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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

A desimportância da cúpula da democracia - Paulo Roberto de Almeida e Mariana Sanches (BBC-Brasil)

 Transcrevo novamente postagem de 3 dias atrás:


terça-feira, 7 de dezembro de 2021

O que o Brasil fará, ou falará, na Cúpula da Democracia? (e isso tem alguma importância?) - Mariana Sanches (BBC-Brasil, Washington)

Essa cúpula não tem NENHUMA IMPORTÂNCIA, a não ser demonstrar, mais uma vez, a atual postura do governo americano: não apenas o distanciamento em relação a duas outras grandes potências mundiais – China e Rússia – como uma tentativa de liderança de supostos aliados para tentar conter esses supostos adversários. Daí o boicote ao convite para participar da "cúpula da democracia" – o que parece normal, mas a China já respondeu com o seu documento "democrático" –, mas também o boicote dos EUA em participar dos Jogos Olímpicos de Inverno, em Beijing, em 2022, o que parece pueril, e até inútil.

Infelizmente, o mundo continuará perdendo tempo com bobagens desse tipo, em lugar de uma real coordenação de esforços em temas que são realmente relevantes: paz, segurança, bem-estar e prosperidade dos países menos desenvolvidos...

PAULO ROBERTO DE Almeida 


O que dirá Bolsonaro em cúpula pró-democracia de Biden
c - @mariana_sanches
Da BBC News Brasil em Washington
7/12/2021

A menos de um mês do primeiro aniversário da invasão do Congresso dos Estados Unidos de 6 de janeiro de 2020, os americanos serão os anfitriões de um encontro de líderes de 110 países cujo o tema principal é a democracia.

O evento tem um duplo caráter. Primeiro, quer mostrar que os EUA continuam se considerando um farol para o mundo democrático, a despeito das cenas protagonizadas por apoiadores do então presidente Donald Trump que tentaram interromper a certificação do democrata Joe Biden como novo presidente dos EUA.

Segundo, quer tentar fomentar compromissos de aliados em relação à democracia - em baixa ao redor do mundo - e se aproximar de alguns países, ao mesmo tempo em que fustiga outros, especialmente as nações autocráticas China e Rússia.

"Biden identificou um declínio na percepção das pessoas em relação à democracia como um regime que pode entregar soluções para a vida delas, especialmente na economia, na pandemia", afirmou à BBC News Brasil o ex-subsecretário do Departamento de Estado para o Hemisfério Ocidental Thomas Shannon, que comandou a embaixada no Brasil entre 2010 e 2013.

Shannon nota, no entanto, que a motivação para o encontro não se limita a esse diagnóstico global. "Não é só isso. A cúpula serve para refletir a mudança no cenário internacional de que o governo fala, mas também para pensar o que está acontecendo dentro do próprio Estados Unidos. E de certa forma o governo está projetando suas preocupações com a própria política americana em um ambiente global", afirma Shannon, relembrando o ataque ao Congresso.

Nesse cenário, um dos convidados para o evento se prepara para fazer uma defesa que toca, ao menos indiretamente, no trauma dos anfitriões. O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, deve usar o espaço como uma oportunidade para defender a liberdade de expressão de modo absoluto, especialmente nas redes sociais.

O tema ganhou força como uma bandeira do governo brasileiro justamente depois que o então presidente americano Donald Trump acabou banido permanentemente ou suspenso por longo período das redes sociais, na esteira da invasão do Capitólio.

As plataformas consideraram que, naquele dia 6 de janeiro, em vez de ordenar que seus seguidores interrompessem qualquer ato de violência, Trump encorajou a ação deles contra o Capitólio ao insistir, sem provas, no discurso de que a eleição presidencial havia sido fraudada.

De dentro da Casa Branca, enquanto as cenas de depredação do Congresso corriam o mundo em tempo real, Trump dizia que "estas são as coisas e eventos que acontecem quando uma sagrada e esmagadora vitória eleitoral é arrancada tão sem cerimônias e de modo cruel de grandes patriotas que foram mal e injustamente tratados por tanto tempo".

O banimento das redes lhe tirou seu gigantesco megafone político: Trump falava diretamente a quase 90 milhões de seguidores apenas no Twitter e usava as redes não apenas para campanha, como para governar.

Com estilo, estratégia e pendor ideológico semelhantes aos de Trump, Bolsonaro tomou o episódio vivido pelo americano como lição e, no Brasil, tentou mudar o marco regulatório da internet.

Domesticamente, decisões do Supremo Tribunal Federal também têm imposto derrota a seus apoiadores, como o criador da página Terça Livre, Allan do Santos, que teve a página extinta por divulgar notícias falsas.

O próprio Bolsonaro teve uma live derrubada das plataformas depois de associar, erradamente, a vacina de Covid-19 e a ocorrência de Aids. Para tentar evitar ser alvo do que aconteceu a Trump, em setembro, Bolsonaro assinou uma Medida Provisória (MP) que vedava que empresas como Google, Facebook e Twitter deletassem contas ou conteúdos que espalhem desinformação na internet, inclusive sobre o processo eleitoral. A MP acabou devolvida ao Planalto pelo Senado e perdeu validade.

Mas isso não diminuiu o interesse de Bolsonaro no tema. Seus auxiliares mantêm estreita relação com aliados de Trump, como Jason Miller, que dirige uma rede social que promete ser espaço livre para o discurso da direita global. Bolsonaro levou o assunto ao plenário da ONU, em setembro, e agora deverá novamente fazer uma defesa internacional do caso nos EUA - sem, no entanto, fazer qualquer menção ao nome de Trump ou a seu caso específico.

O que mais Bolsonaro dirá?
Apesar disso, e do histórico de declarações de Bolsonaro, que um embaixador brasileiro classificou reservadamente como "incompatíveis com o posto de chefe de Estado", existe a expectativa no Itamaraty de que Bolsonaro não atraia polêmicas para si mesmo.

Isso porque o presidente moderou o tom sobre as eleições brasileiras recentemente. Se em agosto passado, durante visita de enviados do mandatário americano Biden a Brasília, Bolsonaro fez afirmações públicas de que o sistema eleitoral brasileiro não seria seguro, em novembro, afirmou que esse "é um assunto encerrado. Passamos a acreditar no voto eletrônico".

Além disso, de acordo com a percepção dos diplomatas brasileiros, a pauta da democracia não parece estar na ordem do dia da campanha eleitoral do presidente, que concorre à reeleição em 2022, e por isso mesmo teria baixo potencial de ser explorado em redes.

Essa será a segunda cúpula proposta por Biden a que Bolsonaro participa. Na primeira, sobre o clima, sua participação foi considerada moderada. Agora, o Itamaraty aposta que ele tenderá a seguir mais o roteiro montado pelos diplomatas do que fez no discurso nas Nações Unidas, em setembro, um evento caro a seus seguidores.

O presidente brasileiro terá apenas 3 minutos para falar, em uma mensagem previamente gravada - portanto, sem chance de improvisos. De acordo com pessoas que viram o rascunho do discurso, ele dirá que o Brasil é uma "democracia plena" em todos os aspectos, com eleições livres, independência entre Poderes e imprensa atuante.

Não deverá haver pressão dos americanos por qualquer tipo de compromisso específico do Brasil.

"Será uma discussão muito franca sobre alguns dos desafios que enfrentamos. Aqui nos Estados Unidos temos nossos próprios desafios à democracia, e queremos olhar para o trabalho e fazer compromissos sobre o caminho a seguir. Acho que é uma oportunidade para o Brasil. As instituições brasileiras enfrentaram desafios ao longo do tempo e demonstraram sua robustez. Mas acho que sempre podemos ter uma conversa sobre como cada uma de nossas democracias pode ser melhor", afirmou Juan Gonzalez, chefe da Casa Branca para Assuntos de América Latina, sobre o encontro.

Embora fale em conversa franca, diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que o formato virtual da Cúpula deve permitir pouca ou nenhuma interação entre os líderes e, portanto, ter poucos efeitos práticos.

Há a previsão de uma discussão virtual em tempo real, mas a participação dos líderes é voluntária e há dúvidas sobre como essa reunião transcorreria. Bolsonaro não deve participar dessa parte da cúpula.

