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terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Alain Peyrefitte, Meira Penna e o Mal Latino - Carlos U. Pozzobon, Paulo Roberto de Almeida

 Transcrevo, abaixo, nesta ordem, minha introdução no Facebook à postagem que fiz desta longa matéria que capturei  do grande intelectual e leitor voraz Carlos Pozzobon sobre o intelectual francês Alain Peyrefitte, seguida de considerações intermediárias não constantes do FB, para finalmente reproduzir a matéria de Pozzobon, que republica enorme artigo do embaixador Meira Penna sobre Peyrefitte.

1) Do FB de Paulo Roberto de Almeida:

Excepcional postagem de Carlos U. Pozzobon, transcrevendo artigo de 1999, do saudoso embaixador José Oswaldo de Meira Penna, que por sua vez analisa obras e o pensamento de Alain Peyrefitte, um excepcional intelectual francês que se situa na tradição de Tocqueville e de Max Weber. Minha primeira missão formal na diplomacia brasileira foi ter servido de acompanhante e intérprete a Alain Peyrefitte quando de sua viagem como ministro francês da Justiça, acompanhando a visita oficial do presidente Giscard D’Estaing ao Brasil em 1978. 

Falarei mais sobre essa visita, e sobre o artigo de Meira Penna na transcrição desta matéria em postagem de meu blog Diplomatizzando.

2) Considerações intermediárias:

Em 1977, eu havia recém voltado de um longo exílio na Europa, durante os momentos mais duros da ditadura militar, a qual eu havia combatido no Brasil e no exterior. Resolvi fazer o concurso do Itamaraty, entre outras razões para ver como andava minha ficha no SNI, depois de quase sete anos escrevendo e atuando, sob outros nomes, contra o regime militar. Fui ajudado pelo meu excelente Francês, e por isso me designaram, ainda como terceiro secretário, para ser o acompanhante do ministro Peyrefitte, como informei acima. 

A embaixada francesa cometeu um equívoco ao programar uma reunião de trabalho entre o “ministre de l’Intérieur et Garde des Sceaux” (ministro da Justiça) ao ministro brasileiro do Interior, que nada mais era do que o ministro do Desenvolvimento Regional. A visita principal foi feita ao ministro brasileiro Armando (“Nada a Declarar”) Falcão, um político esperto, mas muito ignorante. Ambos ministros ficaram bastante contentes com meu trabalho de interpretação simultânea, em lugar daquelas interrupções para síntese do que foi dito. Nas etapas de carro oficial, entre uma visita e outra, almoços e recepção oficial no Itamaraty (para a qual comprei um Smoking que só usei uma única vez na vida, a da visita de Giscard), eu ia explicando a Peyrefitte como era o Brasil real, bem diferente da propaganda oficial e ufanista do regime militar, e acredito que ele tenha gostado, pois me elogiou no momento da despedida na Base Militar. Pouco depois da visita encomendei a um colega na Europa um ou dois livros de Peyrefitte.

Sobre o excepcional artigo de Meira Penna dedicado ao grande intelectual francês — a quem só fui conhecer pessoalmente quande minha volta do doutorado e da primeira saída em missão, em 1985, mas já tendo escrito a ele quando ainda era embaixador na Polônia, que eu cobria em meu primeiro serviço no Itamaraty —, eu só discordo de sua visão de Pinochet, um bárbaro militar traidor, que tem muito muito pouco a ver com a transição do Chile a uma economia de melhor qualidade nas políticas públicas, o que só foi obtido depois de algum tempo de percalços na caminhada do país para um tipo de política econômica mais liberal. Como a maior parte dos militares obtusos em economia, o assassino Pinochet tinha uma concepção nazista da economia, feita de preço controlados  e intervenção do Estado na atividade empresarial. Depois de uma crise econômica e da persistência da inflação, e de uma visita de Milton Friedman ao Chile, a convite de ex-alunos de Chicago, professores na Universidad Catolica, Pinochet rendeu-se aos conselhos de alguns empresários para adotar um outro tipo de política econômica, e foi daí que veio o crescimento estilo tigres asiáticos.

No mais estou perfeitamente de acordo com o longo artigo de Meira Penna, que não conhecia, sobre Peyrefitte, com meus enfáticos agradecimentos ao Carlos Pozzobon por tê-lo trazido à tona. Vou buscar na minha caótica biblioteca os livros de Meira Penna e de Peyrefitte e colocá-los juntos.

3) Agora, o menu principal:

12 de fevereiro de 2021

Alain Peyrefitte e a Sociedade de Confiança 

J. O. DE MEIRA PENNA 

Foi diplomata e escreveu livros importantes sobre o Brasil, especialmente Em Berço Explêndido e Opção Preferencial Pela Riqueza, ambos comentados no blog Fragmentos do menu Livros e Mais Livros. Foi aluno e discípulo de Jung na Suíça, e seus livros sempre são introduzidos pelo método da psicologia analítica de seu mestre. Por isso, sua compreensão de nossa herança cultural baseada nos valores da Contra-Reforma são fundamentais para o conhecimento da Identidade Brasileira tanto cultural quanto de nosso psiquismo carregado de atavismos antimodernos. Nascido em 1917 e falecido aos 100 anos de idade, deixou muitos admiradores no meio intelectual brasileiro e seguramente é uma das referências nacionais nos assuntos do século XX. 

