Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
Um artigo publicado meses atrás, cujos dados editoriais recebi recentemente. Ele foi meu segundo trabalho publicado em alemão, sendo o primeiro meu livro Nunca Antes na Diplomacia, publicado em alemão, em tradução de Ulrich Dressel, sob o título de:
Die brasilianische Diplomatie aus historischer Sicht: Essays über die Auslandsbeziehungen und Außenpolitik Brasiliens (Saarbrücken: Akademiker Verlag, 2015, 196 p.; Übersetzung aus dem Portugiesischen ins Deutsche: Ulrich Dressel; ISBN: 978-3-639-86648-3).
3907. “Relações do Brasil com os Estados Unidos”, Brasília, 4 maio 2021, 5 p. artigo baseado no trabalho n. 3783, em versão reduzida, para revista Brasilicum, a convite de Ekrem Eddy Güzeldere. Publicado, em versão traduzida para o alemão, sob o título de “Die aktuellen Beziehungen Brasiliens zu den USA”, na revista Brasilicum (edição 261, junho 2021, p. 23-26; ISSN: 2199-7594). Relação de Publicados n. 1429.
Vou postar as imagens da publicação em alemão, e depois transcrever a versão completa do artigo em português:
Transcrevo o original em Português, na versão completa:
Relações do Brasil com os Estados Unidos
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor no Uniceub, Brasília.
(Colaboração revista Brasilicum; Ekrem Eddy Güzeldere)
Publicado, em versão traduzida para o alemão, sob o título de “Die aktuellen Beziehungen Brasiliens zu den USA”, na revista Brasilicum (edição 261, junho 2021, p. 23-26; ISSN: 2199-7594). Relação de Publicados n. 1429.
Os Estados Unidos estiveram entre os primeiros países a reconhecer, em 1824, a independência do Brasil, antes da própria Grã-Bretanha (1825). A política externa americanista do início do Império só teria continuidade na República, 20 anos depois da fundação do Partido Republicano, em 1870, que tinha como slogan: “Somos da América e queremos ser americanos”. Os Estados Unidos já eram o maior importador do principal produto brasileiro de exportação, o café, e também foram os primeiros a reconhecer a República, em 1889, que assumiria o nome de Estados Unidos do Brasil.
Foram os monarquistas Rio Branco e Joaquim Nabuco, colocados a serviço da diplomacia republicana, que administraram a transição da preeminência europeia nas relações externas do Brasil para um inevitável equilíbrio com, e logo a predominância, dos Estados Unidos nos fluxos de todos os tipos; essa fase representou uma espécie de “aliança não escrita”. Os investimentos americanos no Brasil tiveram início após a Grande Guerra e as relações comerciais cresceram antes da Segunda Guerra, face à forte competição da Alemanha nazista.
A partir da grande aliança consolidada por Oswaldo Aranha – embaixador em Washington, 1934- 1937; chanceler de 1938 a 1944 –, o Brasil conheceu um processo de “americanização”, reforçado no auge da Guerra Fria, com a assinatura do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (1947) e com Acordo de Assistência militar de 1953, que só será denunciado pelo general Ernesto Geisel, em 1977. Ponto alto nessa aliança foi o apoio americano por ocasião do golpe militar de 1964. A partir de meados dos anos 1960 começam a emergir fricções entre os dois países, não apenas propósito de questões comerciais (sobretaxas americanas a calçados ou café solúvel), e sim em questões mais relevantes do ponto de vista da hegemonia americana em questões de segurança internacional. O Brasil recusou o Tratado de Não Proliferação Nuclear por três décadas, até que o governo Fernando Henrique Cardoso – já no quadro da proibição do desenvolvimento de armas nucleares pela Constituição de 1988 – decide pela adesão ao TNP, para diminuir o cerceamento americano às tecnologias de ponta.
A diplomacia de Lula promoveu discreto bloqueio aos interesses americanos na região, começando pela implosão, em 2005, do projeto de uma Área de Livre Comércio das Américas, continuando com instituições exclusivamente latino-americanas, como a União das Nações Sul-Americanas. A Unasul passou a dispor, graças aos petrodólares de Hugo Chávez, de uma sede em Quito; ela abrigou um Conselho Sul-Americano de Defesa, valorizada pelos militares brasileiros, e um outro, voltado para a integração física. Mas, antes mesmo da grande ruptura trazida pela diplomacia bolsonarista na política externa brasileira, o continente já se fragmentava em propostas econômicas e políticas divergentes, depois da certa primazia esquerdista.
A administração Temer, que pode ser classificada como de transição, fez com que a política externa e a diplomacia profissional do Itamaraty retomassem os padrões anteriores de trabalho, de conduta e de orientação que sempre foram os seus nas duas décadas subsequentes à democratização, ou seja, a busca de autonomia no cenário mundial, o apoio fundamental ao direito internacionais e ao multilateralismo, o reforço (pelo menos tentativo) em prol da integração regional. As relações com os Estados Unidos foram corretas, mas não mais do que isso, uma vez que, a partir da eleição de Trump, no final de 2016, apenas alguns meses depois da transição definitiva do lulopetismo para a socialdemocracia, não havia tempo para que fossem tomadas grandes iniciativas no plano bilateral ou em outras esferas.
O retorno a uma coalizão centrista, quando do impeachment da presidente Dilma Rousseff, não significou a reconstrução dos antigos laços com os EUA, mas a simples retomada da diplomacia autônoma e equilibrada que foi a do Itamaraty desde o segundo governo do regime militar. A grande surpresa, antes do início do governo Bolsonaro, não foi o fato de se ter anunciado uma preferência por uma “relação especial” com os EUA, pois tal postura poderia ser enquadrada numa nova orientação hemisférica, ou “ocidentalista”, do Brasil, dissonante em relação ao que vinha sendo registrado nas últimas décadas – quando a política externa foi enfaticamente terceiro-mundista e moderadamente antiamericana –, mas ainda assim capaz de ser acomodada numa diplomacia pretensamente voltada para novas iniciativas com o grande parceiro tradicional do Brasil durante todo o século XX. Na verdade, o fato surpreendente foi uma adesão à pessoa do presidente Trump, no quadro da transformação das bases conceituais da diplomacia, que saiu da independência assumida em relação às grandes potências, da defesa do direito internacional e do multilateralismo, por uma rejeição deste último em nome de teorias conspiratórias da nova direita americana e contra a suposta ameaça do comunismo internacional (doravante representada pela China).