É também improvável que, com mais de uma centena de países participantes, o evento termine com alguma lista de compromissos democráticos que todos os líderes aceitem assumir.

"Infelizmente, a cúpula parece estar se transformando em nada mais do que uma boa oportunidade para posar para fotografia. Não vejo uma agenda profunda em jogo aqui. Lamentavelmente, acho que se fosse um formato presencial, haveria uma chance de as delegações se verem forçadas a reuniões paralelas das quais poderiam sair questões mais relevantes", afirma Ryan Berg, especialista em América Latina do centro de estudos Center for Strategic and International Studies, em Washington.

Por que o Brasil foi convidado?
A lista de mais de cem convidados dos americanos também foi alvo de discussões e controvérsias. Em um gesto interpretado por Pequim como provocação, Biden convidou Taiwan para o encontro, que a China não reconhece como independente. Há alguns dias, a diplomacia chinesa lançou um documento intitulado "China: uma democracia que funciona", na qual defende que o país é mais democrático que os Estados Unidos por responder melhor aos desejos de seu povo.

Para a audiência americana, o convite ao Brasil foi incluído como polêmico. A ABC News escreveu que "algumas escolhas controversas do governo, devido aos flertes com o autoritarismo - ou pelo menos ao distanciamento de valores democráticos - incluem Brasil, Índia, Filipinas, Polônia e Sérvia".

Questionado sobre o tema, Gonzalez defendeu a presença brasileira na lista de Biden. "Acho que o Brasil definitivamente precisa ter um assento à mesa porque, se você olhar para a trajetória da democracia brasileira, acho que as instituições democráticas brasileiras têm muito a ensinar ao mundo sobre a democracia", afirmou o assessor da Casa Branca.

Para o embaixador Sérgio Amaral, que comandou a embaixada brasileira em Washington entre 2016 e 2019 e é conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), diplomaticamente falando, nem os EUA poderiam recusar um convite ao Brasil, nem o Brasil poderia negar sua participação.

Para ele, "apesar de todas as ameaças às instituições, elas seguem resistindo, temos uma imprensa atuante e teremos, ao que tudo indica, eleições livres no ano que vem", o que credenciaria o Brasil como democracia plena.

Segundo Amaral, há "uma postura mais esclarecida do chanceler (Carlos) França, em relação aos anos de trevas do período anterior (de Ernesto Araújo). O problema não é o que o Brasil está dizendo, porque isso sem dúvida melhorou, mas o que o Brasil está fazendo".

Ele cita especificamente o descompasso entre as promessas ambientais brasileiras na recente Conferência do Clima, a COP-26, e os números de desmatamentos divulgados pelo Brasil dias após o evento que mostravam o pior acumulado em 12 meses na devastação florestal no governo Bolsonaro.

A BBC News Brasil apurou que os americanos, que demonstraram entusiasmo público com o Brasil na COP-26, fizeram perguntas sobre os dados de desmatamento após a divulgação e demonstraram desconforto.

"É constrangedor para o Brasil ter esses números aparecendo. Eles os esconderam durante a COP? Suponho que o Brasil não esteja feliz com o fato de ter andado mais um pouco para trás na Amazônia. Não me soa estranho que o governo não venha (a público) dizer: 'Oh, as coisas estão terríveis'. Os governos normalmente não fazem isso. Mas o fato é que os números estão aí e esse vai continuar a ser um problema do Brasil com os Estados Unidos e a Europa", afirma o embaixador americano Melvyn Levtisky, que comandou a embaixada dos EUA no Brasil entre 1994 e 1998 e hoje é professor de relações internacionais na Universidade de Michigan.

Prioridade no governo Biden, a questão climática deve ser apenas lateralmente tratada no encontro sobre a democracia, que acontece nos dia 9 e 10 de dezembro. A pauta ambiental foi assunto central na primeira cúpula organizada pela gestão, em abril.

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59555926


quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Morte do ex-presidente João Goulart completa 45 anos - Entrevista concedida por Paulo Roberto de Almeida (Agência Radio Web)

O jornalista da Agência Radio Web, Diego Cigales, me pegou de surpresa, para falar, de improviso, sobre a trajetória política do ex-presidente João Goulart.

Paulo Roberto de Almeida

Morte do ex-presidente João Goulart completa 45 anos

Agência Radio Web
Entrevista 

A edição de número 28 do Estação História recorda o presidente do Brasil entre os anos de 1961 e 1964. No dia 6 de dezembro de 2021 completaram-se 45 anos da morte de João Goulart.

O escritor e diplomata Paulo Roberto Almeida repassou, em entrevista ao Estação História, momentos destacados da trajetória do ex-presidente brasileiro. Almeida também é professor de Relações Institucionais do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC) e de Economia Política, Políticas Públicas e Política Internacional do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), além de ex-diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI).


quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

A Democracia que Queremos – Como Controlar o Poder (duas afirmações impossíveis) - Insper-SP

Essas coisas impossíveis...

Para discutir as perspectivas da democracia brasileira, o Insper, em parceria com o PNBE – Pensamento Nacional das Bases Empresariais, promove o ciclo de debates A Democracia que Queremos.

A série reúne acadêmicos, políticos e personalidades públicas para uma reflexão sobre o atual sistema democrático brasileiro, seus pontos fortes e fragilidades, e alternativas para o seu aperfeiçoamento.

O terceiro e último encontro será no dia 14 de dezembro, no auditório do Insper, com vagas limitadas para ser assistido presencialmente. O evento também terá transmissão no canal da escola pelo YouTube e redes sociais.

Participe!

Informações

Data: 14/12/2021 

Horário: 14h00 

Local: Auditório Steffi e Max Perlman 

Entrada: Rua Quatá, 300 - Vila Olímpia. CEP: 04546-042 São Paulo – SP 

Estacionamento: Netpark - Entrada pela Rua Uberabinha, s/no. 

Programação

Abertura

Diego Werneck, professor do Insper e co-diretor da Seção Brasileira da International Society of Public Law (ICON-S)

A saúde na representação política

Lucas Novaes, cientista político, professor do Insper

Regulando a liberdade de expressão

Ivar Hartmann, professor do Insper e coordenador executivo da Revista Direitos Fundamentais e Justiça (Qualis A2)

Quem vigia os vigias?

Sandro Cabral, professor e coordenador do Mestrado em Políticas Públicas do Insper

Debate
Participação de Aline Midlej, jornalista e apresentadora da Globo News, e Eugênio Bucci, jornalista, professor da Universidade de São Paulo, colunista do jornal Estadão

Bate-papo com Carla Camurati, cineasta, diretora do longa-metragem Oito Presidentes | 1 Juramento – a história de um tempo presente

Moderação

André Lahóz Mendonça de Barros, coordenador executivo de Marketing e Conhecimento do Insper, e Luis Villaça Meyer, coordenador executivo do PNBE e presidente do Instituto Cordial.


A diplomacia brasileira da independência: webinar com Carlos Henrique Cardim, Paulo Roberto de Almeida e José Theodoro Menck (IHG-DF)

 Terei o prazer de dialogar com meu colega e caro amigo embaixador Carlos Henrique Cardim, ademais do vice-presidente do IHG-DF José Theodoro Menck, em mais um evento da série sobre o bicentenário do Instituto Histórico e Geográfico do DF, do qual sou editor de publicações.

Independência em perspectiva: a diplomacia


Elaborei recentemente um ensaio sobre a diplomacia da independência: “A diplomacia brasileira da independência: heranças e permanências”, que serviu de base a uma Aula Magna na Universidade Federal Fluminense, com uma apresentação em Power Point voltada para a bibliografia pertinente.

