty diz que mudança climática é uma trama marxista para favorecer País asiático

Lu Aiko Otta, O Estado de S.Paulo 
16 Novembro 2018 | 05h00

O futuro chanceler brasileiro, o embaixador Ernesto Fraga Araújo, de 51 anos, acredita que a mudança climática é um dogma científico influenciado por uma cultura marxista que quer atrapalhar o ocidente e favorecer a China. “Esse dogma vem servindo para justificar o aumento do poder regulador dos Estados sobre a economia e o poder das instituições internacionais sobre os Estados nacionais e suas populações, bem como para sufocar o crescimento econômico nos países capitalistas democráticos e favorecer o crescimento da China”. 
A tese publicada em seu blog, o Metapolítica 17, no último dia 12 de outubro, revela a aversão à esquerda do futuro ministro das Relações Exteriores. Em ensaios e artigos, Ernesto Araújo coloca a China como um inimigo do desenvolvimento do Ocidente. Ele afirma que o “globalismo” tem entre seus projetos “transferir o poder econômico” do Ocidente para o País asiático e que esse movimento era algo que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, estaria tentando evitar. 
O “globalismo”, diz o futuro chanceler, “surgiu quando alguém entendeu que o consumismo era o melhor caminho para o comunismo” e a ideia de um mundo onde não haveria fronteiras para o comércio e o investimento avançou para um mundo no qual os países não têm mais identidade. “É a globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural”. 
O futuro chanceler afirma que o “marxismo cultural” estaria transformando os seres humanos em uma “paçoca maleável” incapaz de assumir um papel social ou ter ideias “que não sejam os chavões politicamente corretos veiculados na mídia”. Esse processo estaria enfraquecendo o Ocidente não do ponto de vista econômico ou militar, mas do ponto de vista da identidade, do “espírito”. Por isso, ele afirma que o “globalismo” é “anti-humano” e “anticristão”. 
Em artigo publicado na revista do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais (Ipri), ele sustenta que Trump é um raro líder que identificou o processo de decadência do Ocidente e decidiu reagir. É nesse contexto que Trump estaria travando sua guerra contra a China. 
A China, diz ele num post, está até hoje sob um sistema de dominação “disfarçado de pragmatismo e abertura econômica”. Em outro post, ele menciona o maoísmo. “Haddad é o poste de Lula. Lula é o poste de Maduro, atual gestor do projeto bolivariano. Maduro é o poste de Chávez. Chávez era o poste do Socialismo do Século XXI de Laclau. Laclau e todo o marxismo disfarçado de pós-marxismo é o poste do maoísmo. O maoísmo é o poste do inferno. Bela linha de transmissão”, escreveu. Ernesto Laclau era um teórico político argentino identificado como “pós-marxista” que viveu entre 1935 e 2014. 
No artigo, Araújo diz que, além de uma política externa, o Brasil precisa de uma metapolítica externa, “para que possamos situar-nos e atuar naquele plano cultural-espiritual em que, muito mais do que no plano do comércio ou da estratégia político-militar, estão-se definindo os destinos do mundo.” 
O quanto das ideias de Araújo será transferido para a prática da política externa brasileira ainda não se sabe. A sua escolha não foi propriamente uma surpresa no Itamaraty, já que ele era cotado há várias semanas para o cargo. Mas avaliava-se que, pelo fato de ser um diplomata recém-promovido a embaixador, ele deveria perder o posto para algum colega mais experiente e ocupar alguma outra posição na equipe do presidente eleito. 
A ruptura dessa lógica causou mal-estar e preocupação. Porém, os diplomatas são treinados para seguir instruções com um rigor semelhante ao dos militares. Até para proteger a instituição, o sentimento predominante é o de “dar uma força” ao jovem chanceler. 
Procurado, Araújo não se manifestou. As assessorias do Itamaraty e da equipe de transição informaram que, por ora, ele não concederá entrevistas.

Sobre o marxismo cultural - Paulo Roberto de Almeida


Paulo Roberto de Almeida
Diplomata de carreira; doutor em ciências sociais, mestre em economia internacional; professor de Economia Política no Uniceub (Brasília).
Este artigo faz parte de um texto mais amplo, publicado, em versão anterior in:Hattem, Marcel van.
 Somos nós com uma voz: do megafone à tribuna defendendo a liberdade, o Estado de direito e a democracia (São Paulo: LVM Editora, 2018,
368p.; ISBN 978-85-93751-24-0), Parte VI: Uma Voz Contra o Marxismo Cultural, Introdução, p. 223-229. Relação de Originais n. 3253; Publicados n. 1286;
(trechos selecionados  suprimidos desta versão).
  