As “inovações” tiveram início no dia da posse do presidente, quando o chanceler, na presença do seu parceiro americano, disse estar de acordo com a instalação de uma base americana no Brasil, para receber o rechaço dos ministros militares, e logo em seguida pela adesão do Brasil a uma aventura de Trump contra o governo Maduro, disfarçada de “ajuda humanitária à Venezuela, a partir das fronteiras do Brasil e da Colômbia. Ocorreu ainda o apoio solitário do Brasil, na companhia de Israel, à posição do governo americano de sanções unilaterais a Cuba, à eliminação pelos EUA, no Iraque, do general iraniano chefe das Brigadas Revolucionárias, assim como a um “plano de paz” de Trump para a Palestina.
O presidente havia prometido uma diplomacia “sem ideologia”, e o que mais houve foi uma inversão completa dos padrões do Itamaraty: em lugar da avaliação técnica e de uma consulta estrita aos interesses nacionais, sempre conduzidos, até 2018, com absoluta isenção por um corpo de diplomatas profissionais, passou-se à consideração de elementos estranhos ao trabalho diplomático habitual, de fundo religioso, de oposição a um suposto comunismo ameaçador, de negação a quaisquer direitos de minorias sexuais ou de proteção às mulheres que poderiam representar “ideologia de gênero” (sic) ou possibilidade de aborto (que já está contemplado na legislação brasileira em casos especiais). A intromissão de elementos ideológicos da diplomacia do novo governo, especificamente vindos da franja lunática da direita alternativa americana fortemente influenciada pelo negacionismo das teorias conspiratórias também esposadas pelo presidente Trump, encontrou uma das expressões mais bizarras na acusação do chanceler ideológico de que a China estaria na origem de um “comunavirus” que teria sido disseminado pela China com o objetivo de fragilizar o Ocidente (que, para ele, teria um “salvador natural” no presidente Trump).
Mais grave ainda, do ponto de vista do interesses materiais concretos do Brasil, foi representado por uma série completa de concessões unilaterais feitas pelo governo brasileiro a Trump, para ajudá-lo em sua tentativa de reeleição em 2020: importação sem tarifas de etanol e de trigo americano (contra interesses de produtores brasileiros e eventual importação adicional de grãos da Argentina); aceitação de novas restrições unilaterais, mediante salvaguardas ilegais, de aço e alumínio brasileiro (sem que o governo introduzisse uma reclamação na OMC); acompanhamento das posturas de Trump no casos de políticas de meio ambiente (uma ameaça potencial ao agronegócio), de antiglobalismo, de restrições a imigrantes, a denúncia pelo Brasil do Pacto Global das Migrações, um instrumento inócuo do ponto de vista da soberania nacional, assinado pelo Brasil três semanas antes de se encerrar o governo Temer.
A diplomacia bolsonarista assumiu um total servilismo a Trump pessoalmente, o que confrontou os interesses nacionais: no comércio bilateral, nas posturas defendidas em órgãos internacionais, no relacionamento do Brasil com o principal parceiro comercial, a China, assim como no âmbito regional. Nesta área, um aspecto confrontou a política externa das quatro décadas anteriores: os esforços de integração regional, em especial, a construção de uma estreita relação com a Argentina. Suscitando a quase unânime rejeição da maior parte da opinião pública, em especial do agronegócio, na questão do meio ambiente, tal política veio a cabo no final de março de 2021, quando o chanceler ideológico foi substituído por um outro diplomata profissional, sem vínculos aparentes com a ‘franja lunática’ do governo Bolsonaro. O novo chanceler, Carlos Alberto França, empossado em 6 de abril, promete reequilibrar a diplomacia profissional – e, se possível, a política externa – nos moldes tradicionais conhecidos no Itamaraty desde muitas décadas; as dúvidas remanescentes derivam da postura do próprio presidente quanto ao conteúdo mesmo dessa diplomacia alternativa.
Acabo de dar continuidade, começando por estes aqui:
3900. “A dominância do desenvolvimentismo no caso latino-americano”, Brasília, 27 abril 2021, 4 p. Síntese impressionista sobre a ideologia desenvolvimentista e a experiência histórica da industrialização latino-americana. Divulgado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/04/a-dominancia-do-desenvolvimentismo-no.html).
3901. “Ascensão e queda do bolsolavismo diplomático, 2018-2021”, Brasília, 30 abril 2021, 11 p. Capítulo inaugural do livro O Itamaraty sob ataque, 2018-2021: a destruição da diplomacia pelo bolsolavismo.
e terminando por este mesmo:
4028. “Meu segundo diário da pandemia: produção intelectual de abril a novembro de 2021”, Brasília, 29 novembro 2021, 19 p. Meu segundo diário da pandemia: produção intelectual de abril a novembro de 2021”, Brasília, 28 novembro 2021, 19 p. Relação dos trabalhos produzidos no período, com apenas dois trabalhos relativos à pandemia (3946 e 3948).
The online encyclopaedia Wikipedia, which was started with the noble intention of becoming the crowd-sourced resource of knowledge for all for free, had become a left-wing propaganda tool long ago. The selected leftist moderators now control information on the website, continuously pushing left-wing propaganda, blocking conservating voices, and in effect rewriting history. In the latest such instance, the website is all set to delete a Wiki page on mass murders under communist regimes in various countries in the world.
A deletion note has been added to thepagetitled “Mass killings under communist regimes”, which informs that the over 12,000-word page is under consideration for deletion. The Wikipedia moderators claim that the neutrality of this article is disputed, and verifiability of the claims made in this article is also disputed.