Disponível na plataforma Academia.edu

link: https://www.academia.edu/62641768/4018_A_diplomacia_brasileira_da_independencia_heranças_e_permanencias_2021_

 anunciado no blog Diplomatizzando 

link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/11/a-diplomacia-brasileira-da_28.html


Bolsonaro está sem sorte no plano da política externa: sua diplomacia está em frangalhos (a despeito do Itamaraty) - matérias de imprensa

 


Bastidores: Alemanha se soma à França como dor de cabeça para diplomacia bolsonarista

Diplomatas preveem tensão com novo novo governo alemão e reclamam de embaixador em Brasília
 
Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo
08 de dezembro de 2021 | 15h00

BRASÍLIA - A França, de Emmanuel Macron, não está mais sozinha. Com a posse do novo chanceler Olaf Scholz nesta quarta-feira, 8, a Alemanha se junta à condição de alvo internacional da ira bolsonarista. O motivo da insatisfação contra Paris, que agora já se estende a Berlim, é o tom das cobranças europeias ao governo Jair Bolsonaro, por causa da destruição ambiental na Amazônia.

Em Brasília e em Berlim, a expectativa diplomática é que o novo governo alemão aumente a pressão sobre Bolsonaro. Ouvidos reservadamente pelo Estadão, embaixadores dos dois países dizem que a situação tende a "piorar".

A maior economia europeia vai ser governada por uma coalização à esquerda, se comparada com a da democrata-cristã Angela Merkel, que ficou 16 anos no poder como chanceler. O bloco que compõe o governo é formado por social-democratas, liberais e verdes. A coalizão foi apelidada de "semáforo", pela ordem das cores dos partidos - vermelho, amarelo e verde. Olaf Scholz já compunha a gestão de Merkel como vice-chanceler e ministro das Finanças.

Um problema foi acrescido após a COP 26, em Glasgow, na Escócia. A delegação brasileira chefiada pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, deixou de apresentar os dados mais recentes de desmatamento na Amazônia, um recorde de 13 mil km² devastados, e assegurou que o cenário seria positivo. Nos bastidores, diplomatas brasileiros reconhecem que a credibilidade foi prejudicada e que seus pares estrangeiros saíram com a percepção de que foram enganados.

Berlim, assim como parte das capitais da União Europeia, entende que a confiança em Bolsonaro foi perdida. Não por outro motivo, o embaixador alemão em Brasília, Heiko Thoms, disse ao Estadão que os compromissos anunciados pelo Brasil na Cúpula do Clima eram só palavras e manifestou descrédito na capacidade de o governo cumprir a meta de zerar o desmatamento ilegal até 2028. Ele negou a possibilidade de o país retomar contribuições ao Fundo Amazônia.

O embaixador e sua equipe têm manifestado em conversas preocupações com direitos humanos, ameaças à liberdade de imprensa e às instituições democráticas e com o desmantelamento de órgãos ambientais brasileiros. Para eles, o governo Bolsonaro não percebeu que a pauta climática virou preocupação de toda a sociedade alemã e se vê refletida no espectro político mais amplo, à exceção da extrema-direita. As eleições internas ocorreram meses após enchentes históricas que provocaram quase 200 mortes na Alemanha.

O tom mais duro do diplomata alemão acendeu o sinal amarelo no Itamaraty. Dois embaixadores ligados à cúpula do Ministério das Relações Exteriores (MRE) manifestaram restrições ao novo comportamento de Thoms. Por enquanto, as respostas públicas serão dadas por ministros do primeiro escalão bolsonarista, como virou costume.

Um diplomata ligado à área econômica disse que o embaixador alemão vestiu a camisa do novo governo antecipadamente para "mostrar serviço" a Berlim, deixando em segundo plano relações de mais longo prazo que norteiam as duas diplomacias. O outro, responsável pela agenda de meio ambiente, afirmou que as críticas de Thoms eram uma atitude inadequada diplomaticamente e que ele deveria optar por canais formais junto ao MRE. "Imagine se nosso embaixador em Berlim (Roberto Jaguaribe) comentasse assuntos domésticos deles… Não cabe", protestou.

Apesar das reclamações com a eloquência de Thoms, o tom deve escalar alguns níveis acima, e o embaixador certamente tem respaldo superior.  A nova ministra das Relações Exteriores será a advogada Annalena Baerbock, de 40 anos, ex-candidata a chanceler e uma das líderes do Partido Verde. Ela é uma política ecologista, ex-atleta e crítica do presidente Bolsonaro, favorável a movimentos de pressão global sobre a Amazônia, que podem impactar o comércio.

Outro líder do partido, Robert Habeck, vai chefiar o novo ministério do Clima e da Economia. Também ficaram com os verdes as pastas de Agricultura e do Meio Ambiente.

Do outro lado da fronteira, a França vai passar por eleições nacionais no ano que vem, depois de os verdes assumirem mais protagonismo nas municipais de 2020, o que joga pressão para a reeleição de Macron como presidente. Os franceses também irão assumir a presidência de turno do Conselho da União Europeia, o que pode deixar ainda mais longe progressos no acordo comercial com o Mercosul.

Posse de Scholz encerra Era Merkel
A posse do líder social-democrata Olaf Scholz nesta quarta-feira, 8, pôs fim a um dos capítulos mais importantes da história contemporânea da Alemanha: os 16 anos de Angela Merkel como dirigente da maior economia da zona do euro. Primeira mulher a governar o país, Merkel deixou o cargo após 5.860 dias, apenas nove a menos do que seu mentor, o ex-chanceler Helmut Kohl.

Aos 63 anos, Scholz foi escolhido como novo chanceler pelo Parlamento alemão nesta quarta, após conquistar 395 votos dos 736 possíveis na atual composição do Bundestag. A eleição era certa após a coligação com os Verdes (que conquistaram 118 cadeiras na eleição de setembro) e com os liberais (92 cadeiras) ser anunciada na terça-feira, 7.

Scholz respondeu "sim" à presidente do Parlamento, Bärbel Bas, ao ser questionado se aceitava o resultado da votação, e recebeu  o documento que oficializa sua nomeação e marca o início de seu mandato do presidente Frank-Walter Steinmeier. Ele prestou juramento, ao lado dos seus ministros, diante dos deputados e leu o artigo 56 da Lei Fundamental, no qual promete "dedicar suas forças ao bem do povo alemão".

Merkel também esteve presente na votação e recebeu muitos aplausos em sua despedida. Nas últimas semanas, a agora ex-chanceler recebeu várias homenagens, reconhecendo importantes avanços de seu governo e o papel central que desempenhou como liderança na União Europeia.

"Angela Merkel foi uma chanceler que teve êxito", elogiou Scholz recentemente, ao homenagear uma governante que "permaneceu fiel a ela mesma durante 16 anos marcados por várias mudanças"./ Com informações da AFP

https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,bastidores-alemanha-se-soma-a-franca-como-dor-de-cabeca-para-diplomacia-bolsonarista,70003920390


"Brasil deve esperar cobranças mais duras da Alemanha", diz professor da Universidade de Berlim

Novo governo alemão promete mais proteção ao clima. Má notícia para Bolsonaro, avalia professor Sérgio Costa

Cristiane Ramalho DW
08 de Dezembro de 2021 às 13:35

Professor da Universidade Livre de Berlim, e observador da política alemã há mais de 20 anos, o sociólogo Sérgio Costa aposta que a mudança de governo na Alemanha terá impacto direto sobre o Brasil, tanto nas relações diplomáticas quanto comerciais: "O Brasil deve ganhar mais espaço na agenda política alemã - mas com sinal negativo. Não como aliado de primeira instância, mas como um dos governos com os quais é difícil trabalhar."

Três ministérios que interessam diretamente ao Brasil passarão para as mãos do Partido Verde: Economia e Clima; Meio Ambiente; e Relações Exteriores. O novo governo promete uma política externa voltada para a defesa do meio ambiente e das minorias. A pressão sobre o governo brasileiro vai aumentar: "Haverá um endurecimento nas relações", avalia Costa.

O novo enfoque no combate às mudanças climáticas pode levar, por exemplo, a restrições à importação de produtos que contribuam para o aumento do efeito estufa, como a carne e a soja - inclusive do Brasil.

Em relação ao acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia (UE), as perspectivas também não são boas. "As coordenadas já não são favoráveis, e agora pode ter uma reviravolta", diz Costa. Pelo menos, enquanto o atual governo estiver no poder: "O grande fantasma para o acordo entre a UE e o Mercosul se chama Bolsonaro."

Já o Ministério para a Cooperação e Desenvolvimento, responsável pelo Fundo Amazônia, ficará com os social-democratas do SPD – o que também deve evidenciar ainda mais as diferenças em relação ao governo Bolsonaro, segundo o professor.

