O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 17 de maio de 2020

O declínio de uma nação - Paulo Roberto de Almeida


O declínio de uma nação 

Paulo Roberto de Almeida


Existem momentos, na vida de uma nação— que podem ser simples conjunturas, ou delongar-se num inteiro processo histórico —, nos quais a quase totalidade da classe dominante (que inclui dirigentes políticos, grandes capitalistas da cidade e do campo, banqueiros, líderes de sindicatos de patrões e de empregados, magistrados, militares de alta patente, “bispos” e pastores, intelequituais) resolve embarcar na “nau dos insensatos”, parodiando Barbara Tuchman.
Aí não tem jeito: é declínio na certa, que pode ser temporário ou uma decadência de longa duração.
Vejam por exemplo a Argentina: ela decai há mais ou menos 90 anos. Agora chegou a nossa vez de decair um pouco (ou muito).
Só tem uma coisa: lá atrás, a Argentina era cinco vezes mais rica do que o Brasil e tinha 70% do PIB per capita americano; atualmente, ela só é um pouquinho mais rica do que nós, mas continua decaindo.
Chegou a nossa vez de fazer-lhe companhia no declínio.
Não fiquem muito tristes: nossos netos, ou bisnetos, vão reverter um pouco a coisa.
O país não vai acabar: só continuaremos pobres, desiguais e deseducados por mais quatro ou cinco décadas.
De quem é a culpa?
Daquela classe dominante medíocre, e dividida, mas que embarcou junta na nau dos insensatos. Na verdade, já começamos a viagem lá atrás; só paramos num porto para recolher um novo capitão, porque o anterior foi preso por roubar os mantimentos do navio. O novo prometeu consertar os estragos, mas ainda não se percebeu que se trata de um psicopata estúpido.
Por enquanto, la nave va...

