A irresistível queda do chanceler acidental: uma tentativa de perfil psicológico
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org; http://diplomatizzando.blogspot.com)
[Objetivo: refletir sobre o estado psicológico do chanceler; finalidade: debate público]
Desde o início do desgoverno do Bolsovirus (mas ele só se tornou genocida um ano depois), as notícias sobre política externa e diplomacia brasileira que eu sempre recebi pelos Alertas do Google eram invariavelmente negativas, com as poucas exceções da imprensa comprada e daqueles setores ideológicos identificados com a direita burra.
Agora a coisa se tornou avassaladora, não apenas contra a diplomacia, mas contra o próprio chanceler acidental, o capacho preferido da família que desmanda no país, como se pode constatar abaixo
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Agora se trata da credibilidade do Itamaraty e da diplomacia profissional, que foram ambas emporcalhadas pela gestão não apenas lamentável do chanceler acidental, mas especialmente desastrosa, terrivelmente catastrófica, para o MRE, para o Brasil e até para a região e o mundo. Nem tudo é culpa dele, claro, pois, como capacho obediente, ele faz, dá continuidade prática, segue caninamente, sabujamente o que lhe mandam fazer ou dizer. É um capacho falante e ambulante, dos mais fiéis para a franja lunática que manda nesse setor no desgoverno do capitão degenerado.
Acredito que EA deve se sentir desconfortável com essa situação, pois é isso que se vê por suas hesitações – dezenas de "eh...", "hum...", "é...", "ah..." – pelos seus balbuciamentos irracionais e gaguejamentos repetidos, pela incapacidade de formular seu pensamento numa frase simples, obedecendo às regras elementares da língua e da gramática – com sujeito, predicado, verbo e complemento –, e também pelo fato, evidente, de ficar voltando sempre ao mesmo assunto, tentando se justificar, geralmente de forma canhestra. Esse desconforto também se revela na gestualidade, no olhar, na transpiração, naquela busca de algum socorro em papeis dispersos à sua frente, enfim, na confusão mental que só faz se aprofundar com o avanço das acusações, das críticas, das recomendações para demissão ou renúncia.
Conheço pouco esse personagem ímpar da carreira diplomática – ele não tem precedentes, é absolutamente inédito –, só tendo resenhado uma obra da qual ele participou nos anos 1990, ainda jovem secretário, e não posso dizer que eu partilhe de sua estima, sequer convivência ou qualquer outro gesto de aproximação: somos tão distantes quanto podem ser Mercúrio e Plutão, e não creio que jamais voltaremos a falar novamente: ele tem ódio de mim, pelas críticas que fiz ainda antes de sua assunção (já antecipando o desastre que seria) e sobretudo depois dos desastres evidenciados desde sua posse, com o discurso mais alucinado que se ouviu no Itamaraty.
Não gostaria de estar nos seus sapatos, e na verdade nunca estaria, não só no desgoverno fanático do capitão degenerado, mas em qualquer outro governo também. Não sou apegado a cargos, só a livros, e não aspiro a servir o poder, apenas observá-lo, com toda a liberdade para avaliar suas obras e criticar no que for preciso. Eu era completamente indiferente ao que ele pudesse pensar, até que, num convite que fiz, quando diretor do IPRI-MRE, em 2017, para que ele comentasse questões atinentes à política comercial do governo Trump, eu o vi retirar um maço de papeis no bolso e começar a desfilar a sua litania sobre Trump como “salvador do Ocidente”. Era inconveniente e não tinha nada a ver com a palestra do convidado americano, um professor da George Washington, e não servia aos propósitos para os quais eu o havia convidado, ou seja, debater sobre o tema para introduzir a sessão de perguntas e respostas posteriormente, como encarregado do Departamento que cuidava da América do Norte (agora existe um, que ele criou, exclusivamente para os EUA, com duas divisões, por mais louco que possa parecer).