The article lists several instances of genocides by communists, including the Red Terror in Russia by the Bolsheviks at the start of the Russian Civil War, mass murders by Joseph Stalin, Mao Zedong, Pol Pot using various policies, and other similar well-known instances in communist regimes in East Germany, Yugoslavia, North Korea, Vietnam, Afghanistan, Ethiopia etc.
The extensive article also lists various terminology used with mass killings, and discusses whether deaths caused by famines under communist rules can be labelled as mass murder, apart from listing various historical events and estimates of casualties.
However, the left-leaning editors and moderators are now not happy with such a specific article on mass murders by communist regimes, and have decided to delete it. They claim that ‘Mass killings under communist regimes’ is not a legitimate subject for an encyclopaedic article, and it is a synthesis. Many of them also claim that deaths due to famine in communist regimes can’t be called mass murders, even though the famines were caused by the policies of the communist rulers. They claim that the relation between mass murders and the communist regimes where they happened is synthesised.
They claim the article violates Wikipedia policy as it is a synthesis of published material, and it is not a neutral point of view.
Those who are advocating for its deletion further claim that the incidents of mass murders mentioned in the article are separate, not linked to each other, and hence they can’t be clubbed together, while agreeing that these murders did take place under communist rules. Some of them argue it is just a compilation of other articles, and hence it does not have encyclopedic value.
It is notable that none of those who are asking to delete the article deny the incidents narrated in it. They are just saying that it does not deserve a separate article, or that some of the incidents can’t be called mass murders and can’t be linked to communism.
However, a large number of Wikipedia users and editors are fighting to keep the article. A cursory glance at the deletediscussionshows that the majority of those who have participated in the discussion want to keep the article. They argue that all the incidents mentioned in the article happened in history, which can’t be denied. They have argued that facts cannot be erased because the current ideology of someone makes it inconvenient.
Some of the supporters of the article has suggested a middle ground, saying the article can be merged with theCrimes against humanity under communist regimespage, as both deal with similar historical events.
Even though the majority of the people want the article to be kept, that may not happen, as Wikipedia does not work on a majority voting basis. The website works on the basis of whims of a few editors and moderators with authority to remove articles, almost all of whom are leftists. The deletion discussion page helpfully informs that the discussion is not a majority vote, but instead a discussion among Wikipedia contributors. It says that the decision will be taken on the basis of the merits of the arguments, not by counting votes.
It is important to note that the article has been nominated for deletion for the fourth time, which makes it clear that it is under regular attack from communists online. Many contributors have commented that this shows that heavily indoctrinated people desperately want to get rid of this specific page, and there is ideological motivation behind it. But given the leftist bias of Wikipedia, it is very much possible that the article will be deleted, despite opposition by the majority of contributors.
The leftist bias of Wikipedia has been revealed by Wikipedia co-founder Larry Sanger, who hassaidthat Nobody should trust Wikipedia as the information in it is biased. He said that the site is no longer trustworthy as it does allow content that does not fit the agenda of leftists, and therefore people can’t get a complete view on the topics.
Larry Sanger had left Wikipedia over differences with co-founder Jimmy Wales over how to run the website, and has since become a staunch critic of it for its left-leaning bias. He had also said that Wikipedia has become a huge moral hazard, saying that it has turned into a ‘monocultural establishment organ of propaganda’. He had also talked in detail on the issue in an interview with OpIndia.
It is notable that Wikipedia has launched a crusadeagainst OpIndia, after OpIndia started exposing the bias of the website. First, the wiki page of OpIndia was deleted, saying the portal is worthy enough to have a page on Wikipedia. After that, a Hinduphobic editor created a page on OpIndia with extremely negative language, claiming it to fake news peddler. All efforts to get the page corrected have gone in vein as the leftist-Islamist moderators revert such changes, and threaten people of block from the site for making such changes.
Abaixo, início de meu ensaio sobre o tema-título, remetendo ao arquivo disponibilizado em Academia.edu, seguido da referência à apresentação preparada para a aula magna:
4018. “A diplomacia brasileira da independência: heranças e permanências”, Brasília, 15 novembro 2021, 26 p. Ensaio preparado especialmente para Aula Magna na Universidade Federal Fluminense (dia 29/11, de 9 a 11h), a convite do Prof. Danilo Sorato. Preparada apresentação em Power Point, em 24/11/2021, sob n. 4023. Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/62641768/4018_A_diplomacia_brasileira_da_independencia_heranças_e_permanencias_2021_).
4023. “A diplomacia brasileira da independência: Apresentação”, Brasília, 24 novembro 2021, 30 slides. Apresentação em formato de PowerPoint, seguindo de forma flexível o trabalho n. 4018, preparada para Aula Magna na Universidade Federal Fluminense (dia 29/11, de 9 a 11h), a convite do Prof. Danilo Sorato. Divulgada na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/62644789/4023_A_diplomacia_brasileira_da_independencia_Apresentacao_2021_).
A diplomacia brasileira da independência: heranças e permanências
1. Introdução: a diplomacia e a política externa na independência do Brasil
2. O primeiro registro oficial da autonomia: o Arquivo Diplomático da Independência
3. Uma outra independência: uma história alternativa da construção do Estado
4. A Bacia do Prata e a Cisplatina: a primeira guerra do Brasil (herdada de Portugal)
5. A lamentável diplomacia do tráfico escravo: defendendo o indefensável
6. Conclusão: a diplomacia brasileira na construção do Estado
1. Introdução: a diplomacia e a política externa na independência do Brasil
Este ensaio, de caráter histórico e analítico, trata das questões internacionais afetando o Brasil desde quando suas relações exteriores estavam inseridas no contexto da diplomacia portuguesa do final do século XVIII e início do XIX, período caracterizado pelas guerras napoleônicas e suas consequências para os dois reinos ibéricos e suas colônias americanas. Ele se ocupa apenas dos temas mais importantes, como as relações regionais e o problema do tráfico e da escravidão, à exclusão, no entanto, das questões estritamente comerciais, bastante conhecidas e trabalhadas pela historiografia do período, com ampla bibliografia sobre a questão – desde Hipólito da Costa, passando por Oliveira Lima e chegando a Roberto Simonsen e Celso Furtado –, a partir dos tratados entre Portugal e Grã-Bretanha de 1810, cujos dispositivos foram prolongados na Independência até o início do Segundo Reinado. Essa primeira fase, está marcada pela abertura dos portos em 1808 e pelo tratado de comércio de 1810, que dá 15% de tarifas para Grã-Bretanha, alíquota inferior à do próprio Portugal. Os grandes temas da diplomacia econômica do Brasil no século XIX foram amplamente tratados pelo autor na obra Formação da Diplomacia Econômica no Brasil (2017).