Paulo Roberto de Almeida
17/05/2020

Policarpo Quaresma, o D. Quixote nacional - Arnaldo Godoy

EMBARGOS CULTURAIS

A biblioteca nacionalista de Policarpo Quaresma



O escritor Lima Barreto é um injustiçado. Um triste visionário, na percepção de recente biografia lançada pela historiadora e antropóloga Lilia Maria Schwartz. Que livro! Lima Barreto era um homem do trópico com alguma coisa de russo dos gelos em sua vocação para escrever romances ao mesmo tempo sociais e introspectivos, na alusão de Gilberto Freyre, um insuspeito, para esse tipo de assunto. Lima Barreto viveu em contexto de frustração, de falta de reconhecimento, de preconceito racial, situações existenciais que talvez o induziram ao alcoolismo, que o levou à morte, no mesmo hospital onde seu pai estava internado, pela mesma razão, morrendo os dois — pai e filho — com a distância de alguns dias. Na verdade, pode-se pensar no triste fim de Lima Barreto. Muito triste.
O Triste Fim de Policarpo Quaresmaé provavelmente seu livro mais conhecido. Penso que o Policarpo é um Dom Quixote nacional. O Policarpo era um idealista, acreditava no país. Porém, não se dava conta de que tudo e de que todos desdenhavam qualquer projeto nacional sério e genuíno. Era um nacionalista diferente de alguns que há hoje, e que por vezes assumem um nacionalismo de intimidação e de desconsideração para com a ciência e para com qualquer pensamento mais sério.
O nacionalismo era um traço da personalidade do Policarpo, enquanto muitos hoje se dizem nacionalistas, em vários lugares do mundo, justamente por uma completa ausência de resquícios de personalidade. É um nacionalismo tampão. Um nacionalismo bovino, ao qual o Policarpo opunha um nacionalismo de ação e de esperança, ainda que muitas vezes exagerado, a exemplo do esforço para que o tupi fosse a língua nacional, em substituição ao português falado no Brasil.
O nacionalismo do Policarpo era honesto, por vezes ingênuo, mas sempre comprometido com a busca de soluções factíveis e razoáveis para o enfrentamento de nossos problemas. Era um nacionalismo marcado pelo afeto e pela esperança. Não pregava a violência, e nem propagava a ignorância. Pelo contrário, indignava-se com a guerra interna. E estudou com afinco, sempre, alternativas para saúvas, péssimas colheitas, fome e miséria. O Policarpo lia, e lia muito, e entendia o que lia. O problema é que não havia como transformar tanta leitura em realidade. É o eterno problema dos quixotes.
Lima Barreto opôs com o Policarpo as propostas formalistas e europeizantes da época, centradas em autores como Gustavo Barroso, Alberto Torres e Coelho Neto. Queriam fazer do Brasil um apêndice da Europa. É a velha imagem do índio de Alencar, para quem um índio poderia ser um europeu de tacape e sunga. Nacionalismo, patriotismo, eleições a bico de pena, loucura, bacharelismo, preconceito, burocracia e injustiça são os temas centrais do Triste fim de Policarpo Quaresma.
Segundo Lima Barreto, a biblioteca do Policarpo assentava-se em estantes de ferro, perto de 10, com quatro prateleiras. Havia também pequenas prateleiras, para os livros menores. Era mais do que uma coleção de livros. Era uma homenagem ao país no qual acreditava. Na sessão de livros de ficção e de poesia o Policarpo reunia apenas autores nacionais ou reconhecidamente brasileiros: Bento Teixeira (Prosopopeia), Gregório de Matos, Basílio da Gama, Santa Rita Durão, Joaquim Manoel de Macedo, Gonçalves Dias.
O Policarpo tinha todos os livros do José de Alencar, que foi quem nos explicou o Brasil, do índio ao gaúcho, no singular mesmo. Quem entende do José de Alencar é o Lira Neto, seu grande biógrafo contemporâneo (O Inimigo do Rei). Na biblioteca do Policarpo tinha-se o cânone bem comportado de uma literatura bem comportada que descrevia o Brasil bem comportadamente, com exceção do Gregório de Matos, o boca do inferno, talvez. Quem entende do Gregório de Matos é Ana Miranda, que nos deixou um delicioso romance histórico centrado nessa figura que misturava o diabólico com o serafínico, se possível essa conformação. Não havia livros do Padre Vieira na biblioteca do Policarpo. Quem entende do Padre Vieira é o Alcir Pécora (Teatro do Sacramento), um estudo essencial sobre a unidade teológico-retórico-política do grande sermonista.
A sessão de História do Brasil era completa. Havia todos os cronistas que de algum modo explicaram as singularidades de nossa terra. Estavam todos: Gabriel Soares, Pero de Magalhães Gandavo, Frei Vicente do Salvador, Armitage, o Padre Manoel Aires do Casal, Pereira da Silva, Handelmann (um alemão que escreveu nossa história, Geschichte von Brasilien), Melo Morais, Capistrano de Abreu (o cearense não poderia faltar), Southey, Varnhagen. O Policarpo lia em línguas estrangeiras também.
O Policarpo também colecionou (e leu) os viajantes que descreveram o Brasil. Havia nessa sessão o Hans Staden (o alemão que quase foi engolido pelos índios), o Jean de Léry, o Saint-Hilaire, o Martius, o Príncipe de Neuwied, o John Mawe, o von Eschwege, o Agassiz, Couto de Magalhães. E havia ainda Darwin (que esteve no Brasil e que se horrorizou com a escravidão), Freycinet, Cook e Bougainville. Lima Barreto nos conta que o Policarpo também tinha o livro de Pigafetta, um cronista que narrou a viagem de Fernão de Magalhães.
O Policarpo de igual modo possuía dicionários, manuais, enciclopédias e compêndios, em vários idiomas. Livros que chamamos de referência e que Lima Barreto a eles se refere como livros subsidiários. Não havia livros de Direito, talvez poque copiávamos o que europeus escreviam. Bibliotecas (reais ou imaginárias) compõem de forma definitiva uma biografia de seu proprietário, ou de seu utente. É o que se percebe na descrição que Lima Barreto fez da biblioteca do Policarpo Quaresma. Descreva-me tua biblioteca, e direi quem és.
 é livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor pela PUC-SP.

Revista Consultor Jurídico, 17 de maio de 2020, 8h01

Política externa bolsonarista - Celso Lafer

Resumindo: inconstitucional, contrária aos interesses nacionais, mantém o Brasil isolado do mundo e da própria região.

