O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 23 de setembro de 2023

Tom Friedman visita a Ucrânia (NYT)

 EM VISITA A KIEV 

Thomas Friedman

The New York Times,18/09/2023

Em visita a Kiev, semana passada, na minha primeira viagem à Ucrânia desde a invasão de Vladimir Putin, em fevereiro de 2022, eu tentei fazer meus exercícios de todas as manhãs caminhando nos arredores do Mosteiro de São Miguel das Cúpulas Douradas. Sua serenidade, porém, tem sido perturbada pela exibição destoante de blindados de transporte de tropas e tanques russos destruídos. Durante minhas caminhadas, eu meti a cabeça e olhei dentro desses cascos arrebentados por foguetes imaginando a morte terrível que os soldados russos que operavam os veículos tiveram.

Mas o choque dessa massa retorcida de aço enferrujando ao redor desse grandioso e esbranquiçado edifício evocou-me uma imagem diferente à mente: de um meteoro.

Parecia que um meteoro gigante tinha caído do céu, desfazendo a vida com a conhecíamos — quase oito décadas sem uma guerra entre “grandes potências” na Europa, um continente no qual séculos de invasões e conquistas cederam caminho para segurança e prosperidade. Agora esses escombros feiosos estão entre nós, fumegando — e nós, tanto na Ucrânia quanto na comunidade internacional, estamos com dificuldades para encontrar uma maneira de lidar com isso.

Quase todos os ucranianos com que conversei em Kiev estão ao mesmo tempo exaustos com a guerra e apaixonadamente determinados a recuperar cada centímetro de território ocupado pela Rússia — mas ninguém tem respostas claras a respeito do caminho adiante nem sobre as dolorosas contrapartidas à espera, apenas certeza de que a derrota significaria o fim do sonho democrático da Ucrânia e o fim da era pós-2.ª Guerra que produziu uma Europa mais integrada e livre do que jamais havia ocorrido em sua história.

O que Putin está fazendo na Ucrânia não é apenas irresponsável, não é apenas uma guerra de escolha, não é apenas uma invasão que se distingue pelo exagero, desonestidade, imoralidade e incompetência que lhe é peculiar, tudo isso envolto num emaranhado de mentiras. O que Putin está fazendo é perverso. Ele vomitou uma variedade de justificativas — um dia estava removendo um regime nazista no poder em Kiev, depois impedindo uma expansão da Otan e então repelindo uma invasão cultural do Ocidente — para o que foi, em última instância, um devaneio pessoal que requer neste momento que seu Exército de superpotência peça ajuda à Coreia do Norte. É como se o maior banco da cidade fosse pedir empréstimo em uma casa de penhores local. Eis no que deu aquela virilidade descamisada de Putin.

O que é tão perverso — além da morte, da dor, do trauma e da destruição que ele infligiu sobre tantos ucranianos — é que num momento em que mudanças climáticas, fome, crises sanitárias e tantas outras aflições acometem o Planeta Terra, a última coisa que a humanidade precisava era destinar tanta atenção, tanta energia colaborativa, tanto dinheiro e tantas vidas para responder à guerra de Putin com intenção de transformar a Ucrânia novamente uma colônia russa.

Ultimamente Putin nem sequer tem se incomodado em justificar a guerra — talvez por até ele mesmo estar constrangido demais para pronunciar em voz alta o niilismo que suas ações transparecem: já que eu não consigo possuir a Ucrânia, farei o que puder para que ninguém mais possa tê-la.

“Não se trata de uma guerra em que o agressor tem alguma visão, algum projeto para o futuro. Em vez disso, ao contrário, para eles tudo é obscuro, sem forma, e a única coisa que importa é a força”, notou o historiador Timothy Snyder, de Yale, em um painel do qual participamos em uma conferência em Kiev, no fim de semana passado.

Estar na cidade foi esclarecedor para mim em três aspectos. Eu entendi ainda melhor o quão doentia e perturbadora esta invasão russa é. Entendi ainda melhor como será difícil — talvez até impossível — para os ucranianos expulsarem o Exército de Putin de cada centímetro de seu território. Acima de tudo, talvez, eu entendi ainda melhor algo que o ex-conselheiro de segurança nacional dos Estados Unidos Zbigniew Brzezinski observou quase 30 anos atrás: “Sem a Ucrânia, a Rússia deixa de ser um império; mas com a Ucrânia cooptada e então subordinada, a Rússia torna-se automaticamente um império”.