A morte de amigos e pessoas ilustres é uma fatalidade com a qual jamais nos reconciliamos. Por mais que saibamos ser parte inevitável da condição humana, o sentimento de revolta que nos atinge é tanto mais pronunciado quanto mais a essa pessoa estamos presos por laços de afeto e admiração. Foi assim que reagi à notícia do falecimento de Alain Peyrefitte, com o qual havia marcado um encontro, no início do mês passado, para comunicar-lhe os esforços do Instituto Liberal do Rio de Janeiro no sentido de publicar um de seus livros. Homem extremamente discreto, até o último momento Peyreffite escondeu a moléstia que o consumia. Disseram-me que na antevéspera de seu falecimento, ainda foi entregar ao editor as provas finais de sua última obra, o terceiro volume de C'Était De Gaulle

Escritor, político ativo e teórico, membro do Institut e da Academia Francesa, senador, oito vezes ministro, maire da cidade medieval de Provins, Peyrefitte era uma combinação excepcional daquele ideal platônico, tão frequentemente frustrado, de filósofo e governante ao mesmo tempo. Julgo que, como amiúde ocorre, acabou preferindo as letras ao exercício do poder. Em sua enormemente prolífica atividade como escritor, dedicou-se a três temas favoritos, com um quarto ocasional. 

Foi em primeiro lugar o cronista de De Gaulle e alguns de seus contemporâneos o compararam a outros, como Commines, Saint Simon e Las Cases, os de Luís XI, Luís XIV e Napoleão. No terceiro volume, por falar nisso, esperemos que faça referência à viagem do general à América do Sul em 1966 em que, presumivelmente, encontraremos observações sobre nosso país. Como historiador de um dos períodos mais importantes da história moderna da França (e da Europa), Peyrefitte tem seu nome já consagrado como intérprete do renascimento de sua pátria após o colapso que a afetou na primeira metade do século. Inicialmente diplomata, formado na famosa ENA, a escola superior que prepara a elite da administração francesa, e havendo alcançado o grau de ministro plenipotenciário, serviu em Bonn, na Cracóvia e na Conferência de Bruxelas após o que, em 1958, entrou para a política, sendo sucessivamente reeleito deputado até tornar-se senador em 1995. 

Como um dos mais fiéis gaullistas, foi ministro da Informação e ministro da Ciência e Tecnologia Atômica (1966/67), em cuja capacidade contribuiu para a entrada da França no clube fechado das potências nucleares. Como ministro da Educação, colocou-se no centro do chienlit estudantil de maio de 1968, que conseguiu conter sem violência. 

Foi como ministro da Justiça (Garde des Sceaux) que Peyrefitte visitou o Brasil, em outubro de 1978, com o presidente Giscard d'Estaing, quando tive a honra de conhecê-lo, interessado como estava em um de seus primeiros e mais importantes livros, Le Mal Français, publicado dois anos antes. Traduzido para o inglês, e para o espanhol e italiano com o título O Mal Latino, tenho tentado em vão interessar editoras brasileiras na soberba análise crítica empreendida por Peyrefitte, já agora como sociólogo, dos fundamentos religiosos, culturais e morais dos males que têm prejudicado o desenvolvimento e a modernização de toda a área latina. 

Tocqueville e Weber 

Revela-se aí fiel discípulo de Tocqueville e Weber. Responsabiliza inclusive a contra-reforma, como fazemos nós, liberais brasileiros, e a tradição do autoritarismo absolutista pelas mazelas que embaraçam, senão impedem, nossa emergência como democracias liberais, abertas ao mercado e sobrepujando o ranço patrimonialista de nossa estrutura social. Creio que em nenhuma outra obra de sociologia as origens de nossos vícios coletivos foram tão objetiva e sabiamente perscrutados em suas profundas raízes culturais ou psicossociais. Talvez seja o vezo weberiano da crítica ao romanismo centralizador e interventor de nossa estrutura sociopolítica o motivo das suspeitas de que alimentasse convicções huguenotes. 

Peyrefitte, infelizmente, não estendeu suas pesquisas sociológicas à América Latina e, particularmente ao Brasil como eu esperava, após a segunda visita que realizou a nosso país, em 1987, a convite do Estado e da Associação Comercial de S. Paulo. Nessa ocasião lhe servi de intérprete, em conferência pronunciada na Avenida Paulista, e de cicerone no Rio e Brasília. Estava, na ocasião, acompanhado do filho mais moço, Benoit. Ao invés, o ilustre acadêmico preferiu desviar sua atenção para um outro tema que desde então o fascinou. 

Paixão de aprender 

Sofrendo, como notou o jornalista e autor liberal Guy Sorman, da "paixão de aprender", Peyrefitte publicou uma série de obras sobre a China, que visitou mais de uma dúzia de vezes. Talvez tenha almejado realizar para os chineses o mesmo que Tocqueville com sua De la Démocratie en Amérique. Em 1973, parafraseando uma frase célebre de Napoleão publicou Quand la Chine s_Éveillera... le Monde Tremblera. Esse livro foi seguido de Chine Immuable, L_Empire Immobile (1989), La Tragédie Chinoise (após o episódio do massacre de estudantes na Praça da Paz Celestial) e de um pequeno ensaio, com fotografias, terminando com La Chine s_Est Éveillée (1996), ocasião em que manteve uma longa entrevista com o atual presidente chinês Jian Zemin. 

Em todos esses ensaios, julgo tenha o autor compensado seu deslumbramento com o Império do Meio (Djung Guó), graças a uma crítica objetiva da complexa problemática levantada pela necessidade da China se abrir ao mundo global, enquanto procura preservar sua identidade confuciana e a difícil unidade do povo de Han, de mais de 1 bilhão de pessoas. 