Mas, não cortei sua palavra e deixei-o falar por tempo quase equivalente ao do palestrante convidado. Eu apenas "desliguei", e fiquei escrevendo em meu computador ou em algum Moleskine, que sempre trago comigo. Muito posteriormente soube que ele tinha dito verdadeiros absurdos, tanto que uma das perguntas sobre os "conspiradores do globalismo" (Google, Facebook, Amazon) lhe tinha sido dirigida, e não ao palestrante, o que me surpreendeu. Quando EA confirmou que pensava aquilo mesmo, ouviu-se aquele zumbido na audiência, e alguns risos sardônicos. Mais, passons...
Depois, recebi um artigo inteiro para publicar na revista da qual eu era editor, os Cadernos de Política Exterior. A despeito do assunto não ser exatamente enquadrável na temática da revista, pois era o depois tristemente famoso “Trump e o Ocidente”, não me opus a que ele fosse publicado na revista: achei simplesmente que ninguém prestaria muita atenção naquela peça absurda e também muito ridícula.
Mas, só vim a saber muito depois, só após que ele tivesse sido escolhido para ser o chanceler da “diplomacia sem ideologia”, que EA havia retirado vários exemplares da revista com esse seu artigo e levado pelas mãos de Nestor Forster, então ministro-conselheiro na embaixada em Washington, a uma visita ao guru da extrema-direita no Brasil, aquele guru presidencial, sofista expatriado na Virgínia, que eu chamo de Rasputin de Subúrbio (embora reconhecendo que ele tem 10% de artigos razoáveis, sendo o resto material dispensável ou lixo completo).
Foi aí que eu percebi que EA, de forma dissimulada e clandestina, tinha preparado desde muito tempo antes sua ascensão ao cargo, juntando-se à tropa de meliantes políticos que manipulou redes sociais, mobilizou apoios no submundo dos saudosistas da ditadura militar, conquistou franjas lunáticas e fanáticas do eleitorado e tratou de enganar liberais, empresários, classe média e todos aqueles que tinham ficado horrorizados com a extensão da corrupção mafiosa do PT.
Fiquei aliviado quando fui exonerado do IPRI, pois eu me sentiria extremamente mal se continuasse a servir o bando de aloprados do desgoverno. Até demorou: foi só no Carnaval de 2019 (3 de março), quando eu estava esperando já no dia 2 de janeiro. Deve ter sido porque não tinham ninguém para colocar no meu lugar. Mas, me proibiram de fazer qualquer coisa desde o dia 1/01/2019, ou seja, eu não poderia implementar NENHUM dos programas legalmente aprovados pela Funag em dezembro de 2018: tudo congelado e assim ficou por muito tempo, bem como interromperam, desmantelaram, eliminaram diversos projetos que eu mantive de forma regular de agosto de 2016 ao final de 2018 (o último evento, em dezembro, e corri extraordinariamente para que ficassem prontos, foram os dois volumes com os textos do ex-ministro Celso Lafer sobre relações internacionais).
As surpresas do novo regime não se fizeram esperar, e começou logo no dia 2/01, com o extraordinário, patético discurso de posse do chanceler acidental: não foi um policy statement de política externa e sim um manifesto às imbecilidades da nova direita, ainda que enfeitadas por referências eruditas e alguma com ar de popularidade. Mas já em novembro e dezembro de 2018, o patético serviçal do novo regime começou a atacar seus colegas diplomatas, nos acusando de termos sido convivente com a esquerdalha dos governos anteriores, com o marxismo cultural, com o comunismo mundial, de sermos alienados em relação a uma "política externa para o povo" e um aglomerado de outras bobagens que devem ter chocado todos os diplomatas, e até o corpo diplomático estrangeiro.
Não faltaram, claro, os adesistas, os cúmplices, os oportunistas na carreira que começaram a elogiá-lo (pela "inteligência"), e correram atrás daquelas coisas que os medíocres sempre sabem fazer: promoção, boas remoções, boas chefias, distinção, a glória de fazer parte do inner circle (mas são poucos, menos do que uma dúzia, com o resto da Casa permanecendo silente, submissa, acovardada).
