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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Inteligência Artificial e a Defesa Nacional - Rubens Barbosa (OESP)

 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E A DEFESA NACIONAL

Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 11/01/2022

 

            Quem quer se torne o Número Um na Inteligência Artificial (IA) será o líder do mundo (ruler of the world), previu, em 2017, o presidente da Rússia, Wladimir Putin. China e EUA estão hoje bem à frente do desenvolvimento da tecnologia cognitiva.

            Como todo avanço e inovação tecnológica, a IA pode ser utilizada para projetos voltados para o bem, mas também para o mal. Apresentam muitos aspectos positivos, mas também negativos. Pelo potencial de risco de sua utilização, não deixa de ser surpreendente que até aqui a incorporação da IA na indústria bélica tenha sido tão pouco discutida.

Na edição de janeiro, a revista Interesse Nacional (www.interessenacional.com.br ) traz dois artigos, de Dora Kaufman e Marcelo Tostes, que resumem as tratativas internacionais para regulamentar o “sistema de inteligência artificial, que pode ser entendido como um sistema baseado em máquina, projetado para operar com vários níveis de autonomia, e que pode também, para um determinado conjunto de objetivos definidos pelo ser humano, fazer previsões, recomendações ou tomar decisões que influenciam ambientes reais ou virtuais”, na definição da OCDE. A UNESCO (a Ética na IA), a União Europeia (IA Act), os EUA (FDA e Senado, com Projeto de Lei sobre Responsabilização Algorítmica) e a Administração da Cibernética Espacial, na China, apresentaram propostas que tratam de diversos aspectos desse sistema. Acrescento que o governo brasileiro divulgou, em 2021, a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial – EBIA, com fortes críticas por parte de especialistas por suas limitações técnicas e políticas. A Câmara dos Deputados aprovou, no ano passado, o Projeto de Lei 21/2020, que propõe a criação de uma base legislativa geral e vinculante para regular os sistemas de inteligência artificial no país.

               No campo militar, a IA representa o maior salto tecnológico qualitativo, desde o aparecimento da energia nuclear e da produção de armas nucleares, com a diferença do desenvolvimento e aplicação da IA ser substancialmente menos custoso e potencialmente mais fácil de ser empregado, inclusive por terroristas e por Estados Párias (Rogue States). A OTAN está desenvolvendo novas formas de guerra cognitiva, usando supostas ameaças da China e da Rússia para justificar travar batalha pelo cérebro, no domínio humano, para fazer de todos uma arma. Será a militarização da ciência do cérebro que envolve “hackear o individuo, explorando as vulnerabilidades do cérebro humano para implementar uma engenharia social mais sofisticada”. Apesar de as autoridades militares da China, Alemanha, Rússia, Estados Unidos e diversos outros países terem anunciado, há algum tempo, que a criação de sistemas de combate integralmente autônomos não era seu objetivo, tais sistemas provavelmente já devem ter sido criados. Na percepção militar, apenas sistemas de combate com IA poderão, no caso de guerras, penetrar em áreas fechadas e operar com uma relativa liberdade. 
               A regulamentação da utilização da IA para fins militares, contudo, começou a ser discutida no âmbito das Nações Unidas, mas encontra resistência por parte das principais potências que procuram ganhar tempo para obter vantagens, antes da negociação de acordos que coloquem limites e cautelas ao seu uso. Como, aliás, foi o que aconteceu com as armas nucleares, cujo tratado de não proliferação só se materializou quando finalmente as potências nucleares deram seu assentimento.

O problema que desafia os organismos multilaterais é como controlar os “sistemas de armas autônomas letais” (Laws, na sigla em inglês), representados por qualquer plataforma móvel: drônes, androides, aviões que voam sozinhos. A IA pode substituir os recursos humanos em tudo, desde armas operacionais para coleta e análise de inteligência, sistemas de alerta antecipado, e de comando e controle. A utilização de drônes para fins militares (robôs assassinos) já está muito difundida e a guerra antissatélite vem esquentando.

A disputa entre os EUA e a China pela hegemonia global no século XXI passa pela corrida tecnológica em todos os segmentos, inclusive na utilização da IA para fins militares, com impactos que vão alterar a correlação de forças no mundo. Os EUA contam com seus aliados europeus na OTAN e a China com seus parceiros, inclusive a Rússia.

As rápidas transformações que ocorrem em decorrência desses avanços tecnológicos trarão impactos importantes sobre países, como o Brasil. Do ângulo da Politica Nacional de Defesa e da Estratégia Nacional de Defesa, se o Brasil não dispuser de capacidade tecnológica para utilizar o sistema de inteligência artificial estará em grande desvantagem em seu poder de dissuasão, caso tenha de enfrentar qualquer ameaça para a defesa de seus interesses, seja em seu território, seja na sua extensão marítima. Urge, pois, a expansão da capacidade de criação e de desenvolvimento para a utilização da IA pelo Ministério da Defesa. Nesse sentido, o Centro de Defesa Cibernética, no âmbito do Exército, deveria ser fortalecido com recursos humanos e financeiros para, com o apoio da base industrial de defesa, gerar produtos, inclusive de uso dual para o mercado doméstico e para exportação.   

               

Rubens Barbosa, presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (CEDESEN) e membro da Academia Paulista de Letras

Nova edição da “Revista do IEB” (n. 80) celebra a história do instituto: 60 anos em 2022 da USP- Jornal da USP

 

Nova edição da “Revista do IEB” celebra a história do instituto

Em seu 80º número, publicação registra a trajetória do Instituto de Estudos Brasileiros da USP que completa 60 anos em 2022

 Publicado: 10/01/2022
Por 
Sessão solene de abertura do Encontro Internacional de Estudos Brasileiros e I Seminário de Estudos Brasileiros, em 13 de setembro de 1971. Da esquerda para a direita: José Aderaldo Castelo (diretor de 1966 a 1981); Orlando Marques de Paiva (vice-reitor à época; reitor de 1973 a 1977); Sérgio Buarque de Holanda (diretor de 1962-1964, fundador do IEB). Fotógrafo: Jorge Maruta – Arquivo IEB-USP – Foto: Reprodução/Revista do IEB

 

O Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP é um centro multidisciplinar de pesquisas e documentação sobre a história e as culturas do Brasil e guarda muitos tesouros, como quadros de Tarsila do Amaral, cartas de Mário de Andrade e um dos livros mais antigos presentes no Brasil, Crônicas de Nuremberg (1493). A fim de celebrar os 60 anos do instituto em 2022, a 80ª edição da Revista do IEB, publicada em dezembro do ano passado, mostra fotos da antiga sede do centro, construções da nova sede, edições antigas da  publicação, entre outros registros que compõem a história do IEB. A revista tem por finalidade publicar artigos originais e inéditos de pesquisadores e autores visando a fomentar a pesquisa nacional, além de resenhas e documentos relacionados aos estudos brasileiros (história, literatura, artes, música, geografia, economia, direito, ciências sociais, arquitetura etc.). “Em tempos de constantes ataques à ciência, ao serviço público e ao patrimônio público, os textos que compõem este número reafirmam a missão de ‘promover uma reflexão crítica sobre o Brasil, a partir da prática da interdisciplinaridade e da pesquisa em acervos’ do Instituto de Estudos Brasileiros”, escrevem os editores e professores da USP Inês Gouveia, Luciana Suarez Galvão e Walter Garcia.