Teimosia oriental

O Império Imóvel foi publicado em português em 1997 pela Casa Jorge Editorial do Rio. Acompanhado de mais três volumes complementares, relata a embaixada chefiada em 1792/94 por lorde Macartney, na primeira e frustrada tentativa dos ingleses de provocarem a abertura do imenso império, então governado por seu último grande imperador, Kien Long. A China obstinava-se na arrogância de ser a potência mundial hegemônica, postura estimulada pela desconfiança da classe dominante imperial manchu. Os volumes anexos cobrem uma enorme documentação relativa às reações dos jesuítas de Pequim, dos ingleses e dos próprios chineses àquela missão diplomática sui-generis — que demorou dois anos e comportou o envio de uma esquadra e 2.000 homens de comitiva. Macartney não pôde contornar, contudo, a teimosa insistência dos mandarins no sentido de lhe exigir o humilhante kowtow, as nove prosternações diante do Filho do Céu, obrigatórias para os representantes dos vassalos. 

Surpresa 

Peyrefitte manifestou sua surpresa quando descobriu que eu conhecia a extrema pertinência desse episódio, no relacionamento entre o Ocidente e Ásia. Expliquei-lhe que minha carreira se iniciou na China (1940/42 e 1947/49) e que, durante anos, estudei sua história e cultura. O que destaca a tese central da obra é o contraste entre a inflexível imobilidade e introversão autárquica dos chins, postergando durante dois séculos a abertura do Império Central, até o esforço de modernização encetado por Deng Xiaoping — e a flexibilidade com que, em meados do século 19, os japoneses se adaptaram à inevitável globalização. Se o Japão é hoje a segunda potência econômica do mundo enquanto só agora "a China acorda para fazer tremer o mundo", a origem do descompasso se coloca nas peripécias dessa missão diplomática. 

Criminalidade

O quarto tema que interessou o eminente escritor francês foi o problema da Justiça e da criminalidade no mundo moderno, fruto de sua experiência como ministro da Justiça. Les Chevaux du Lac Ladoga — la Justice entre les Extrêmes apareceu em 1982 e lhe custou caro: quase foi morto por uma bomba terrorista que explodiu na frente de sua residência, em Provins, sacrificando seu motorista. Peyrefitte defende uma legislação mais rigorosa contra bandidos, assassinos e terroristas — antecipando a ideia central que estamos emergindo da Idade das Guerras para entrar na Idade do Crime

Mas retornemos agora ao tema principal das preocupações de Peyrefitte, expresso em escritos que vão desde 1947, Le Sentiment de Confiance, ao Du Miracle en Économie e, finalmente, a La Société de Confiance, de 1995. Com tradução patrocinada pelo Instituto Liberal, essa obra será brevemente publicada pela Editora Topbooks, sob o comando esclarecido e corajoso de José Mário Pereira e com tradução primorosa de Cylene Bittencourt. 

Comentemos a questão levantada por Peyrefitte. Num artigo de 2 de março de 1997, Roberto Campos se pergunta por que, apesar das celebrizações de economistas e sociólogos, o desenvolvimento econômico continua a ser essencialmente um mistério. Campos oferece como exemplos de problemas não esclarecidos o despertar da China de um sono de 500 anos, o "milagre brasileiro" da década dos 70 que desembocou na "década perdida" dos 80, e os "dominós" asiáticos que se tornaram "dínamos". 

A pergunta levantada é daquelas a que inúmeros pesquisadores têm tentado responder desde que, em 1776, Adam Smith pesquisou As Causas da Riqueza das Nações, ora salientando o ambiente cultural; ora favorecendo o tipo de estrutura institucional no mercado aberto; ora apontando para a iniciativa de governantes excepcionais que, convencidos dos méritos superiores da receita do livre câmbio sobre o planejamento socialista centralizador e uma pertinaz tradição patrimonialista, tomaram a iniciativa de atos concretos de sábia política, graças aos quais um surto de desenvolvimento milagrosamente se registrou. Estou, neste caso, pensando especialmente em Pinochet, no Chile, e em Deng Xiaoping, na China. As duas nações registram índices inéditos de desenvolvimento acelerado, que a "crise" atual não parece haver senão temporariamente interrompido. 

Um caso particular que desperta nossa curiosidade é o da França. Trata-se, afinal de contas, da quarta economia mundial (depois dos EUA, Japão e Alemanha). É também uma nação que, por não se decidir francamente nem por um lado, nem pelo outro, continua dividida, angustiada e sofrendo de uma espécie de incurável moléstia social. A pátria de Alain Peyrefitte não parece haver superado a fatídica cisão esquerda X direita que a dialética do jacobinismo revolucionário em 1793 engendrou, com seu contraponto no bonapartismo ditatorial; nem tampouco o absolutismo ("O Estado sou Eu") herdado do Rei Sol, Luís XIV. 

Para a integração profícua na comunidade regional e num mundo globalizado, deve todo cidadão convencer-se que a liberdade de iniciativa, a confiança na honestidade dos outros, o espírito inventivo e o estado de direito, forte e limitado, são definidos como as causas da riqueza coletiva — não havendo outras. 