Qualquer pessoa medianamente bem informada – ou seja, educada em algum sistema formal de ensino, ou pelo menos alfabetizada, acompanhando o noticiário corrente pelos meios de comunicação disponíveis, conhecedora de um mínimo de história do Brasil e do mundo – sabe que o socialismo morreu. Socialismo aqui deve ser entendido como propostas ou projetos de engenharia social, empreendidos a partir de uma base teórica – os escritos de Marx e Engels – e de exercícios de política prática, por meio de partidos e movimentos voltados para a conquista do poder – a exemplo de líderes comunistas como Lênin, Stalin e Mao Tsé-tung – e cujo resultado mais evidente foi uma imensa tragédia social no decorrer do século XX: estatísticas compiladas por historiadores de renome colocam a conta dos empreendimentos comunistas na casa dos 100 milhões de mortos, em diversos continentes. 
Esse socialismo, mais comumente chamado de comunismo, tomava como ponto de partida as teses de Rousseau sobre as origens das desigualdades sociais – que ele colocava na propriedade privada –, amplificou suas demandas igualitárias nas demandas mais radicais da Revolução Francesa sobre a construção da igualdade social com base no poder do Estado, passou pelo Terror da guilhotina contra aqueles que eram julgados “inimigos do povo”, manifestou-se filosoficamente na primeira metade do século XIX nas propostas dos chamados “socialistas utópicos” – tal como designados por Karl Marx – e consolidou-se doutrinalmente nos escritos de filosofia política de Marx e Engels, começando pelo Manifesto de 1848, que pregava a “luta de classes” para derrubar o “Estado da burguesia” e para instaurar por meio da luta revolucionária do proletariado uma sociedade sem classes, com a abolição completa da propriedade privada e a atribuição de todo o poder a um “Estado democrático”, que se encarregaria de construir a sociedade ideal, aquela baseada no trabalho de cada um, “segundo suas capacidades”, e a garantia de meios de vida a qualquer um, “segundo suas necessidades”. 
Essa utopia revolucionária de uma sociedade sem classes, radicalmente justa e igualitária, cujo sistema político prometia o desaparecimento progressivo do “Estado dos trabalhadores”, substituído pela “administração das coisas”, como pretendia Engels, nunca teve nenhuma condição de ser estabelecida, pelo menos sem que a implantação e o funcionamento de tal sistema de organização social e política requeresse graus inéditos de violência, como foi efetivamente o que se passou, quando revolucionários influenciados pelas ideias da dupla  tentaram colocar em prática esses gigantescos projetos de engenharia social. Esse vasto empreendimento de transformação sistêmica começou pela Rússia, em 1917, foi tentado em diversos outros países com fracassos espetaculares na primeira metade do século XX, e só conseguiu ser implementado na sequência imediata da Segunda Guerra Mundial, pela força do Exército Vermelho na Europa central e oriental, e na China como consequência da invasão japonesa e da guerra civil deslanchada pelos comunistas contra um governo corrupto e militarmente ineficaz. Alguns outros poucos exemplos se manifestaram aqui e ali, sempre com altas doses de violência contra aqueles que se opunham ao monopólio do poder por um único partido, e rotundos fracassos econômicos em todos os casos.
Esse é o segundo aspecto da utopia marxista, o de suas propostas econômicas, que muitos ainda consideram possuir algum sentido “legítimo”, ou historicamente “justificado”, em vista de supostas “contradições” do capitalismo: crises, desigualdade, concentração de renda, exclusão, desemprego e pobreza. Marx acreditava que o “modo de produção burguês” estava inevitavelmente condenado ao desaparecimento, por se basear na “exploração dos trabalhadores” – via “extração da mais-valia”, uma tese que não possui qualquer consistência econômica – e por aprofundar a polarização social, ao conduzir a sociedade à dominação de um punhado de ricos de um lado, os capitalistas, e da maioria de trabalhadores oprimidos e explorados, de outro. A solução, segundo ele, seria a estatização, depois a coletivização, de todos os meios de produção, e a operação de uma economia administrada pelos próprios trabalhadores. Lênin deu um passo adiante ao tentar implementar essas teses desprovidas de qualquer fundamento empírico de Marx: ele, que era um gênio em política, mas um completo ignorante em economia, decidiu simplesmente abolir os mercados, em favor de um sistema de planejamento centralizado, administrado por burocratas. Obviamente não deu certo, e levou a Rússia à sua primeira “epidemia de fome” (haveria outras), o que interrompeu provisoriamente o experimento e levou a uma “Nova Política Econômica”, com funcionamento parcial dos mercados.
Interessante notar que, nessa mesma época, entre 1919 e 1920, um jovem economista austríaco, Ludwig von Mises, que tinha sido socialista antes da Grande Guerra, ao observar as propostas socialistas e o experimento comunista de Lênin, escreveu um “panfleto” econômico, cuidadosamente intitulado “O Cálculo Econômico na Comunidade Socialista”, no qual ele contestava a possibilidade de funcionamento de um sistema econômico que dispensasse os preços de mercados e pretendesse organizar a produção unicamente a partir de preços administrados por burocratas do Estado. Um sistema desse tipo, disse Mises, seria impossível de funcionar em bases racionais, justamente devido à inexistência de cálculo econômico com base na raridade relativa dos insumos, ou seja, dos fatores de produção. O que sabemos, depois disso, foi que Stalin foi capaz de colocar um elefante a voar, ou seja, fazer o socialismo “funcionar”, mas ao custo de milhões de mortos, de uma opressão tão descomunal que o comunismo soviético pode ser equiparado à reprodução moderna de um gigantesco modo escravista de produção, com níveis baixíssimos de consumo popular. Essa, aliás, junto com a total falta de liberdade política, foi a causa da implosão e derrocada final do modo socialista de produção, nunca qualquer derrota para os inimigos ocidentais, ou os capitalistas das economias de mercado, que por acaso estavam financiando todos os regimes socialistas durante a maior parte do pós-guerra. 
O socialismo de tipo soviético, e suas derivações terceiro-mundistas – hoje reduzidos a dois pequenos resquícios de completa tirania –, foi, portanto, um completo fracasso, e não há ninguém que possa contestar essa realidade, nem mesmo o PCdoB. A China pós-Mao, teve a “sorte” de contar com mandarins comunistas mais esclarecidos, que deram a partida ao mais gigantesco experimento de transformação social da era moderna, com base numa economia de mercado, ainda que dominada por um sistema autocrático de partido único, mas dispondo de mais liberdade de empreendimento, e de menor “opressão tributária” estatal, do que o supostamente capitalista Brasil. Não se conhecem, na atualidade, propostas sérias – isto é, fora dos delírios universitários que conhecemos bem – de retorno à economia planificada centralmente, o que confirma, portanto, a primeira frase do título: o socialismo morreu.
O fracasso de propostas utópicas de organização política e social, de projetos pouco racionais de organização da produção e distribuição de bens e serviços, não significa, porém, o desaparecimento das ideias que lhes deram origem. Ideias são muito mais poderosas do que se pode pensar, mais “permanentes” do que empreendimentos eventuais que delas partiram para algum exercício concreto de implantação efetiva, mas seguido de sua derrota prática. Aqui cabe considerar que o marxismo foi, parcialmente acompanhado pelo freudismo, a mais poderosa ideologia política e social do século XX, e se prolonga no século XXI, mesmo sem qualquer regime socialista digno desse nome, mas com base nas ideias relevantes vindas da vertente rousseaniana do Iluminismo, agregado das pregações igualitárias da Revolução Francesa, passando obviamente pela filosofia social marxista, até chegar na doutrina política do leninismo derrotado, o marxismo soft de Antonio Gramsci. O comunista italiano revisou a doutrina leninista com base na leitura de Maquiavel – não só o Príncipe, mas também os Discursos da Primeira Década de Tito Lívio– e de outros clássicos, e daí formulou uma estratégia de conquista suave do poder, pela via da penetração nos principais aparelhos do Estado, dispensando o putsch leninista e formulando as bases da apropriação gradual do poder. 
O gramscismo é esse marxismo cultural disseminado amplamente no Brasil pós-derrota da esquerda tradicional em 1964, ao lado de alguns empreendimentos leninistas, castristas e maoístas que foram evidentemente derrotados pela força superior do Estado militar. A estratégia transmutou-se na conquista gradual, quase imperceptível, desses aparelhos do Estado – na área educacional, por exemplo – e das diversas correias de transmissão da ação do Estado, ou seja, o corporativismo dos mandarins do Estado e sua expressão social, os sindicatos. Eles passam a disseminar um marxismo vulgar – que tem pouco a ver com a doutrina original marxista – e um esquerdismo simplório, mas que alcança razoável sucesso político e eleitoral pelas mesmas razões pelas quais partidos socialistas ou socialdemocráticos são ainda bem votados atualmente: eles prometem igualdade de condições, justiça social, políticas públicas redistributivas, amplos canais de assistência, medidas setoriais de proteção de grupos de interesse, enfim, a “sopa política” de promessas generosas e de reivindicações “justas”, que são amplamente bem acolhidas por um eleitorado sumariamente instruído ou informado. 