O primeiro artigo, As caravanas: racismo e novo racismo, de Adélia Bezerra de Meneses (USP), explora a ambiguidade da toponímia (estudo linguístico e histórico da origem dos nomes de lugar) carioca na música As Caravanas, de Chico Buarque. A autora faz um aprofundamento da crítica literária dos versos mostrando como o passado escravocrata permanece na zona sul do Rio de Janeiro. Lançada em 2017, a música expõe temas como a exclusão social, o racismo e a islamofobia. A fim de ilustrar essas questões, Adélia realiza um aprofundamento na análise com notícias. Segundo ela, essa canção não é uma crônica carioca, ela vai fundo no ethos do País.

Caravana de Escravos na África – Gravura do século 19 – Fonte: Redenbacher, 1890 – Foto: Reprodução/Revista do IEB

 

Braços nas argolas e sorrisos nos rostos: narrativas museais sobre a escravidão é o título do artigo de Vinícius Oliveira Pereira e Alexandra Lima da Silva, ambos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Trata-se do mapeamento e a identificação de museus dedicados ao temas sobre tráfico transatlântico de pessoas escravizadas e a escravidão. O texto se inicia com a cena de turistas tirando fotos e posando ao lado do Pelourinho de Mariana (MG), demonstrando insensibilidade com a memória que remete a anos de tortura e resistência. A partir daí os escritores se debruçam, entre outros temas, sobre “a insistência por parte das instituições museais em valorizar a dimensão da violência cometida contra escravizados” e “a desvinculação entre trauma e racismo”. O artigo examina imagens dos acervos disponíveis na internet e das postagens publicadas nas redes sociais dos museus identificados e a compreensão de narrativas sobre a escravidão visibilizada nesses espaços.

Itens diversos – Museu do Escravo – Fonte: Tripadvisor, 201 – Imagem: Reprodução/Revista do IEB

 

Já no ensaio de Paulo Toledo Bio (UFRJ), Modos de conexão popular no cinema brasileiro pré-64: Considerações sobre Vidas Secas, Os fuzis e o inacabado Cabra marcado para morrer, explora três exemplos da tentativa de estabelecer laços “com as frações populares e marginais do País” naquele período. Os destaques nas produções são a geografia do sertão, a miséria extrema, a luta de classes e o messianismo. Nesse sentido, o texto promove uma reflexão sobre a conexão dos realizadores desses filmes da década de 1960 com a população marginalizada brasileira no nível temático, estético e político das obras.

Ainda na área do cinema, mas em conjunto com os campos literário e historiográfico, Do dois ao três, ou A reprodução da burrice paulista, de Victor Santos Vigneron (USP), traz uma revisão bibliográfica e se ampara em pesquisa no acervo da Cinemateca Brasileira para analisar a adaptação cinematográfica de Amar, verbo intransitivo, de Paulo Emílio Salles Gomes. Inspirado no romance de mesmo título de Mário de Andrade, publicado em 1927, a adaptação cinematográfica é objeto de análise em relação às escolhas formais e temáticas feitas pelo autor com outros aspectos significativos de sua trajetória.

Parte da obra epistolar de Mário de Andrade e de sua fortuna crítica é analisada em Cartas para Murilo Miranda, o amigo com quem envelheço, artigo de Monica Gomes da Silva (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia) e Matildes Demétrio dos Santos (Universidade Federal Fluminense). As correspondências expõem o embate entre o funcionalismo público e a atividade artística que se refletiram em uma escrita que “transgride os limites convencionais do gênero […], pelo seu valor literário e histórico”. Nas cartas trocadas entre Mário de Andrade a Murilo Miranda entre 1934 e 1945, percebe-se um Mário muito distante da utopia vanguardista dos primeiros anos do Modernismo brasileiro.

As técnicas composicionais empregadas em Canções sem metro (1900), de Raul Pompeia, são objetos de estudo de Marconi Severo (Universidade Federal de Santa Maria). Em Literatura e filosofia em Raul Pompeia se observam as técnicas do “chiaroscuro” e da “circularidade interna” na obra de Pompeia que, para 0 autor, conseguiu, sob o preço da incompreensão crítica, abordar literariamente suas reflexões filosóficas. Para Severo, essas são mais reformistas do que revolucionárias; mais detidas no homem em si, apesar de considerá-lo como essencialmente mau, do que em aportes metafísicos. “Recorrendo a fontes originais, procuro destacar que a crítica corriqueiramente recaiu em um grande equívoco ao ressaltar um aspecto mais pessimista e sombrio de Raul Pompeia do que a análise de suas obras permite crer”, informa o autor.

A fim de estudar a interpretação de José Marianno Filho sobre a herança ibérica colonial brasileira, Ana Paula Koury (Universidade São Judas Tadeu) escreveu o artigo O Iberismo como primitivismo: a abordagem de José Marianno Filho. Nele, a autora expõe publicações da década de 1920, n’O Jornal, com a hipótese de que neles Marianno Filho incluiu a “herança ibérica como parte de um programa nacionalista, em sintonia com o quadro político do Brasil republicano”, acabando por fornecer elementos fundamentais para a “narrativa nacionalista do Modernismo”.

Recuando no tempo, Teatralidade e carnavalização. Zé Pereira no final do séc. XIX, de Marcelo Fecunde de Faria e Robson Corrêa de Camargo, ambos da Universidade Federal de Goiás (UFG), explora crônicas de Vieira Fazenda (1847-1917) e de Luís Edmundo de Melo Pereira da Costa (1878-1961)” e busca compreender “a criação do personagem Zé Pereira” em meio a um período de “mudanças radicais” no Brasil e, sobretudo, no Rio de Janeiro, período do qual fez parte “o processo de higienização das festas de ruas”. O artigo faz parte de projeto de doutorado que investiga a carnavalização, as performances e as teatralidades luso-brasileiras nas manifestações que se intitulam Zé Pereiras.