Ora, foi justamente Peyrefitte quem melhor procurou analisar o que chama le mal français. Ao vislumbrar as condições da sociedade de confiança que favorece o progresso, o grande ensaísta enfrentou um de seus maiores desafios. No esforço hercúleo de penetrar no "mistério" ou "milagre" do desenvolvimento (uma de suas obras prévias chama-se, justamente, Du Miracle en Économie), nosso amigo é o maior participante francês num debate ardente que data da publicação, em 1835/40, da Démocratie en Amérique e, em 1905, de um das obras fundamentais da sociologia moderna, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 

Falsidades perversas 

A polêmica que esses livros provocaram muito longe ainda está de se esgotar — e confesso me haver dedicado, com furor, a promovê-la no Brasil. O propósito weberiano era escaparmos das perversas falsidades do determinismo materialista que fez a fortuna inidônea do marxismo. Peyrefitte elaborou extensamente o tema da preeminência dos fatores morais, desde a publicação daquele primeiro título há 20 anos, até seus mais recentes. E é esta obra fundamental precisamente, a Sociedade de Confiança, que foi precedida de um compte-rendu do colóquio internacional, realizado no Institut de France em setembro de 1995 — em que me surpreendendi com a identidade dos problemas levantados, na França e no Brasil, quanto às condições morais e culturais do desenvolvimento e às políticas adequadas a seu sucesso. 

No livro, o pensador francês coroou seu trabalho monumental com um estudo histórico e sociológico exaustivo da ética de livre iniciativa e incentivos ao setor privado da economia, suscetíveis de assegurarem o progresso. Renovando com o inquérito que, pela primeira vez, Adam Smith empreendeu no sentido de descobrir, na liberdade e na simpatia, o segredo do progresso, ele acentua o paralelismo entre o que chama a "divergência" religiosa entre os latinos, autoritários, patrimonialistas e desconfiados — e os holandeses e anglo-saxões, mais liberais, mais tolerantes, mais racionais e livres, e nutrindo maior confiança nos méritos da troca e divisão do trabalho. 

Questão de confiança

A divergência explicaria o ritmo diverso de crescimento e progresso das respectivas sociedades. Esse desenvolvimento tem sido sustentado, de um lado, pelos sentimentos de confiança dos cidadãos uns nos outros; e, do outro, pela capacidade do estado de direito de fazer cumprir o princípio pacta sunt servanda. Pois não devem os contratos e a propriedade ser respeitados, sendo a honestidade pressuposto de toda transação econômica? 

O descompasso histórico no ritmo de desenvolvimento se foi acentuando. Peyrefitte compara, por exemplo, o take-off inglês a partir do século 18 com o declínio espanhol. Chegando a nossos dias, diagnostica a mentalidade desconfiada, com o pressuposto generalizado que, até prova em contrário, todo o mundo é desonesto e sem-vergonha, se não pertence a nosso círculo de amizades e família. Os governantes podem ser tacanhos, mas só a eles o povo acredita que cabe a tarefa altruísta de nos salvar do egoísmo entranhado de todo capitalista. E insiste no fato de que a resistência enfadonha a qualquer inovação e o conservadorismo inquisitorial da Igreja cooperam para erguer barreiras burocráticas e impasses legais a qualquer oportunidade de avanço nos países obedientes à ética tridentina sob a qual fomos educados e sofremos. 

Introversão

Peyrefitte amplia e aprofunda estudos setoriais que, em The Moral Basis of a Backward Society, foram realizados pelo sociólogo americano Edward Banfield ao analisar o comportamento familista, desconfiado e introvertido numa aldeia do mezzogiorno italiano, dominada pela Máfia; e pelo nipo-americano Francis Fukuyama que, em seu livro Trust, tenta explicar o sucesso das sociedades da Ásia oriental por motivações oriundas da disciplina da moral confuciana. 

Os dados elementares do desenvolvimento são a liberdade, a criatividade e a responsabilidade. Mas utilizar os recursos da liberdade com autonomia individual e explorar essas virtudes na fase educacional da vida fazem supor uma confiança muito forte no homem, trabalhando dentro das normas de uma sociedade livre. É esse o fator, por excelência, do desenvolvimento. 

Querer o desenvolvimento, o progresso, o enriquecimento do país comporta, na conclusão do livro, a "confiança na confiança". Peyrefitte é otimista. O tom hortativo do trabalho representa o esforço de um homem que, tendo ao morrer alcançado o topo da elite intelectual francesa, incentiva seus compatriotas à superação dos traços culturais viciosos que configuram o "mal francês". Estamos em suma, em presença de um novo Tocqueville cujo valor e reputação tenderão, estou certo, a crescer e se estender fora do âmbito da língua e cultura francesas. 


Publicado em O Estado de S. Paulo, Domingo, 19 de dezembro de 1999


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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Os inacreditáveis tropeços da diplomacia bolsolavista com a China - Julio Wiziack e Ricardo Della Coletta (FSP)

 China ignora pedidos de Bolsonaro por troca de embaixador no Brasil

Folha de S.Paulo | Mundo
15 de Fevereiro de 2021

Fora da praxe diplomática, solicitação contribuiu para rompimento do Itamaraty com embaixada

Julio Wiziack e Ricardo Della Coletta

Convencido pelo chanceler Ernesto Araújo, o presidente Jair Bolsonaro pediu no ano passado ao regime chinês a troca de seu embaixador no Brasil, Yang Wanming.

A medida foi tomada em abril e reiterada em novembro, após bate-bocas via redes sociais entre o diplomata e o deputado Eduardo Bolsonaro. Pequim ignorou a solicitação brasileira nas duas ocasiões.

Ernesto tomou as dores do filho do presidente Bolsonaro e rompeu relações com Yang.

O estopim que motivou o pedido foi o embate no Twitter entre Eduardo e o diplomata chinês. Em março de 2020, o deputado publicou um texto comparando a pandemia da Covid-19 ao acidente nuclear de Tchernóbil (1986) e afirmando que o regime chinês tinha responsabilidade pela disseminação da doença.

"Substitua a usina nuclear pelo coronavírus e a ditadura soviética pela chinesa. Mais uma vez uma ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste,mas que salvaria inúmeras vidas", escreveu o deputado na época.