[trechos adaptados:]
Essas características da política brasileira – igualmente encontradas em diversos outros países, sobretudo na América Latina – [encontram-se muito bem refletidas nas manifestações dos defensores do “marxismo cultural” na academia e na sociedade brasileira. Os contendores de um diálogo quase sempre unilateral – uma vez que seus argumentos nunca são respondidos ou rebatidos por aqueles com os quais ele se confronta no plenário e nas ruas – são os típicos representantes do gramscismo vulgar que domina a esquerda brasileira desde várias décadas: os sindicalistas da educação, os militantes do politicamente correto, os defensores de privilégios corporativos, os agitadores das novas causas das minorias, raciais ou de gênero. Num ambiente já amplamente dominado pelo agenda do politicamente correto – e que constrange a maior parte dos demais políticos contrários aos delírios dos militantes acima designados –, poucos têm a coragem e a ousadia de contraditar os defensores dessas causas sem futuro, de desmentir seus argumentos capciosos, e de enfrentá-los na palavra e na escrita, se preciso nas ruas.]

[Um aspecto que eu destacaria (...) é o do desmoronamento das instituições de ensino, seja pela influência nefasta das ideologias gramscianas amplamente dominantes nesses meios, seja pela ação quase mafiosa dos sindicatos de professores (sobretudo do ensino médio, mas também encontrável no terceiro ciclo), um processo que nos condena ao descalabro pedagógico e à mediocridade no desempenho educativo, incidindo, portanto, sobre o futuro previsível da produtividade em nosso país. Essa erosão da qualidade do ensino no Brasil – em praticamente todos os níveis, do pré-primário ao pós-doc – tem basicamente duas origens: de um lado o efeito nefasto da “pedagogia do oprimido”, uma herança nefasta daquele que foi elevado à condição de “patrono da educação brasileira” pelo regime companheiro, Paulo Freire; de outro, a ascensão e o “empoderamento” – esse horrível conceito da terminologia politicamente correta – dos sindicatos de mestres e professores, o que aliás corresponde inteiramente à ideologia predominante durante o regime petista, que foi uma repetição mais bem sucedida da natimorta “República Sindical” do início dos anos 1960. ]
[De certa forma, ainda vivemos sob a “República Sindical”, e ela é evidente no corporativismo exacerbado sob o qual padecemos, a partir de um Estado omnipresente e onipotente (mas obviamente não onisciente). Na outra ponta, a organização pedagógica brasileira ainda é dominada pela ideologia do “freirismo” educacional, um conjunto de banalidades políticas – de inspiração maoísta, cabe esclarecer – que desvinculam o ensino brasileiro de suas funções básicas: formar as crianças e jovens no ensino da língua, das matemáticas e das ciências elementares. Os exames do PISA demonstram a total inconsistência, na verdade, o fracasso da educação brasileira, e isto é uma tragédia superior a qualquer crise fiscal ou recesso econômico. Esta é uma área absolutamente crucial para o futuro do Brasil e dos brasileiros. Os verdadeiros estadistas são aqueles que focalizam os problemas reais e levam toda a sua capacidade de ação ao enfrentamento direto da questão.
O marxismo cultural representa um dos maiores desafios ao desenvolvimento do Brasil, na medida em que ele é uma tentativa de sobrevivência do socialismo, mas baseado em mentiras, meias verdades, diagnósticos simplistas da realidade, e prescrições totalmente equivocadas para a solução dos nossos problemas. Um dos exemplos mais evidentes dessas tendências nefastas é o chamado “afrobrasileirismo”, uma importação de teses já equivocadas em sua origem – a ideologia African Americannos Estados Unidos – e que pode estar provocando o nascimento de um novo tipo de Apartheid no Brasil, o que separa os supostos “afrodescendentes” de todos os demais brasileiros.]

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de março de 2018; revisão: 15/11/2018.


quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Diplomacia esquartejada triplamente - Matias Spektor

O único problema nessa descrição dos três grupos que disputam o controle da política externa é que os diplomatas ficaram de fora.
Paulo Roberto de Almeida

Três grupos disputam política externa de Bolsonaro
A diplomacia do novo governo expressará conflitos desses núcleos
Matias Spektor
Folha de S. Paulo. 15.nov.2018

Jair Bolsonaro prometeu chacoalhar a diplomacia brasileira mais do que qualquer antecessor do ciclo democrático. Ninguém sabe quão intensa será a sacudida, mas vem mudança por aí.

Também já está claro que há três grupos diferentes atuando com força na política externa da transição e com capacidade de influenciar as decisões do presidente depois da posse.

