O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Ah, se eu estivesse na California: Mesopotamia no Getty Museum (com o Louvre)

Minhas primeiras leituras "sérias" foram sobre arqueologia na Antiguidade, sobretudo no berço da nossa civilização: a Babilônia. Lembro ainda hoje, das leituras precoces sobre o mundo antigo e as descobertas arqueológicas feitas no século XIX e início do século XX.
Essas antiguidades, roubadas, compradas, expropriadas, doadas, estão espalhadas em diversos museus no mundo, especialmente na Europa (a imperialista), nos EUA (os donos do dinheiro) e na própria região, que ainda não visitamos, eu ou Carmen Lícia. Mas já visitamos praticamente todos os museus europeus e americanos que possuem essas coleções fantásticas, e especialmente a Villa Getty, que agora organiza esta fabulosa exposição junto com o Museu do Louvre.
Paulo Roberto de Almeida

Wall Panel with a Striding Lion, 605–562 BC, Neo-Babylonian. Glazed ceramic. The Metropolitan Museum of Art, Fletcher Fund, 1931 (31.13.1). Image: www.metmuseum.org

EXHIBITIONS

 Statuette of a Human-Headed Bull, about 2150–2000 BC, Neo-Sumerian. Chlorite. Musée du Louvre, Département des Antiquités orientales. Image © RMN-Grand Palais / Art Resource, NY. Photo: Hervé Lewandowski

Mesopotamia: Civilization Begins

March 18–July 27, 2020 | The Getty Villa
Mesopotamia—the land "between the rivers" in modern-day Iraq—was home to the ancient Sumerians, Babylonians, and Assyrians. Among their many achievements are the creation of the earliest known script (cuneiform), the formation of the first cities, the development of advanced astronomical and mathematical knowledge, and spectacular artistic and literary accomplishments. This exhibition covers three millennia, from the emergence of the first cities in about 3200 BC to Alexander the Great's conquest of Babylon in 331 BC.

Exhibition organized by the Musée du Louvre, Paris, and the J. Paul Getty Museum, Los Angeles.

Statue of Prince Gudea (detail), Neo-Sumerian period, about 2120 BC, dolerite. Musée du Louvre, Department of Near Eastern Antiquities, Paris. Gift of Boisgelin, 1967 (de Clercq collection). Image © Scala/Art Resource, NY

Mesopotamia: Civilization Begins

Mesopotamia—the land "between the rivers" in modern-day Iraq—was home to the ancient Sumerians, Babylonians, and Assyrians. Among their many achievements are the creation of the earliest known script (cuneiform), the formation of the first cities, the development of advanced astronomical and mathematical knowledge, and spectacular artistic and literary accomplishments. The exhibition covers three millennia from the first cities in about 3200 BC to Alexander the Great’s conquest of Babylon in 331 BC.
Exhibition organized by the Musée du Louvre, Paris, and the J. Paul Getty Museum, Los Angeles.

FEATURED EXHIBITION

Mesopotamia

Civilization Begins

March 18–July 27, 2020, GETTY VILLA



Os sobressaltos da democracia brasileira - Paulo Roberto de Almeida

Os sobressaltos da democracia brasileira: mini-reflexão sobre um novo estremecimento nas frágeis instituições democráticas do Brasil