Yang classificou a fala de Eduardo de "insulto maléfico" e o perfil oficial da embaixada veiculou uma publicação que acusa o deputado de ter contraído um "vírus mental".

O embate fez o governo brasileiro tomar decisão drástica, que gerou apreensão entre diplomatas no Itamaraty.

No fim de março, Ernesto enviou para Paulo Estivallet de Mesquita, o embaixador do Brasil em Pequim, um telegrama diplomático solicitando que ele entregasse um documento formal ao governo chinês pedindo a substituição de Yang - o que ocorreu no início de abril, segundo pessoas que participaram das discussões ouvidas pela Folha sob condição de anonimato.

A solicitação foi ignorada.

Procurado, o Itamaraty não se manifestou sobre o tema.

Em novembro, no auge dos ataques à Huawei, gigante chinesa de telecomunicações, Eduardo acusou a China de promover a espionagem industrial via equipamentos 5G.

Yang reagiu, e o Itamaraty solicitou novamente a troca.

Os pedidos formais de substituição de Yang foram secretos, mas uma carta enviada por Ernesto à embaixada da China em Brasília deu o tom da insatisfação do governo Bolsonaro como diplomata chinês.

"Não é apropriado aos agentes diplomáticos da República Popular da China no Brasil tratarem dos assuntos da relação Brasil-China através das redes sociais. Os canais diplomáticos estão abertos e devem ser utilizados", afirmou o Itamaraty na carta, encaminhada em novembro.

Oficialmente, não houve respostas sobre os pedidos de troca de Yang. No entanto, Pequim fez chegara autoridades brasileiras a informação de que seu embaixador no Brasil é um quadro conceituado do serviço público chinês.

Um membro do governo Bolsonaro argumenta que as declarações de Yang foram avalizadas pelas autoridades em Pequim, que têm instruído seus diplomatas no exterior a responder à altura diante de manifestações consideradas ofensivas ao regime.

As relações de Ernesto com Yang estão cortadas. As portas da divisão do Itamaraty responsável por Ásia e Pacífico também estão fechadas para ele, de acordo com pessoas próximas ao embaixador.

Interlocutores ouvidos pela Folha destacaram que a solicitação de substituição do embaixador chinês feita pelo governo brasileiro foge totalmente da praxe diplomática.

Os governos têm a prerrogativa de expulsar do país diplomatas estrangeiros, mas esse gesto é considerado extremado e com o potencial de prejudicar as relações bilaterais.

Caso Bolsonaro tivesse optado por essa medida, a resposta inevitável seria a expulsão do embaixador brasileiro de Pequim, escalando a crise diplomática com o maior parceiro comercial do Brasil.

Ainda segundo esses interlocutores, Ernesto optou por uma medida mais "leve" e com efeito de "marketing", especialmente levando em conta interesses da família Bolsonaro.

Um diplomata com experiência na relação Brasil-China afirma que o governo Bolsonaro deveria saber que Pequim não atenderia ao pleito. Se cedesse ao Brasil, a China poderia ver requisições semelhantes chegarem de outros países onde embaixadores chineses protagonizaram polêmicas.

Na Suécia, por exemplo, o embaixador chinês fez declarações que provocaram mal-estar nas autoridades locais.

O constrangimento de Ernesto - ignorado por Pequim- ficou mais evidente quando o presidente Bolsonaro foi obrigado a procurar a China sobre a liberação de insumos para a fabricação da vacina contra o coronavírus.

O Palácio do Planalto tentou, até o último momento, garantir a importação de imunizantes prontos da Oxford/AstraZeneca fabricados em um laboratório na índia.

Entretanto, diante do fracasso das negociações com a índia , acabou sofrendo um revés político para o governador João Doria (PSDB-SP), que negociou diretamente com um laboratório da China a compra da Coronavac.

Coube a Doria a primeira foto da vacinação no país.

Para piorar a situação do governo federal, que já vinha sendo criticado pela demora no início da vacinação, tanto o Instituto Butantan quanto a Fio cruz (Fundação Oswaldo Cruz) estavam com remessas atrasadas de insumos para a fabricação dos imunizantes.

Os insumos - tanto da vacina da Oxford/AstraZeneca quanto a da Coronavac são produzidos pela China.

Bolsonaro passou a apelar para a China e chegou a pedir uma conversa telefônica com o líder do país, Xi Jinping.

Diante das dificuldades, Bolsonaro pediu em uma live que Ernesto recompusesse as relações com o gigante asiático. O chanceler respondeu que o embaixador do Brasil em Pequim estava dialogando com o governo chinês diretamente.

Mas nos bastidores, o chanceler manteve a política de "portas fechadas" para Yang.

Além do mais, Ernesto não abriu mão da retórica antiChina que marcou sua administração e, recentemente, ordenou a subordinados que reunissem declarações críticas feitas por autoridades estrangeiras contra o regime chinês.

Em uma das solicitações, à qual a Folha teve acesso, Ernesto pede que membros do corpo diplomático lhe enviem manifestações das autoridades da Austrália e do Japão contrárias a Pequim.

Para contornar a falta de diálogo do Itamaraty com a embaixada chinesa, o presidente acatou sugestões de ministros que formaram uma espécie de "tríplice aliança" para tentar salvar a relação do Brasil com seu principal parceiro comercial. Fazem parte dos esforços os ministros Eduardo Pazuello (Saúde), Tereza Cristina (Agricultura) e Fábio Faria (Comunicações).

O vice-presidente, general Hamilton Mourão, que preside a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban), não foi convidado. Ele vive o pior momento da sua relação com Bolsonaro, que parou de delegar ao vice tarefas no governo.