José Malhoa – Volta da feira (Chegada do Zé Pereira à Romaria) – Óleo sobre tela, 1905 – Imagem: Reprodução/Revista do IEB

 

O último artigo da seção, Entre Ciência e História: Brasil, um Jardim para a França, de Ana Beatriz Demarchi Barel (UEG), estuda as relações entre romances de José de Alencar e relatos de viagem de Ferdinand Denis e de Auguste de Saint-Hilaire. Essa literatura de viagens que diz respeito às relações entre França e Brasil remonta aos tempos pré-coloniais, quando, ao menos no século 17, narrativas míticas circulavam na Europa e descreviam, imaginando, o território que virá a ser chamado pelos portugueses de Brasil.

Outras seções

A seção Criação – publicada pela primeira vez na edição anterior da Revista do IEB, com o objetivo de publicar materiais inéditos de escritores e/ou artistas, fotógrafos, desenhistas, além de documentos inéditos encontrados no Arquivo do IEB-USP – reúne três Contos baldios, de Márcio Marciano. Dramaturgo e encenador, Marciano fundou a Companhia do Latão, em São Paulo e o Coletivo de Teatro Alfenim, em João Pessoa. Atualmente é consultor da Academia Paraibana de Cinema. Nas palavras do crítico José Antonio Pasta (2017, p. 22), seu trabalho artístico “tem o vezo de procurar resolver os problemas, não ao aliviá-los, obviando o que neles é obstáculo, mas, ao contrário, incrementando a sua dificuldade, extremando-a, até que ela passe no seu outro”.

Seção Documentação – Imagem: Reprodução/Revista do IEB

Na seção Documentação é publicado o artigo Quando restos mortais tornam-se rastros: algumas reflexões sobre a organização do Fundo Alice Piffer Canabrava do Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/USP), de Otávio Erbereli Júnior (USP). O texto é resultado de uma operação arquivística na qual fazer, sentir e refletir se entrelaçam, conforme o autor. Durante os anos de 2015 e 2016, Erbereli Júnior teve contato diário com a documentação de Alice Piffer Canabrava. Em um primeiro momento, o autor narra a operação arquivística relacionada ao tratamento da documentação. O segundo momento é fruto de um fazer-sentir a partir desse contato íntimo e diário com a documentação, ou seja, traz algumas reflexões sobre as práticas de autoarquivamento empreendidas por Canabrava.

Na última parte da revista, Fábio Alexandre dos Santos (Unifesp) analisa e interpreta História Econômica do Brasil: Primeira República e Era Vargas, organizado por Guilherme Grandi e Rogério Naques Faleiros, no segundo volume da Coleção Novos Estudos em História Econômica do Brasil. No texto, Santos se dedica a pensar no complexo período que vai da Primeira República ao fim da Era Vargas. Seus artigos expressam essa complexidade dialogando com o conjunto das dinâmicas do sistema capitalista que marcaram a economia mundial no período, além de propor reflexões que inevitavelmente nos trazem para os problemas do presente. Da cultura cafeeira e dos efeitos dela decorrentes à proibição de as garçonetes trabalharem à noite, suas problemáticas nos convidam a pensar o processo de acumulação no Brasil, suas peculiaridades e o que somos.

Revista do Instituto de Estudos Brasileiros número 80 pode ser baixada gratuitamente no Portal de Revistas da USP.  

Perspectiva Histórica da Democracia no Brasil - VI Conferência Atlantos - convite para palestra - Paulo Roberto de Almeida

 Recebo um novo convite para uma conferência do Instituto Atlantos, em Porto Alegre, desta vez para participar de uma nova edição de suas conferências anuais, como informa o comunicado abaixo: 

Prezado Sr. Paulo Roberto de Almeida, bom dia!

Repetindo o sucesso da sua participação no nosso evento do ano de 2021, gostaríamos de convidá-lo para participar como palestrante da VI Conferência Atlantos em nosso painel "Perspectiva Histórica da Democracia no Brasil"

Este ano o tema será a Democracia Brasileira sob as perspectivas histórica e futura e acontecerá entre os dias 09 e 10 de abril de 2022, no Teatro da Unisinos em Porto Alegre/RS.

Considerando a sua expertise, ficamos muito felizes em convidá-lo para participar como palestrante da VI Conferência Atlantos.

Caso tenha disponibilidade, sua presença seria uma grande honra para nós!

Havendo eventuais dúvidas, fico inteiramente à disposição.

Aproveito, também, para encaminhar os links de acesso às nossas redes sociais caso queira conferir nossos projetos.

Instagram: @institutoatlantos

Site: https://atlantos.com.br


Em 2021, participei virtualmente, e até tinha feito algumas notas para falar sobre o tema que me foi sugerido, como registrei nesta postagem: 

sábado, 10 de abril de 2021

Existem limites éticos para a liberdade de expressão? - Paulo Roberto de Almeida (V Conferência Atlantos)

 Existem limites éticos para a liberdade de expressão? 

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

[Objetivoparticipação Conferência Atlantos 2021finalidadepainel sobre liberdade de expressão]; [link: https://youtu.be/_AYObFZCjDs]

 

 

Abordar a questão colocada para este painel requer, em primeiro lugar, um entendimento conceitual sobre os termos em si, para depois extrair os vínculos entre eles com o objetivo de, em terceiro lugar, estabelecer algum argumento conclusivo para responder à pergunta colocada no título do painel. Tentarei proceder por este método de tipo socrático, interrogando cada um dos termos postos na questão título, a partir do seu final, para depois juntar todas as propostas conceituais em suas cadeias lógicas para definir se existem, e quais seriam, esses limites à liberdade de expressão. Vamos proceder etimologicamente, portanto.

Vamos partir da Declaração da Independência americana, que resume o sentido profundo dos avanços do pensamento liberal do século XVIII: “Consideramos estas verdades como autoevidentes, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes são vida, liberdade e busca da felicidade.” Estes dois princípios se situam no âmago da Constituição dos Estados Unidos, os que fundamentam a filosofia política do grande texto que saiu da Constituinte da Filadélfia em 1787, e cuja primeira emenda, o Bill of Rights, consolida o princípio da liberdade de expressão. Mas esta emenda só foi aprovada em 1791, dispondo que o Congresso não poderia estabelecer nenhuma lei limitando a liberdade de expressão (ou a de religião, da imprensa, da livre associação pacífica e o direito de peticionar contra agravos aos cidadãos). 