Paulo Roberto de Almeida 

‪A democracia brasileira sempre foi um experimento descontinuado nos primeiros 80 anos de regime republicano; a deterioração começou no próprio governo provisório de Deodoro, continuou no governo arbitrário de Floriano, continuou piorando sob os sistemas fraudulentos de “verificações de votos” sob os presidentes das oligarquias do período “café-com-leite”, se perverteu na “política dos governadores”, continuou se degradando nas intervenções federais nos estados - especialmente sob o Marechal Hermes da Fonseca -, e continuou sendo testada nas inúmeras intervenções de militares na política (tenentes, por vezes os altos comandos também).
Os militares continuaram se imiscuindo na política desde a última década monárquica até os anos 1970, com recrudescimentos mais brutais nos anos 1930-60, quando os altos comandos decidiram “consertar”, ou “endireitar” o país, livrando-o da corrupção, da anarquia, da “ameaça comunista” e outros males terríveis. Deu no que deu: uma ditadura que, por ter sido menos sangrenta do que certos equivalentes na região, e que procurou se cercar de “garantias jurídicas e institucionais”, não foi menos arbitrária na censura, na repressão, no obscurantismo, sem se ter agora um juízo claro sobre os níveis de corrupção.
Os militares construiram uma grande economia e ao mesmo tempo a deformaram, pelo estatismo exacerbado, pelo stalinismo industrial, pelo protecionismo mercantilista, pelo inflacionismo irresponsável e por um nacionalismo tosco, rastaquera, que isolou completamente o país da interdependência global.
Não por acaso o subtítulo do primeiro livro do mais famoso brasilianista, Thomas E. Skidmore, “Politics in Brazil, 1930-1964” (no Brasil se chamou “De Getúlio a Castelo”),
era “An Experiment in Democracy”, ou seja, uma democracia apenas tentativa.
Finalmente, quando a democracia política — que preservou desigualdades sociais — começou a se fortalecer nos 30 anos pós-1985, mesmo em meio a crises políticas graves, que nos levaram a dois impeachments (dentro de regras constitucionais), novos sinais desestabilizadores aparecem, como entre as décadas 1930-60s.
Atualmente, surge uma nova ameaça, sob a forma de um monstro miliciano-corporativo, sectário em seu direitismo tosco, sem qualquer doutrina política a sustentar um “conservadorismo” de fachada, apoiado em saudosistas da ditadura militar e em fanáticos de extrema-direita, disposto a “limpar” a sociedade de uma suposta ameaça comunista, agitando o espectro sobredimensionado do Foro de S. Paulo, uma justificativa oportunista para o avanço dos novos milicianos.
Considero o atual regime — sim, regime, não apenas governo — olavo-bolsonarista a mais grave ameaça às nossas frágeis instituições democráticas.
Nosso regime democrático, por uma série de razões — patrimonialismo, entre outras — sempre foi de baixíssima qualidade, mas agora  é o próprio governo que dinamita as bases de funcionamento do Estado de Direito, com a cooperação ingênua, inconsciente ou intencional, de representantes de núcleos corporativos e de altos mandarins da República, e ameaça novamente romper certas colunas básicas da institucionalidade democrática.
Retrocederemos novamente?‬
Não sem a minha resistência...


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25 de fevereiro de 2020

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

200 anos da revolução liberal do Porto: colóquio em Coimbra: Call for Papers

page1image601232000
Call for papers
Colóquio Internacional “Dois séculos da Revolução de 1820: liberalismo, anti-liberalismo e pós-liberalismo”
20 a 23 de abril de 2020
Universidade de Coimbra | Faculdade de Letras e Faculdade de Economia


A problemática delimitada resulta da adoção de uma abordagem inter-epocal e comparatista, interdisciplinar e, também, técnico-cívica dos dois séculos de soluções liberais, antiliberais e pós-liberais em Portugal e em outras zonas da Europa do Sul (antes de mais, Espanha e Itália), no Brasil e em outros países da América Latina, nos países dominantes.
Apela-se à apresentação de propostas de comunicação relativas às seguintes subáreas temáticas: Sistema político e administrativo, Estruturas e relações sociais, Pensamento económico e atividade económica, Correntes e fenómenos culturais, Relações internacionais.

Calendário:
Submissão de propostas: 
29 de Fevereiro de 2020Comunicação de aceitação/recusa: 9 de Março de 2020Data limite de inscrição para comunicantes aceites: 23 de Março de 2020 
Divulgação do programa: 31 de Março de 2020

Submissão de propostas
As propostas de comunicação deverão ser submetidas por email para inscricoes.ceis20@gmail.com e obedecer às seguintes características:
page1image603183488
Título, resumo (até 4000 carateres com espaços), 5 palavras-chave, nome do(s) autor(es), nota biográfica (até 500 carateres com espaços), enquadramento institucional e email. Duração das comunicações: 20 minutos. Publicar-se-ão textos em obras coletivas e em dossiers de revistas
Línguas de trabalho: português, castelhano, italiano e inglês 
Conferência de abertura:
Daniel Innerarity (Universidad del País Vasco)