Esquerda E direita estão paralisadas frente a Bolsonaro: Marcos Nobre (Carta Capital)

 Normalmente, eu não costumo separar os políticos em esquerda e direita, pois ambas são oportunistas e integradas por políticos patrimonialistas. Mas é assim que o jornalismo e os próprios partidos se classificam, o que deve ser tomado com muitas toneladas de sal...

Esquerda e direita mostram imensa fragilidade diante de Bolsonaro, diz Marcos Nobre

Em entrevista a CartaCapital, filósofo analisa os riscos e ameças no cenário político brasileiro. 'O desafio não é só vencer Bolsonaro'

Foto: EVARISTO SA / AFP

As eleições de 2022 despontam no horizonte da democracia brasileira e os desafios da oposição a Jair Bolsonaro são maiores do que vencê-lo nas urnas. A avaliação é do filósofo Marcos Nobre, professor da Unicamp e presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

Para ele, o próximo pleito será uma oportunidade para que o País construa “um novo conjunto de regras de convivência política, que é algo que foi destruído nos últimos seis ou sete anos”.

Para evitar o que chama de “um cenário de altíssima incerteza e de perigo para o Brasil”, Nobre aponta para a necessidade de formação de uma frente ampla entre os opositores do presidente.

“Frente ampla não significa uma candidatura única. A frente ampla é, em primeiro lugar, afastar democraticamente o atual presidente.”

No entanto, dada a fragmentação da oposição, o risco de se repetir a situação de 2018 não é descartado.

“O que me chama atenção é que muitas pessoas dizem que a situação é muito grave. Mas eu não consigo ver as pessoas tomando as atitudes correspondentes a essa gravidade”, lamenta. “Muitos acham que quem chegar contra o Bolsonaro no segundo turno ganha – e todo partido acha que vai chegar. Esse é raciocínio demonstra total deslocamento da realidade, pois Bolsonaro é o candidato mais forte”.

Nobre conversou com CartaCapital nesta semana. Confira, a seguir, os destaques da entrevista.

CartaCapital: O contexto da eleição do Lira para presidente da Câmara antecipa algo sobre 2022?

Marcos Nobre: Muito. Para começar, o resultado antecipou a largada das eleições de 2022. Basta a gente ver o movimento do governador João Doria no seu partido e na tentativa de trazer o DEM. Já o Lula anunciou o [Fernando] Haddad como candidato. Ou seja, houve uma antecipação por causa da eleição na Câmara.

Tivemos uma candidatura [Baleia Rossi com apoio de Rodrigo Maia] que se apresentou como oposição a Bolsonaro e que era um ensaio de frente ampla que foi derrotada. O resultado do processo é um estado de fragilidade muito grande dos partidos que estão na oposição ao presidente, tanto à direita quanto à esquerda.

CC: Foi, sobretudo, uma vitória do Bolsonaro?

MN: Sem dúvida, pois ele conseguiu convencer uma parte significativa do sistema político de que ele é a candidatura mais forte para 2022 e, de fato, é. Isso não significa que a relação de Bolsonaro com esses partidos vá ser tranquila. Pelo contrário, será tumultuada, mas de qualquer maneira é uma grande vitória.

As pessoas dizem: ‘o Bolsonaro ganhou, mas a pandemia vai piorar, a crise econômica virá, o Centrão vai cobrá-lo’. O fato é que esse ‘mas’ ainda não chegou.

Na oposição, até agora, todo mundo acha que consegue resolver individualmente, como se uma força política sozinha fosse capaz de derrotar o Bolsonaro.

CC: Uma solução seria sair com uma frente ampla já no primeiro turno em 2022?

MN: É importante fazer uma distinção, pois frente ampla não significa uma candidatura única. A frente ampla é, em primeiro lugar, afastar democraticamente o atual presidente, seja por meio do impeachment ainda em 2021 ou derrotá-lo em 2022.

Derrotar eleitoralmente o Bolsonaro em 2022 significa que a frente ampla vai ser capaz de reestabelecer uma repactuação da democracia brasileira, no sentido de construir um novo conjunto de regras de convivência política, que é algo que foi destruído nos últimos seis ou sete anos.

O efeito eleitoral dessa repactuação deve ser: quem quer que concorra contra Bolsonaro no segundo turno em 2022 deve receber o apoio de todas as demais forças do campo democrático. Esta é a ideia de frente ampla.

CC: Há o risco de em 2022 se repetir o que ocorreu em 2018?

MN: A lição de 2018 é: não se formando a frente ampla antes do segundo turno, ela não se formará no segundo turno. Então, precisa haver conversas e pactos anteriores a 2022, se não cada um vai para um lado.

As pessoas dizem: ‘o Bolsonaro ganhou, mas a pandemia vai piorar, a crise econômica virá, o Centrão vai cobrá-lo’. O fato é que esse ‘mas’ ainda não chegou.

CC: O senhor acha que o impeachment do Bolsonaro ficou mais distante com a eleição de Arthur Lira para presidente da Câmara?

MN: A vitória do Lira diminuiu a chance do recebimento de um pedido de impeachment, mas se houver mobilização social e uma rejeição próxima de 2/3 do eleitorado, a pressão pode ser de tal ordem que mesmo um deputado como Lira pode aceitar o pedido.

Não sendo assim, o Lira vai segurar. O limite para a abertura do impeachment é 2021, pois no ano seguinte tem eleição.

CC: Com a eleição do Lira, após o apoio explícito do governo, como o senhor acha que o presidente se portará, já que foi um candidato antissistema?