Política externa bolsonarista
Ações da diplomacia de confronto são desvio incompatível com os ditames constitucionais
Celso Lafer
O Estado de S. Paulo, 17 de maio de 2020

Em nosso país a competência constitucional para a condução da política externa é da alçada do presidente da República. Na experiência histórica do Brasil a prática confirma esse tradicional preceito constitucional. 
Foi pela ação, e por vezes também pela omissão, que em nosso país os presidentes exerceram a função de conduzir a política externa, definindo, à luz do cenário internacional, os caminhos da inserção do Brasil no mundo e no nosso contexto regional. Nessa condução seguiram a estratégia e o temperamento de sua personalidade. 
O mesmo se pode dizer da política externa do governo Bolsonaro, que se amolda à estratégia do temperamento do presidente e do seu modo de ser e de atuar, que foi desde sempre o do confronto. 
O confronto marcou a sua curta vida de militar da ativa. E caracterizou, com pouca ressonância, a sua longa carreira parlamentar. A lógica do confronto foi também a marca identificadora de sua campanha presidencial de 2018. 
Na sequência, vem governando pelo ímpeto do confronto, nutrido por sua vocação para a “ascensão aos extremos”, destituída, porém, da sobriedade recomendada por Clausewitz nessa matéria. 
São incontáveis os eventos da manifesta inconformidade do seu temperamento com tudo o que na vida democrática legitimamente cerceia o poder monocrático da sua caneta de chefe de Estado. 
O presidente alimenta cotidianamente a sua lógica de confronto pelo intenso uso das redes sociais, abastecidas pelo “gabinete do ódio”. O ódio é um sentimento que, como esclarece Ortega nas Meditações do Quixote, desliga e isola, fabricando a falta de conexão com o pluralismo da realidade nacional e internacional. O ódio veiculado pelo amplo uso das redes sociais instrumentaliza suas mensagens pelas fake news das falsificações mentirosas. 
A política externa do governo Bolsonaro é igualmente a expressão e o desdobramento, no plano externo, da sua lógica de confronto. É uma diplomacia de combate ao que identifica, também no plano externo, como “conspirações” e “inimigos” de sua autorreferida visão de mundo. Em função dessa linha de orientação, rejeita de maneira inédita o significativo acervo de realizações da política externa do nosso país. Denega sem hesitação a seriedade do decoro que sempre a assinalou, e que o Conselho de Estado do Império sintetizou nos seguintes termos: “Diplomacia: inteligente, sem vaidade; franca, sem indiscrição; enérgica, sem arrogância”, traços que granjearam o respeito e a credibilidade internacional do Itamaraty, mesmo em momentos difíceis, interna e externamente. 
Os princípios que regem as relações internacionais do Brasil, estipulados no artigo 4.º da Constituição, consolidaram a vis directiva da tradição da diplomacia brasileira. As ações da política externa bolsonarista, todavia, são um desvio incompatível com a letra e o espírito dos ditames constitucionais. 
A Constituição prescreve a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, o que se faz por meio do relacionamento com outros Estados e pela participação em organizações internacionais. É essa a fundamentação jurídica da diplomacia de cooperação, que nos seus matizes é rejeitada, com graves consequências para o País, pela diplomacia de combate e de confronto do governo Bolsonaro. 
O bolsonarismo da política externa apregoado, com patético passionalismo desconectado dos dados da realidade internacional, pelo chanceler Ernesto Araújo aniquila nossa credibilidade internacional. Induz a perda de mercados e de investimentos. Antagoniza gratuitamente parceiros relevantes como a China, a França, a Alemanha e a Argentina, indispensáveis para a própria agenda econômica do governo. Isola-nos na nossa região, até no Mercosul, e, por via de consequência, corrói a capacidade brasileira de nela atuar construtivamente para lidar com os desafios do presente. Alia-se ao agressivo unilateralismo dos EUA de Trump, intensificando o desmoronamento da nossa capacidade de dialogar e estender pontes com diferentes países, especialmente no âmbito das instâncias multilaterais, como a ONU, a OMC e, inexplicavelmente, em função das urgências da pandemia de covid-19, com a Organização Mundial da Saúde. Liquida o nosso ativo de liderança na área do desenvolvimento sustentável, construído a partir da Rio-92, em consonância com o disposto na Constituição sobre meio ambiente. Faz tábula rasa do princípio da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais, que deve ser coerentemente harmonizado com o estipulado no plano interno pela Constituição. 
Em síntese, a inepta e desastrada política externa de combate e de confronto do bolsonarismo não permite traduzir necessidades internas em possibilidades externas, que é a tarefa da diplomacia como política pública. É um fardo imobilizador da capacidade do Brasil de encontrar o seu apropriado lugar num mundo tenso e turbulento que tende a se complicar no amanhã do pós-covid-19. 

PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE DIREITO DA USP; FOI MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (1992 E 2001-2002)

sábado, 16 de maio de 2020

Mao's Great Famine: lessons for today - Cesar Chelala (The Globalist)


Global PairingsPrevious


COVID 19 Today and China’s Great Famine

Are there any lessons to be learned from China 60 years ago for today’s world, which is facing the worst pandemic of the past 100 years?
By César Chelala, The Globalist, May 16, 2020
César Chelala is a global health consultant and contributing editor for The Globalist.

What happened in China during the Great Famine can be a sobering lesson of what not to do during a time of crisis

Between 1959 and 1961, the People’s Republic of China (PRC) underwent the Great Chinese Famine, one of the country’s darkest times.
Yang Jisheng, senior journalist from the Xinhua News Agency, estimated that China registered 36 million deaths back then due to starvation. It was one of the greatest tragedies in human history.

Tragedies then, tragedies now

Although current global circumstances are vastly different now, the following question offers itself up quite naturally: Can any lesson be derived from that experience in China 60 years ago for today’s world that is facing the worst pandemic of the last century?

Any such comparison may strike today’s observers as strange. Not only did this calamity happen long ago, but China was not really on the horizon of many nations anyway during its self-isolation period that lasted for most of the Mao era.


Look at the numbers!

However, one statistical fact stands out. If science-based projections become true, then over the full-blown course of the pandemic — i.e., way beyond this initial stage — millions of people all over the world could die.

Although this wouldn’t put the COVID 19 pandemic in the same range as China’s Great famine in the sheer cost of lives, it could be devastating in the number of lives lost and on the effects on the countries’ economies and development.


Learn from China? You must be kidding

At the same time, the mere suggestion that something is to be learned from China’s past will strike some as fanciful.

After all, its much more enlightened government today has been rightfully criticized severely for its very tactical response to the pandemic – mainly via the accompanying lack of openness.


Blame China, the US, the WHO and the UK

However, anyone who wants to make that argument also needs to acknowledge it isn’t just China that is to be blamed.

So is the U.S. federal government, as well as a host of other big country governments (such as the UK’s) and the World Health Organization (WHO). With good reason, they have all been criticized severely for their inadequate response to the pandemic.

Indeed, leading scientific experts in the U.S. claim that the toll the pandemic has taken on peoples’ lives could have been significantly reduced under two conditions.

That would have been the case if, first, all governments would have been more forthright in the seriousness of the situation and, second, if they had promptly implemented appropriate measures of control.


The global message from China’s Great Famine

What happened in China during the Great Famine can be a sobering lesson of what not to do during a time of crisis.

During that time, the Chinese government enacted harmful policies in spite of the damage they were causing to the general population. At the same time, the government was deaf to any criticism of its actions.

Mao Zedong, Chairman of the Communist Party of China, was keen on promoting drastic changes in farming policy, including the prohibition of farm ownership.

Failure to abide by these policies led to brutal punishment. Some, in the throes of starvation, even resorted to cannibalism, which was described as being “on a scale unprecedented in the history of the 20th century.”


Just as Mao wasn’t prepared to listen…

Mao Zedong was ruthless with those who questioned his policies and persisted in his policies that cost the Chinese people dearly.

This was also true at the top of the political pyramid. Liu Shaoqi, who had been the third most powerful man in China and had been groomed as Mao’s successor, died under harsh treatment and torture during the Cultural Revolution.

One result of the new farming policies was that a huge regional flood of the Yellow River had affected part of Henan Province and Shandong Province in 1958. The flood affected 741,000 people and 18 villages were inundated.

In 1961, Liu Shaoqi, then the second Chairman of the PRC, was honest enough in attributing the famine 70% to man-made policies — and only 30% to natural disasters. His honesty proved to be a deadly mistake.

… Trump isn’t prepared to listen

Similar to Mao Zedong’s relationship with his dissenters during the Great Famine, President Donald Trump is constantly disagreeing with his own top scientific advisers on the course to take to control the pandemic.

Rick Bright, former director of the Biomedical Advanced Research and Development Authority, was ousted after the Trump administration ignored his warnings about the seriousness of the pandemic.

Bright has also courageously opposed the use of hydroxychloroquine, a drug to combat malaria, to be used on COVID 19 patients, because of the drug’s proven toxicity.

On May 5th, Bright, not willing to shrink back, filed a suit with the Office of Special Counsel, a government agency responsible for whistleblower complaints.