Conferencistas convidados:
Alberto De Bernardi (Universidade de Bolonha) Américo Freire (FGV)
Angela de Castro Gomes (UNIRIO)
António Costa Pinto (ISC/UL)

Fátima Nunes (Universidade de Évora)
Francisco Martinho (USP)
Fulvio Cammarano (Universidade de Bolonha)
Héctor Hernán Mondragón Báez (Consultor do PNUD)
Hélder Adegar da Fonseca (Universidade de Évora)
Izaskun Álvarez Cuartero (USalamanca)
José Reis (UC)
Luís Lobo Fernandes (Universidade do Minho)
Marco de Nicolò (Universidade de Cassino)
Maria Antónia Lopes (UC)
Rafael García Pérez (USC, Santiago de Compostela)
Sabrina Ajmechet (Universidad de Buenos Aires)
Samuel Soares (UNESP)
Sandra Anchondo Pavón (Universidad Panamericana, Cidade do México) Vera Lúcia Vieira (PUC-SP)

Organização: DHEEAA/FLUC, FEUC, CEIS20/UC, DH/FCSH/UNL e IHC/FCSH/UNL
Parcerias: UAçores, UMadeira
Comissão Organizadora: João Paulo Avelãs Nunes, António Rafael Amaro, Maria Fernanda Rollo, Dina Sebastião, Fernando Tavares Pimenta, Sérgio Neto
page3image600712240
Call for papers
International Colloquium “Two Centuries of the Revolution of 1820: Liberalism, Anti-Liberalism and Postliberalism”
April 20-23, 2020
University of Coimbra | Faculty of Letters and Faculty of Economics

The delimited subject results from the adoption of an inter-epochal and comparative, interdisciplinary and also technical-civic approach of the two centuries of liberal, anti-liberal and post-liberal solutions in Portugal and other areas of Southern Europe (first and foremost, Spain and Italy), in Brazil and other Latin American countries, in the dominant countries.
Communication proposals concerning the following thematic subareas are invited: Political and administrative system, Structures and social relations, Economic thinking and economic activity, Currents and cultural phenomena, International relations.
Calendar:
Submission of Proposals: February 29, 2020
Notice of Acceptance / Decline: March 9, 2020
Application deadline for accepted contacts: March 23, 2020 Dissemination of the program: March 31, 2020

Submission guidelines:
Communication proposals must be submitted by email to inscricoes.ceis20@gmail.com and comply with the following characteristics:
page3image641756944
Title, abstract (up to 4000 characters with spaces), 5 keywords, author (s) name, biographical note (up to 500 characters with spaces), institutional framing and email. Duration of communications: 20 minutes.
Texts will be published in collective books and scientific journals.

Working languages: Portuguese, Spanish, Italian and English. Opening Lecture:
Daniel Innerarity (Universidad del País Vasco)
Guest Lecturers:
Alberto De Bernardi (University of Bolonha) Américo Freire (FGV)
Angela de Castro Gomes (UNIRIO)
António Costa Pinto (ISC/UL)

Fátima Nunes (University of Évora)
Francisco Martinho (USP)
Fulvio Cammarano (University of Bolonha)
Héctor Hernán Mondragón Báez (UNDP Consultant)
Hélder Adegar da Fonseca (University of Évora)
Izaskun Álvarez Cuartero (Umiversity of Salamanca)
José Reis (University of Coimbra)
Luís Lobo Fernandes (University of Minho)
Marco de Nicolò (University of Cassino)
Maria Antónia Lopes (University of Coimbra)
Rafael García Pérez (USC, Santiago de Compostela)
Sabrina Ajmechet (Universidad de Buenos Aires)
Samuel Soares (UNESP)
Sandra Anchondo Pavón (Universidad Panamericana, Cidade do México) Vera Lúcia Vieira (PUC-SP)

Organization: DHEEAA / FLUC, FEUC, CEIS20 / UC, DH / FCSH / UNL and IHC/ FCSH / UNL
Partnerships: UAçores, UMadeira
Organizing Committee: João Paulo Avelãs Nunes, Antonio Rafael Amaro, Maria Fernanda Rollo, Dina Sebastião, Fernando Tavares Pimenta, Sérgio Neto

