Chanceler demite diplomata de cargo técnico após pressão de redes sociais
O diplomata Audo Araújo Faleiro foi exonerado pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, do cargo de chefe da divisão que cuida da Europa Ocidental um dia após seu nome ter sido citado em uma nota do site O Antagonista e atacado pela rede de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro por ele ter trabalhado em administrações petistas.
O caso está sendo encarado por diplomatas, tanto progressistas quanto conservadores, ouvidos pelo blog como "perseguição ideológica" e "sinal de fraqueza institucional" do ministro de Estado. Pois isso mostra que o chanceler Ernesto Araújo não conta com liberdade para indicar quem quer que seja por critérios técnicos.
A exoneração do diplomata ocorreu através da portaria 1021, da última sexta (18), que foi publicada apenas na edição desta terça do Diário Oficial da União. O mais surpreendente é que o próprio chanceler escolheu Faleiro para ocupar esse cargo técnico, no dia 14 de outubro, como pode ser visto na portaria 984, do MRE, publicada no Diário Oficial da União do dia seguinte.
Contatado pelo blog, Audo Faleiro afirmou que não vai comentar o assunto. Assim que conseguir uma posição do Ministério das Relações Exteriores, ela será publicada neste espaço.
Seu nome foi avaliado pelo gabinete do ministério e pela Casa Civil, em um processo que durou mais de um mês, e nada foi encontrado que desabonasse sua indicação. Para um servidor com 22 anos de carreira, essa função de chefe de divisão, normalmente ocupada por diplomatas mais novos, já era considerada uma espécie de "geladeira".
Audo Faleiro é ministro de segunda classe (segunda maior patente na hierarquia da categoria) e trabalhou na assessoria internacional da Presidência da República nos governos de Lula e Dilma, na equipe chefiada pelo então assessor especial Marco Aurélio Garcia. No exercício de tal função, Audo participou de eventos com sindicatos e partidos políticos, apesar de não ser filiado a nenhum deles.
Faleiro serviu como ministro conselheiro em Paris, entre 2015 e 2019. Segundo fontes ouvidas pelo blog, sua indicação contribuiria para recompor a relação com a França desgastada após as trocas de ofensas públicas entre os presidentes brasileiros e francês por conta da Amazônia.
Ele, aliás, não foi o único diplomata a ter sido cedido para trabalhar em cargos de assessoria junto ao primeiro escalão de administrações anteriores, e que conta com cargo de chefia no atual governo. Nem o único diplomata que tinha cargo de confiança em governos petistas que mantém seu status nesta gestão. O próprio Ernesto Araújo comandou áreas no Itamaraty durante o governo petista e foi subchefe no gabinete do ministro das Relações Exteriores no governo Dilma Rousseff.
De acordo com um embaixador ouvido pelo blog, determinar cargos de nível técnico do Ministério das Relações Exteriores conforme necessidades político-partidárias significa abandonar a diplomacia profissional, que a instituição construiu após a fundação do Instituto Rio Branco, em 1945.
Outro embaixador afirmou que é comum presidentes indicarem uma cota pessoal de embaixadores (ressaltando que não de sua família, claro). No entanto, esclareceu que um comportamento como o atual, partidarizando chefias de divisão, vai muito além de qualquer prática vista nas últimas décadas e se assemelha a uma espécie de macarthismo à brasileira.
O caso tem pontos de semelhança ao do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, que cedeu à campanha digital realizada por apoiadores do governo Bolsonaro favoráveis à flexibilização da posse e do porte das armas de fogo, e revogou a nomeação de Ilona Szabó para a vaga de suplente no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, em fevereiro. Bolsonaro afirmou que interveio após a campanha nas redes sociais. O próprio Moro que a havia indicado.
O caso abriu uma fratura na imagem de super-ministro de Moro, mostrando que a carta branca que prometeu a ele só vale se endossada pelo presidente.
Nesse sentido, a exoneração é vista pelos diplomatas com o qual o blog falou como um estranho aceno aos bolsonaristas diante da repercussão negativa nas redes sociais.
Em certos aspectos, o caso atual no Itamaraty chega a ser ainda mais preocupante em termos de ideologização e politização indevidas dos serviços do Estado, e mostra uma debilidade ainda maior do Ministro Ernesto Araújo. Pois trata-se de um cargo técnico, de baixo escalão, e sem relevância política, que estava preenchido por um diplomata reputado como sério, profissional e competente por colegas de matizes políticos opostos que foram ouvidos pelo blog.
Diplomatas ouvidos pelo blog afirmam que tudo isso conta com um agravante de motivação fútil, o que pode ser revelador da insegurança da atual liderança do ministério: o medo de que uma simples reação nas redes sociais poderia minar a confiança junto ao presidente ou ao seu núcleo político. Decisões de nível técnico do Itamaraty não poderiam ser tomadas através da análise de tuítes, que nem são do presidente, afirmam.
Nas palavras de um funcionário do Ministério das Relações Exteriores, estão criminalizando servidor público por ter trabalhado como servidor público em governo anterior.
Bolsonaro já teria dito que se não conseguir nomear o filho embaixador na capital dos Estados Unidos, poderia coloca-lo no lugar de Ernesto Araújo. A declaração soou como provocação aos críticos da indicação de seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, ao cargo. Mas pode ter sido o suficiente para acender a luz amarela.