Contemporaneamente à entrada em vigor da Constituição americana, aprovada pela Constituinte em 1787, mas aprovada pelos treze estados apenas em 1789, ou seja, dois anos antes da aprovação Bill of Rights, ocorreu, nesse mesmo ano, a tomada da Bastilha, que dá a partida à Revolução francesa, em meio à convocação dos Estados Gerais, quando então a Assembleia Constituinte criada aprovava, em agosto desse ano, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, sintetizando o espírito dos direitos naturais então em voga. Dentre seus dezessete artigos, dois se destacam para nossa análise etimológica, o 10º e 11º: 

Art. 10.º Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei;

Art. 11.º A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei;

 

Ou seja, nada é absoluto, pois os representantes do povo sublinham, duas vezes, os termos e os limites da lei, que é uma espécie de contrato entre a coletividade e o indivíduo. Aqui se situa o eterno dilema de todos os regimes políticos, sobretudo os democráticos: as fronteiras, os limites, entre as liberdades individuais e os direitos coletivos, em geral. De certa forma, o dilema, antinomia, reproduz os as mesmas ambiguidades, contradições e a difícil resolução dos conflitos inerentes à oposição entre liberdade e igualdade, entre estado e mercado, entre a fraternidade e a propriedade. Como não vivemos em abundância absoluta, e nunca viveremos, como não podemos superar as deficiências e as diferenças naturais entre indivíduos únicos na humanidade, o debate entre liberdade e ética persistirá indefinidamente.

As democracias modernas, os Estados de Direito, os regimes políticos liberais, aqueles que Kant já chamava de “Repúblicas constitucionais” (mesmo quando fossem monarquias parlamentares), evoluíram basicamente em torno desse grande princípio da liberdade de expressão, apenas cingida por leis ou estatutos que pudessem regular a liberdade de expressão e os abusos eventualmente cometidos sob sua égide. Esse foi o caminho seguido no século XIX por todas as democracias burguesas, ou seja, de mercado, consagrando de forma clara esse princípio, ao lado da progressão mais lenta das franquias eleitorais (primeiro para homens das classes populares, depois analfabetos, mulheres e jovens pré-maioridade).

Muito bem: ao final do século XIX, o princípio da liberdade de expressão estava relativamente bem instalado, estabelecido e consagrado nas democracias burguesas, coisa que ainda não havia chegado em outras paragens, embora mesmo países oligárquicos, e até escravocratas como o Brasil, o tivessem resguardado em seu ordenamento constitucional: são conhecidos os muitos pasquins satíricos, as caricaturas sardônicas contra Pedro Banana, o nosso imperador. Floriano chegou e começou a tratar os seus críticos a pauladas, como ocorreu com Rui Barbosa, que primeiro se refugiou na Argentina e depois passou algum tempo na liberal Inglaterra. 

Mas a essa altura, a partir de Gobineau e indiretamente Spencer, determinados elementos do racismo dito científico, em parte vinculado ao darwinismo social, já tinham aberto largos caminhos no pensamento racial da época, reforçando o preconceito, a discriminação, o ordenamento pretensamente sólido da hierarquia das raças, com a superioridade indiscutível dos loiros dolicocéfalos, ou seja, os arianos puros. Ser antissemita, nessa época, não era especialmente censurável, ainda menos o ato de proclamar o atraso africano como o resultado da raça. Praticamente todos os países, inclusive os EUA, seguidos pelo Brasil, começaram, a introduzir leis cerceando a livre imigração, mas que já eram claramente contrárias à imigração de negros e amarelos. O racismo havia triunfado.

O século XX na Europa retoma, como parafraseado por muitos historiadores, as guerras de religião do século XVII, uma segunda guerra de Trinta Anos, entre 1914 e 1945. E aqui estamos no coração de nosso debate: limites éticos à liberdade de expressão. Em nome da liberdade de expressão o continente conheceu uma enxurrada de libelos racistas, belicistas, colonizadores, supremacistas, eugênicos e outros, tudo em nome de uma civilização superior. Os Protocolos dos Sábios de Sião, do início do século XX, talvez sejam o primeiro exemplo de propaganda de ódio racial que alimentou pogroms e massacres um pouco em toda a Europa central e oriental, antes de serem substituídos por libelos ainda mais violentos contra a raça judaica, indo da simples expulsão, como já recomendada por Wagner, até a eliminação pura e simples, como consagrado no projeto nazista-hitlerista do Holocausto deliberado. 

Pouco depois foi a vez do Manifesto Futurista, de Marinetti, que, mesmo cultuando a modernidade e o progresso, fazia um verdadeiro ditirâmbico em honra da guerra e suas virtudes supostamente eugênicas. Ao mesmo tempo, o eugenismo começava a propagar técnicas e métodos para esterilizar os débeis, os aleijados, enfim os fracos e indesejáveis: foi também o sinal para terríveis experimentos científicos e para a introdução de métodos mais “eficientes” para a eliminação dos adversários na guerra. Os alemães na Grande Guerra, depois os japoneses na China e mais adiante os nazistas um pouco em toda a Europa conduziram processos terríveis de eliminação em massa de inimigos e  pessoas “inúteis”.

Mais uma vez cabe reafirmar: estávamos no domínio da pura liberdade de expressão e da propaganda mais odiosa que poderia existir, livremente disponível e fartamente distribuída entre as massas por líderes fanáticos e obcecados por grandes projetos de reforma do mundo e de engenharia social. Apenas depois dos horrores da Segunda Guerra, não apenas nos campos da Europa, mas também nas cidades da China conquistadas pelos japoneses, se começou a estabelecer limites éticos ao exercício de alguns supostos “direitos naturais”. 

Auschwitz ainda estava muito presente na consciência dos delegados quando se aprovou, em Paris, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, um trabalho memorável da viúva do grande presidente americanos dos anos de depressão e da guerra, Eleanor Roosevelt. Ela introduz, pela primeira vez no ordenamento jurídico da humanidade, um regime de direito voltado para defender a liberdade de expressão, com todas as garantias dadas pelas legislações nacionais, ao mesmo tempo em que condena todas as formas de opressão, de cerceamento dos direitos e garantias individuais, que devem ser plenamente reconhecidos nas jurisdições nacionais.