Estados Autoritários: a principal batalha é a de ideias - Democracy Digest

China launches counteroffensive in the war of ideas

For China’s one party-state, the West’s promotion of liberal democracy is part of an ideological struggle led by an adversary that is still vastly superior, a situation that Chinese strategists describe as xiqiang woruo (“the West is strong, while China is weak”). The hostile forces are  liberal democratic ideals and their corollaries – constitutional democracy, universal values, individual rights, economic liberalism, free media – which have been identified by the CCP as deadly “perils,” says analyst Nadege Rolland.
In the battle for influence, the power discrepancy is not so much technological as it is about an imbalance in “discourse power”. In China’s evolving strategic lexicon, this term refers to the ability not only to articulate attractive ideas, but also to be listened to, to influence others’ perceptions, and eventually to shape the international conversation [employing what the National Endowment for Democracy [NED] calls ‘sharp power‘], she writes for the Lowy Institute’s The Interpreter:
Beijing believes the West has used its power in this domain to dominate the international system and the world order. Words are not merely instruments of communication used to facilitate exchanges and discussions; they convey concepts, ideals, and values that are the foundation for the norms on which the international architecture is constructed and thus determine how the world order is run. In sum: Whoever rules the words rules the world. In the eyes of the CCP, the West’s superior discourse power is an existential threat more imminent than the remote possibility of a foreign military invasion. RTWT
As Russia and China’s sharp power push continues to gnaw away at our societies, institutions, and alliances, Western responses are often defeatist, notes CEPA’s Edward Lucas who encountered this at the Munich Security Conference in mid-February when he presented a report – Firming up Democracy’s Soft Underbelly: Authoritarian Influence and Media Vulnerability[PDF].
“I had some specific practical ideas about how to protect our information system. But many people in the audience thought I was aiming too low. The real, essential issue was surely regulating Facebook? My response is that we need to do both,” he writes:
We certainly need big-picture, high-level responses. They come slowly, but even talking about them has a deterrent effect. We also need to take specific steps wherever we can, even at the most micro-level. For example, highlighting information attacks whenever they occur alerts other people and helps make these stunts less effective next time. Setting benchmarks for good practice gives others examples to copy.
Russia’s leader, Vladimir Putin, a former KGB officer, has reconstituted and updated the KGB’s old Cold War playbook for the new digital age, analyst writes in Spies, Election Meddling, and Disinformation: Past and Presentan article for the Brown Journal of World Affairs. His paper, an exercise of applied history, has two aims: first, to understand the history of Soviet disinformation, and second, to make sense of Western efforts to counter it during the Cold War. Doing so provides policy-relevant conclusions from history about countering disinformation produced by Russia and other authoritarian regimes today.

Narendra Modi prepara as suas "aldeias Potenkim" para a visita de Trump à Índia (WP)

Today's WorldView
 
 

Nossa tortura anual: o Imposto de Renda - informações preliminares

Encaminho alguns links recebidos do amigo Airton Dirceu Lemmertz: 

Divulgadas as regras sobre a entrega da Declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física 2020: 

A entrevista coletiva que apresentou as regras do IRPF 2020: 

A entrevista com o auditor-fiscal Joaquim Adir, supervisor nacional do IR: 

A entrega da Declaração do Imposto de Renda 2020: início às 8 horas do dia 2 de março e termina às 23h59min59s do dia 30 de abril de 2020

Não sofram muito...

domingo, 23 de fevereiro de 2020

A diferença entre Estados autoritários e os democráticos: China como "homem doente da Ásia" no Wall Street Journal