Num desses grupos está Eduardo Bolsonaro com a assessoria internacional do PSL. Trata-se da vertente mais ambiciosa do novo governo: a esperança é promover uma ruptura com a política externa do passado, consolidando a imagem do presidente como liderança internacional de destaque. Para isso, esse grupo buscará espaço para Bolsonaro no movimento transnacional antiglobalista encabeçado por Donald Trump. A escolha do chanceler Ernesto Araújo ilustra a força dessa vertente.

O segundo grupo inclui os militares vinculados ao vice-presidente e ao ministro do gabinete de Segurança Institucional. Os generais Mourão e Heleno terão peso próprio nos rumos da política externa. É uma visão da diplomacia que bebe da geopolítica e, seguindo termos próprios, não se confunde com as preferências do primeiro grupo. Aqui, o foco está em questões de segurança, fronteiras, indústria de defesa e o papel internacional das Forças Armadas, além de um diálogo cada vez mais intenso com os investidores estrangeiros sedentos por acesso às privatizações que se aproximam.

Por fim, está a equipe econômica comandada por Paulo Guedes. Para esse grupo, a área externa é central na batalha para desmantelar o Estado desenvolvimentista que alimenta grupos rentistas em detrimento da maioria desorganizada dos cidadãos. O objetivo dessa turma é utilizar as Relações Exteriores para limitar a capacidade que esses grupos hoje têm de capturar a política externa em benefício próprio. Por esse motivo, esse pessoal tentará realocar a política de comércio exterior no novo Ministério da Economia.

Esses três grupos concordam em muita coisa, inclusive na necessidade de mudar a condução da política externa brasileira. No entanto, eles possuem interesses e visões de mundo diferentes. A diplomacia do novo governo expressará tais conflitos e será objeto de disputas.

Esse processo não ocorrerá num ambiente formalizado que permita ao presidente cotejar argumentos alternativos à luz de evidências e de embates explícitos. A regra do jogo é a informalidade.
Além disso, o papel de cada grupo não é fixo, mas variável no tempo e por área temática. Dependerá da entrega de vitórias e de imagem positiva para o presidente. Dependerá, acima de tudo, da capacidade que cada um deles terá de impor custos ao chefe, limitando seu espaço de manobra.

Matias Spektor
Professor de relações internacionais na FGV.

Globalismo e globalizacao: uma confusao persistente - Paulo Roberto de Almeida

Como persiste certa confusão, em certas mentes, entre os conceitos de globalização e de globalismo, retomo aqui um texto de quase um ano atrás, dedicado justamente a expressar meus argumentos sobre um e outro, ainda que esse conceito de globalismo seja uma construção metafísica que pode significar um pouco de tudo, um governo mundial, regido pela esquerda, ou até o seu contrário, ou seja, uma conspiração de plutocratas capitalistas querendo a mesma dominação, mas pelo lado da direita.
O globalismo, para um e para outro lado, significa que alguém, em algum lugar do mundo, está planejando alguma forma de dominação, sobre países, nações, Estados, que serão privados de suas soberanias respectivas, e condenados a submeter-se a ditames e diretrizes emanados dessas forças obscuras, necessariamente nefastas para o cidadão comum, pois que (para a esquerda) será uma autocracia capitalista e (para a direita) a disseminação de práticas licenciosas e progressistas.
Em suma, a confusão é total, mas a conspiração é a única coisa certa nessas concepções.

Este o meu trabalho: 
3202. “Globalismo e globalização: os bastidores do mundo”, Brasília, 7 dezembro 2017, 8 p. Notas preparadas para entrevista via hangout, para um programa da série Brasil Paralelo, sobre o processo de globalização e o conceito de globalismo. 


Globalismo e globalização: os bastidores do mundo

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: notas para entrevista em vídeo; finalidade: programa Brasil Paralelo]


Globalismo e globalização: qual a diferença?
globalizaçãoé fenômeno bem conhecido, e praticamente secular, ou mesmo milenar, tendo se acelerado em diversas ondas desde os grandes descobrimentos e aventuras marítimas do século XVI, que realmente unificaram o mundo pela primeira vez; trata-se de um processo impessoal, objetivo, independente de quaisquer outras forças políticas e sociais, pois ela é conduzida essencialmente ao nível micro, ou seja, por iniciativa de indivíduos e empresas, inventores, inovadores, empresários, aventureiros, missionários, intelectuais ou quaisquer outros atores, de quaisquer países e origens sociais, que transcendem suas circunstâncias locais ou nacionais, para projetar-se além fronteiras, mundialmente e até universalmente, graças aos instrumentos, processos e mecanismos criados, deliberadamente ou não, para justamente ultrapassar barreiras nacionais, limites fronteiriços graças às ferramentas de informação e de comunicação desenvolvidos por esses mesmos agentes privados ou institucionais, com tais objetivos universalistas, transmitindo, transferindo, vendendo, oferecendo os mais diferentes tipos de bens e serviços, mas sobretudo ideias, conceitos, propostas para uma maior integração entre pessoas, empresas, instituições públicas e privadas.
Já o globalismo é um conceito novo, criado com motivações deliberadamente políticas, para caracterizar um movimento, ou processo, equivalente a outros ismos existentes no cenário intelectual ou conceitual do mundo moderno: por exemplo, o socialismo, o feminismo, o altermundialismo, o nacionalismo, quem sabe até o próprio capitalismo, ainda que este seja também um fenômeno econômico e social totalmente objetivo, impessoal, incontrolável, correspondendo apenas a uma determinada forma de organização das forças produtivas (baseada em empresas privadas produzindo bens e serviços para mercados de massa) e das relações de produção (baseadas no trabalho assalariado e no contratualismo direto entre trabalhadores e empresários). 
Como eu vejo o globalismo? Como uma tentativa de forças conservadoras ou de direita, para rejeitar a sensação de perda de soberania nacional em prol da globalização, justamente, como se estivesse ocorrendo uma conspiração de forças globalistas para reduzir a soberania dos Estados em favor de um fantasmagórico “governo mundial”. Não hesito em classificar tal concepção estreita de alguns dos efeitos da globalização na categoria das manifestações paranoicas, derivadas de certo nacionalismo estreito, de um soberanismo introvertido, e de uma atitude defensiva em relação aos avanços diretos e indiretos da globalização, para mim inevitáveis e positivos, como aliás a própria perda de soberania dos Estados nacionais sobre partes importantes das políticas públicas, o que considero ser uma tendência favorável à racionalidade econômica e ao bem-estar das sociedades nacionais. 
A esquerda política, num certo sentido, também atua contra a globalização, como visto pelo exemplo de diversos partidos europeus na rejeição dos projetos comunitários ou dos acordos regionais e plurilaterais de abertura econômica e de liberalização comercial, como também em outros continentes. Na América Latina, diferentes componentes da esquerda tendem a rejeitar os acordos de livre comércio, em favor de projetos mercantilistas, estatistas, intervencionistas, colocados sob estrito controle das burocracias nacionais. 
Em resumo, eu vejo muitas diferenças, e total dissociação de objetivos entre um processo objetivo como a globalização e uma construção política, de caráter restritivo, como esse conceito de globalismo, que de fato se opõe à globalização, por considerá-la negativa ou restritiva das soberanias nacionais, o que eu reputo como positivo.