A questão da historiografia brasileira sobre a independência sofre, desde muito tempo, praticamente desde o início do regime republicano, de alguns dos mesmos vieses interpretativos que Bolívar Lamounier acusou, recentemente, na segunda edição de seu livro sobre dois séculos de política brasileira, a propósito da historiografia política, no sentido de preservar certo “economicismo dogmático” que a tinha caracterizado desde os anos 1950:
A partir da Segunda Guerra Mundial, numerosos autores e praticamente todo o meio universitário puseram em relevo os efeitos da colonização portuguesa e nossas relações de dependência econômica em relação à Inglaterra e aos Estados Unidos, mas poucos deram a devida atenção à construção institucional da democracia representativa, cujo início remonta à Independência e à Constituição de 1824. (Lamounier, 2021, p. 12)
No caso da historiografia da independência – abstraindo-se a visão gloriosa do reino dos Braganças, criada pelo pai da historiografia brasileira, Francisco Adolfo de Varnhagen, de certa forma continuada por alguns dos seus seguidores, entre eles Hélio Vianna –, a interpretação que começa com Manoel Bonfim e que se prolonga em Caio Prado Jr., José Honório Rodrigues e em números outros pesquisadores universitários, tende justamente a enfatizar o peso da herança colonial portuguesa e da estrutura escravocrata-latifundiária e oligárquica que continuou impérvia na nação independente como uma espécie de “pé-de-chumbo” a moldar nossas instituições políticas e estruturas sociais, como se fossem algo equivalente a um “pecado original” do qual o Estado nascente não pudesse se libertar. É verdade que tanto os “efeitos da colonização portuguesa”, quanto “nossas relações de dependência econômica em relação à Inglaterra e aos Estados Unidos”, marcaram determinadas políticas ao longo do século XIX e do seguinte, mas é também verdade que as elites brasileiras, quaisquer que fossem, sempre detiveram ampla latitude de manobra para moldar o Estado e as instituições, desde o início, e nos ajustes constitucionais, golpes militares e outras crises políticas subsequentes.
O Brasil monárquico do século XIX, assim como o republicano do século XX é o resultado de arranjos no seio das elites e não um simples derivativo de séculos de estatuto colonial ou qualquer tipo de dominação estrangeira no período subsequente. O que se pretende neste ensaio é reler a historiografia da independência com vistas a colocar o foco nos problemas iniciais com que se defrontou nossa primeira diplomacia, a de uma nação que emergia, ainda na fase regencial do príncipe D. Pedro e, logo em seguida, no primeiro gabinete do Estado independente, nos dois casos dominada pela figura de José Bonifácio de Andrada e Silva, o virtual “primeiro-ministro” por breve tempo. No que se refere à construção da instituição diplomática, ao longo de quase dois séculos de funcionamento efetivo, cabe remeter, para a devida remissão às fontes oficiais, à pesquisa documental de Flávio Mendes de Oliveira Castro sobre a organização do Itamaraty (2009).
Sobre o estado a que chegamos no Estado esquizofrênico do capitão
Paulo Roberto de Almeida
A mediocridade subintelequitual, que é o traço fundamental da horda de novos bárbaros que tomaram o Estado de assalto, está largamente disseminada entre chefetes e aspones que servem ao desgoverno do capitão.
Não cabe esperar nada de inteligente da malta de quadrúpedes com DAS.
Vamos ter um trabalho duríssimo de restauração de padrões condignos na administração pública a partir de 2023.
O mais duro vai ser recompor um relacionamento correto com o estamento político, que aprofundou o patrimonialismo gangsterista desde a era do PT e sobretudo neste desgoverno dos novos bárbaros.
Ao lado dos programas de campanha para um governo normal, temos também de designar uma equipe para identificar e propor as medidas de correção desse desgoverno anormal.
Temos terra arrasada em diversos setores — educação e cultura em primeiro lugar —, mas também descontrole orçamentário e deterioração fiscal, que são os temas mais relevantes para a retomada de um processo de crescimento sustentado (e sustentável), com transformação produtiva, abertura econômica, liberalização comercial e distribuição social dos resultados do crescimento.
O primeiro passo para a reconstrução do país e a retomada da dignidade na nação consiste em afastar os “salvadores da pátria”, recusar o populismo demagógico dos mentirosos de sempre, e lutar pela união dos candidatos sensatos, humildes, não arrogantes, e dispostos e encontrar um consenso sobre uma plataforma mínima de medidas emergenciais na área econômica e social e de reformas estruturais nos setores macro e micro.
Já que estamos próximos do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922 (em fevereiro), permito-me reproduzir aqui o artigo que publiquei sibre o nosso “modernismo” no Estado da Arte em 2020:
Certamente! O historiador Felipe Fernandez-Armesto dedicou um livro inteiro — Idéias que mudaram o mundo (São Paulo: Arx, 2004) — às grandes ideias que mudaram o mundo, desde a mais remota Antiguidade até a mais recente modernidade.
Uma delas foi o “modernismo”, movimento cultural e artístico que emergiu lentamente a partir da belle époque, mas que se consolidou no imediato seguimento da Grande Guerra, a partir das novas formas de organização econômica e política que foram sendo moldadas com a industrialização e a urbanização das sociedades ocidentais. A Grande Guerra foi o evento cataclísmico e seminal que mudou irreversivelmente a face do mundo, mas que só foi chamada de Primeira retrospectivamente, depois que os desastres incomensuravelmente maiores do grande conflito de 1939-45 se acumularam justamente por causa das heranças não resolvidas daquele primeiro grande conflito global.