Vinte anos atrás, a prestigiosa revista mais do que secular The Economist tinha uma capa, um editorial e várias matérias sobre a Alemanha, como "o homem doente da Europa", a propósito da relativa estagnação da economia alemã naquela conjuntura.
Qual foi a reação dos dirigentes alemães?
Nenhuma, absolutamente nenhuma.
Ou melhor, reconheceram os problemas do momento e trataram de corrigi-los para que o país retomasse seus antigos níveis de produtividade e competitividade que sempre distinguiram a Alemanha, temporariamente afetados por políticas erradas e pelos impactos reais da integração da RDA, acrescidos dos problemas trazidos pouco antes pela moratória russa, que afetou muitos bancos alemães.
A China já foi chamada de "homem doente da Ásia", no final do século XIX, quando ela realmente estava em decadência e tinha perdido guerras contra a Rússia czarista e o Japão ascendente, assim como estava sendo humilhada pelos imperialismos ocidentais, e não tinha sequer como retaliar.
Logo depois foi a vez do Império Otomano, de ser chamado de "homem doente", o que era também um fato, em breve confirmado pelo fim do Império e o nascimento da Turquia moderna, com um território reduzido em relação ao enorme império antes espalhado pelo sul da Europa, Oriente Médio e norte da África.
Hoje, a China, que não tem nada de "homem doente" da Europa, enfrenta um problema episódico, que vai ser superado dada sua enorme capacidade de reação, sua organização, seu poderio econômico.
O grande historiador e especialista de relações internacionais, Walter Russell Mead, realmente perpetrou um erro grave – ou então a responsabilidade incumbe aos editores –, ao chamar a China de "homem doente da Ásia", mas ele é um colunista baseados nos EUA, que tem liberdade para publicar o que deseja no Wall Street Journal, um jornal conservador, mas provavelmente o melhor jornal do mundo, junto com o Financial Times. A decisão da China de expulsar três jornalistas do escritório de Beijing do WSJ apenas revela o espírito totalitário do PCC, sua intolerância com as opiniões de um acadêmico, que não afetariam em nada a capacidade da China de resolver um grave problema de saúde pública. 
Essa é a diferença entre as democracias e as ditaduras: as primeiras não interferem na liberdade de imprensa e sobretudo na opinião de comentaristas e acadêmicos. Ditaduras costumam controlar seus cidadãos e os próprios jornalistas estrangeiros que escrevem sobre o país. A retaliação inaceitável da China contra jornalistas estrangeiros apenas confirma essa diferença básica, que um dia será superada, para felicidade do próprio povo chinês.
Paulo Roberto de Almeida

Inside The Wall Street Journal, Tensions Rise Over ‘Sick Man’ China Headline

After China announced the expulsion of three of the paper’s journalists, 53 reporters and editors at The Journal asked top executives to consider changing the headline and apologizing.
John Wisniewski
More than four dozen journalists at The Wall Street Journal challenged their bosses and criticized the newspaper’s opinion side in a letter that was sent to top executives on Thursday, the day after China announced that it would expel three Journal staff members in retaliation for a headline that offended the country’s leaders.
In all, 53 reporters and editors signed the letter. They criticized the newspaper’s response to the fallout from the headline, “China Is the Real Sick Man of Asia,”that went with a Feb. 3 opinion essay by Walter Russell Mead, a Journal columnist, on economic repercussions of the coronavirus outbreak.
The letter, which was reviewed by The New York Times, urged the newspaper’s leaders “to consider correcting the headline and apologizing to our readers, sources, colleagues and anyone else who was offended by it.”
Describing the headline as “derogatory,” the letter was sent on Thursday from the email account of the China bureau chief, Jonathan Cheng, to William Lewis, the chief executive of Dow Jones and the newspaper’s publisher, and Robert Thomson, the chief executive of News Corp, the Rupert Murdoch-controlled parent company of Dow Jones.
Mr. Cheng, who did not sign the letter, wrote in a separate note that he was passing the letter along to the two executives, adding that he believed their “proper handling of this matter is essential to the future of our presence in China.”
The in-house criticism brought to the surface longstanding tensions at The Journal between the reporters and editors who cover the news and the opinion journalists who work under the longtime editorial page editor, Paul A. Gigot. As at other major newspapers, including The Times and The Washington Post, the news side and the opinion department are run separately.
Mr. Gigot oversees the unsigned editorials that represent the newspaper’s institutional voice, the op-ed columns like the one by Mr. Mead and the criticism in the arts and culture sections. He also hosts a program on Mr. Murdoch’s network, the Fox News Channel.
Foreign news media organizations in China tread a difficult path. The nation’s growing economic and political clout make it an essential story. Chinese officials covet attention from the global stage, and images of foreign reporters jotting down their comments at news conferences are a staple of state-controlled evening news shows.
The Chinese government uses visas for foreign journalists as leverage, doling out and retracting credentials as a way to influence news outlets. Foreign news media organizations face pressure to steer clear of sensitive topics like the wealth and political pull of the families of the country’s leaders.
Like many other international news organizations, The Times among them, The Journal is blocked online in China, and the “Sick Man” headline was brought to wide attention there by state-controlled media, amid nationwide concern over an epidemic that has infected over 76,000 people in China and killed more than 2,400.