A coisa toda continuou se agravando pelas semanas e meses seguintes, numa sequência de absurdos que estão todos refletidos nos quatro livros que já produzi desde que esse bando de loucos, dirigidos de forma canhestra pelo chanceler capacho, começou a DESTRUIR a diplomacia brasileira e DESMANTELAR a política externa: Miséria da Diplomacia (2019), O Itamaraty num labirinto de sombras e Uma certa ideia do Itamaraty (ambos de 2020), seguidos agora por este que estou publicando: Apogeu e demolição da política externa: itinerários da diplomacia brasileira (2021, em revisão editorial).
Foi sofrível, por exemplo, ver pelo YouTube do MRE, o chanceler acidental dar uma “aula magna” (mínima, na verdade), em sala fechada do Instituto Rio Branco, quando o normal fosse que isso se fizesse em auditório aberto a todo o corpo diplomático. Foi um sofrimento assistir, e imagino que os estudantes tenham sofrido ainda mais. Eventos como esse, com tiradas subfilosóficas atiradas contra políticos, empresários e jornalistas, passaram a ser um exercício contínuo de constrangimentos gerais.
O que pode estar na origem das loucuras atuais?
Existe a parte objetiva, ou externa ao EA, que se refere à loucura geral dos Bolsonaros e dos fanáticos que apoiam sua postura destrambelhada no plano externo, e disso não se pode acusar o patético serviçal capacho que se aproximou deles, que pode sim, ser acusado de se aliar e de servir, caninamente a esse bando de aloprados.
E existe o componente pessoal, intelectual, psicológico, doentio, próprio a EA, que interpreto como sendo o resultado de um profundo desconforto dele, sendo um reacionário sincero, um fundamentalista religioso legítimo, ao ter de conviver com um Itamaraty progressista e alguns governos até esquerdistas, quando não laicos e “abortistas”, entre eles marxistas, comunistas, anarquistas e até contrarianistas, como este que aqui escreve.
EA deve ter atravessado 30 anos de progressismo e de esquerdismo na diplomacia profundamente angustiado, com todos aqueles ateus esquerdosos mandando na diplomacia do seu Brasil cristão e profundamente conservador. Deve ter sido um sofrimento ficar no armário durante tanto tempo, e até fingindo que concordava com todas aquelas coisas horrorosas, toda aquela conivência com ditaduras comunistas e convivência com gramscianos da academia, todos eles comprometidos com uma visão do mundo, uma Weltanschauung como ele diria, profundamente contrária a tudo o que ele defende.
Mas, atenção, EA é um sujeito preparado, até culto em suas leituras e reflexões, mesmo partilhando, legitimamente a meu ver, de uma visão do mundo distorcida pelos instintos direitistas e carolas que herdou do pai e dos intelectuais da direita. Imagino que deva ter sido um enorme sofrimento para ele ter de se rebaixar ao nível do capitão degenerado e ignorante, do 03 totalmente despreparado para qualquer assunto de política internacional, ter de se submeter a ordens, instruções e diretivas que ele sabia, OBJETIVAMENTE, que eram contrárias não apenas com uma prática diplomática NORMAL, mas também contra o BOM SENSO e a racionalidade.
Imagino que todo esse sofrimento interior, ao ter de decorar com palavras bonitas, com referências intelectuais, o besteirol crasso que emergia desse bando de idiotas deva ter atuado em seu intelecto, deixando em tremenda confusão interior, o que se refletia inteiramente em sua gestualidade angustiante.
Mas, uma parte do horror a que assistimos durante todos esses meses também refletiu o seu desequilíbrio mental, suas angústias existenciais, sua confusão verbal, suas incertezas intelectuais, justamente quando precisava aderir ao horror produzido pelo capitão ignorante e grosseiro e ainda ter de gritar "MITO! MITO! MITO!", de forma até descontrolada e aparentemente entusiasta. Confesso que foi novamente sofrível, para mim, assistir a um colega até preparado intelectualmente, protagonizar aquelas cenas degradantes, não só para a inteligência de pessoas normais, mas ofensivas para diplomatas profissionais.