Modernismo foi também a designação que se convencionou atribuir ao movimento de ideias que realmente “movimentou” o Brasil desde essa época, tendo sido simbolizado, e consagrado, na Semana de Arte Moderna de fevereiro de 1922, o ano em que o Brasil estava se preparando para comemorar, alguns meses à frente o primeiro centenário da independência (o que realmente foi feito, por meio de uma exposição internacional). Esse “modernismo” brasileiro tomou impulso a partir de algumas ideias que já vinham sendo expostas desde mais de uma década antes pelo “futurismo” de Marinetti, um conjunto perfeitamente contraditório de ideias, pretensamente de avant-garde, que começou cultuando o industrialismo, a rapidez e a automação da segunda revolução industrial, mas que também se posicionou a favor das “virtudes eugênicas” das guerras. O manifesto de Marinetti, lançado em fevereiro de 1909, proclamava de modo provocador:
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Non v’è più bellezza se non nella lotta . . . Noi vogliamo glorificare la guerra — sola igiene del mondo — il militarismo, il patriottismo, il gesto distruttore dei libertari, le belle idee per cui si muore… (Filippo Marinetti: Manifesto del Futurismo)
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Se essa era a intenção, ele foi amplamente contemplado pela carnificina dos campos de batalha do norte da França, nos quais milhares de soldados morriam inutilmente em busca da conquista de algumas polegadas de terreno, se tanto. Várias dessas ideias acabaram desembocando no militarismo e no fascismo de Mussolini, com todos os horrores que daí decorreram para a Itália burguesa e parlamentarista que se tinha dificilmente construída a partir do “transformismo” dos líderes políticos da unificação de algumas décadas antes. Olhando da perspectiva dos horrores ainda maiores da Segunda Guerra — que vitimou o dobro dos 20 milhões de mortos da Primeira —, o fascismo de Mussolini constituiu uma espécie de bolchevismo elitista, mas que também se refletiria, poucos anos mais tarde, no nazi-fascismo de Hitler, que foi o suprassumo dos instintos mais primitivos de destruição de tudo o que não se enquadrasse nos moldes eugênicos da raça pura.
Cabe não esquecer que o eugenismo e a busca insana da raça pura do nazi-fascismo tomaram impulso em tendências que já estavam em evidência no pensamento dos racistas europeus do final do século XIX e início do XX, mas que assumiram importância igualmente nos Estados Unidos desde o pós-guerra civil, quando o racismo e o Apartheid segregacionista em prática nos estados do Sul (mas igualmente partilhado ao Norte) acabaram sendo confirmados pela Suprema Corte e “federalizados” pelo presidente Woodrow Wilson, considerado um idealista internacionalista, mas que que era também um notório racista da Virgínia. Tais concepções racistas foram, durante largo período da transição entre os dois séculos, consideradas perfeitamente adequadas ao conceito de superioridade ariana de Rosenberg, que por sua vez foi o influenciador de Hitler, nas suas “ reflexões de cadeia” que resultaram no Mein Kampf. O tema das ideologias racistas nos Estados Unidos já tinha sido abordado, muitos anos atrás, no livro do paleontologista Stephen Jay Gould, The Mismeasure of Man (New York: Norton, 1981), mas foi abordado de forma mais incisiva na obra mais recente de James Q. Whitman: Hitler’s American Model: The United States and the Making of the Nazi Race Law(Princeton: Princeton University Press, 2017).
Muitas dessas ideias, por sinal, se originaram em reflexões preliminares formuladas no Brasil por Gobineau, um “inimigo cordial do Brasil” segundo George Raeders (Le comte de Gobineau au Brésil, 1934). Este ministro de Napoleão III no Rio de Janeiro, amigo de Pedro II, tinha verdadeiro horror à degenerescência da raça exemplificada pelos mestiços brasileiros, que levariam o Brasil a ser um completo desastre no contexto das nações civilizadas (todas elas supostamente de loiros dolicocéfalos). Tais ideias, numa época de darwinismo social e de teorias eugênicas, acabaram desembocando nas teorias do “branqueamento da raça”, que tiveram muito sucesso no Brasil, dos anos 1870 até praticamente o final da Segunda Guerra, tal como analisado por Thomas Skidmore em Preto no Branco (Black into White: race and nationality in Brazilian Thought, 1974).
Esse encadeamento de ideias e de formulações “civilizatórias”, que partem de pressupostos ingênuos, aparentemente tendentes a “melhorar” a humanidade e as sociedades, geralmente redundam em verdadeiros desastres para povos antigos e civilizações inteiras. Os liberais ingleses do século XIX, por exemplo, não acreditavam que a democracia fosse “fitted for touaregs and bedouins”, justificando-se portanto o grande empreendimento imperialista e colonizador, à la Kipling, que levou o Reino Unido da era vitoriana a adquirir toda a Índia da Companhia das Índias Orientais britânica, e a conquistar metade da África, do Cairo ao Cabo.
Pouco depois, nesse mesmo impulso, o vigoroso novo presidente americano Theodore Roosevelt, proclamando o “Corolário Roosevelt” à doutrina Monroe, recomendava que se falasse macio, mas que se carregasse um “grande porrete”, supostamente para enquadrar povos recalcitrantes que ainda não estavam à altura das maneiras civilizadas dos anglo-saxões (esses “lazy” latinos e caribenhos, por exemplo).
Cabe não esquecer que mesmo um grande conhecedor do imperialismo britânico, como era o Barão do Rio Branco, não demorou muito para reconhecer a “independência” do Panamá, uma “costela” arrancada da Colômbia pelos novos imperialistas americanos, com vistas a apressar a construção do novo canal interoceânico, um pouco atrasada desde o desastre fraudulento da nova aventura de Lesseps, o construtor de Suez, que por sua vez havia entusiasmado Verdi na produção de Aída. As nações mais avançadas, e modernas, podem exibir os comportamentos mais bárbaros, em nome da disseminação do progresso e da defesa da civilização, nos recantos mais recuados do planeta. Ideias podem ser perfeitamente contraditórias e levar a resultados surpreendentes na segunda ou terceira geração desde a sua origem, e não apenas em nações aparentemente pouco propensas ao exercício da soberania.