China was sometimes described as the “sick man of Asia” at the end of the 1800s, in “the depths of what we now call China’s ‘Century of Humiliation,’” said Stephen R. Platt, a historian of modern China at the University of Massachusetts. The empire had then lost a series of wars and had feared being divvied up by imperial powers.
“Nobody in their right mind would confuse China today with China at the end of the 19th century,” Mr. Platt said. “I think that’s where the insult lies, this hearkening back to this terrible period and somehow implying that it’s all the same.”
On Wednesday, Geng Shuang, a spokesman for China’s Ministry of Foreign Affairs, said in a transcript provided by the Chinese government that Chinese officials “demanded that The Wall Street Journal recognize the seriousness of the error, openly and formally apologize, and investigate and punish those responsible, while retaining the need to take further measures against the newspaper.”
The statement added that “the Chinese people do not welcome media that publish racist statements and smear China with malicious attacks.”
The Journal has not made a formal apology. The closest it came was when Mr. Lewis, the publisher, said in a statement on Wednesday that the headline “clearly caused upset and concern amongst the Chinese people, which we regret.”
Susan L. Shirk, the chair of the 21st Century China Center at the University of California, San Diego, said that there was reason for the newspaper to refrain from making an apology now that the Chinese government had demanded one.
“The Chinese government has been coercive in its demands for apologies from all sorts of international groups on issues that are essentially domestic political issues,” Ms. Shirk, a deputy secretary of state under former President Bill Clinton, said. “This has the effect of interfering in freedom of expression in our own countries.”
A majority of the reporters and editors who signed the letter are based in the newspaper’s China and Hong Kong bureaus.
They included the three journalists whom China ordered to leave the country on Wednesday: Josh Chin, the deputy bureau chief in Beijing and an American citizen; Chao Deng, a reporter, who is also an American; and Philip Wen, a correspondent and Australian citizen who reported on an Australian investigation of a cousin of President Xi Jinping of China as part of an inquiry into organized crime. The Chinese government gave the journalists until Monday to leave the country.
The letter argued that “the public outrage” over the headline in China “was genuine” and said the “Sick Man” headline should be changed online.
“We are deeply concerned that failure to take such action within the next few days will not only inflict further damage on our China bureau’s operations and morale in the short term,” the letter said, “but also cause lasting damage to our brand and ability to sustain our unrivaled coverage of one of the world’s most important stories.”
The letter also noted that people at The Journal had raised concerns about the “Sick Man” headline before China announced that it would revoke the journalists’ visas and order them out of the country. It also questioned whether the headline was “distasteful,” given the coronavirus outbreak.
A Dow Jones spokeswoman confirmed that the executives had received the letter and said in a statement, “We understand the extreme challenges our employees and their families are facing in China.” The company added that it “will continue to push” to have the visas of its three journalists reinstated.
Mr. Cheng, the China bureau chief, and more than a dozen others who signed the letter did not respond to requests for comment.
In addition to criticizing the headline, the letter took issue with an unsigned editorial published by the newspaper on Wednesday, after China’s announcement that the journalists would be expelled.
In the punchy style the editorial page is known for, it got right to the point: “President Xi Jinping says China deserves to be treated as a great power, but on Wednesday his country expelled three Wall Street Journal reporters over a headline. Yes, a headline. Or at least that was the official justification.” The editorial went on to argue that the Chinese government had revoked the reporters’ credentials to divert attention from its “management of the coronavirus scourge.”
The editorial acknowledged criticism of the headline but defended it as echoing a description familiar to American readers that cast the late Ottoman Empire as the “sick old man of Europe.”
Shen Yi, a lecturer on international relations at Fudan University in Shanghai, said The Journal’s headline displayed a sense of racial superiority. The language was similar to comments by Kiron Skinner, a former director of policy planning at the State Department, who had said that with China, the United States had “a great power competitor that is not Caucasian,” Mr. Shen wrote in a recent essay.
“The increasing prominence and scope of this sort of language gives you a feeling for the despicable thoughts that underlie it,” Mr. Shen wrote. “Even now, in the 21st century, some U.S. officials and elites still deep in their hearts know and understand the world through the framework of the suzerain and its colonies.”
Mr. Mead, the writer of the op-ed, suggested in a Twitter post on Feb. 8 that he was opposed to the headline, writing, “Argue with the writer about the article content, with the editors about the headlines.” He declined to comment for this article.