Ela fornece um substrato comum para a defesa da liberdade de expressão, com os limites éticos que não cabe infringir, e que estão contidos no seu preâmbulo e nos seus trinta artigos, mas especialmente nestes dois: 

Artigo 18

Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular.

Artigo 19

Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

 

Os limites éticos são aqueles estabelecidos na obrigação declarada aos Estados de proteger todos aqueles direitos, o que significa, implicitamente, que eles precisam proteger os indivíduos de ataques, do Estado ou de outros indivíduos, que queiram limitar, violar ou obstar seus direitos fundamentais, entre eles o da liberdade de expressão.

Infelizmente, se trata de uma simples Declaração, de adesão voluntária e não dotada de mecanismos compulsórios ou punitivos, daí que muitos Estados continuaram infringindo seu espírito, e até sua letra, mesmo tendo assinado e ratificado o documento de 1948. Mas, mesmo um tratado não impede que Estados signatários decidam violá-lo, que foi o que ocorreu com o Pacto Briand-Kellog de 1928 que comprometia os aderentes a não recorrer à guerra para a solução de seus diferendos. A despeito de o terem aceito, as potências fascistas e militaristas do entre guerras a elas tiveram recursos quando assim julgaram oportuno, começando aliás pelo Japão, depois a Itália e finalmente a Alemanha. 

Mas, independentemente de seu fracasso prático, o Pacto de 1928 representou um grande avanço conceitual, o que habilitou a Carta de San Francisco a tornar a guerra ilegal, a não ser em autodefesa. Da mesma forma, a Declaração de 1948 representou um enorme avanço conceitual, que permitirá, talvez, avanços mais constrangedores no caminho da defesa, pelos Estados, das liberdades reais, não apenas que se colocam no papel. Este é um caminho difícil, pois acredito que se o texto de 1948 fosse apresentado hoje, para discussão e aprovação numa conferência diplomática universal, talvez ele encontrasse imensas dificuldades para ser aceito por todos os Estados contemporâneos. 

Mesmo um avanço aparentemente ético como a Responsabilidade de Proteger pode sofrer interpretações duvidosas no âmbito de conflitos internos que coloquem governos contra uma parte da sua própria população. Entre as primeiras propostas e sua implementação tivermos Ruanda, os Balcãs, depois a Líbia e mais recentemente a Síria, como exemplos do que ainda pode dar errado, mesmo com a existência de declarações formais de respeito às liberdades e garantias fundamentais. O caminho é verdadeiramente longo, e talvez não estejamos tão longe assim da Guerra de Troia, depois de tantos progressos aparentes. Se ainda não se respeita sequer a vida das pessoas, como esperar que se proteja a liberdade de expressão: limites éticos, ou seja, dependentes da vontade pessoal, talvez não possam ser suficientes. Mesmo esquecendo as guerras, racismo, machismo, discriminações de gênero continuam sendo praticados amplamente, sem quaisquer limites éticos impostos.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3880, 28 de março de 2021; revisto em 10/04/2021.

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Espero poder participar novamente desta vez.

Paulo Roberto de Almeida

 Brasília, 11/01/2022

Saúde e bem-estar estão no foco do número atual da revista do FMI: Finance and Development

 O número mais recente (Janeiro de 2022) da revista Finance and Development do FMI trouxe reflexos diversificados de diferentes personagens do mundo do desenvolvimento.


IMF Finance and Development
image

(Art: John Jay Cabuay)


Dear Colleague,

The pandemic has raised questions about how we function as a society and what we should value as individuals.

In our latest issue of Finance & Development focusing on health and well-being, six thinkers from various disciplines and regions reflect on lessons learned from the pandemic as we seek to cultivate a more resilient world.

Read the full article below or on our website.

Check out our December Issue of Finance & Development

We also recently published a special series of articles that give a closer look at the issues critical for the development of sub-Saharan Africa.


Michelle Bachelet

Bachelet

Leave no one behind is not just a mantra, it is a necessity. The pandemic has exposed and exacerbated inequalities within and between states and demonstrated the huge costs to people and prosperity of leaving those gaps unaddressed. Yet, due in significant part to short-sighted vaccine policies, we are faced with deepening economic hardship in the developing world, while richer countries welcome signs of an economic recovery. 

To recover better, we need an economy that puts human beings and rights at the center of economic policy. One that invests in health, social protection, and other human rights to curb inequalities and discrimination; embraces progressive taxation, labor rights, and decent work; and promotes meaningful public participation and civic spaces. 

This human-rights-based approach to the economy is an essential lever to relaunch and accelerate our path toward realizing the United Nations 2030 Agenda for Sustainable Development.

MICHELLE BACHELET is the United Nations high commissioner for human rights.

Jeffrey Sachs

Sachs

The basic lessons of happiness are these: society (and therefore government policies) should attend to people’s economic needs, physical health, mental health, social connections, sense of purpose, and confidence in government. The pandemic has threatened almost every dimension of well-being and indeed has fostered rising anxieties, clinical depression, social isolation, and in many places, a loss of confidence in government.

We need more government outlays in response to the pandemic and its aftermath, but this poses two challenges: first, poor countries cannot afford to increase the provision of public services, so they urgently need access to incremental financing and debt relief on adequate terms. Second, governments need much more professionalism and competence than many (perhaps most) have displayed in response to the pandemic during the past two years.

Aristotle wrote two books as a pair: Nicomachean Ethics and Politics. Nicomachean Ethics is mainly about personal virtues and the household and friends, while Politics is about civic life, public education, and sociality at the scale of the polis (the city-state). Virtuous citizens lead to a virtuous state, while a virtuous state (and government) promotes virtues in the population. And the virtues—wisdom, justice, moderation, honesty—are all supportive of a good life.

JEFFREY SACHS is the director of the Center for Sustainable Development at Columbia University.

K. K. Shailaja

Shailaja

The worst crisis of the century has underscored the need to reassess existing health systems and formulate an effective and socially equitable strategy to combat health crises in the future. It is imperative that governments continue to strengthen their public health systems and augment the capacity to treat more infections. Protecting the physical and mental health of frontline workers should be given priority. At times of crisis, it is equally vital to galvanize the trust of the community through engagement and transparency in dissemination of information. The right to health and protection of human rights in providing care should be upheld for one and all. An inclusive response to the pandemic must be aligned with the United Nations 2030 Agenda for Sustainable Development in order to ensure that no one is left behind. 

