China ignora pedidos de Bolsonaro por troca de embaixador no Brasil
Julio Wiziack e Ricardo Della Coletta
Convencido pelo chanceler Ernesto Araújo, o presidente Jair Bolsonaro pediu no ano passado ao regime chinês a troca de seu embaixador no Brasil, Yang Wanming.
A medida foi tomada em abril e reiterada em novembro, após bate-bocas via redes sociais entre o diplomata e o deputado Eduardo Bolsonaro. Pequim ignorou a solicitação brasileira nas duas ocasiões.
Ernesto tomou as dores do filho do presidente Bolsonaro e rompeu relações com Yang.
O estopim que motivou o pedido foi o embate no Twitter entre Eduardo e o diplomata chinês. Em março de 2020, o deputado publicou um texto comparando a pandemia da Covid-19 ao acidente nuclear de Tchernóbil (1986) e afirmando que o regime chinês tinha responsabilidade pela disseminação da doença.
"Substitua a usina nuclear pelo coronavírus e a ditadura soviética pela chinesa. Mais uma vez uma ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste,mas que salvaria inúmeras vidas", escreveu o deputado na época.
Yang classificou a fala de Eduardo de "insulto maléfico" e o perfil oficial da embaixada veiculou uma publicação que acusa o deputado de ter contraído um "vírus mental".
O embate fez o governo brasileiro tomar decisão drástica, que gerou apreensão entre diplomatas no Itamaraty.
No fim de março, Ernesto enviou para Paulo Estivallet de Mesquita, o embaixador do Brasil em Pequim, um telegrama diplomático solicitando que ele entregasse um documento formal ao governo chinês pedindo a substituição de Yang - o que ocorreu no início de abril, segundo pessoas que participaram das discussões ouvidas pela Folha sob condição de anonimato.
A solicitação foi ignorada.
Procurado, o Itamaraty não se manifestou sobre o tema.
Em novembro, no auge dos ataques à Huawei, gigante chinesa de telecomunicações, Eduardo acusou a China de promover a espionagem industrial via equipamentos 5G.
Yang reagiu, e o Itamaraty solicitou novamente a troca.
Os pedidos formais de substituição de Yang foram secretos, mas uma carta enviada por Ernesto à embaixada da China em Brasília deu o tom da insatisfação do governo Bolsonaro como diplomata chinês.
"Não é apropriado aos agentes diplomáticos da República Popular da China no Brasil tratarem dos assuntos da relação Brasil-China através das redes sociais. Os canais diplomáticos estão abertos e devem ser utilizados", afirmou o Itamaraty na carta, encaminhada em novembro.
Oficialmente, não houve respostas sobre os pedidos de troca de Yang. No entanto, Pequim fez chegara autoridades brasileiras a informação de que seu embaixador no Brasil é um quadro conceituado do serviço público chinês.
Um membro do governo Bolsonaro argumenta que as declarações de Yang foram avalizadas pelas autoridades em Pequim, que têm instruído seus diplomatas no exterior a responder à altura diante de manifestações consideradas ofensivas ao regime.
As relações de Ernesto com Yang estão cortadas. As portas da divisão do Itamaraty responsável por Ásia e Pacífico também estão fechadas para ele, de acordo com pessoas próximas ao embaixador.
Interlocutores ouvidos pela Folha destacaram que a solicitação de substituição do embaixador chinês feita pelo governo brasileiro foge totalmente da praxe diplomática.
Os governos têm a prerrogativa de expulsar do país diplomatas estrangeiros, mas esse gesto é considerado extremado e com o potencial de prejudicar as relações bilaterais.
Caso Bolsonaro tivesse optado por essa medida, a resposta inevitável seria a expulsão do embaixador brasileiro de Pequim, escalando a crise diplomática com o maior parceiro comercial do Brasil.
Ainda segundo esses interlocutores, Ernesto optou por uma medida mais "leve" e com efeito de "marketing", especialmente levando em conta interesses da família Bolsonaro.
Um diplomata com experiência na relação Brasil-China afirma que o governo Bolsonaro deveria saber que Pequim não atenderia ao pleito. Se cedesse ao Brasil, a China poderia ver requisições semelhantes chegarem de outros países onde embaixadores chineses protagonizaram polêmicas.
Na Suécia, por exemplo, o embaixador chinês fez declarações que provocaram mal-estar nas autoridades locais.
O constrangimento de Ernesto - ignorado por Pequim- ficou mais evidente quando o presidente Bolsonaro foi obrigado a procurar a China sobre a liberação de insumos para a fabricação da vacina contra o coronavírus.
O Palácio do Planalto tentou, até o último momento, garantir a importação de imunizantes prontos da Oxford/AstraZeneca fabricados em um laboratório na índia.
Entretanto, diante do fracasso das negociações com a índia , acabou sofrendo um revés político para o governador João Doria (PSDB-SP), que negociou diretamente com um laboratório da China a compra da Coronavac.
Coube a Doria a primeira foto da vacinação no país.
Para piorar a situação do governo federal, que já vinha sendo criticado pela demora no início da vacinação, tanto o Instituto Butantan quanto a Fio cruz (Fundação Oswaldo Cruz) estavam com remessas atrasadas de insumos para a fabricação dos imunizantes.
Os insumos - tanto da vacina da Oxford/AstraZeneca quanto a da Coronavac são produzidos pela China.
Bolsonaro passou a apelar para a China e chegou a pedir uma conversa telefônica com o líder do país, Xi Jinping.
Diante das dificuldades, Bolsonaro pediu em uma live que Ernesto recompusesse as relações com o gigante asiático. O chanceler respondeu que o embaixador do Brasil em Pequim estava dialogando com o governo chinês diretamente.
Mas nos bastidores, o chanceler manteve a política de "portas fechadas" para Yang.
Além do mais, Ernesto não abriu mão da retórica antiChina que marcou sua administração e, recentemente, ordenou a subordinados que reunissem declarações críticas feitas por autoridades estrangeiras contra o regime chinês.
Em uma das solicitações, à qual a Folha teve acesso, Ernesto pede que membros do corpo diplomático lhe enviem manifestações das autoridades da Austrália e do Japão contrárias a Pequim.
Para contornar a falta de diálogo do Itamaraty com a embaixada chinesa, o presidente acatou sugestões de ministros que formaram uma espécie de "tríplice aliança" para tentar salvar a relação do Brasil com seu principal parceiro comercial. Fazem parte dos esforços os ministros Eduardo Pazuello (Saúde), Tereza Cristina (Agricultura) e Fábio Faria (Comunicações).
O vice-presidente, general Hamilton Mourão, que preside a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban), não foi convidado. Ele vive o pior momento da sua relação com Bolsonaro, que parou de delegar ao vice tarefas no governo.