Anne Applebaum: historiadora do totalitarismo soviético

Foi publicado recentemente no Brasil mais um livro da historiadora Anne Applebaum, sobre o terrível Holodomor, traduzido de Red Famine, que retraça o programa stalinista de coletivização agrícola na União Soviética e sua aplicação especialmente brutal na Ucrânia, quando o saque violento de grãos dos camponeses provocou uma fome devastadora, que foi responsável pela morte de milhões de ucranianos (5 ou 6 milhões segundo os cálculos de historiadores).
Já li muitas resenhas, ainda não o livro, mas já recomendo, pois li outros livros dessa historiadora, entre eles o Gulag, dedicado ao maior empreendimento escravista da modernidade, que também causou a morte de milhões de pessoas.
Fiz uma resenha desse primeiro livro dela traduzido no Brasil, que transcrevo a seguir.
Paulo Roberto de Almeida

Gulag: anatomia da tragédia

Resenha de:
Anne Applebaum:
Gulag: uma história dos campos de prisioneiros soviéticos
(Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, 744 p.; tradução de Mário Vilela e Ibraíma Dafonte; ISBN: 8500015403)

            O terror moderno, isto é, o recurso à intimidação aberta e indiscriminada para alcançar fins especificamente políticos, não está ligado apenas aos exemplos cruéis do fundamentalismo de base islâmica. Ele nasceu na Revolução francesa e seu mais conhecido "teórico", Robespierre, o defendeu sem hesitação: "O atributo do governo popular na revolução é ao mesmo tempo virtude e terror, virtude sem a qual o terror é fatal, terror sem o qual a virtude é impotente. O terror nada mais é do que justiça imediata, severa, inflexível...". 
            Lênin, o inventor do terror moderno, apreciava Robespierre e sua "justiça expedita": desde os primeiros dias da revolução de 1917 ele ordenou à Cheka, a polícia política imediatamente criada para esmagar a ameaça "contra-revolucionária", que fuzilasse sem hesitação não só os opositores declarados do novo regime, mas também representantes da classe proprietária em geral, capitalistas, grandes comerciantes e latifundiários, religiosos, enfim, os potenciais "inimigos de classe". Criador do Gulag, em sua primeira emanação, ele justificava assim o trabalho da Cheka:
            "A Cheka não é uma comissão de investigação nem um tribunal. É um órgão de luta atuando na frente de batalha de uma guerra civil. Não julga o inimigo: abate-o... Nós não estamos lutando contra indivíduos. Estamos exterminando a burguesia como uma classe. A nossa primeira pergunta é: a que classe o indivíduo pertence, quais são suas origens, criação, educação ou profissão? Estas perguntas definem o destino do acusado. Esta é a essência do Terror Vermelho" (citado por Paul Johnson em Tempos Modernos).
            Stalin se encarregou de aplicar sistematicamente as recomendações de Lênin, e o fez de uma forma completa, terminando por incorporar como "clientes" da máquina de terror administrada por ele os seus próprios colegas de partido. A amplitude do Gulag, ampliado e desenvolvido no seu mais alto grau por Stalin, justifica que apliquemos a ele a categoria de genocídio, noção que costuma estar associada apenas aos terríveis experimentos raciais nazistas, antes e durante a Segunda Guerra Mundial.
            O livro de Anne Applebaum não é, apenas, como seu subtítulo indica, "uma história" dos campos soviéticos, mas a mais completa e sinistra história de um fenômeno único na história da humanidade: uma instituição oficial (ainda que em muitos aspectos "clandestina"), montada e sustentada pelo poder central do Estado, para administrar pelo terror, por um tempo indefinido, uma população inteira de um dos países mais importantes do planeta. A historiadora americana, editorialista do Washington Post e colaboradora do Wall Street Journal, realizou uma pesquisa monumental, indo muito além dos primeiros levantamentos de Alexander Solzenitsyn em torno dos depoimentos dos sobreviventes do nefando sistema de escravização em massa criado pelo totalitarismo soviético.