Também diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos, em Berlim, Costa lembra que SPD, verdes e liberais se comprometeram ainda a apoiar os movimentos sociais "que defendem a democracia" e a "fortalecer as lutas contra populistas e autocratas" na América Latina e Caribe. O que pode ser uma boa notícia para organizações que trabalham com os mesmos valores na região.

Com 20 livros publicados como autor ou coeditor, o sociólogo diz que não só a Alemanha vai mudar, mas também a União Europeia - que passará a ter papel mais pronunciado na proteção do clima e do meio ambiente: "Esta passa a ser uma agenda europeia."

Nesta quarta-feira, o Parlamento alemão confirmou o nome de Olaf Scholz como novo chanceler federal, colocando fim à era Merkel. É a primeira vez que o país sera governado por numa coalizão formada por social-democratas, verdes e liberais.

DW Brasil: Como o Brasil será visto pela nova coalizão de governo nessa era pós-Merkel que se inicia?

Sérgio Costa: O Brasil deve ganhar mais espaço na agenda política alemã – mas com sinal negativo. Não como um aliado de primeira instância, mas como um dos governos com os quais é difícil trabalhar.

Com a nova coalizão, teremos partidos que são muito mais programáticos do que a CDU (União Democrata Cristã, de Angela Merkel) – especialmente o Partido Verde. Devemos esperar, portanto, mudanças tanto nas relações diplomáticas quanto nas relações comerciais entre o Brasil e a Alemanha.

O ministério das Relações Exteriores – uma pasta que interessa diretamente ao Brasil – ficou justamente com o Partido Verde. Haverá um endurecimento nas relações bilaterais?

Com a copresidente do Partido Verde (Annalena Baerbock) à frente do Ministério das Relações Exteriores, haverá uma linha geral de política externa que enfatize o multilateralismo, e o fortalecimento dos direitos humanos e de minorias, tais como indígenas, negros, mulheres e LGBTQ, e uma posição muito clara em relação a temas de meio ambiente e clima, no sentido da mudança climática.

E o Partido Verde não estará sozinho. Esses itens são uma pauta importante também para os social-democratas e os liberais. Em todos esses campos, haverá realmente um endurecimento nas relações com o Brasil.

Os verdes vão assumir ainda dois ministérios que também dizem respeito ao Brasil: o de Meio Ambiente e o superministério de Economia e Clima. Como isso deve afetar as relações entre o governo alemão e o governo Bolsonaro, em meio a recordes de desmatamento na Amazônia?

É de se esperar cobranças mais duras do governo brasileiro. Com o novo enfoque no clima pode haver, por exemplo, mais controle sobre as emissões de gases do efeito estufa na cadeia produtiva – o que pode levar a restrições na importação de produtos do Brasil, como a carne, e também a própria soja, na medida em que fique configurada a correlação entre o desmatamento e a expansão da soja.

Mesmo que o governo brasileiro tente negar, essa relação é óbvia. Tudo vai depender da capacidade do partido Verde de impor os seus valores na disputa interna de poder entre os diferentes ministérios. [Continua após o vídeo.]

O Partido Liberal Democrático, que assumirá a pasta das Finanças no novo governo, não poderá frear essa pressão em nome dos interesses comerciais da Alemanha – que tem no Brasil seu maior parceiro na América do Sul?

Nós vamos ver um jogo de forças. O novo ministro das Finanças, Christian Lindner, é a favor da liberdade completa da economia. E o partido liberal é, por definição, muito favorável aos atores econômicos. Em que medida esses interesses poderão ser contrariados para atender aos interesses do respeito ao meio ambiente e das minorias, e à contenção da mudança climática, para que lado vai pender a balança entre essas duas forças, é algo que ainda está em aberto.

Mas os liberais ratificaram, no acordo de coalizão, a proposta de fortalecimento das sociedades na luta contra o populismo, os movimentos autoritários e as ditaduras na América Latina. Nesse aspecto, pelo menos, eles não estão afinados?

Com certeza. Ainda que possa haver diferenças em relação à economia, no que diz respeito à proteção da democracia e das liberdades individuais, como na manifestação da sexualidade, o Partido Liberal é tão rigoroso e intransigente quanto os social-democratas e os verdes.

Nesse sentido, eles têm nos liberais um aliado muito forte. E a parte que se refere à América Latina e ao Caribe diz claramente que uma das prioridades é apoiar os movimentos sociais que defendem a democracia, e fortalecer as lutas contra populistas ou autocratas nessa região. Isso indica que o novo governo irá incentivar movimentos que trabalhem com os mesmos valores que ele, buscando alianças. E isso pode ter consequências, obviamente, em relação ao Brasil. Sob esse ponto de vista, pode ser esperar uma clareza maior do que nos governos comandados por Merkel.

::Análise | O fim da Era Merkel e a volta da centro-esquerda ao poder na Alemanha: e agora?::

O acordo de coalizão condiciona o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia a compromissos vinculantes nas áreas de meio ambiente e direitos humanos. Haverá impacto sobre a ratificação desse acordo?

Sim, as coordenadas já não são favoráveis, e agora pode haver uma reviravolta. Não existe a menor dúvida de que o grande fantasma – mesmo que não seja mencionado o nome dele – para o acordo entre a União Europeia (UE) e o Mercosul se chama Bolsonaro.

O medo do que Bolsonaro significa em termos de clima, direitos humanos e democracia é que impede esse acordo de já estar completamente consolidado e assinado. É de se esperar que a nova coalizão seja ainda mais intransigente na exigência de compromissos com relação à proteção do meio ambiente e dos direitos humanos. Não só a Alemanha vai mudar, como a UE deve ter um papel mais pronunciado em relação à proteção do clima e ao meio ambiente. Com a influência da Alemanha, essa passa a ser uma agenda europeia.

O Ministério para Cooperação e Desenvolvimento, responsável pelo Fundo Amazônia, vai passar para as mãos dos social-democratas. As diferenças em relação ao governo Bolsonaro devem se aprofundar ainda mais?

Sem dúvida. Simbolicamente, esse é um ministério muito importante. Ele tem capilaridade e penetração social, e atinge desde instituições de caridade até ONGs, inclusive na região Amazônica. Nele se define qual o desenvolvimento que se quer promover e cofinanciar.

E é claramente o desenvolvimento sustentável, não só socialmente, mas também ambientalmente. A discussão sobre o Fundo Amazônia estava nas mãos do partido CSU (União Social Cristã, conservadora), que detinha o ministério, e endureceu a relação a ponto de cortar esses recursos.

Duas pautas frequentes das negociações com o Brasil eram a proteção do meio ambiente e de minorias - sobretudo da população indígena. Mas sempre houve um cuidado de não provocar rupturas. Sob a regência do partido social-democrata essas exigências devem ser ainda mais enfáticas, com programas de cooperação e transferência de recursos sendo usados para pressionar o governo brasileiro.

Um novo governo na Alemanha seria capaz de influenciar, de alguma forma, as eleições no Brasil em 2022, levando em conta a antiga relação entre os social-democratas, que estarão no poder, e Luiz Inácio Lula da Silva, que hoje desponta como favorito?

Não acredito que a política externa possa ter uma importância tão grande nas eleições do Brasil, um país continental onde os eleitores se preocupam pouco com a política externa. Nas últimas eleições, a Venezuela ganhou importância. Mas era muito mais porque as pessoas temiam que o Brasil se tornasse uma Venezuela.

Episódios recentes, porém, dão uma boa medida das relações entre Brasil e Alemanha hoje. Por exemplo, a liderança de um partido de extrema-direita, a AfD, foi recebida no Brasil por Bolsonaro. Este é um partido marginal na política alemã. Nenhum ator democrático aceita qualquer cooperação com a AfD na Alemanha e na Europa.

Ao mesmo tempo, Lula foi recebido pelo futuro chanceler federal (Olaf Scholz) quando veio à Europa. Isso tem uma importância simbólica. Pode ressaltar as diferenças entre Lula e Bolsonaro, que nunca conseguiu ter receptividade na Europa - a não ser da extrema direita. E pode até ter algum impacto para um eleitorado mais escolarizado e atento. Mas a influência disso na eleição será muito pequena.