O comandante da unidade de assalto da 3ª Brigada de Assalto, que atende pelo nome de "Fedia", passa por corpos de soldados russos mortos na linha de frente a caminho de Andriivka, região de Donetsk, Ucrânia

O comandante da unidade de assalto da 3ª Brigada de Assalto, que atende pelo nome de "Fedia", passa por corpos de soldados russos mortos na linha de frente a caminho de Andriivka, região de Donetsk, Ucrânia Foto: Alex Babenko / AP

Estados Unidos

A maioria dos americanos não sabe muita coisa a respeito da Ucrânia, mas eu afirmo o seguinte sem nenhuma hipérbole: a Ucrânia é um país decisivo para o Ocidente dependendo do desfecho desta guerra, para o bem ou para o mal. A integração da Ucrânia à União Europeia e à Otan algum dia constituirá uma mudança de equilíbrio de poder que poderá se equiparar à queda do Muro de Berlim e à unificação da Alemanha. A Ucrânia é um país com capital humano, recursos agrícolas e recursos naturais impressionantes — “mãos, cérebros e grãos”, conforme costumam dizer investidores ocidentais em Kiev. Sua integração plena à segurança democrática da Europa e sua arquitetura econômica seria sentida em Moscou e Pequim.

Putin sabe disso. Sua guerra, na minha visão, nunca foi primeiramente sobre combater a expansão da Otan, sempre foi muito mais sobre impedir a Ucrânia eslava de aderir à União Europeia e se tornar um exemplo bem-sucedido de contraposição à eslava e criminosa autocracia de Putin. A expansão da Otan é amiga de Putin — permite-lhe justificar uma militarização da sociedade russa e apresentar a si mesmo como guardião indispensável da força russa. A expansão da UE para a Ucrânia é uma ameaça mortal — expõe o putinismo como fonte da fraqueza russa. E todos os ucranianos com que conversei, unanimemente, parecem entender que seu povo e a Europa estão unidos em um momento histórico contra o putinismo — um momento, contudo, que não pode ser fortuito sem a firmeza dos EUA. Por este motivo, as perguntas mais frequentes — e afitas — que ouvi durante minha visita foram variações de, “Você acha que Trump, o amigo de Putin, pode virar presidente outra vez?”.

Basta olhar nos olhos dos soldados ucranianos que voltam do front ou conversar com pais e mães nas ruas de Kiev para despir-se de qualquer ilusão a respeito do equilíbrio moral desta guerra. Eu estive somente três dias na Ucrânia — muito menos que meus colegas do Times e outros correspondentes de guerra que têm narrado testemunhos marcantes dos combates e sofrimentos. Mas minhas interações relativamente breves fizeram ressuscitar em mim as imagens que nós vemos de cidades e vilarejos arruinados por bombas no leste da Ucrânia e as constatações horripilantes sobre as quais lemos das Nações Unidas documentando casos em que crianças foram “estupradas, torturadas e confinadas ilegalmente” pelos invasores russos.

Trata-se do caso mais óbvio do certo contra o errado, do bem contra o mal em relações internacionais desde o fim da 2.ª Guerra.

Quanto mais nos aproximamos do atual conflito, porém, e pensamos sobre como resolvê-lo, aquele balancete preto e branco, nu e cru de equilíbrio moral não oferece nenhum mapa do caminho suave para alguma solução.

O que define um desfecho justo é claro como o dia. É uma Ucrânia inteira e livre — com reparações pagas pela Rússia. Mas não é completamente claro quanto dessa justiça é alcançável — e a que preço — ou se algum acordo sujo será a opção menos pior. E se assim suceder, que tipo de acordo, quão sujo, quando e garantido por quem?

Em outras palavras, no instante que abandonarmos o ordenamento jurídico nesta guerra — e entrarmos no campo da realpolitik diplomática — todo o quadro deixa de ser preto ou branco e se funde em diferentes tons de cinza. Porque o criminoso ainda é poderoso e tem amigos — e, portanto, voz. A Ucrânia também tem bastante amigos comprometidos a ajudar sua luta por quanto tempo ela quiser — até o “tempo que ela quiser” se tornar longo demais em Washington e outras capitais ocidentais.

É muito difícil impedir um líder desavergonhado e sem consciência. Na terça-feira, Putin afirmou que as 91 acusações criminais registradas contra Donald Trump em quatro jurisdições diferentes dos EUA representam a “perseguição de um rival político por motivos políticos” e evidenciam “a podridão do sistema político americano, que não pode ter a pretensão de ensinar democracia para os outros”. O salão desatou em aplausos para um líder reconhecido por colocar veneno na cueca de um opositor, explodir um avião com um rival dentro e “ensinar democracia” a dissidentes presos em campos de trabalho na Sibéria.