            Organizado em três partes, o livro documenta amplamente o que até aqui tinha sido divulgado de maneira dispersa em trabalhos de pesquisa histórica que não tinham ainda tido acesso aos principais arquivos soviéticos liberados no período recente. A primeira parte, "As origens do Gulag, 1917-1939", faz a reconstituição histórica dessa instituição singular, que unia a mais transparente crueldade no trato dos prisioneiros ao burocratismo metódico de uma moderna administração voltada para a exploração sistemática do trabalho escravo. Sim, não devemos esquecer que, independentemente de suas funções "didáticas", de intimidação direta e aberta contra a própria população da União Soviética, o Gulag teve um importante papel econômico na história do socialismo naquele país, chegando a representar, a produção de um terço do seu ouro, muito do carvão e da madeira e grandes quantidades de outras matérias-primas. Os prisioneiros passaram a trabalhar em todo e qualquer tipo de indústria, vivendo num país dentro de um outro país.
            A segunda parte, "Vida e trabalho nos campos", mostra também como o sistema do Gulag, que chegou a reunir 476 campos no mais diferentes cantos da URSS, constituía um Estado dentro do Estado, regulando os mais diferentes aspectos de um universo concentracionário que não teve precedentes, teve poucos imitadores efetivos (a despeito da terrível eficácia mortífera dos campos de concentração nazistas) e um número ainda mais reduzido de seguidores (sendo os mais efetivos os sistemas "correcionais" da Coréia do Norte e de Cuba, já que o exemplo do Camboja foi o de uma simples máquina de matar, como de certo modo tinha sido o caso dos experimentos nazistas). 
            A terceira parte, "Ascensão e queda do complexo industrial dos campos, 1940-1986", segue o sistema no seu ápice, durante e imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, até o seu desmantelamento gradual após a morte de Stalin (1953) e a disseminação do fenômeno dos "dissidentes": ele foi sendo erodido progressivamente em seu papel político (ainda que não o econômico), mas só teve seu final decretado depois do próprio fim do socialismo.
            Um apêndice tenta quantificar a extensão do terror: de acordo com os próprios dados do sistema (estatísticas da NKVD, sucessora da Cheka e antecessora do KGB), o número de prisioneiros passou de cerca de 200 mil no início dos anos 1930 para 2,5 milhões no momento da morte de Stalin. O "turnover", obviamente, foi muito maior: muitos prisioneiros morreram, alguns escaparam (poucos), vários eram incorporados ao Exército Vermelho ou à própria administração dos campos (cruel ironia). As "taxas de desaparecimentos" refletiram também as terríveis condições de vida na URSS: passou-se de 4,8% de mortos em 1932 para 15,3% no ano seguinte, o que indica o impacto da epidemia de fome induzida pela coletivização stalinista da agricultura, que matou 6 ou 7 milhões de cidadãos "livres" igualmente. A "taxa" de mortos sobe para seu máximo de 25% em 1942, para declinar para menos de 1% nos anos 1950, quando o sistema "industrial" já tinha sido instalado em sua plenitude. No total, 2,7 milhões de cidadãos soviéticos podem ter morrido no sistema do Gulag, o que de todo modo representa apenas uma pequena parte dos desaparecidos durante todo o regime stalinista e uma parte ainda menor dos sacrificados pelo sistema soviético. Os autores franceses do Livre Noir du Communisme, por exemplo, estimam em 20 milhões as vítimas do regime soviético, o que pode ser uma indicação plausível (outros colocam entre 12 e 15 milhões de mortos). Vários historiadores se aproximam da cifra de 28 milhões de cidadãos soviéticos para o número total de “clientes” de todo o sistema concentracionário soviético em sua história de “terror vermelho”.
            O Gulag foi a face mais visível da tragédia soviética, mas certamente não a única ou exclusiva. Este livro conta a história desse terrível legado do socialismo do século XX: esperemos que a história não se repita, sequer como farsa.
            
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 12 de dezembro de 2004