The emergence and reemergence of new and old diseases and the public health aftereffects of natural disasters are unavoidable. Health policymakers should monitor and maintain a well-functioning disease surveillance system informed by the application of principles of epidemiology to help reduce the impact of future diseases and outbreaks. This proactive approach should be further complemented by preventive health care services, along with health workforce education and training in disease surveillance and public health actions. An integrated and collaborative One Health method needs to be promoted to share scientific and research data to tackle emerging challenges in global health and to attain optimal health for people, animals, and our environment.  

K. K. SHAILAJA is the former health minister of Kerala, India. 

Christian Happi

Happi

The world was not prepared to respond to the emergence of a new and deadly pathogen. With pathogens, we need to start playing offense and stop playing defense. Preventive measures must be put in place to ensure the health and wellness of citizens. This will require crucial investments in novel genomic tools and technologies for surveillance and real-time data capture and sharing.    

Fortunately, we have seen the establishment of new health and wellness initiatives by private philanthropies, governments, and global health organizations, especially in the field of public health and outbreak preparedness. Examples of these initiatives include the World Health Organization’s Hub for Pandemic and Epidemic Intelligence and an early warning system program called SENTINEL that is being co-led by the African Center of Excellence for Genomics of Infectious Disease at Nigeria’s Redeemer’s University and the Broad Institute of Harvard and MIT.

The pandemic has also highlighted the importance of investing in basic and translational scientific research on infectious diseases, especially in Africa. Most pandemic-potential pathogens are found in Africa, which means that the continent could lead the world in the development of countermeasures and tools for preventing, detecting, and responding to outbreaks. But this has not been an investment priority for African leaders. As an example, if African countries had previously invested in vaccine research and development, they would not be waiting for vaccine donations. 

Many countries on the continent also lack the local production capacity for biotechnology and the manufacture of medical supplies, drugs, and vaccines. This makes the continent vulnerable. Thankfully, we are seeing a renewed urgency toward investments in these sectors. 

CHRISTIAN HAPPI is a professor of molecular biology and genomics and the director of the African Center of Excellence for Genomics of Infectious Diseases. 

Kate Soper

Soper

The pandemic has added to global inequalities—in 2020, it pushed 124 million more people into poverty—and revealed the topsy-turvy nature of an economy that undervalues its most essential workers while massively rewarding its financial elite. It has also shown how environmental misuse is implicated in lifestyle illness and the spread of pandemic disease. At the same time, the lockdown experience shed light on the benefits to health and well-being of adopting slower-paced and less acquisitive ways of living, and it allowed more citizenly feeling to come into play. 

If there is a lesson to be learned here, it is that our collective health and well-being can be secured only through correcting the huge disparities of wealth and eco-privilege of the current world order. The more affluent nations must now promote a green renaissance founded upon an alternative politics of prosperity. There is an opportunity here to advance beyond a way of living that is not just bad for the planet and ourselves, but also in many respects self-denying and overly fixated on work and moneymaking at the expense of the enjoyment that comes with having more time, doing more things for oneself, traveling more slowly, and consuming less stuff.

Nations whose environmental footprint grossly exceeds the planet’s carrying capacity can no longer be aspirational models for the rest of the world. A cultural revolution along these lines will be comparable to the forms of social transformation and personal epiphany brought about through the feminist, anti-racist, and anti-colonial movements of recent history. It will not be easy to mount and will be fiercely opposed by those currently in power. But the gains it promises will be immense, and without them, the future is bleak for us all.

KATE SOPER is emeritus professor of philosophy at London Metropolitan University and author of Post-Growth Living: For an Alternative Hedonism.

María del Rocío Sáenz Madrigal

Saenz

I am a doctor by training but served for four years in government as the minister of health for Costa Rica—the first woman to do so. Those years in government gave me a 360-degree view of how the health sector and public policy intersect. After I finished my term as minister and took some leave, I was called back to serve as the executive president of the Costa Rican Social Security Fund. That allowed me to see the health system from a different perspective. Serving in those positions fundamentally shaped my view that while regulation and the provision of services are extremely important, we cannot forget the role of people, populations, and the communities we serve. They must be at the center of decision-making. 

I think there are three lessons the pandemic has taught us. The first is that it has deepened preexisting gaps—access gaps, income gaps, inequality gaps. These are all very evident. The second, which is related, is that you cannot have a sufficient response without greater equity. Equity not only in terms of health outcomes, but equity in how policies are designed and implemented. The third, which I think is extremely important, is the role of community and of primary health care—strengthening the services that are close to the population. Countries with stronger primary care health systems and greater penetration at the community level have without a doubt shown greater resilience during the pandemic.

MARÍA DEL ROCÍO SÁENZ MADRIGAL is a professor of health promotion at the University of Costa Rica. 

Ironias da história e dos impérios - Paulo Roberto de Almeida

 Ironias da história e dos impérios 

Paulo Roberto de Almeida

Os EUA salvaram a França e a Grã-Bretanha duas vezes, na primeira metade do século XX, de serem derrotadas pelo militarismo prussiano. Seu império é um dos mais recentes, surgindo no final do século XIX, se espraiando a partir de 1917, e se consolidando em toda a sua preeminência a partir de 1945.

Na segunda metade do século XX, eles salvaram a Europa e metade do mundo da tirania bolchevique. Bem-feito! George Kennan disse como deveria ser feito.

Depois fizeram muitas bobagens, na Ásia, no Oriente Médio, na África e na América Latina, sobretudo no Vietnã, Camboja, no Iraque, pois impérios estabelecidos costumam ser brutais e paranoicos. Mas George Kennan não teve nada a ver com essas besteiras, e sim o tal complexo industrial-militar, de que falou Eisenhower, e dirigentes políticos ineptos e arrogantes.

Agora, no século XXI, pensam que estão salvando o Ocidente e o mundo do “comunismo” chinês. Pensam torto!

O mais alucinante é pensar que alguns dos mais brilhantes acadêmicos das grandes universidades foram contaminados pela paranoia (natural) dos generais do Pentágono e desandaram a proclamar a fantasmagoria irracional da tal “armadilha de Tucídides”, uma leitura completamente errada do grande historiador das guerras do Peloponeso.

Nisto se enganam terrivelmente. Os chineses, sob a condução dos novos mandarins de Deng, só queriam ficar ricos, depois de terem amargado misérias durante milhares de anos. Em segundo e mais importante lugar, não querem mais ser humilhados pelas arrogantes potências ocidentais e pelos militaristas japoneses, como foram desde o século XIX até meados do XX, justamente.