De onde vem essa ideia de globalismo e qual a origem dessa pauta? Por que estamos falando disso?
globalismo, essa construção artificial, de certo modo reacionária, tende, pelo que entendo, a restringir, a constranger, fazer retroceder a globalização, por considerar que esse processo atua contra os interesses dos Estados nacionais, em favor de uma entidade que eu considero totalmente fantasmagórica que seria o “governo mundial”, algo totalmente impossível de ser instituído, uma vez que vivemos, desde Westfália pelo menos, e pelos próximos séculos até onde a vista alcança, sob o domínio dos Estados nacionais independentes e soberanos.
Visto pelo outro lado, registramos que é o nacionalismo estreito, a afirmação mesquinha dos interesses nacionais, a defesa exacerbada de uma concepção estreita desses interesses e sua projeção exterior que foram, e ainda são, responsáveis pela maior parte das guerras e conflitos militares, assim como, internamente, pelas violações mais grosseiras dos direitos nacionais e até pela repressão das liberdades democráticas. As ideias de liberdade, de defesa dos direitos humanos, de afirmação irrestrita de valores e princípios democráticos são ideias universais, concebidas e implementadas para a defesa dos direitos dos indivíduos, das liberdades pessoais (de religião, de expressão, de associação, de iniciativas individuais), contra os Estados, contra as tiranias, contra os governos arbitrários, prepotentes, concentradores do poder.
Vejo a globalização, justamente, como um processo criado e desenvolvido ao nível micro, ou seja, por indivíduos e empresas, ao passo que as forças antiglobalização são geralmente de nível macro, estatal, ou até de caráter intergovernamental. São essas forças, muitas delas implementadas por indivíduos ou por organizações de caráter estreitamente nacionalista, que se opõem a um fantasma, o globalismo, ou um pretenso governo mundial. 

Quem são essas entidades? ONU, UE, fundações etc. qual o propósito, o que elas defendem, por que elas nasceram e com que dinheiro atuam. 
O mundo atual, o sistema contemporâneo de organizações internacionais, ou de âmbito regional – como a UE, por exemplo, um projeto comunitário – surgiram ao cabo e como consequência de grandes conflitos interestatais, ou de guerras globais, que trouxeram enormes destruições materiais ou e gigantescas hecatombes humanas, crises terríveis surgidas geralmente, quando não totalmente, da afirmação exacerbada dos interesses nacionais, dos nacionalismos exclusivistas, ou de ambições desmedidas de líderes nacionais irresponsáveis, animados pelo desejo de dominar povos e nações, pela via da expansão territorial e das aventuras militaristas. Essas organizações constituem uma tentativa, por parte de líderes responsáveis, democráticos, respeitadores dos direitos humanos, de valores e princípios humanitários, de encontrar um terreno comum de diálogo e entendimento entre os diferentes Estados nacionais soberanos, de maneira a evitar novas guerras e destruições. 
Essas organizações podem ser invasivas, intrusivas, destruidoras das soberanias nacionais, mas num certo sentido elas também são soberanistas, defensivas, restritivas, mercantilistas, pela simples razão de que elas são intergovernamentais, na maior parte dos casos, e tendem a defender mais os interesses dos Estados do que dos povos. Creio, assim, de que a acusação de globalistas, ou de defensoras desse fantasma do globalismo, feitas contra elas é exagerada, e equivocada, pois elas nada podem fazer contra a vontade dos Estados nacionais, de que é prova maior a ação (ou falta de) do Conselho de Segurança das Nações Unidas em relação aos piores conflitos ocorridos nos teatros regionais desde o surgimento da ONU, notadamente o conflito no Oriente Médio, como no passado a guerra do Vietnã e, desde sempre e atualmente, as muitas guerras civis, conflitos intra-estatais e diferentes situações de violações de direitos humanos e dos princípios democráticos em quase todos os continentes. 
Essas organizações nasceram justamente desses conflitos e das guerras globais, elas defendem o convívio democráticos entre povos e nações, entre Estados nacionais, a cooperação internacional para a paz e a segurança mundiais, o desenvolvimento e o bem-estar desses povos. O dinheiro de que dispõem vem diretamente dos Estados nacionais e de algumas outras fontes secundárias, e elas são, portanto, dependentes dessas dotações. O governo Trump, por exemplo, retirou os EUA da Unesco, o que geralmente significa uma redução do orçamento operacional entre um quinto e um quarto do total dos recursos devotados a alimentar a sua burocracia ou suas ações. 