Mao and Trump: Testy “doctors” wrecking their nations

As was the case with Mao Zedong’s harmful agricultural policies back then, so it is now with President Trump being adamant about promoting false cures to combat the coronavirus.

When Trump suggested in all seriousness that injecting disinfectants under the skin or applying UV light could kill the virus, there was a sharp increase in the number of deaths resulting from poisoning with disinfectants.

In addition, claiming that it would be “counterproductive,” Trump prohibited Dr. Anthony Fauci, director of the National Institute of Allergy and Infectious Diseases, from testifying at a House of Representatives hearing on the U.S. response to the coronavirus pandemic. (He did agree, however, to let Dr. Fauci testify before the Senate).

This riled former President Barak Obama, who had been reluctant to criticize the Trump administration until now, enough to call his successor’s handling of the pandemic “a chaotic disaster.”


Trump is more tone-deaf than Mao

For all our Western assumptions about the natural superiority of our system, let’s look at the flipside of this assumption in the Mao-Trump context.

During the time of Mao Zedong, it was much more difficult for a dictatorial leader to hear dissenting voices due to total suppression.

This is not the case today in the United States. President Trump needs only to watch almost any TV channel (except FOX News) or read any of the country’s leading newspapers to see or read what reality is really like.

His ability to be immune to that – or to twist the facts in a grotesque fashion – is truly bewildering. It seriously questions his fitness for the office he holds.


Conclusion

These are trying times not only for the United States but for the world. On the one hand, it is anxiously waiting for the reemergence of a U.S. government determined to provide constructive global leadership.

On the other hand, it is mentally readying itself for the prospect of another term for Mr. Trump. That such an election outcome would be considered impossible in any other developed nation (other than probably the UK) is no help in the U.S. context.

In the meantime, deaths continue to rise, and the world faces an ominous future.

Although there are many examples of wrong actions by powerful leaders in history, never before have the actions of so few affected the quality of life and survival of so many people.


About César Chelala

 [New York, United States]

A boçalidade infectou o Itamaraty - Rafael Moro Martins (The Intercept Brasil)

Eu só corrigiria o título: não foi o Itamaraty que foi infectado, pois o corpo profissional continua perfeitamente são e funcional. São apenas alguns poucos idiotas que se deixaram dominar pelos malucos que comandam a política externa, e que se colocaram sabujamente a seu serviço.
Corrigiria também o final: o Itamaraty não está doente.
Quem está doente, ou já era, são os que o levaram a tal situação de prostração.
Paulo Roberto de Almeida


Sábado, 16 de maio de 2020

A boçalidade infectou o Itamaraty

"Temos hoje o prazer de contar com três ilustríssimos convidados", anunciou o mediador do debate via internet. "José Carlos Sepúlveda é discípulo do eminente líder católico Plínio Correia de Oliveira, de quem recebeu formação, e um analista político brilhante no canal Terça Livre."
O próximo da lista, direto de Miami, era o tuiteiro Leandro Ruschel, "comentarista dos jornais Conexão Política e Brasil Sem Medo". “Precisamos de mais pessoas [como ele] que mesmo do exterior contribuem para instruir a opinião pública brasileira", adulou o mediador. 
Por fim, Silvio Grimaldo, editor do Brasil Sem Medo, o jornal oficial de Olavo de Carvalho, nas palavras do mediador "uma mídia que oferece uma visão bastante diferente, muito voltada à realidade, à verdade". Recém lançado, o Brasil sem Medo engrossou as fileiras dos espalhadores de desinformação, mentindo ao afirmar, por exemplo, que o coronavírus não aumentou em nada o número de mortes por causa respiratória no Brasil.
Não era um evento privado com a nata do terraplanismo, mas o segundo seminário virtual sobre a conjuntura internacional no pós-coronavírus, promovido pela Fundação Alexandre de Gusmão. Conhecida no meio diplomático pela sigla Funag, é uma "fundação pública vinculada ao Ministério das Relações Exteriores", criada em 1971 para promover atividades, pesquisas e estudos sobre relações internacionais. 
Nada disso deu as caras durante as duas horas e 45 minutos do debate que o ministro de segunda classe Roberto Goidanich, atual presidente da Funag, mediou na última terça-feira à noite e que tive o desprazer de assistir para contar a vocês na newsletter do TIB. Houve generosas doses do que se poderia esperar: mentiras, teorias da conspiração e pouco caso com os 12.400 mortos oficiais pela covid-19 que o Brasil contava àquela altura. 
"O superdimensionamento da crise do coronavírus é baseado em modelos matemáticos futuros, semelhantes aos usados para espalhar o caos climático", bradou Sepúlveda, um português radicado no Brasil desde a década de 1970 que foi protegido do fundador da Tradição, Família e Propriedade, a TFP, braço ultra-reacionário do catolicismo. "[Diziam que] Veríamos mortos nas ruas", zombou.
" A ciência nunca vai poder decidir o que é melhor para nós mesmos. Pedem mil provas da eficácia da hidroxicloroquina mas nenhuma do isolamento social", concordou Ruschel, um dublê de economista que passa o dia defendendo Bolsonaro no Twitter. 
Olavo não apareceu. Mas um único post dele no Twitter, minutos antes do debate, deu um resumo do que se ouviria. Natural: a Funag se tornou uma difusora do pensamento do guru ideológico do bolsonarismo.