Agora, sob a condução de um imperador impaciente, querem apenas “pacificar” e consolidar o seu império INTERNO, no Tibet, no Xinjiang, em Hong Kong (de maneira brutal) e na província rebelde de Taiwan (talvez aqui, se ocorrer a unificação forçada, de maneira catastrófica). 

Mas nada disso tem a ver com espalhar o “comunismo” no mundo, ou impor sua ditadura modernizante sobre outros povos. Eles só querem ficar ricos e respeitados, e o fazem da maneira como sempre fizeram em 4 mil anos de história: impondo a ordem e garantindo que os negócios se façam.

A China, hoje, é simplesmente a maior economia de mercado do mundo, com um governo autoritário que acredita estar fazendo o melhor possível para o seu povo, e de certa forma está. Mas sua concepção de organização política e social não tem nada a ver com princípios e valores do Ocidente iluminista e moderno, respeitador das liberdades democráticas e dos direitos humanos. 

A “ordem” chinesa obedece a outros parâmetros, que não são universais (como o Ocidente pretende que a sua ordem seja), mas que vale para o seu próprio universo imperial.

Impérios são muito mais permanentes e presentes, na história da Humanidade, do que Estados nacionais, que só têm, em seu formato moderno, 400 ou 500 anos de existência, e agora de maneira mais formal, com a criação da ONU, essa “grande geringonça” (le grand machin, como dizia o general De Gaulle).

Assim como, besteiras à parte, o império britânico foi uma força modernizadora no século XIX — e Marx concordava com essa visão —, assim como o império americano foi uma força pacificadora, progressista e libertária no século XX, o império chinês deveria ser uma força de ordem e de prosperidade tecnológica no século XXI, se os americanos não atrapalharem com a sua paranoia e a defesa idealista e ingênua das “liberdades”. 

Sim, o império chinês não tem muito a ver com democracia e liberdades: isso nunca fez parte de sua história, mas talvez o povo chinês também seja conquistado por essas poderosas ideias em algum momento do futuro previsível.

O “Ocidente” — atualmente um falso conceito, pois todo o mundo é, agora, “ocidental”, inclusive a China, o Irã, cada qual à sua maneira — precisa entender que democracia e liberdades não são artigos de exportação; podem ser ideias importáveis, mas pelos próprios povos. 

Impérios impõem a ordem, mas a questão dos valores demora mais tempo. Os romanos acabaram romanizando gauleses, balcânicos, “ibéricos” e alguns outros povos, inclusive alguns ostrogodos, mas não o suficiente. Os chineses até conseguiram sinicizar mongóis e manchus. Os otomanos fizeram menos, pois não tinham as qualidades de alguns povos conquistados. Os conquistadores árabes eram mais rústicos do que os sofisticados persas, por exemplo, e certamente os europeus era muito primitivos em relação aos chineses, quando começaram a fazer o caminho inverso ao das rotas da seda.

Assim é a história, que, nas palavras do historiador Lawrence Stone, é um velho carro de bois, com suas rodas desajustadas e desengonçadas, avançando lentamente por uma estrada esburacada e enlameada.

Impérios não são a pior coisa na história da Humanidade; a coisa mais terrível é quando psicopatas tirânicos querem construir o “seu” império, mas esses são episódios mais raros, assim como são os Estados nacionais militaristas e expansionistas. 

O século XXI continuará a ser americano e ocidental pelas conquistas civilizatórias já alcançadas, pela sofisticação social e cultural europeia e também será “chinês”, pela prosperidade dentro da ordem, com aportes brasileiros na música, na mistura racial e na sensibilidade, mas isso se os malucos — nacionalistas idiotas e intolerantes em matéria de religião, política e futebol — não atrapalharem, o que de vez em quando acontece. 

Gente como Putin, Trump e o nosso idiota do Bozo são mais perturbadores do que realmente destruidores de uma ordem política, econômica e social (as democracias liberais de mercado) que é mais resiliente e expansiva do que comumente se pensa. 

A Humanidade avança, aos trancos e barrancos, como dizia Darcy Ribeiro. De vez em quando, um idiota, cercado por outros idiotas, vem perturbar, mas a maioria é sensata para retomar o caminho de um progresso lento, mas seguro. 

Como dizia Mario de Andrade, pouco depois da Semana de Arte Moderna, cem anos atrás, “progredir, progredimos um pouquinho, pois o progresso também é uma fatalidade”.

Com meu otimismo fatal, me despeço dos que tiveram a paciência de ler todo este escrito, feito na cama, no celular, numa manhã chuvosa.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 11/01/2022

O programa da Cátedra José Bonifácio da USP para 2022 - Rubens Ricupero

Ideias preliminares sobre a Cátedra José Bonifácio -USP

2021-2022


Rubens Ricupero


         O próximo período da Cátedra José Bonifácio coincide com o Bicentenário da Independência do Brasil. O patrono da cátedra foi a figura principal da independência, ao lado de Dom Pedro I. A dupla circunstância do aniversário nacional e do papel central nele desempenhado pelo Patrono da Independência quase que impõem de forma natural que a reflexão sobre o Bicentenário ocupe espaço central nos estudos e pesquisas da cadeira neste ano.

         José Bonifácio se destaca como figura original, quase única, entre os fundadores de nações nas Américas durante a era da independência. Não foi chefe militar, nem era jurista primordialmente. Homem de ciência num país sem ciência, universitário em terra sem educação superior, educado nas melhores universidades e centros científicos europeus, aplicou seu espírito científico a imaginar o que poderia vir a ser a nação cuja existência apenas começava naquele momento. Propôs ideias para resolver praticamente todos os desafios principais do país: a escravidão, o tráfico de escravos, a situação dos indígenas, o acesso à terra, o crédito, o desenvolvimento das minas e da indústria, a educação, a imigração. 

         A mais importante biógrafa moderna do Patriarca, a Professora da USP, Míriam Dolhnikoff, elaborou um livro intitulado Projetos para o Brasil José Bonifácio de Andrada e Silva (São Paulo: Companhia das Letras, 1998), que reúne e organiza todos esses projetos para criar um país moderno e aberto ao futuro. Em fins de 1990, poucas semanas antes de sua morte, José Guilherme Merquior havia feito uma conferência em Paris sobre os grandes projetos históricos de Brasil-nação. O primeiro consistia no que chamava de “Projeto Andrada”, resumido em executivo forte, imigração para substituir a escravatura e crédito do Banco do Brasil para desenvolver o país. 