Como diferentes agentes se comportam nesse jogo de interesses? Estados Unidos, Rússia, China, economias emergentes, Islã...
Esses “agentes”, são muito diversos entre si. Estamos falando aqui, de um lado, de três Estados soberanos, Estados Unidos, Rússia e China, totalmente diferentes entre si, sob qualquer critério que se examine; de outro lado, de uma categoria difusa de “atores” que são arbitrariamente agrupados nessa categoria de “economias emergentes”, à qual o Brasil supostamente pertenceria, há muitos anos aliás. Cada um deles possui certamente interesses nacionais, não necessariamente convergentes entre si, e na maior parte do tempo bastante opostos entre si, como parecem ser, por exemplo, os objetivos nacionais de EUA, Rússia ou China. Quanto aos emergentes, essa categoria difusa não permite sequer falar de “jogo de interesses”, pois não jogam num tabuleiro comum.
Já o “Islã”, totalmente ou praticamente desconhecido no Brasil, designa uma imensa comunidade de praticantes dessa religião, divididos em diferentes seitas e vertentes da própria religião, nem sempre harmônicas entre si, que por sua vez se estende a um número muito grande de países e de regiões, diversificados em línguas, geografias, modos de organização política e formas diversas de integração econômica mundial, sem que se possa identificar claramente que tipo de unidade política, ou de governança, haveria de unir todos eles ao abrigo de um conceito vago como “Islã”. Existe uma “Organização Islâmica” que não tem sequer unidade de visão, ou coordenação de comportamentos dos governos dos países membros, para tratar, por exemplo, do problema mais intratável da atualidade, que é o terrorismo de base islâmica, na verdade fundamentalista, ou sectária, e que vitima primeiramente e principalmente os próprios muçulmanos, e marginalmente os ocidentais, que seriam, supostamente, os “inimigos” principais desses terroristas fundamentalistas. 

Quais as possíveis consequências de um governo global? Tanto positivas quanto negativas. O que ambas correntes argumentam a respeito. 
Falar sobre as “possíveis consequências” de um fantasmagórico “governo global” significa, em primeiro lugar, considerar que uma tal construção seja possível, que ela esteja em curso de ocorrer, que possa emergir futuramente, ou que esteja sendo seriamente considerada por essas entidades, ou por estadistas ou dirigentes nacionais interessados nesse tipo de agência ou organismo supranacional, que serviria para se substituir, ou até se opor, aos Estados nacionais. Ora, eu considero, não apenas, que tal tipo de governo global é indesejável, mas simplesmente que ele é impossível, nas atuais condições das relações internacionais e dos sistemas existentes de cooperação e de coordenação entre Estados soberanos, membros da ONU. A ONU, ou suas agências especializadas, inclusive as relativamente “independentes” no plano orçamentário, como o FMI ou o Banco Mundial, são totalmente submetidas à vontade, aos desejos, aos projetos dos governos nacionais, sobretudo dos mais poderosos entre eles, como são as cinco potências com cadeiras permanentes no CSNU e alguns outros atores dotados de certas capacidades políticas, financeiras ou militares, como alguns membros do G-20 (estes fazem mais de 90% do PIB mundial, e provavelmente quase a totalidade do “poder de fogo” no mundo, sem que eles sejam capazes de evitar conflitos na periferia). 
Não se pode tampouco considerar que existam, efetivamente, duas “correntes” identificadas de opinião, uma “globalista”, a outra anti-globalista, que seriam, hipoteticamente, constituídas, a primeira por partidários da globalização, a segunda por seus opositores, ou vice versa (qualquer que seja o sentido que se atribua a esses conceitos). Tal maniqueísmo conceitual, totalmente artificial, não corresponde a qualquer movimento, processo ou projeto concreto, num ou noutro sentido, ainda que pessoas, ou grupos de pessoas venham agitando tais ideias. Na verdade, apenas os opositores de direita da globalização falam de um “governo global”, ao passo que seus opositores de esquerda preferem ser chamados de “altermundialistas”, e pretendem, utopicamente, a construção de “um outro mundo possível”, que seria não capitalista, não pró-mercados, mas sim partidários de uma coisa chamada “economia solidária”, defesa do meio ambiente contra supostas maldades das multinacionais, defesa de “minorias” – indígenas, mulheres, povos periféricos – que estariam sendo ameaçados por “capitalistas globais”. 
Não acreditando, portanto, nessa possibilidade de um governo global, não tenho considerações outras a fazer, que não descartar tal hipótese. O mais próximo que talvez se esteja dessa “ameaça” pode ser representado, muito precariamente, pelas instituições comunitárias da União Europeia, hoje simbolizadas no euro, que não é senão uma etapa mais avançada das quatro liberdades criadas pelos tratados de Roma 60 anos atrás, ou seja: a liberdade de circulação de bens, de serviços, de capitais e de pessoas. A moeda comum, que ainda não é a moeda única da União Europeia, representa, de fato, uma perda, ou abandono, de soberania política e econômica por parte dos Estados membros, mas isso já estava implícito desde a origem, ao se aprovar a constituição de um mercado comum, que apela naturalmente a uma moeda comum. Mesmo esse tipo de arranjo é parcial e limitado, e não deixa de sofrer contestações dos próprios países membros quando determinadas medidas, convertidas em resoluções comunitárias, ameaçam infringir direitos nacionais desses membros, ou quando a Comissão de Bruxelas parece extravasar seu mandato dado pelo Conselho Europeu e busca “harmonizar” disposições diversas com impacto na vida econômica e social das comunidades nacionais. 
A outra instância política supostamente destinada a “instaurar” uma alegada “governança global” seria o G-20, um foro de consulta e coordenação entre as maiores economias planetárias, mais a própria UE e algumas outras organizações internacionais que podem trazer alguma expertise ou competência institucional nos temas tratados pelo grupo, que estão situados primariamente no terreno da coordenação econômica global – uma vez que ele foi convocado, ou ressuscitado, quando da crise de 2008 que redundou na Grande Recessão, segundo a terminologia dos economistas –, mas que podem se estender igualmente a outros terrenos (meio ambiente, segurança internacional, etc.). Mas essas duas dezenas de países são muito diversos entre si, possuem alguns objetivos comuns, mas vários outros bastante divergentes, interesses nem sempre coincidentes ou convergentes, o que deve deixar esse grupo muito longe, talvez a anos-luz de distância, de qualquer perspectiva de “governo global”. 