MN: O discurso não vai mudar muito, porque os candidatos antissistema, quando chegam ao poder, continuam se comportando como candidatos. Quando olhamos a base de apoio do Bolsonaro, que gira em torno de 1/3 do eleitorado, está com ele aconteça o que acontecer, mesmo ele expulsando o Moro do governo e fazendo acordos com Centrão.

A questão é quanto ele consegue além disso. O eleitorado lavajatista abandonou em grande medida essa base de apoio e foi substituído pelo efeito do auxílio emergencial.

Tem uma outra parte formada bolsonaristas que são simpatizantes de causa. Esses são os mais difíceis de se manter. Por isso, ele precisa reforçar as pautas conservadoras no Congresso e, para isso, a eleição do Lira e a indicação da Bia Kicis para a CCJ são fundamentais.

Se ele não conseguir aprovar nenhuma das pautas de costume, vai reforçar o discurso de luta contra o sistema e, portanto, ele precisa se reeleger para ficar mais forte para dobrar o sistema, que é implantar o autoritarismo no Brasil.

CC: Ele teria força para dobrar o sistema no segundo mandato?

MN: Ele já está destruindo o País, vidas, a Amazônia e as instituições democráticas por dentro ao aparelhar órgãos de segurança, de controle e parte do Judiciário, além de ocupar espaços do estado com a ideologia de extrema-direita. E são coisas que não são muitas vezes visíveis.

Se o Bolsonaro se reeleger, cai o discurso de que a eleição dele foi um acaso e portanto ele se fortalece para redobrar a aposta na destruição das instituições democráticas por dentro.


Para Nobre, não se formando a frente ampla antes do segundo turno, ela não se formará com ele em disputa (Foto: Agência Pública) 

CC: Caso ele perca em 2022, haverá tentativa de golpe?

MN: Sem dúvida. O que aconteceu nos EUA após a derrota de Trump é apenas um pequeno aviso do que acontecerá no Brasil caso o Bolsonaro seja derrotado, pois ele não vai aceitar o resultado. É um cenário de altíssima incerteza e de perigo para o País. O golpe que ele encenou em abril e maio de 2020 será mais grave em 2022. Se ele será bem sucedido é outra questão.

No entanto, para que alguém ganhe, todos os demais adversários precisam aceitar perder, não só o Bolsonaro, que não vai aceitar. Dentro do campo democrático, é preciso que as outras forças políticas aceitem a vitória de um outro candidato. E para elas aceitarem é preciso ter uma repactuação da democracia, porque não adianta ganhar a eleição se você não consegue governar.

Essa repactuação não é apenas para derrotar Bolsonaro, tem que ser também para salvar a democracia brasileira. Só afastar Bolsonaro não resolve o problema que ele representa, de uma democracia fragilizada em que um sentimento anti-sistema se confunde com um sentimento anti-democratico. E é essa conjunção que é tarefa do campo democrático desfazer.

CC: O que ficou da esquerda nesta conjuntura?

MN: A esquerda mostrou uma imensa fragilidade, fragmentação, falta de coordenação e de orientação. O exemplo flagrante disso é que o PT e o PDT apoiaram uma candidatura contra Bolsonaro na Câmara e uma a favor de Bolsonaro no Senado. Mas a fragilidade não é só da esquerda, mas também da direita tradicional.

O que me chama atenção é que muitas pessoas dizem que a situação é muito grave, mas eu não consigo ver as pessoas tomando as atitudes correspondentes a essa gravidade. Muitos acham que quem chegar contra o Bolsonaro no segundo turno ganha e todo partido acha que vai chegar. Esse é o raciocínio que demonstra total deslocamento da realidade, pois Bolsonaro é o candidato mais forte. Não adianta só ganhar, tem que repactuar para conseguir governar. O cenário mostra uma impotência da oposição, pois não há nenhuma força que sozinha possa vencer.


A diplomacia brasileira se jogando literalmente no abismo na relação com a China

Esta é uma das MAIORES VERGONHAS pela qual já passou a diplomacia brasileira, sob as patas de fundamentalistas tresloucados, atuando como mandantes arrogantes de um chanceler acidental que obedece caninamente as piores diretivas que eles são capazes de determinar, ao completo arrepio dos interesses nacionais do Brasil. O mundo todo toma conhecimento de quão baixo pode descer um serviço diplomático outrora respeitado e elogiado, hoje objeto de comiseração e ridículo.

Imagino a cena do embaixador brasileiro em Bejing cumprindo as instruções oficiais recebidas por telegrama secreto de Brasília, diretamente do gabinete do infeliz e subserviente chanceler: os diplomatas da divisão que cuida do Brasil na chancelaria chinesa recebem polidamente a demanda de retirada do seu embaixador em Brasília, agradecem e depois... NADA! Nem se dignam a uma resposta, sequer um comentário a respeito. 

Um dia conheceremos a resposta do embaixador, que deve começar pela tradicional e ritualística fórmula: “Cumpri instruções. No dia [xx/xx], atendendo à minha demanda, fui recebido pelo Desk Brasil da chancelaria chinesa, terceiro secretário [Fulano], a quem comuniquei o pedido de Vossência, tal como é o desejo do Senhor Presidente da República. O secretário [Fulano] agradeceu minha visita e informou que elevaria a demanda ao conhecimento dos seus superiores. Aguardo resposta, que prontamente transmitirei à SERE.” Assinado.

PS: a manchete da matéria está errada: deveria ser “... exchange Beijing ambassador to Brazil”.