Imagino, novamente, que tudo isso foi se acumulando nessa mente perturbada, mas fazendo com que EA insistisse nas demonstrações de sabujismo exemplar, mesmo tendo consciência de que estava prejudicando o Brasil, a diplomacia, a sua própria carreira profissional e seu status pessoal. Uma degradação dessas não passa impunemente na vida de qualquer quadro especializado, qualquer mandarim do Estado de uma das corporações mais preparadas da burocracia federal.
EA sabe que deu um passo em falso, que se atirou na cova dos leões, que começou a andar na beira do precipício, mas agora já era tarde e, em lugar de honestamente renunciar, ele insistiu em ficar, e em aprofundar a sua indignidade e covardia, sua extrema submissão a um bando de parvos, de ignorantes, de fanáticos reacionários, uma tropa de energúmenos que está destruindo o Brasil.
Ele foi muito longe, e agora terá de pagar um pesado preço por isso, que não é nem uma degradação ou expulsão da carreira: apenas o DESPREZO dos colegas!
Não o desprezo, pois sei que se trata de pessoa preparada intelectualmente e eu valorizo muito o debate de ideias. Até me permiti comentar seu patético artigo “Trump e o Ocidente” em meu primeiro livro do ciclo: Miséria da diplomacia, tentando mostrar onde estavam os erros. Ele respondeu com raiva, até com ódio, mandando cortar todo o meu salário de janeiro de 2020, me cobrando mais R$ 23 mil por supostas “horas não trabalhadas”, e iniciando um processo por “faltas injustificadas” (em algumas, eu até estava com ele em cerimônias na Defesa), que deveria, se não fosse a pandemia, levar à minha demissão sumária, por causa justificada, e à expulsão do serviço público sem NENHUM direito. Esse é o EA vingativo e intolerante, talvez nesse caso pressionado pelo bando de fanáticos que o tem no laço e o obriga a tomar atitudes contra os “inimigos” do desgoverno.
Eu teria muito mais coisas a dizer do lado “psicológico” do chanceler acidental, pois todo o seu desequilíbrio é absolutamente transparente, mas não tenho qualificação técnica para fazê-lo. Só posso lamentar pelo Itamaraty e pelo Brasil, o fato de termos tido, neste desgoverno, o PIOR CHANCELER de todos os tempos, em qualquer época, em qualquer lugar, de qualquer diplomacia que se possa pensar. EA não tem precedentes na história do Itamaraty, nem terá sucessores. Podemos até ter pessoas medíocres, enquanto durar o desgoverno do capitão, novamente a envergonhar a nossa diplomacia, mas acredito que capacho desequilibrado como EA nunca mais.
Eis meu depoimento, sincero, aberto, franco, sobre o patético chanceler acidental, anum momento em que todos pedem a sua saída, e ainda quando o capitão teimoso insistirá em mantê-lo. Eu entendo: ninguém conseguiria ser tão capacho quanto foi EA, ninguém aceitaria se diminuir tanto ao nível de ignorância crassa da Bolsofamiglia, ninguém conseguiria suportar durante tanto tempo tantas humilhações acumuladas e aceitas com tanta disposição para o auto-rebaixamento. É difícil chegar a esse nível de indignidade pessoal, e por isso vai aqui até um gesto de solidariedade compassiva com quem suportou tão humildemente a escória com que lhe obrigavam a conviver.
Vai também um RIP ritual, para que ele descanse em paz em algum posto secundário, talvez até nos Arquivos, onde ele me lotou com raiva, unicamente para me humilhar. Aliás, tenho de agradecer: a impossibilidade de trabalhar em algo útil para o ministério e para o Brasil me deu lazer suficiente para escrever quatro livros, incontáveis artigos, muitas notas, sobre o horror do governo a que ele serviu com orgulho, mas imagino também que com enorme DESCONFORTO.
Vá em paz EA, retire-se aos seus livros e observe o desastre que vocês fizeram no Brasil, que você faz na imagem internacional do nosso país e da nossa diplomacia.
Adeus!
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 3879, 27 de março de 2021