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O grande movimento romântico alemão, que desempenhou um papel importante na conformação da luta pela unificação da Vaterland, conduzida por essa entidade mítica conhecida como das Volk, acabaria redundando na “metapolítica” dos wagnerianos que, fortalecida na música patriótica do grande mestre, e nos seus sentimentos perfeitamente antissemitas, se enquadraria, por sua vez, no caudal racista e supremacista do nazismo. O itinerário histórico dessa ideia apresentada por Peter Viereck em sua tese de doutoramento de 1941, transformada em livro sob o título de Metapolitics: from Wagner and the German Romantics to Hitler (edição ampliada: 2004). O termo metapolítica, tal como criado e usado pelos círculos wagnerianos que seriam mais tarde recuperados pelos seguidores de Hitler, denotava uma ideologia baseada na pseudociência da raça, na devoção ao Fuehrere na força inconsciente do povo, entre vários outros elementos, inclusive o antissemitismo, muito disseminado na Alemanha desde Lutero até os românticos do século XIX.
Por acaso, o mesmo termo “metapolítica” foi usado para designar um blog de combates políticos numa recente campanha presidencial, recheado de diversas outras inovações conceituais, como, por exemplo, a hipótese (ou seria uma “invenção) do nazismo como sendo um movimento “de esquerda”, o ataque furioso ao “globalismo”, essa trouvailledo “comunavirus” e outras bizarrices. Esses e outros exemplos de um tipo de pensamento, que possui incômodas relações com uma extrema direita bem mais violenta e exterminadora, podem ser encontrados aqui. Mais,passons…
Vamos voltar ao nosso modernismo de 100 anos atrás. Ele parecia prometer um futuro de vanguarda, mas por razões desconhecidas ele não parece ter refletido os horrores que tinham sido registrados poucos anos antes pela carnificina da Grande Guerra, que vitimou entre 15 e 20 milhões de vítimas, talvez pelo fato de que o Brasil praticamente não participou do teatro de guerra europeu. Quando os primeiros contingentes se aproximavam do velho continente o armistício de novembro de 1918 já estava sendo assinado. Mas o Brasil foi, sim, atingido pela pandemia universal da “gripe espanhola”, na verdade americana, que causou a morte de 50 a 100 milhões de pessoas, algumas dezenas de milhares no Brasil.
O modernismo no Brasil foi muito mais risonho e franco do que o furor belicista, militarista, expansionista, do pré-fascista Marinetti, a despeito de algumas críticas acerbas de um outro modernista instintivo como foi Monteiro Lobato, considerado por muitos, mas equivocadamente, como um “inimigo” da Semana de Arte Moderna.
Nosso modernismo não foi só antropofagia cultural, aquela herança de canibais autóctones deglutindo o infeliz bispo Sardinha, mas também tentando romper os cânones dos mais contemporâneos europeus. Ele também resultou na consciência do nosso atraso, agitou os jovens tenentes na luta contra a corrupção política e congregou os primeiros reformistas consequentes a se unirem em associações pela melhoria da educação de massas que, dez anos mais tarde, resultou no Manifesto dos Pioneiros da Educação, a primeira grande revolução das elites do Brasil pós-Abolição (que, aliás, permaneceu inacabada).
A Semana de Arte Moderna foi uma espécie de frenesi transformador, que agitou momentaneamente os corações e mentes da nossa République des Lettres, mas que depois hibernou na mesmice de Artur Bernardes e de Washington Luís, exasperando os jovens paulistas afoitos do novo partido “democrata”. Tudo bem: acabou confluindo para a Aliança Liberal que resolveu passar às vias de fato para liquidar de vez com a política “carcomida” da primeira República, nossa esperança jacobina, mas frustrada, de Revolução Burguesa que se transformou rapidamente em Ancien Régime.
Como se vê mais uma vez, ideias e movimentos são surpreendentes e contraditórios, podendo conduzir a resultados inesperados. Que algumas ideias estejam ou não em seu lugar, elas podem chegar ao Brasil com certo atraso, ou então sofrem de inadequação funcional. No ano do primeiro centenário da independência, a “república das letras e artes” queria fazer do Brasil um país moderno, embora sem dispor do apoio necessário entre os dirigentes políticos e, mais importante, dos donos do capital (rural e urbano, agrário e industrial), para levar a cabo aquele impulso decisivo para um futuro efetivamente moderno.
A Semana de Arte Moderna causou aquele “agito” temporário, coloriu telas provocadoras, inovou na composição visual e gráfica da nova literatura, na prosa e na poesia, mas parece ter feito “chabu” em pouco tempo mais. Tanto é assim que um dos seus patrocinadores mais exaltados, Mario de Andrade, reconhecia, alguns anos depois, no provocador poema “O Poeta Come Amendoim”, e de forma algo frustrada, que “progredir, progredimos um tiquinho, que o progresso também é uma fatalidade”.
A fatalidade, talvez não da forma esperada, acabou atingindo o Brasil alguns anos depois, sob as patas dos “cavalos castilhistas”, importados do Rio Grande do Sul e apeados no Obelisco do Rio de Janeiro”. O castilhismo é aquele movimento supostamente positivista do Homem que Inventou a Ditadura no Brasil(Decio Freitas, 1998), que fez com que um de seus discípulos, o timorato, mas maquiavélico Vargas, desse início a um “breve período de 15 anos”, que realmente transformou o Brasil (para o bem e para o mal). Os militares que se acomodaram no poder em 1964, para um “breve período de 21 anos”, todos eles se formaram nas academias militares da “era Vargas”, com algumas concepções “prussianas” de “ciência bélica” e várias outras concepções quase “nazistas” de “ciência econômica” (autarquia, nacionalização vertical) e até algumas pontas de “stalinismo industrial” (mas para os ricos tão somente).