O Itamaraty escancarou suas portas a Olavo de Carvalho com a nomeação de Ernesto Araújo. "Ele é mais um entre vários [do governo] que não tinha espaço entre os grandes em sua área, como Paulo Guedes, Abraham Weintraub. O que o garante no cargo é o fato de ser discípulo fiel de Olavo de Carvalho", me disse Guilherme Casarões, professor da FGV e pesquisador de política externa.
"Como depende do olavismo para existir como figura pública, Ernesto precisa dar palanque e amplificar a voz dele. A Funag é usada não só para  legitimar ideias estapafúrdias mas também para cacifar pessoas que até ontem não tinham a menor relevância", prosseguiu Casarões. É, como já se falou, a vingança dos ressentidos.
Araújo foi uma escolha de Eduardo Bolsonaro e de Filipe Martins, o assessor de Jair para assuntos internacionais cujo maior predicado é ter sido aluno de Olavo de Carvalho. Martins foi o primeiro da turma a ser convidado para proferir um seminário na Funag – falou sobre o que chama de globalismo, em maio passado.
Desde então, um compilado de nomes desconhecidos até a ascensão da extrema-direita falou perante plateias de diplomatas e na internet – todos os seminários são transmitidos e ficam disponíveis num canal no YouTube.
Seguiram-se eventos parecidos com gente como os influenciadores Flávio Morgenstern (condenado a pagar R$ 120 mil a Caetano Veloso por promover um linchamento público no Twitter, acusando o cantor de pedofilia) e Alexandre Costa (autor de livros que batem George Soros e sociedades secretas no liquidificador para fazer panfletagem terra-planista), a juíza Ludmila Lins Grilo (que garante haver uma conspiração de colegas ativistas a favor do globalismo), o professor de direito Evandro Pontes (auto-denominado “tio careca”) e a deputada federal Chris Tonietto, do PSL fluminense, para quem “o meio ambiente também não pode ser tratado como se fosse Deus”. 
Tido como funcionário correto no Itamaraty até ser guindado por Araújo ao comando da Funag, Goidanich se proclama um "soldado da atual política externa", me contou o embaixador Paulo Roberto de Almeida. "Ele é alguém que se prestou a ser um serviçal do chanceler acidental, que por sua vez é serviçal dos malucos que mandam na política externa", resumiu.
"Ele engajou a Funag numa guerra cultural contra o que veem como uma ameaça que é o que se chama de globalismo", me falou um embaixador que ocupa um cargo importante no Itamaraty, pedindo sigilo.
"Está em busca de promoção, por isso estará alinhado com qualquer coisa que o ministro solicitar da instituição", resumiu um outro diplomata que é próximo ao setor militar e também prefere não se identificar por medo de represálias. 
No debate de terça passada, Grimaldo fez questão de agradecer "também ao ministro Ernesto Araújo pelo convite". Mas Goidanich pareceu à vontade no papel de bajulador de gente que usa o Itamaraty para ganhar a relevância que jamais teria por conta própria.
Quem não acredita tem uma nova chance de conferir nesta terça, dia 19, para quando está marcada uma nova rodada – a terceira – do seminário sobre a conjuntura pós-coronavírus. Os debatedores da vez são mais do mesmo: o condenado Morgenstern (seu sobrenome verdadeiro é Azambuja), a juíza Grilo e o youtuber Bernardo Küster, que costuma reproduzir mentiras como a que afirma categoricamente que "o parlamento francês legalizou a pedofilia".
Eu pedi comentários a respeito dos eventos olavistas ao Itamaraty. Não recebi nada até fechar este texto. Enquanto isso, as baboseiras e mentiras com o selo da Funag seguem à disposição no YouTube. 
"Espero que o espectador não encare visão dos nossos convidados como as da Funag ou do Itamaraty", despistou Goianich, ao final do debate de terça passada, antes de mandar a real. "Mas os supostos especialistas defendem ideias globalistas e este tipo de ideia [olavista] não tem muito espaço. Agradeço canais que reproduzem nossos debates. O objetivo é disseminar o conhecimento." 
Foi prontamente atendido. As teorias da conspiração, na versão 2020, vão com chancela do Itamaraty, emporcalham a imagem do Barão do Rio Branco e atiram na privada o bom trabalho de décadas que tornou a diplomacia brasileira respeitada e influente no mundo. 