O que devemos esperar como próximos passos?
Não existe, a rigor, uma base conceitual adequada para se definir próximos passos, quando não existe uma base comum de entendimento sobre o que seja “globalismo”, “globalização”, “governança global”, ou “governo mundial”, e quando não tem uma definição clara do que sejam “interesses nacionais” desses vários “agentes” ou atores do sistema internacional contemporâneo. Minha compreensão do mundo atual é baseada em estudos de cunho econômico, de natureza política, sobre o desenvolvimento diferenciado e desigual dos países e regiões existentes, a partir de metodologias típicas da ciência política, das relações internacionais, da história e da economia, o que me revela um mundo em transição para algum tipo de configuração ainda não claramente definida.
No pós-guerra, as relações internacionais estiveram dominadas pela bipolaridade organizada em torno dos dois grandes atores da era atômica, logo adiante perturbado pelo desgarramento da China do mundo socialista soviético, e pelo neutralismo de uma parte de países periféricos que evitavam colocar-se claramente de um ou outro lado da bipolaridade. O Brasil, na maior parte do tempo, por força do anticomunismo oficial, colocou-se no lado “ocidental” da bipolaridade, mas crescentemente afirmativo na defesa dos seus interesses nacionais, em busca de uma trajetória própria de políticas nacionais de desenvolvimento, o que o levou a distanciar-se, em algumas instâncias das posturas defendidas pelos países líderes de sua suposta “coalizão de interesses”, no terreno da não proliferação, por exemplo, na capacitação tecnológica ou nas políticas comerciais e de investimentos estrangeiros (num plano relativamente distante do que existia no plano da OCDE, para mencionar um clube anteriormente chamado de “países ricos”, e que ao incorporar, a partir de certo momento, países em transição do socialismo ao capitalismo ou economias em desenvolvimento, passou ao se considerar um “clube de boas práticas”). 
O Brasil é claramente um país em desenvolvimento, bastante conhecido pelo seu protecionismo renitente, pelo seu intervencionismo estatal exacerbado, por seu nacionalismo histórico, por uma introversão persistente das políticas econômicas e setoriais, pela burocracia intrusiva na vida dos cidadãos, e portanto por diversas restrições ao empreendedorismo de livre mercado. Até pelos exageros perpetrados desde o início do século por governos notoriamente ineptos e reconhecidamente corruptos, e pelo fracasso de políticas econômicas intervencionistas que nos levaram ao que pode ser chamado de “Grande Destruição”, o Brasil teria interesse, no presente momento de transição, de aproximar-se mais do modelo OCDE de governança econômica, assim como aperfeiçoar sua governança nacional em direção de padrões e práticas mais conformes ao que se chama de accountability – ou seja, responsabilidade governativa, com transparência – e de maior qualidade democrática, o que não é claramente o caso atualmente. 
Por isso mesmo, depois de mais de uma década e meia de retrocessos institucionais e de deficiências de governança, estendendo-se por quase todas as áreas das políticas públicas, com uma expansão significativa dos níveis de corrupção política e empresarial, o interesse nacional brasileiro deveria voltar-se para uma recomposição de seu sistema político, com reformas importantes na legislação partidária e eleitoral, e para uma revisão fundamental de suas políticas econômicas, no sentido da abertura econômica e da liberalização comercial, com maior disposição para uma ampla integração econômica mundial. 

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7 de dezembro de 2017


Addendum 8/12/2017: 

            Tenho por hábito escrever sobre todos os assuntos sobre os quais eu possa deter alguma capacidade analítica, como fruto de minha experiência de vida e conhecimento adquirido pelo estudo, pela pesquisa e através dos livros, em temas importantes da atualidade política e econômica brasileira e mundial. Tenho por hábito refletir sobre toda e qualquer demanda que me é feita, e preparar meus argumentos antecipadamente a meus pronunciamentos públicos.
            Por isso mesmo, nunca embarquei nessa canoa furada do “globalismo”. Esse conceito de globalismo assumiu, para a direita, o mesmo status que já tem, desde longos anos, o conceito de “neoliberalismo” para a esquerda: um slogan vazio, que não se traduz em nenhuma realidade palpável, a não ser uma fantasmagoria construída pela paranoia de alguns contra as evidências concretas da globalização, esta sim um processo real, como eu argumento no texto acima.
            Não pretendo mudar a concepção de ninguém, mas não posso deixar de expressar meus argumentos, que são o fruto de uma experiência diversificada de décadas vivendo no exterior, no Brasil, em contato e na vivência com todos os tipos de socialismos e de capitalismos, em todas as partes do mundo, assim como como resultado de leituras, pesquisas, estudos e debates feitos ao longo dessas últimas cinco décadas, mais a experiência prática como negociador diplomático em diversos foros desse tal de “globalismo”, e confesso nunca ter encontrado essa conspiração de megabilionários e de organizações internacionais para instalar o tal de “governo mundial”. Isso é paranoia pura.
            Outro simplismo extremamente redutor, e totalmente equivocado, é falar de um Islã, como se ele expressasse uma realidade uniforme, e como se todo o Islã quisesse esmagar o Ocidente para instalar o seu modo de governança sobre nós.
            Assim como a esquerda perdeu qualquer credibilidade e respeito intelectual ao persistir nas versões simplistas, e equivocadas, da história, a direita – se ele existe como “entidade”, o que eu duvido – pode perder credibilidade, e alimentar a paranoia, se continuarem agitando essa fantasmagoria do “globalismo”. 
            Digo isto com base no que observo, leio, reflito sobre a realidade da vida empresarial, dos organismos internacionais, da vivência em diferentes sistemas socioculturais em que se divide o mundo, pois não me considero ser apenas, ou basicamente, um homem de livros, um acadêmico, ou mesmo apenas diplomata.
            A direita, no Brasil, não poder ser aprisionada pelos conservadores, ou ser um reduto dos reacionários, apenas para se demarcar da esquerda, e acabar adotando uma visão do mundo que é também ideológica, para não dizer sectária. Essa noção de que existe um complô de mega-bilionários com outras entidades poderosas para retirar a nossa soberania é simplesmente ridícula, como sempre foram ridículas as teorias conspiratórias da esquerda em relação ao imperialismo americano atuando para impedir o nosso desenvolvimento.
            Como sempre, escrevo o que penso, o que quero, e expresso minhas ideias através de artigos e livros publicados, ou deixo as ideias disponibilizadas no meu blog e site. Não peço licença a ninguém para expressar minhas ideias...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 8 de dezembro de 2017