A falta de vergonha é de tirar o fôlego. E ainda que sua súplica à Coreia do Norte por ajuda militar seja patética, o fato dele estar disposto a pedir enfatiza que ele tem intenção de continuar sua guerra até conseguir um pedaço da Ucrânia que possa ostentar como um sucesso que lhe guarde as aparências."


sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Projeto de Lei sobre Inteligência artificial

 Em pauta o PL 21/2020, que estabelece fundamentos, princípios e diretrizes para o desenvolvimento e a aplicação da inteligência artificial no Brasil.

No presente texto, irão entrar as seguintes alterações:

Estabelece fundamentos e princípios para o desenvolvimento e a aplicação da inteligência artificial no Brasil e diretrizes para o fomento e a atuação do poder público nessa área.

Estabelecimento de regulamentação pelo Poder Executivo federal através de órgãos e entidades especializadas com competência técnica.

Estímulo à autorregulação, incentivando a criação de códigos de conduta e guias de boas práticas.

Promoção de um ambiente propício para a implementação de sistemas de inteligência artificial, incluindo a revisão e adaptação das estruturas políticas e legislativas necessárias para a adoção de novas tecnologias.

Principais Pontos:

O projeto de lei não especifica a entidade encarregada de regulamentar a inteligência artificial, como a criação de uma secretaria ou atribuição a um órgão. No entanto, sugere que essa responsabilidade seja delegada a órgãos e entidades setoriais com expertise técnica. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação deve assumir esse papel.

O projeto estabelece uma definição normativa da inteligência artificial, possibilitando a responsabilização de indivíduos por uso indevido ou prejudicial da tecnologia.

Além disso, o projeto descreve atuação do poder público, incluindo princípios como intervenção subsidiária, atuação setorial, gestão baseada em risco, participação social, análise de impacto regulatório e responsabilização dos agentes envolvidos na IA.

Também fornece orientações para a atuação da União e de outras entidades relacionadas à IA, como a promoção da confiança, o estímulo à pesquisa e desenvolvimento, a promoção da interoperabilidade tecnológica, entre outras medidas.

O objetivo central do projeto é regular a inteligência artificial no Brasil de maneira ética, promovendo seu uso responsável e aprimorando a governança nessa área vital para o desenvolvimento tecnológico do país.

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Voltamos aos tempos da “clausura de los rios”? Argentinua continua se achando dona do pedaço…

 Um dos conflitos do Prata, no Império, foi justamente causado pela ação argentina de tentar controlar os afluentes do Rio da Prata. Voltamos a isso?

Pedágio em hidrovia coloca Brasil e Paraguai contra Argentina e gera crise 

Via é usada como caminho mais barato para transportar soja, milho e derivados Júlia Barbon BUENOS AIRES É dia 28 julho e uma embarcação de bandeira paraguaia navega pelas águas do rio Paraná levando 13.561 toneladas de soja brasileira à Argentina. Ao chegar para descarregar os grãos na cidade de San Lorenzo, a cerca de 300 km da costa, porém, o rebocador se recusa a pagar pedágio e é retido por decisão judicial.

 O barco é liberado dez dias depois, com o pagamento da tarifa, e faz emergir uma discussão que até então estava se dando abaixo da superfície: a imposição de uma taxa pela Argentina, desde janeiro, a quem passar por um trecho da hidrovia Paraguai-Paraná, que corta cinco países ligando o Mato Grosso ao rio da Prata. Sem que se conseguisse um acordo na instância técnica nos últimos dez meses, o assunto foi parar nos gabinetes políticos, escalando na semana passada para trocas de acusações públicas e até retaliações práticas entre Argentina e Paraguai. Este último chegou a suspender a venda de energia aos argentinos, que tiveram que recorrer às usinas brasileiras, mais caras. 

 A tensão subiu em toda a região, gerando um cenário de quatro contra um: Brasil, Bolívia e Uruguai se juntaram ao coro paraguaio para pedir que os vizinhos retirem o pedágio até que a questão seja resolvida. Enquanto isso, os países já iniciaram os trâmites para uma possível arbitragem internacional, o que é visto como um retrocesso para a integração regional tão almejada pelo presidente Lula. 