O Brasil, como se vê, sempre foi fértil de ideias, e continua sendo, ainda que com aplicações nem sempre exitosas. Temos a capacidade de importas as ideias mais generosas, e as mais malucas, misturar tudo no liquidificador da academia e da política, e depois servir para o povo, como grandes símbolos da renovação do país. O humorista Millôr Fernandes, conhecido por muitas outras frases ferinas, dizia que quando as ideias ficavam muito velhas em outros lugares, elas se mudavam para o Brasil, o que é certamente uma injustiça (com as ideias, pois eles estão permanentemente em viagem).
A Semana de Arte Moderna de 1922 foi assim como uma Nova República avant la lettre, um grande impulso renovador que acaba sendo absorvido pelo realismo (e esperteza) da velha política corruptora (mas travestida de moderninha). Ela talvez tenha sido novamente ensaiada no Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores, em 1945, patrocinado pelo mesmo Mário de Andrade, no mesmo Teatro Municipal de São Paulo; seus resultados podem ter sido igualmente decepcionantes, uma vez que a República de 1946 oscilou continuamente entre o conservadorismo dos coronéis do PSD e o progressismo sindicalista (mas oficial) do PTB, ambos espicaçados pelo “modernismo golpista” da UDN. O mesmo ocorreu, sob outra roupagem, na Nova República de 1985, cujo entusiasmo renovador da “Constituição cidadã” foi oportunamente recuperada pela mão de ferro conservadora do Centrão, uma inovação na época, mas que se repetiu indefinidamente pelas três décadas seguintes. Foi assim que caímos no novo coronelismo eletrônico de um “curral eleitoral” perfeitamente retrógrado (porque populista e assistencialista), mas que está sempre sendo renovado sob rótulos pouco originais, mas atrativos (como, por exemplo, “Renda Brasil”, “Renda Cidadã”, whatever…).
Cem anos depois, o que restou da Semana de Arte Moderna, do modernismo brasileiro, da angústia então ressentida pelos modernistas quanto à necessidade de “jogar” definitivamente o país no futuro?
Por acaso, a consciência de que deveríamos estar comemorando o bicentenário da independência com um pouco mais de engajamento nas grandes reformas estruturais, como jamais o fizemos, mais de 130 anos depois da Abolição? Talvez engajando, finalmente, a revolução educacional prometida pelos “pioneiros” dos anos 1930, tentativamente retomada por alguns dos mesmos batalhadores no início dos anos 1960 — entre eles Anísio Teixeira e, sobretudo, Fernando Azevedo, mais Florestan Fernandes e outros —, mas frustrada de novo pelo movimento militar de abril de 1964, que cuidou bem mais da superestrutura da formação do que da educação de base, como deveria ser a prioridade? A “substituição de importação” operada no ensino superior, com a pós-graduação finalmente consolidada no país, conseguiu romper as deficiências de formação de professores de primeiro e segundo grau?
Todos os impulsos de crescimento levados a efeito desde um século atrás — na era Vargas, no otimismo dos “50 anos em 5” dos anos JK, no Brasil Grande Potência da era militar, no brevíssimo interlúdio modernizante dos regimes “liberais” de Collor e FHC, na retomada do crescimento empurrada pela demanda chinesa na primeira fase dos mandatos petistas — não lograram, ao fim e ao cabo, retirar o Brasil das misérias da pobreza, da concentração de renda, do racismo sub-reptício, da injustiça social, da má educação de massa, que sempre foram os objetivos mais ou menos explícitos de nossos “modernistas” de todos os tempos e matizes, de José Bonifácio a Hipólito, passando por Mauá e Nabuco, continuando com Rui Barbosa, e depois com Lobato, Roberto Simonsen, Roberto Campos, Celso Furtado e vários outros. Todos eles clamaram por reformas, e todos se chocaram contra o muro do imobilismo. Enquanto essa pequena tribo de sonhadores lutava pelo desenvolvimento do país, o que faziam suas classes dominantes e suas elites dirigentes? Certamente os aplaudiam, mas não se decidiam pelo difícil caminho das reformas, talvez com medo daquele sentimento de que uma vez empreendido esse itinerário, as “coisas” — isto é, os sindicatos anarquistas, o partido comunista, os inimigos da lei e da ordem — se precipitassem fora do seu controle.
Esta talvez seja uma das poucas certezas da história política e social do Brasil: entre o tráfico e trabalhadores livres, as elites ficaram com o primeiro, enquanto foi possível; entre a abolição do regime escravocrata e o livre acesso de imigrantes a terras do Estado, elas se mantiveram o mais possível no nefando sistema. Não estranha, assim que o sentimento de angustiante e prematuro “reformismo” da pequena tribo de “modernistas” avant la lettre não fosse unanimemente partilhado por todas as elites brasileiras, os grupos economicamente dominantes e os estratos politicamente dirigentes.
Ele não o foi desde a independência, quando Hipólito da Costa e José Bonifácio, nossos primeiros (dentre os pouquíssimos) estadistas, preconizavam a extinção imediata do tráfico negreiro e a eliminação gradual da escravidão africana. Mas essa história começou bem antes, continuou no Estado independente e se prolongou na República. O reformismo foi derrotado em 1789-92, na revolta dos alfaiates uma década depois, na segunda tentativa independentista em 1817, no próprio movimento “autonomista com continuidade”, em 1822-23, novamente em 1824, numa versão federalista e republicana, outra vez em 1842, em torno de alguns princípios liberais, e em várias outras oportunidades, inclusive em 1888, em 1889 e, finalmente, em 1922, mas apenas como ensaio de preparação. A Semana elitista foi seguida pelo início do movimento dos tenentes, na praia de Copacabana, prosseguiu nas revoltas de 1924 em diante, até culminar na “revolução burguesa” de 1930.
O Brasil oferece fartos exemplos de eventos, processos e movimentos que se enquadrariam perfeitamente nesses exercícios historiográficos do tipo do What If? (o que teria acontecido se…) Mas, curiosamente, a maior parte, ou a quase totalidade, é constituída por agitações elitistas, não exatamente movimentos de massa. Nem uma verdadeira revolução burguesa conseguimos ter, a despeito do esforço de Florestan Fernandes em tentar provar que ela só poderia assumir uma feição autocrática e subordinada ao latifúndio e ao imperialismo.