SAIBA MAIS: Encontro de Bolsonaro com extremista alemã expõe "articulação global da extrema direita"

Bolsonaro também não foi recebido por Angela Merkel – que, por sua vez, nunca visitou o Brasil durante o  governo dele. Esse distanciamento tende a piorar?

O Brasil, do ponto de vista da política exterior, ficou completamente isolado, sobretudo depois da derrota do Trump (Donald Trump, ex-presidente americano), que não foi reeleito. Seus parceiros internacionais são hoje países sem grande expressão. Ninguém quer se aproximar do Brasil na arena internacional. Não é, obviamente, pelo país, nem pela sociedade, nem pela sua potencialidade econômica e social. É pelo governo que ele tem. Há um distanciamento claro do governo Bolsonaro.

Os diplomatas, inclusive embaixadores brasileiros no exterior, estão isolados, porque nenhum país democrático quer cooperar estreitamente com o Brasil. O governo da Merkel não foi diferente. Colocou o Brasil na geladeira.

Apesar do histórico de relações bastante intensas, não só econômicas, mas também políticas e diplomáticas, essa cooperação estratégica perdeu a importância nos últimos anos. O que pode acontecer agora, com a nova coalizão, é que esse distanciamento passe a ser ativo. Não como no governo Merkel, que evitou as relações com o Brasil. Com a nova coalizão, pode haver uma cobrança de fato em relação ao Brasil.

https://www.brasildefato.com.br/2021/12/08/brasil-deve-esperar-cobrancas-mais-duras-da-alemanha-diz-professor-da-universidade-de-berlim

Itamaraty caminhando para cotas de gênero? "Mulheres no Itamaraty, a luta por mais espaço" - Daniel Rittner (Valor)

Já existem cotas constitucionais e "raciais" para ingresso no Itamaraty, mas as mulheres representam apenas 25% (ou menos) do corpo diplomático. Não é culpa do Itamaraty: os exames são totalmente não identificados, assim é impossível fazer discriminação contra as mulheres.

Paulo Roberto Almeida


 OPINIÃO

Na lista semestral de promoções no Itamaraty, de três promovidos a embaixador, uma mulher. Apenas 16% dos postos no exterior têm uma mulher na chefia. Nas 25 embaixadas ou missões com maior lotação de diplomatas (dez ou mais), só homens estão no comando. Segundo o jornal Valor Econômico, no último dia 25, a presidente da comissão, senadora Kátia Abreu, disse ter ficado sabendo como as mulheres eram minoria na lista de promoções e escreveu para o chanceler Carlos França: "Decepção total." Segundo ela, havia um compromisso de ir aumentando a participação feminina entre ministros de primeira classe até 30% no fim de 2022.

Mulheres no Itamaraty, a luta por mais espaço

Nenhuma das 25 maiores embaixadas brasileiras é chefiada por mulher

08/12/2021 05h00  Atualizado há 3 horas

Saiu no último dia 24 a lista semestral de promoções no Itamaraty, evento aguardado com mais ansiedade por diplomatas do que o discurso do presidente na Assembleia Geral da ONU ou a próxima reunião de cúpula do Mercosul. De três promovidos a embaixador, uma mulher. Nove avançaram na carreira para ser ministros de segunda classe - de novo, uma representante do sexo feminino. Entre 12 que se tornaram conselheiros, terceiro degrau na hierarquia do serviço exterior, elas são apenas três.

Um abismo nos separa de 1918, quando o chanceler Nilo Peçanha autorizou por escrito que uma mulher fizesse concurso para o ministério: “Não sei se as mulheres desempenhariam com proveito a diplomacia, onde tantos atributos de discrição e de capacidade são exigidos. Melhor seria, certamente, para seu prestígio, que continuassem à direção do lar, tais são os desenganos da vida pública”. A candidata passou em primeiro lugar. Um banheiro feminino foi construído às pressas no Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro.

Muitas mulheres sustentam que, mais de um século depois, a paridade de gênero ainda é uma ilusão na diplomacia. No dia seguinte à última lista de promoções, a Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado fez a sabatina de cinco embaixadoras que vão ocupar representações brasileiras no exterior: Claudia Buzzi (Suíça), Maria Luisa Escorel (Suécia), Susan Kleebank (Hungria), Andrea Watson (Honduras) e Vivian Sanmartin (Namíbia). Deu uma bela foto de todas juntas. Razões para celebrar?

Apenas 16% dos postos no exterior têm uma mulher na chefia. Nas 25 embaixadas ou missões com maior lotação de diplomatas (dez ou mais), só homens estão no comando. Nunca houve embaixadora em Washington, em Buenos Aires, Londres, Tóquio, Pequim ou na OMC. Nunca houve ministra das Relações Exteriores ou secretária-geral (número 2) do Itamaraty, o que deixa o Brasil mais como exceção do que como regra na América Latina. Países como Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Peru e Venezuela já tiveram ministras.

É como se dissessem: elas são boas o suficiente para o Leste Europeu, a América Central, a África ou para departamentos administrativos - todas funções relevantes, que ninguém entenda mal, mas sem o mesmo status, admita-se. Na hora de falar sobre Estados Unidos ou União Europeia, sobre ONU ou comércio, os homens entram em cena. Para registro: hoje nenhuma mulher exerce cargo em nível de DAS 5 ou DAS 6 - acrônimos que Brasília lê como posição de chefia ou poder - em unidades do Itamaraty responsáveis por temas econômico-comerciais.

Vale conferir o testemunho da diplomata aposentada Vitória Alice Cleaver, 77 anos, melhor aluna do Instituto Rio Branco em 1970-1971. “Era comum que a primeira lotação, quando o candidato tinha se classificado em primeiro lugar, ele pudesse escolher. E eu tinha o sonho de trabalhar na Divisão das Nações Unidas. Fiquei decepcionada quando soube que eu seria direcionada para o Cerimonial”, contou Cleaver, em documentário produzido pelo Grupo de Mulheres Diplomatas, coletivo criado em 2013 e que hoje congrega mais de um terço das diplomatas brasileiras.s

Não se trata da lógica fria dos números. Eugênia Barthelmess, hoje embaixadora do Brasil em Cingapura, descreve da seguinte forma no documentário: “Terno e gravata estão para a nossa vida civil como as insígnias para a vida militar. São a insígnia do prestígio, da respeitabilidade, da confiabilidade, de um poder tranquilo. A diplomata vestida da maneira mais elegante, mais sóbria, não alcança esse nível de respeitabilidade que o mais jovem dos secretários tem aqui, por estar usando terno e gravata”.

No último dia 25, logo após a sabatina das embaixadoras na CRE, a presidente da comissão, senadora Kátia Abreu (PP-TO), disse ter ficado sabendo como as mulheres eram minoria na lista de promoções e escreveu para o chanceler Carlos França: “Decepção total.” Segundo ela, havia um compromisso de ir aumentando a participação feminina entre ministros de primeira classe até 30% no fim de 2022. “Não adianta. A comissão que elege quem vai ser promovido só tem homens. Então, é impossível não haver as preferências de amizade”, notou.

O caminho, segundo Kátia Abreu, talvez seja um projeto de lei que reserve pelo menos 30% das vagas de embaixador para mulheres. No ritmo atual de promoções, seria necessário esperar mais dez anos para atingir esse percentual. Não é o Itamaraty um mundo à parte, e ele padece de desafios existentes em toda a sociedade. Porém, na vanguarda do serviço público e como um centro de excelência do Estado brasileiro, pode enfrentar o problema de modo exemplar.

Daniel Rittner é repórter especial em Brasília e escreve às quartas-feiras
E-mail: daniel.rittner@valor.com.br

https://valor.globo.com/brasil/coluna/mulheres-no-itamaraty-a-luta-por-mais-espaco.ghtml

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

O que o Brasil fará, ou falará, na Cúpula da Democracia? (e isso tem alguma importância?) - Mariana Sanches (BBC-Brasil, Washington)

Essa cúpula não tem NENHUMA IMPORTÂNCIA, a não ser demonstrar, mais uma vez, a atual postura do governo americano: não apenas o distanciamento em relação a duas outras grandes potências mundiais – China e Rússia – como uma tentativa de liderança de supostos aliados para tentar conter esses supostos adversários. Daí o boicote ao convite para participar da "cúpula da democracia" – o que parece normal, mas a China já respondeu com o seu documento "democrático" –, mas também o boicote dos EUA em participar dos Jogos Olímpicos de Inverno, em Beijing, em 2022, o que parece pueril, e até inútil.