 A hidrovia em debate, com 3.442 km de extensão, é gerida de forma conjunta entre essas nações desde o fim da década de 1980, servindo de caminho mais barato para soja, milho e derivados, além de combustíveis, fertilizantes e minério de ferro. A via é especialmente importante para o Paraguai, que não tem ligação com o mar, então depende dela para transportar quase 80% do seu comércio exterior, e tem a terceira maior frota de embarcações do mundo. 

 Os quatro países criticam principalmente dois pontos: primeiro, dizem que a Argentina impôs o pedágio —de US$ 1,47 ou R$ 7 por tonelada— de forma unilateral e arbitrária, o que vai contra os tratados que preveem uma decisão em conjunto. Depois, reclamam que, ao reter os barcos, a nação restringiu a liberdade de navegação de bens estratégicos, novamente indo contra os acordos vigentes. "No entendimento do Brasil, da Bolívia, do Paraguai e do Uruguai, o governo argentino não foi capaz de demonstrar, até o momento, que o pedágio constitui ressarcimento de serviços efetivamente prestados na hidrovia, condição prevista no acordo para qualquer cobrança", afirmou o Itamaraty à Folha. O Paraguai disse que não seria possível indicar porta-voz. 

 A Argentina argumenta que a taxa é uma compensação por melhorias estruturais feitas no rio nos últimos 13 anos e insinua que a situação escalou pelo lado paraguaio, que estaria agindo por pressão do empresariado local. Procurada, a Casa Rosada afirmou que está respeitando o acordo de não dar declarações sobre o assunto e que o ambiente das negociações tem sido positivo. 

 O tom começou a subir em 24 de agosto, após o ministro da Economia e candidato presidencial argentino, Sergio Massa, fazer uma escala em Assunção para conversar com o presidente recém-empossado Santiago Peña. Eles posaram juntos para a foto, mas horas depois o Ministério de Relações Exteriores paraguaio criticou a Argentina nas redes sociais por não ter cumprido o suposto combinado de retirar o pedágio. 

Diego Giuliano, ministro dos Transportes argentino, respondeu no post que lamentava "que o conteúdo de uma reunião tão frutífera tenha sido distorcido". "Não sei se é falta de comunicação, acredito que são momentos distintos. No caso do Paraguai é muito claro: quando dizemos algo, se cumpre", alfinetou Peña a jornalistas no dia seguinte. "Nós não negamos a opção de cobrança [...], mas não podemos cobrar unilateralmente, deve ser um acordo entre os cinco países", adicionou.

O marco da escalada do conflito, então, ocorreu no último dia 6, quando uma segunda embarcação paraguaia foi parada em Zárate, cidade a 90 km de Buenos Aires, após também se negar a quitar o pedágio por transportar diesel paraguaio ao próprio Paraguai. Ela só foi liberada cinco dias depois, após pagar uma taxa. Enquanto isso, as farpas se transformaram em ações concretas: no dia 8, Peña decidiu parar de vender o excedente de energia produzido pela hidrelétrica Yacyretá, compartilhada entre os dois países, acusando a Argentina de não pagar uma dívida antiga —do outro lado, os argentinos também reclamam um passivo histórico menor pela construção da represa. "A decisão de retirar 100% da energia disponível para o Paraguai foi intencional, e a Argentina teve que comprar energia do Brasil a um custo mais alto. Fizemos grandes esforços para recompor a relação [...], mas os atrasos significativos com o Paraguai persistem", disse o presidente Peña ao jornal argentino La Nación no dia 10, depois negando uma relação com o assunto do pedágio. 

 Na mesma noite, os quatro países divulgaram uma nota pedindo que a Argentina suspenda a taxa e garanta a livre navegação até que se resolva o impasse, o que não foi feito até agora. No dia seguinte, uma delegação ligada a Massa viajou a Assunção para reduzir a tensão. Indicou-se que os dois lados concordaram com o direito de cobrar pedágio, mas ainda sem saber quanto nem como. Achamos que US$ 1,47 é um valor excessivo, os cerealistas calculam que deveria ser de US$ 0,66 [ou R$ 3,20]. 

Dependendo da carga, isso encarece em até 10% o valor do frete, e quem acaba pagando é a população em geral quando compra produtos importados", diz Raúl Valdez, presidente do Centro de Armadores Fluviais e Marítimos do Paraguai (Cafym). Ele diz que os pedágios pagos desde janeiro somam cerca de US$ 50 milhões, o dobro dos US$ 25 milhões que a Argentina afirma ter gasto com melhorias na hidrovia —o país não respondeu sobre as cifras. "Reconhecemos os investimentos e a necessidade do pedágio, mas as dragagens e sinalizações feitas até aqui não se traduziram em mais eficiência e segurança. 