         Os projetos que o Patriarca sonhou para a nação poderiam servir-nos de inspiração na hora de planejar as atividades da Cátedra JB nos próximos meses. Não para levar avante um programa de estudos históricos sobre a Independência, o que já foi feito de forma magnífica e recente por pesquisadores da USP por meio, sobretudo, do projeto temático Brasil: Formação do Estado e da Nação. Sob coordenação e liderança do professor da USP, István Jancsó, falecido em 2010, o projeto reuniu 22 pesquisadores de dez universidades. Resultou na publicação da obra: István Jancsó (organizador), Brasil: Formação do Estado e da Nação. (São Paulo: Hucitec, Unijuí, FAPESP, 2003).  

         Levando em conta o estudo histórico já realizado, os projetos de Brasil-nação nos fornecem inspiração sobretudo porque, na maioria dos casos, se não na totalidade, os mesmos problemas ou suas sequelas continuam a interpelar os brasileiros na véspera do terceiro século da existência do país independente. Um centenário na vida da nação se presta sempre a duas perguntas inevitáveis: o que se fez? O que falta fazer? As grandes exposições universais do passado se compraziam em inventários exaustivos, balanços que mereceriam o nome de “museus de tudo”: as artes, as invenções, os produtos da indústria, da agricultura, das minas. Nosso propósito, mais realista, se concentraria em partir da situação atual em alguns setores-chaves, poucos e decisivos, como base para reflexão sobre o futuro.

         De fato, o programa da Cátedra se voltaria resolutamente para a frente, para responder, acima de tudo, à questão relativa ao que faltou e falta fazer. A ênfase necessariamente recairá no Brasil, pois é do Bicentenário do país que vamos nos ocupar. Nossa Independência, longe de ter sido fenômeno isolado, constituiu o capítulo brasileiro de um processo global: o fim do Antigo Regime, as revoluções atlânticas, as guerras napoleônicas. Tais causas produziram consequências análogas do México à Argentina, englobando praticamente toda a Ibero-América. A dimensão comparativa com os demais países do nosso entorno geográfico e existencial não poderia, portanto, faltar no programa, o que o insere claramente na característica central da cadeira, o estudo da realidade ibero-americana. 

         Com diferença de poucos anos, os países latino-americanos comemoraram ou ainda devem comemorar seus bicentenários de independência. A Argentina, o mais próximo pela contiguidade e importância, ostenta até dois bicentenários, o da Revolução de 25 de maio de 1810 que derrubou o vice-rei espanhol e instituiu a primeira Junta de Governo e o de 9 de julho de 1816, quando o Congresso de Tucumán proclamou a independência das Províncias do Rio da Prata. Ao escrever sobre o Bicentenário de 2010, o historiador argentino Luís Alberto Romero procurou comparar esse segundo aniversário com o primeiro (1910), no artigo La Argentina en el espejo de los Centenarios, (Nuevo MundoMundos Nuevos, 2010, publicado também em forma mais resumida e com alterações como El espejolejano del primer Centenario, Revista Ñ, Clarín, 26/5/2010). 

         Os dois escritos de Romero podem nos ajudar na necessária reflexão coletiva que deveremos fazer ao longo dos próximos meses sobre o nosso Bicentenário. Não tanto no conteúdo da análise e sim na metodologia, na forma de abordar a questão, tomando de empréstimo, entre outros aspectos, a comparação entre o primeiro e o segundo centenário, o panorama ao fim de cada um dos dois séculos de existência independente. Ele partiu das duas questões incontornáveis, que chama de uma pergunta e um desafio: o que fizemos? O que podemos fazer? Sua resposta é que se deve buscar um objetivo duplo: dar um balançono que se fez ou deixou de fazer e propor um programa para o futuro, para o que falta fazer ou corrigir. 

Tendo de escolher entre um mundo de coisas realizadas em duzentos anos, Romero viu-se obrigado a deixar de lado elementos importantes como a economia e a sociedade. Preferiu concentrar a atenção em três questões: o Estado, a República e a Nação. Esclareço que não proponho reproduzir em relação ao Brasil no programa da cátedra o balanço e o programa que o intelectual portenho levou a efeito sobre a Argentina. Ele escreveu, com efeito, no momento em que se completava, em 25 de maio de 2010, um dos Bicentenários argentinos. 

Em nosso caso, enfrentamos situação bastante diferente. Em primeiro lugar, na cronologia, já que o bicentenário brasileiro em tese se completa apenas em 7 de setembro de 2022, portanto além da data do encerramento do programa. Outra diferença reside na coincidência, no mesmo ano, entre o Bicentenário do Brasil e eleições que decidirão sobre o futuro de governo que representa uma “ruptura de civilização” no curso dos 200 anos da história do país independente. Não seria, assim, possível dispor de balanço definitivo desse período e muito menos de programa de futuro antes de saber o que nos reservam as eleições. Em termos de fato, se não de cronologia, o segundo século brasileiro só termina depois das eleições de 2/30 de outubro de 2022.

Por essas razões, proponho a esta altura somente um roteiro e um método para o exercício de reflexão que deveremos empreender como forma ideal de viver o Bicentenário. “Viver”, não “lembrar”, “recordar”, pois uma coisa é trazer à memória acontecimentos passados e acabados, a assinatura do Tratado de Petrópolis, a batalha do Riachuelo. Outra, bem diversa, é evocar um processo vivo em pleno andamento, inacabado, que necessita de nossa ação para que se tente imprimir-lhe sentido de criação do futuro. 

Neste caso, temos de viver o processo de dentro, como operários de uma construção em curso. Quanto mais agora que teremos pela frente um bicentenário coincidente com campanha eleitoral decisiva. Dessa campanha deveria fazer parte a discussão de nosso passado e a proposta de razões para crer que o futuro será superior ao presente e melhor do que foi o passado. Longe da posição do analista de fora, somos autores, sujeitos de um processo que se confunde com nosso próprio destino. 

É obrigação de cada um fazer com que a comemoração do Bicentenário supere em muito a do Centenário de 1922 em qualidade e, acima de tudo, em participação universal, sem exclusões, de todos os setores da população que nunca tiveram voz. Quem sabe assim o terceiro século do Brasil será capaz de resgatar a dívida deixada pelos dois primeiros: dar sentido ao mosaico formado pelos incontáveis fragmentos partidos da memória, permitir a cada participante do povo brasileiro uma vida de trabalho digno, igualdade e realização cultural.


Rubens Ricupero

São Paulo, 15 de novembro de 2021