Infelizmente, o mundo continuará perdendo tempo com bobagens desse tipo, em lugar de uma real coordenação de esforços em temas que são realmente relevantes: paz, segurança, bem-estar e prosperidade dos países menos desenvolvidos...

PAULO ROBERTO DE Almeida 


O que dirá Bolsonaro em cúpula pró-democracia de Biden
c - @mariana_sanches
Da BBC News Brasil em Washington
7/12/2021

A menos de um mês do primeiro aniversário da invasão do Congresso dos Estados Unidos de 6 de janeiro de 2020, os americanos serão os anfitriões de um encontro de líderes de 110 países cujo o tema principal é a democracia.

O evento tem um duplo caráter. Primeiro, quer mostrar que os EUA continuam se considerando um farol para o mundo democrático, a despeito das cenas protagonizadas por apoiadores do então presidente Donald Trump que tentaram interromper a certificação do democrata Joe Biden como novo presidente dos EUA.

Segundo, quer tentar fomentar compromissos de aliados em relação à democracia - em baixa ao redor do mundo - e se aproximar de alguns países, ao mesmo tempo em que fustiga outros, especialmente as nações autocráticas China e Rússia.

"Biden identificou um declínio na percepção das pessoas em relação à democracia como um regime que pode entregar soluções para a vida delas, especialmente na economia, na pandemia", afirmou à BBC News Brasil o ex-subsecretário do Departamento de Estado para o Hemisfério Ocidental Thomas Shannon, que comandou a embaixada no Brasil entre 2010 e 2013.

Shannon nota, no entanto, que a motivação para o encontro não se limita a esse diagnóstico global. "Não é só isso. A cúpula serve para refletir a mudança no cenário internacional de que o governo fala, mas também para pensar o que está acontecendo dentro do próprio Estados Unidos. E de certa forma o governo está projetando suas preocupações com a própria política americana em um ambiente global", afirma Shannon, relembrando o ataque ao Congresso.

Nesse cenário, um dos convidados para o evento se prepara para fazer uma defesa que toca, ao menos indiretamente, no trauma dos anfitriões. O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, deve usar o espaço como uma oportunidade para defender a liberdade de expressão de modo absoluto, especialmente nas redes sociais.

O tema ganhou força como uma bandeira do governo brasileiro justamente depois que o então presidente americano Donald Trump acabou banido permanentemente ou suspenso por longo período das redes sociais, na esteira da invasão do Capitólio.

As plataformas consideraram que, naquele dia 6 de janeiro, em vez de ordenar que seus seguidores interrompessem qualquer ato de violência, Trump encorajou a ação deles contra o Capitólio ao insistir, sem provas, no discurso de que a eleição presidencial havia sido fraudada.

De dentro da Casa Branca, enquanto as cenas de depredação do Congresso corriam o mundo em tempo real, Trump dizia que "estas são as coisas e eventos que acontecem quando uma sagrada e esmagadora vitória eleitoral é arrancada tão sem cerimônias e de modo cruel de grandes patriotas que foram mal e injustamente tratados por tanto tempo".

O banimento das redes lhe tirou seu gigantesco megafone político: Trump falava diretamente a quase 90 milhões de seguidores apenas no Twitter e usava as redes não apenas para campanha, como para governar.

Com estilo, estratégia e pendor ideológico semelhantes aos de Trump, Bolsonaro tomou o episódio vivido pelo americano como lição e, no Brasil, tentou mudar o marco regulatório da internet.

Domesticamente, decisões do Supremo Tribunal Federal também têm imposto derrota a seus apoiadores, como o criador da página Terça Livre, Allan do Santos, que teve a página extinta por divulgar notícias falsas.

O próprio Bolsonaro teve uma live derrubada das plataformas depois de associar, erradamente, a vacina de Covid-19 e a ocorrência de Aids. Para tentar evitar ser alvo do que aconteceu a Trump, em setembro, Bolsonaro assinou uma Medida Provisória (MP) que vedava que empresas como Google, Facebook e Twitter deletassem contas ou conteúdos que espalhem desinformação na internet, inclusive sobre o processo eleitoral. A MP acabou devolvida ao Planalto pelo Senado e perdeu validade.

Mas isso não diminuiu o interesse de Bolsonaro no tema. Seus auxiliares mantêm estreita relação com aliados de Trump, como Jason Miller, que dirige uma rede social que promete ser espaço livre para o discurso da direita global. Bolsonaro levou o assunto ao plenário da ONU, em setembro, e agora deverá novamente fazer uma defesa internacional do caso nos EUA - sem, no entanto, fazer qualquer menção ao nome de Trump ou a seu caso específico.

O que mais Bolsonaro dirá?
Apesar disso, e do histórico de declarações de Bolsonaro, que um embaixador brasileiro classificou reservadamente como "incompatíveis com o posto de chefe de Estado", existe a expectativa no Itamaraty de que Bolsonaro não atraia polêmicas para si mesmo.

Isso porque o presidente moderou o tom sobre as eleições brasileiras recentemente. Se em agosto passado, durante visita de enviados do mandatário americano Biden a Brasília, Bolsonaro fez afirmações públicas de que o sistema eleitoral brasileiro não seria seguro, em novembro, afirmou que esse "é um assunto encerrado. Passamos a acreditar no voto eletrônico".

Além disso, de acordo com a percepção dos diplomatas brasileiros, a pauta da democracia não parece estar na ordem do dia da campanha eleitoral do presidente, que concorre à reeleição em 2022, e por isso mesmo teria baixo potencial de ser explorado em redes.

Essa será a segunda cúpula proposta por Biden a que Bolsonaro participa. Na primeira, sobre o clima, sua participação foi considerada moderada. Agora, o Itamaraty aposta que ele tenderá a seguir mais o roteiro montado pelos diplomatas do que fez no discurso nas Nações Unidas, em setembro, um evento caro a seus seguidores.

O presidente brasileiro terá apenas 3 minutos para falar, em uma mensagem previamente gravada - portanto, sem chance de improvisos. De acordo com pessoas que viram o rascunho do discurso, ele dirá que o Brasil é uma "democracia plena" em todos os aspectos, com eleições livres, independência entre Poderes e imprensa atuante.

Não deverá haver pressão dos americanos por qualquer tipo de compromisso específico do Brasil.

"Será uma discussão muito franca sobre alguns dos desafios que enfrentamos. Aqui nos Estados Unidos temos nossos próprios desafios à democracia, e queremos olhar para o trabalho e fazer compromissos sobre o caminho a seguir. Acho que é uma oportunidade para o Brasil. As instituições brasileiras enfrentaram desafios ao longo do tempo e demonstraram sua robustez. Mas acho que sempre podemos ter uma conversa sobre como cada uma de nossas democracias pode ser melhor", afirmou Juan Gonzalez, chefe da Casa Branca para Assuntos de América Latina, sobre o encontro.

Embora fale em conversa franca, diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que o formato virtual da Cúpula deve permitir pouca ou nenhuma interação entre os líderes e, portanto, ter poucos efeitos práticos.

Há a previsão de uma discussão virtual em tempo real, mas a participação dos líderes é voluntária e há dúvidas sobre como essa reunião transcorreria. Bolsonaro não deve participar dessa parte da cúpula.

É também improvável que, com mais de uma centena de países participantes, o evento termine com alguma lista de compromissos democráticos que todos os líderes aceitem assumir.

"Infelizmente, a cúpula parece estar se transformando em nada mais do que uma boa oportunidade para posar para fotografia. Não vejo uma agenda profunda em jogo aqui. Lamentavelmente, acho que se fosse um formato presencial, haveria uma chance de as delegações se verem forçadas a reuniões paralelas das quais poderiam sair questões mais relevantes", afirma Ryan Berg, especialista em América Latina do centro de estudos Center for Strategic and International Studies, em Washington.