O Itamaraty está doente.


Rafael Moro Martins
Editor Contribuinte Sênior


Sobre o verdadeiro Itamaraty - Paulo Roberto de Almeida

Sobre o verdadeiro Itamaraty e o ataque de insanidade de que é vítima atualmente

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: debate; finalidade: em defesa do Itamaraty] 

Apenas um reparo, mas puramente formal— sem minimamente afetar o seu conteúdo, com o qual concordo inteiramente —, ao título da matéria de Rafael Moro Martins, jornalista do The Intercept Brasil, neste Sábado, 16 de maio de 2020: “A boçalidade infectou o Itamaraty”.
Eu corrigiria também o final: "O Itamaraty não está doente."
Não! Quem está doente, ou já era, são aqueles que o levaram a tal situação de prostração. Todos sabemos quem são, e eles não escaparão do julgamento da História, ou pelo menos da minha história.


Eu diria que o Itamaraty, enquanto corpo profissional de alta qualidade, permanece totalmente imune — digamos, a 99,9% — ao bacilo da ESTUPIDEZ e ao virus da BOÇALIDADE OLAVISTA, e seus quadros continuam capazes de produzir posições, posturas, subsídios a processos RACIONAIS de tomadas de decisão, nos métodos de trabalho e nos padrões de excelente qualidade técnica, que sempre foram os seus ao longo da história.
Os convertidos — mais por oportunismo sabujo, do que por crença verdadeira — ao ataque de boçalidade conduzido conjuntamente (mas de forma descoordenada, como é próprio dos personagens) pelo capitão desmiolado e seu suposto guru expatriado (o Rasputin de subúrbio, o subsofista da Virgínia), são muito poucos na outrora Casa de Rio Branco, talvez dois ou três, no máximo, entre os quais se incluem o chanceler acidental e seu chefe de gabinete.
Todos os demais diplomatas, ou dão continuidade normal a seus trabalhos, como sempre fizeram, ou permanecem silenciosos, esperando que o pesadelo termine. Alguns resolveram sair, pediram postos ou ficam enclausurados no silêncio.
Eu devo ser o único da ativa que ainda ousa falar abertamente, mas estou no limbo, lotado formalmente na Divisão do Arquivo, onde respondo a um Primeiro Secretário, de onde disparo estes meus petardos, recolhidos em meu “quilombo de resistência intelectual” (à estupidez e à boçalidade), que é o meu blog Diplomatizzando.
Alguns poucos, por vocação bajuladora, e/ou obsessão por promoção, por belos postos ou chefias remuneradoras, se deixam enredar no festival de patetices que emanam do Gabinete, na verdade controlado de fora, por dois ou três malucos, e amadores (pior que aprendizes) em política externa, anteriormente tutelados de longe por uma suposta “ala militar” que tampouco existe.
O Itamaraty de outrora, vibrante, participante, inteligente, converteu-se hoje em terra arrasada, sob o tacão dos ignaros que manipulam o chanceler acidental e seus subordinados.
Essa miséria destruidora da sua inteligência — como intitulei meu livro dedicado a estes tristes tempos, disponível livremente no meu blog — passará um dia, e vamos reconstruir a instituição em sua plenitude intelectual.
Os poucos que colaboraram ativamente na obra insana de desmantelamento de sua institucionalidade sentirão vergonha de terem servido de capatazes aos algozes de um momento, de uma fase que será superada. Eu pelo menos luto por isso, a que me obriga a minha consciência e minha honestidade intelectual.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16/05/2020