Antonio Paim, um dos nossos grandes pensadores, que começou na vida como marxista e que acabou se convertendo a um liberalismo lúcido (e, portanto, saudavelmente cético), já tentou um exercício passavelmente similar no seu livro sobre alguns do momentos decisivos na história do Brasil, mas não tenho certeza de que os momentos tenham sido aqueles ou de que as “escolhas” se apresentassem da maneira como ele o fez nessa obra e numa outra imediatamente seguinte, sobre as dificuldades de se reformar o Brasil (Momentos Decisivos da História do Brasil, 2000; O relativo atraso brasileiro e sua difícil superação, 2000).
Resumindo: cem anos depois da Semana “fatídica” de 1922, continuamos com o mesmo sentimento que tiveram os dois grandes estadistas de um século antes, que é o de oportunidades perdidas. Talvez será o mesmo sentimento a aflorar dentro em pouco, no bicentenário da independência: os “modernistas” sempre sonham um pouco mais alto do que a realidade das classes dominantes e das elites dirigentes o permite: as grandes reformas modernizantes tardam a se concretizar.
Esse sentimento deve ser similar ao dos abolicionistas frustrados de 132 anos atrás, ao dos jacobinos republicanos decepcionados com a primeira década de desastres a partir da inauguração do novo regime, ao dos idealistas do Diretas Já e das promessas não realizadas da Nova República, estes igualmente descontentes e provavelmente deprimidos pela voragem inflacionária e pelas revelações da gigantesca corrupção política que tivemos na maior parte do período recente. Quem sabe são os mesmos sentimentos que hoje continuam a angustiar os diversos movimentos que lutaram pelo mais recente impeachment — já tivemos vários, alguns disfarçados de outra coisa — e que mobilizaram muitos que foram às ruas por uma “nova política”, aquela que já deveria ter sido “ética”, segundo nos prometiam, mas que não foi, nem antes, nem depois, e muito menos agora.
Esse sentimento é uma mistura de déjà vu e de desesperança, quase uma desistência: o que exatamente teremos a comemorar em 2022? Pouco, muito pouco, quase nada. Será que vale a pena fazer uma Comissão Nacional para ouvir os mesmos discursos do poder?
Em 1922 havia certa sensação de que algo poderia ser feito, a despeito das frustrações com as primeiras três décadas da República: valia a pena tentar sermos “modernos”; era o que o mundo também tentava, apesar do terrível legado da Grande Guerra, com a Liga das Nações, o pacto de 1928 para evitar novas guerras, todas as conferências econômicas para tentar voltar ao padrão ouro da Belle Époque. Tudo se esvaneceu a partir de 1929, e sobretudo a partir de 1931, e só saímos do túnel quinze anos depois.
O que teremos em 2022, 37 anos após a inauguração de uma “Nova República” que já tinha envelhecido menos de dez anos depois de seu início? Existe algo a ser comemorado num bicentenário de retrocessos, de ignorância e de obscurantismo? De elogios a torturadores e de destruição do patrimônio natural? De subserviência a uma potência estrangeira, ou a um dirigente ainda mais ignaro e preconceituoso do que os velhacos arrogantes do passado?
Em 2020, ainda não temos respostas a essas perguntas, a essas dúvidas.
Por enquanto, só nos cabe retirar o ponto de interrogação do título de uma bela, mas triste conferência feita pelo embaixador Rubens Ricupero na Academia Brasileira de Letras: “Um futuro pior que o passado? Reflexões na antevéspera do bicentenário da Independência” (29/08/2019; disponível em formato de vídeo aqui). Foi uma grande e profunda reflexão sobre o modernismo que poderíamos ter tido, mas que não conseguimos mais ter, desde 1922, ou talvez desde o primeiro 22. No terceiro 22 será uma nova tentativa de avançar, ou teremos de nos conformar com mais um terrível retrocesso, antes de uma possível, mas incerta, “volta para o futuro”? Temos menos de dois anos para inverter essa nova marcha da insensatez.
O que deveria pautar o debate político na próxima campanha presidencial?
Paulo Roberto de Almeida
Existem pessoas que acham que seus preferidos não podem ser atacados, só os demais.
Pois eu acho que todos devem ser levados ao moedor analítico.
Salvadores da pátria pela pretensão, corruptos confirmados pelo que já fizeram, mas psicopatas certificados já estão excluídos de ofício.
Sobram os propositores: podem ser poucos, podem ser muitos, mas estes têm de passar também!
O moedor não pode ser apenas feito desses showzinhos da mídia televisiva nos quais os candidatos podem ser superficiais e mentir à vontade.
Tem de ser um escrutínio severo por parte de especialistas em cada área: o que pretende fazer? Quanto vai custar? De onde saem os recursos? Quem vai ser beneficiado? Quais são os efeitos sobre outros setores?
Em primeiro lugar alguém tem de dizer o que se pretende fazer para reparar o descalabro financeiro que está sendo deixado pelo desgoverno do capitão: violação do teto de gastos, desmonte da Lei de Responsabilidade Fiscal, estupro orçamentário legalizado…
Cabe identificar toda a deterioração institucional na máquina do Estado, a começar pela própria presidência, passando pelos órgãos de desinteligência, a PF, PGR, AGU e todos os demais.
Cabe reverter o terremoto ético que se abateu em todas as demais instâncias de poder, a destruição educacional pela ignorância fundamentalista dos seus responsáveis, o rebaixamento cultural dos mentecaptos do setor.
Vai ter de se reconstruir a imagem externa do país, depois de tanto descalabro perpetrado contra padrões aceitáveis de postura diplomática no plano global.
É preciso reinserir o país no comércio internacional e voltar a ser uma economia atrativa para fluxos continuos de investimentos estrangeiros diretos.
Numa palavra: os pretendentes precisam dizer o que pretendem fazer para reconstruir o país no plano institucional e para restaurar a nação no plano moral.
Menos do que isso não passa no meu moedor analítico…