Por que o Brasil foi convidado?
A lista de mais de cem convidados dos americanos também foi alvo de discussões e controvérsias. Em um gesto interpretado por Pequim como provocação, Biden convidou Taiwan para o encontro, que a China não reconhece como independente. Há alguns dias, a diplomacia chinesa lançou um documento intitulado "China: uma democracia que funciona", na qual defende que o país é mais democrático que os Estados Unidos por responder melhor aos desejos de seu povo.

Para a audiência americana, o convite ao Brasil foi incluído como polêmico. A ABC News escreveu que "algumas escolhas controversas do governo, devido aos flertes com o autoritarismo - ou pelo menos ao distanciamento de valores democráticos - incluem Brasil, Índia, Filipinas, Polônia e Sérvia".

Questionado sobre o tema, Gonzalez defendeu a presença brasileira na lista de Biden. "Acho que o Brasil definitivamente precisa ter um assento à mesa porque, se você olhar para a trajetória da democracia brasileira, acho que as instituições democráticas brasileiras têm muito a ensinar ao mundo sobre a democracia", afirmou o assessor da Casa Branca.

Para o embaixador Sérgio Amaral, que comandou a embaixada brasileira em Washington entre 2016 e 2019 e é conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), diplomaticamente falando, nem os EUA poderiam recusar um convite ao Brasil, nem o Brasil poderia negar sua participação.

Para ele, "apesar de todas as ameaças às instituições, elas seguem resistindo, temos uma imprensa atuante e teremos, ao que tudo indica, eleições livres no ano que vem", o que credenciaria o Brasil como democracia plena.

Segundo Amaral, há "uma postura mais esclarecida do chanceler (Carlos) França, em relação aos anos de trevas do período anterior (de Ernesto Araújo). O problema não é o que o Brasil está dizendo, porque isso sem dúvida melhorou, mas o que o Brasil está fazendo".

Ele cita especificamente o descompasso entre as promessas ambientais brasileiras na recente Conferência do Clima, a COP-26, e os números de desmatamentos divulgados pelo Brasil dias após o evento que mostravam o pior acumulado em 12 meses na devastação florestal no governo Bolsonaro.

A BBC News Brasil apurou que os americanos, que demonstraram entusiasmo público com o Brasil na COP-26, fizeram perguntas sobre os dados de desmatamento após a divulgação e demonstraram desconforto.

"É constrangedor para o Brasil ter esses números aparecendo. Eles os esconderam durante a COP? Suponho que o Brasil não esteja feliz com o fato de ter andado mais um pouco para trás na Amazônia. Não me soa estranho que o governo não venha (a público) dizer: 'Oh, as coisas estão terríveis'. Os governos normalmente não fazem isso. Mas o fato é que os números estão aí e esse vai continuar a ser um problema do Brasil com os Estados Unidos e a Europa", afirma o embaixador americano Melvyn Levtisky, que comandou a embaixada dos EUA no Brasil entre 1994 e 1998 e hoje é professor de relações internacionais na Universidade de Michigan.

Prioridade no governo Biden, a questão climática deve ser apenas lateralmente tratada no encontro sobre a democracia, que acontece nos dia 9 e 10 de dezembro. A pauta ambiental foi assunto central na primeira cúpula organizada pela gestão, em abril.

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59555926


Brasil fora do diálogo China-América Latina, via Celac: ideologia emperra as relações internacionais do Brasil (O Globo)

 SEM DIÁLOGO

O Brasil ficou fora do principal canal de diálogo entre China e América Latina. A terceira reunião ministerial do Foro Celac-China, realizada virtualmente na última sexta-feira (03), teve a participação de todos os países latino-americanos, menos do Brasil. Em janeiro do ano passado, o governo brasileiro decidiu suspender a participação do país na Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), por incompatibilidade ideológica. Tendo em vista que as relações do Brasil com seu principal parceiro comercial não vivem seu melhor momento, a interação no formato multilateral poderia contribuir para uma aproximação e acelerar a solução de problemas bilaterais como o embargo da China à carne bovina brasileira, que já dura mais de três meses. Cabe ao Itamaraty explicar quais os benefícios de rejeitar o convite para a reunião. A reportagem é do jornal O Globo.

O que o Brasil ganha ao ficar fora do diálogo China-América Latina?

Por Marcelo Ninio
06/12/2021 • 14:27

O Brasil ficou fora do principal canal de diálogo entre China e América Latina, em mais um sinal de encolhimento da diplomacia do país em instâncias multilaterais. A terceira reunião ministerial do Foro Celac-China, realizada virtualmente na última sexta-feira, teve a participação de todos os países latino-americanos, com exceção do Brasil. Em janeiro do ano passado, o governo brasileiro anunciou a decisão de suspender a participação do país na Celac, por incompatibilidade ideológica. O então chanceler, Ernesto Araújo, alegou que a organização "dava palco a regimes não democráticos como Venezuela, Cuba e Nicarágua".

A Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) foi criada em 2010 durante o governo Lula num momento de ascensão de governos de esquerda na América Latina, com uma agenda de integração regional e desenvolvimento. Foi a primeira vez que um órgão de articulação política reuniu todos os 33 países da região, sem a presença dos Estados Unidos e do Canadá. Quatro anos depois, por iniciativa de Pequim, foi criado o Foro Celac-China. A virada para a direita na região enfraqueceu a Celac, mas o Brasil foi o único país que formalizou sua saída do grupo.

Além da renúncia ao papel de líder regional com a saída de uma das principais entidades políticas latino-americanas, a decisão teve um efeito colateral para Brasília. O país ficou sem voz no diálogo da China com a América Latina, que ocorre por intermédio da Celac. Mesmo fora da organização, o Brasil foi chamado a participar da reunião ministerial da última sexta, mas recusou o convite. Em resposta, o governo brasileiro afirmou que está disposto a explorar outros formatos de diálogo.

Para Pequim, no entanto, o formato existente parece satisfatório: o governo chinês deixou clara a importância que dá à Celac. Houve várias sinalizações nesse sentido. A mídia chinesa deu destaque à reunião ministerial, com várias menções nos jornais e nos noticiários da TV estatal. A participação chinesa foi aberta com um pronunciamento do presidente Xi Jinping, que classificou a Celac como a plataforma mais importante de cooperação da China com a América Latina.

Em um balanço da reunião de ministros, o representante especial da China para a região, Qiu Xiaoqi, disse que o encontro mostra que seu país demonstrou ser "um bom amigo da América Latina". Ele lembrou que a América Latina é o segundo destino de investimentos chineses, só atrás da Ásia. Durante a reunião de chanceleres, o ministro do Exterior chinês, Wang Yi, anunciou o estabelecimento de dois fundos no total de US$ 2 bilhões (R$ 11,38 bilhões) para a cooperação com a região, com ênfase na economia digital.

Questionado sobre a ausência do Brasil, Qiu foi diplomático, deixando a porta aberta para o retorno do país à Celac. Ex-embaixador em Brasília, português fluente, ele afirmou que "a China respeita a decisão do Brasil" e "espera sinceramente trabalhar com o país para ampliar a novas áreas a cooperação conjunta da China com a América Latina".

Para Maurício Santoro, professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e um estudioso das relações entre Brasil e China, não é por acaso que Pequim tem olhado com atenção para a Celac e que considera a organização sua principal interlocutora no diálogo com a América Latina.

— É o único processo de integração da região que inclui todos os países latino-americanos e deixa de fora os Estados Unidos, em contraste, por exemplo, com a Organização de Estados Americanos (OEA), ou com processos sub-regionais como o Mercosul. Essa combinação torna a Celac muito atraente para os objetivos da China na região, seja levar adiante a Iniciativa do Cinturão e Rota (a chamada "nova rota da seda"), discutir cooperação em vacinas e outros temas, ou disputar o reconhecimento diplomático dos países da América Central. Ao que parece, Honduras será o próximo a romper com Taiwan.

Num momento em que as relações do Brasil com seu principal parceiro comercial não vivem o seu melhor momento, a interação no formato multilateral poderia contribuir para uma aproximação e acelerar a solução de problemas bilaterais como o embargo da China à carne bovina brasileira, que já dura mais de três meses. Enquanto há um prejuízo claro em ficar fora do diálogo regional com Pequim, cabe ao Itamaraty explicar quais os benefícios de rejeitar o convite para a reunião.