Paulo Roberto de Almeida 

China ignores requests to exchange Bolsonaro ambassadors in Brazil – 02/14/2021 – Worldwide

Convinced by Chancellor Ernesto Araújo, President Jair Bolsonaro last year asked the Chinese regime to change ambassador to Brazil, Yang Wanming.

The measure was taken in April and repeated in November, after clashes via social networks between the diplomat and MP Eduardo Bolsonaro. Beijing ignored the Brazilian request on both occasions.

Ernesto took care of President Bolsonaro’s son and severed his relationship with Yang.

The trigger behind the request was the Twitter clash between Eduardo and the Chinese diplomat. In March 2020, the MP published a text comparing the Covid-19 pandemic to the Chernobyl nuclear accident (1986) and claiming that the Chinese regime was responsible for the spread of the disease.

“Replace the nuclear power plant with the coronavirus and the Soviet dictatorship with the Chinese. Once again a dictatorship preferred to hide something serious rather than to expose it with wear and tear, but that would save countless lives”, wrote the then deputy.

Yang called Eduardo’s speech a “malicious insult” and the official embassy profile published a post accusing the MP of having contracted a “mental virus”.

The clash prompted the Brazilian government to take a drastic decision, which raised apprehension among Itamaraty diplomats.

At the end of March, Ernesto sent Paulo Estivallet de Mesquita, the Brazilian ambassador to Beijing, a diplomatic telegram asking him to hand over an official document to the Chinese government requesting Yang’s replacement – which happened in early April, according to reports. people who participated in the discussions. heard by Folha on condition of anonymity.

The request was ignored.

Wanted, the Ministry of Foreign Affairs did not comment on the subject.

In November, at the height of attacks on Huawei, Chinese telecommunications giant Eduardo accused China of promoting industrial espionage using 5G equipment.

Yang reacted and the Foreign Ministry again requested the exchange.

Formal requests for Yang’s replacement were secret, but a letter Ernesto sent to the Chinese embassy in Brasilia set the tone for the Bolsonaro government’s discontent with the Chinese diplomat.

“It is not appropriate for the diplomatic agents of the People’s Republic of China in Brazil to deal with the affairs of the Brazil-China relationship through social media. Diplomatic channels are open and should be used,” the ministry said. Foreign Affairs in the letter, sent in November.

Officially, there has been no response to Yang’s exchange requests. However, Beijing has sent information to Brazilian authorities that its ambassador to Brazil is a respected figure in the Chinese civil service.

A member of the Bolsonaro government maintains that Yang’s statements have been approved by authorities in Beijing, who have asked his diplomats abroad to respond accordingly to protests deemed offensive to the regime.

Ernesto’s relationship with Yang is severed. The doors of the Itamaraty division in charge of Asia and the Pacific are also closed to him, according to relatives of the ambassador.

Interlocutors heard by Folha stressed that the Brazilian government’s request for replacement of the Chinese ambassador is totally outside diplomatic practice.

Governments have the prerogative to expel foreign diplomats from the country, but this move is seen as extreme and with the potential to damage bilateral relations.

If Bolsonaro had opted for this measure, the inevitable response would be the expulsion of the Brazilian ambassador from Beijing, exacerbating the diplomatic crisis with Brazil’s largest trading partner.

Still according to these interlocutors, Ernesto opted for a more “light” and “marketing” effect, taking into account in particular the interests of the Bolsonaro family.

A diplomat experienced in Brazil-China relations said the Bolsonaro government should know that Beijing will not stand for election. If it concedes to Brazil, China could see similar demands from other countries where Chinese ambassadors have been controversial.

In Sweden, for example, the Chinese ambassador made statements that worried local authorities.

Ernesto’s embarrassment – ignored by Beijing – was most evident when President Bolsonaro was forced to seek China for the release of inputs to manufacture the coronavirus vaccine.

The Planalto Palace has, until the last moment, attempted to guarantee the import of ready-to-use Oxford / AstraZeneca immunizers manufactured in a laboratory in India.

However, faced with the failure of negotiations with India, he ended up suffering a political setback against Governor João Doria (PSDB-SP), who negotiated directly with a Chinese laboratory to buy Coronavac.

Doria had the first vaccination photo in the country.

To make matters worse for the federal government, which had already been criticized for the delay in starting vaccination, the Butantan Institute and Fiocruz (Oswaldo Cruz Foundation) were with late shipments of inputs for the manufacture of immunizers.

The inputs – both the Oxford / AstraZeneca vaccine and the Coronavac vaccine – are produced by China.

Bolsonaro then appealed to China and even called for a phone conversation with the country’s leader Xi Jinping.

Faced with the difficulties, Bolsonaro asked Ernesto live to recompose relations with the Asian giant. The Chancellor replied that the Brazilian ambassador in Beijing was speaking directly to the Chinese government.

But behind the scenes, the Chancellor maintained the “closed door” policy for Yang.

Furthermore, Ernesto has not given up on the anti-China rhetoric that has marked his administration and recently ordered his subordinates to put together critical statements made by foreign officials against the Chinese regime.

In one of the requests Folha had access to, Ernesto asks members of the diplomatic corps to send him statements from Australian and Japanese authorities against Beijing.

To get around the Itamarat’s lack of dialogue with the Chinese embassy, ​​the president took the suggestions of ministers who have formed a sort of “triple alliance” to try to save Brazil’s relations with its main trading partner. Ministers Eduardo Pazuello (Health), Tereza Cristina (Agriculture) and Fábio Faria (Communications) are part of the efforts.

Vice President General Hamilton Mourão, who chairs the China-Brazil High Level Consultation and Cooperation Commission (Cosban), was not invited. He is living in the worst moment of his relationship with Bolsonaro, who has ceased to delegate to government deputy duties.