3202. “Globalismo e globalização: os bastidores do mundo”, Brasília, 7 dezembro 2017, 8 p. Notas preparadas para entrevista via hangout, para um programa da série Brasil Paralelo, gravada em companhia de, e em contraposição a Olavo de Carvalho, sobre o processo de globalização e o conceito de globalismo. Blog Diplomatizzando(link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/12/globalizacao-e-globalismo-como.html). Complemento em 8/12/2017. Transmitido em 11/11/2017 (link: https://www.youtube.com/watch?feature=youtu.be&utm_campaign=inscritos_-_o_primeiro_debate_do_webinario_ja_esta_no_youtube&utm_medium=email&utm_source=RD%2BStation&v=6Q_Amtnq34g); no Canal YouTube (link: https://youtu.be/6Q_Amtnq34g); divulgado no Fabebook pessoal (link: https://www.facebook.com/paulobooks/posts/1746403232089786) e no blog Diplomatizzando(link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/12/globalismo-e-globalizacao-ou-vice-versa.html); divulgado via Twitter (link: Globalismo e globalização (ou vice-versa): Olavo de Carvalho e Paulo Roberto de Almeida – Youtube: https://shar.es/1MxLDO). Relação de Publicados n. 1279.


Os perigos da guinada radical no Itamaraty - Guilherme Evelyn (Epoca)

Análise: Os perigos da guinada radical no Itamaraty

Alinhamento com os EUA de Trump é ruptura com tradição. População mais pobre e vulnerável pode pagar o preço da ideologização da política externa


Guilherme Evelin
Revista Época, 14/11/2018

Nelso Ernesto Araújo, futuro ministro das Relações Exteriores, ao fundo, olha para o presidente-eleito Jair Bolsonaro Foto: Jorge William / Agência O Globo
Nelso Ernesto Araújo, futuro ministro das Relações Exteriores, ao fundo, olha para o presidente-eleito Jair Bolsonaro Foto: Jorge William / Agência O Globo

Ao nomear o embaixador Ernesto Araújo para ministro das Relações Exteriores, o presidente eleito Jair Bolsonaro resolveu pisar fundo e dar uma guinada radical na política externa brasileira. Como chanceler, Ernesto Araújo deve promover uma política de alinhamento do Brasil com os Estados Unidos. Chefe do Departamento de Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos do Itamaraty, Araújo é um fã declarado do governo Donald Trump, que ele considera uma espécie de muralha de defesa de valores ocidentais em declínio por conta de uma doutrina globalista preconizada por elites seculares. Para o embaixador, o Ocidente não sabe, mas está “perdendo o jogo”, diante do avanço de forças como o fundamentalismo islâmico, que cresce, entre outros motivos, por causa do apego das sociedades muçulmanas aos valores religiosos.
Araújo publicou no ano passado um longo ensaio com o título “Trump e o Ocidente” na revista do Instituto de Pesquisa em Relações Internacionais, órgão vinculado ao Itamaraty. No resumo que serve de prólogo para o texto, Araújo deixa logo claro o que pensa. Segundo ele, “Trump propõe uma visão do Ocidente não baseada no capitalismo e na democracia liberal,mas na recuperação do passado simbólico, da história e da cultura das nações ocidentais”. Segundo o diplomata, essa visão é baseada numa longa tradição intelectual que mostra o “nacionalismo como indissociável da essência do Ocidente”. “Em seu centro, está não uma doutrina econômica e política, mas o anseio por Deus, o Deus que age na história”, escreveu Araújo. “O Brasil necessita refletir e definir se faz parte desse Ocidente”. Com citações de “Choque de Civilizações”, de Samuel Huntington, o ensaio parece evocar, várias vezes, “Submissão”, o romance distópico em que Michel Houellebecq imagina uma França governada por um presidente muçulmano.
A última vez em que o Brasil seguiu uma política de alinhamento com os Estados Unidos foi no governo Fernando Collor. Mas, como lembra o professor Guilherme Casarões, da Fundação Getúlio Vargas, autor de uma tese de doutorado sobre a política externa do governo Collor, essa opção foi feita em circunstâncias políticas radicalmente diferentes. A eleição de Collor, após a queda do Muro de Berlim em 1989 e a derrocada dos regimes comunistas na Europa Oriental e na extinta União Soviética, coincidiu com a ascensão dos Estados Unidos à posição de única superpotência global. Agora, caminhamos para um cenário em que os Estados Unidos dividirão a hegemonia política internacional com a China – nosso maior parceiro comercial, por quem Bolsonaro nutre uma antipatia aberta .
Além de uma ruptura com a tradição universalista da diplomacia brasileira – princípio pelo qual o Brasil busca contruir um relacionamento amplo e diversificado com todos os países, sem excluir ninguém – corremos o risco de uma política externa guiada pela ideologia e não pelo interesse nacional. Uma parte da população brasileira – a mais pobre e a mais vulnerável – pode pagar o preço de uma política ideologizada, veneno que Bolsonaro via no Itamaraty dos governos do PT, mas que ele parece querer substituir apenas com viés trocado. A retirada dos profissionais cubanos do programa Mais Médicos, que pode deixar sem assistência cerca de 24 milhões de brasileiros, que moram principalmente em áreas de difícil acesso do Norte e Nordeste ou em reservas indígenas, segundo estimativas do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, é resultado das provocações desnecessárias de Bolsonaro a Cuba, com quem o Brasil normalizou relações desde 1986.
Ainda que Bolsonaro tenha razão em classificar o regime cubano como uma ditadura que se apropria dos salários dos médicos enviados ao Brasil como forma de engordar os seus combalidos cofres, o interesse nacional – e da população mais pobre que hoje só tem acesso a médicos cubanos — recomendava que qualquer revisão do programa fosse tratada com maior prudência e pragmatismo. Cuba não tem qualquer interesse estratégico para o Brasil, a não ser para aqueles que continuam a ver a política internacional pelas lentes anacrônicas usadas durante a Guerra Fria.

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...