Além disso, o multilateralismo é um dos mantras da diplomacia chinesa, reforçado ainda mais como contraste à Presidência de Donald Trump nos EUA, quando o governo americano se retirou de vários tratados e organizações internacionais. Apesar do discurso apaziguador de Qiu em relação à ausência do Brasil na reunião Celac-China, o encolhimento da diplomacia brasileira nos últimos anos causa estranheza em Pequim.

Um exemplo é a recente conferência do clima em Glasgow, a COP 26, onde especialistas habituados a ver o Brasil como um dos países mais preparados e atuantes no assunto se surpreenderam com o papel secundário do país:

— O Brasil parecia invisível — disse Li Shuo, da organização Greenpeace em Pequim, um veterano de conferências climáticas.

Entrevistado com frequência por veículos de imprensa chineses, Maurício Santoro sentiu uma diferença de tom ao falar recentemente com a agência oficial Xinhua:

— Havia perguntas explicitamente críticas ao governo brasileiro, sobretudo pela não participação no fórum da Celac e pela pouca importância que Bolsonaro tem dado às organizações multilaterais. Essa perspectiva crítica por parte da Xinhua é algo raro. Em geral, as entrevistas que dei para a agência foram centradas em oportunidades de cooperação entre Brasil-China. Me pergunto se esse novo enfoque foi algo ocasional ou se sinaliza uma mudança da cobertura da mídia chinesa sobre o Brasil, depois de tantas tensões com Bolsonaro pela pandemia.

Em 2015, quando a China sediou a primeira reunião do Foro Celac-China, o presidente Xi Jinping recebeu os ministros latino-americanos para um banquete em grande estilo, entre eles o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, que havia tomado posse dias antes. Quem representou o Brasil na segunda reunião ministerial do grupo, realizada no Chile em 2018, foi o então secretário-geral do Itamaraty, Marcos Galvão, ainda sob o governo Temer. Ouvido na ocasião pela agência Reuters, ele disse que a Celac era "mais um caminho para o Brasil trabalhar com a China". Galvão agora terá a missão de desbloquear caminhos e abrir novos nas relações com a China. Já aprovado pelo Senado, ele assume em breve o posto de embaixador do Brasil em Pequim.

https://blogs.oglobo.globo.com/marcelo-ninio/post/o-que-o-brasil-ganha-ao-ficar-fora-do-dialogo-china-america-latina.html

Refugiados do Afeganistão no Brasil: uma história feliz, depois de 5 meses de espera - Paula Lago (G1-SP)

 Afegão que desde maio tentava voltar para SP consegue visto para a família e chega ao Brasil: 'Muito bom estar em casa de novo'


Após meses de incerteza e medo, Masood, Lina e Sobhan estão na capital paulista e planejam como irão reestruturar a vida e reiniciar do zero.

Por Paula Lago, g1 SP — São Paulo
07/12/2021 05h53  Atualizado há 2 horas

Mesmo usando máscara, é possível perceber o sorriso do afegão Masood Haibibi, de 29 anos, enquanto conversa à vontade na sala de um apartamento no Centro de São Paulo. O comerciante que, em maio, tinha ido até o país natal planejando passar dois meses e viu a estada ser ampliada para cinco meses contra a sua vontade, finalmente, conseguiu o que queria desde o começo do ano: trazer a família para o Brasil.

O g1 acompanha a história da família desde agosto, quando o grupo extremista islâmico Talibã tomou o poder no Afeganistão, obrigando os cidadãos a ficaram trancados em suas casas.

Ele, a mulher, Lina, de 23 anos, e o filho, Sobhan, de 4 anos, desembarcaram no Aeroporto Internacional de Guarulhos, na Grande São Paulo, na última sexta-feira (3) após um longo voo de 21 horas. “Estamos cansados ainda, mas muito bem. Meu filho está diferente, mais tranquilo. Lá ele só ficava em casa, aqui pode sair, passeamos pela Avenida Paulista no domingo… Ele e minha esposa adoraram, acharam tudo muito bonito. Sobhan adora brincar, está mais solto. Está muito feliz.”

Para este retorno, que teve direito a faixa de boas-vindas, flores e balões, acontecer, eles contaram com o apoio de muitas pessoas: mais de 50 mil assinaram uma petição da plataforma Change Brasil ao Itamaraty que solicitava a concessão de vistos humanitários a Lina e Sobhan. Masood já tem visto brasileiro, e os da família foram concedidos após cerca de um mês do pedido oficial.

De acordo com o Itamaraty, desde 3 de setembro, quando entrou em vigor a portaria que concede esse tipo de autorização de entrada ao país a “afegãos, apátridas e pessoas afetadas pela situação de grave ou iminente instabilidade institucional ou de grave violação de direitos humanos ou do Direito Internacional Humanitário no Afeganistão”, foram concedidos 380 vistos humanitários.

Marcelo Ferraz, especialista em campanhas da Change Brasil, destaca o engajamento das pessoas à causa. “A gente conseguiu fazer com que a história deles se tornasse pública, e a luta deles chegasse ao conhecimento das pessoas.”

Com os passaportes prontos, Masood e família precisavam do dinheiro para as passagens, já que suas contas bancárias foram confiscadas pelo governo talibã. Uma campanha de arrecadação foi criada e reuniu, até o momento, R$ 24 mil, mas o afegão acabou aceitando que uma amiga doasse as passagens para ele e a família virem logo ao Brasil. O valor obtido com a vaquinha será destinado à compra dos bilhetes aéreos para os familiares que estão no Irã à espera de permissão para virem também. “Quando eles conseguirem o visto, vão precisar usar esse dinheiro”, explica.

Covid e talibãs
Masood sentiu na pele dois acontecimentos que terão destaque nas retrospectivas de 2021: primeiro, os pedidos de visto para a esposa e o filho virem morar em São Paulo foram negados pela Embaixada devido ao pico de Covid-19 no Brasil e, depois, em agosto, os talibãs derrubaram o governo e impuseram um novo com uso da força e da violência. O comerciante contou que tiroteios são frequentes.

Ele conta que foram cinco meses de incerteza, angústia e medo até que, em outubro, surgiu a chance de comprar passagens para o Paquistão e, de lá, batalhar pelos vistos e pelas passagens para o Brasil.

“Queria sair o mais rápido possível do Paquistão. Quando você está em um país esperando a hora de sair, quando você não vai ficar lá, é muito difícil tudo. Você tem que pagar hotel, despesas, tudo, todo dia. É muito difícil, se você não tem dinheiro”, conta Masood.

Mas ele acredita que as tensões ficarão em 2021 e que 2022 será um bom ano para a sua família. “Quero reiniciar a vida aqui, é muito difícil quando você vai para um país em que você não tem nada. Tem de começar do zero, conseguir trabalho, minha esposa precisa aprender português o mais rápido possível e precisamos arranjar uma escola para o meu filho. Mas estou feliz e vamos correr para conseguir tudo isso.”

O comerciante conta que vendia tapetes em São Paulo e também trabalhava como técnico em informática em uma empresa, mas agora não sabe se vai conseguir trabalhar com as mesmas coisas. “Vou ter de conseguir um trabalho rápido, para conseguir manter minha família. E podemos contar com amigos”, afirma.

E podem mesmo. Além da ajuda da amiga com as passagens e do apoio de quem colaborou com a vaquinha, Masood tem um “pai” brasileiro: o farmacêutico Ricardo José de Souza conta que adotou informalmente como filho o afegão logo que se conheceram.

É no apartamento dele que a família mora agora e por onde Sobhan corre pelos cômodos com um macaco de pelúcia ou se diverte com um celular. “Quando você tem conexão com um país, fica mais fácil”, afirma Massod. “Agora vamos nos reorganizar. É muito bom estar em casa de novo.”

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/12/07/afegao-que-desde-maio-tentava-voltar-para-sp-consegue-visto-para-a-familia-e-chega-ao-brasil-muito-bom-estar-em-casa-de-novo.ghtml