É preciso trabalhar juntos, nós sabemos o que tem que ser feito." Agora, iniciaram-se as reuniões técnicas para decidir o valor e a forma de pagamento, além de debater a situação da hidrelétrica de Yacyretá. Se os dois lados não chegarem a um acordo, o caso deve passar à arbitragem internacional, como indicou Peña. O chanceler paraguaio Rubén Ramírez também chegou a dizer que acionou o Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul.

Ainda não perdemos a mania de perder qualquer oportunidade de perder oportunidades - Paulo Roberto de Almeida

Ainda não perdemos a mania de perder qualquer oportunidade de perder oportunidades

Paulo Roberto de Almeida


Resposta a um comentarista que pretendeu ver em minha postura alguma conivência com o estado presente deste país surrealista situado a centro-leste da América do Sul:

“Existem fracassos e tragédias. Bozo era uma tragédia para a democracia brasileira. E existem fracassos da inteligência, como esse que agora volta. Não sou responsável por uma ou por outro: sempre lutei contra a estupidez e contra o autoritarismo populista. O Brasil enveredou por impasses. Pena!”

Só permito-me acrescentar que não me sinto culpado por qualquer descaminho nas encruzilhadas abertas à trajetória do Brasil. Nos momentos decisivos da História tomamos, coletivamente, ou pela ação de elites medíocres, a trilha errada. 

Posso provar que sempre lutei por outras vias. Por isso mesmo convido esse comentarista a visitar meu livro mais recente: “Construtores da Nação: projetos para o Brasil, de Cairu a Merquior” (LVM, 2022).

O Brasil ainda tem um longo caminho pela frente. Persistirei neste meu quilombo de resistência intelectual!


Brasília, 21/09/2023


quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Trade and geopolitics: Five key takeaways from the G20 summit - Mekhla Jha

Trade and geopolitics

Five key takeaways from the G20 summit

Mekhla Jha, 12 September 2023

 

    The recently concluded G20 summit may be better remembered for its watered-down consensus on the war in Ukraine, but it also saw the US and India seizing an opportunity to lay down the conceptual underpinnings of what might be an answer to China’s Belt and Road Initiative, in the form of a new economic corridor. 

Here are our five key takeaways from the India G20 summit:

 

Takeaway #1: Dithering over Ukraine

G20 leaders have been deeply divided over the Russian invasion of Ukraine. The 2022 Bali summit stated that "most members strongly condemned the war in Ukraine," but added "there were other views" under pressure from Moscow and Beijing. This year, while the group reached consensus on a joint declaration, there was a discernible softening of the language around Russia’s role in the Ukraine war. All references to Russia, Russian aggression, and calls for Russia’s “complete and unconditional” withdrawal from the war that featured in last year’s joint statement were removed. The declaration instead emphasized that states must “refrain from the threat or use of force to seek territorial acquisition” and that “the use or threat of use of nuclear weapons is inadmissible”. The watering down of the G20’s position on Russia was the most notable takeaway for many commentators. The Ukraine war continues to bedevil global trade, and is cited as among the key headwinds to the world economy. Moscow said last month it was pulling out of a United Nations-led deal to allow safe passage of Ukrainian grain, a key export to global markets. India and China remain big buyers of sanctioned Russian oil. Kyiv's foreign ministry spokesman Oleg Nikolenko hit out at this year’s G20 statement, saying the G20 had “nothing to be proud of”.

 

Takeaway #2: The US broaches a trade super-corridor

The US laid out a multinational rail, shipping, and trade and investment connectivity project linking India with the Middle East and Europe on the sidelines of the summit, in a step seen as a challenge to China’s ambitious economic expansion plans in these regions. The so-called “India-Middle East-Europe Economic Corridor”, hailed as a ‘really big deal’ by President Joe Biden, includes India, Saudi Arabia, the United Arab Emirates, Jordan, Israel, and the European Union. While exploratory by nature, it aims to boost trade, deliver energy resources, and improve digital connectivity by providing infrastructure support such as rail links as well as undersea and power cables, a hydrogen pipeline, and other high-speed data infrastructure. The memorandum of understanding can be viewed as a plan to counter China’s Belt and Road push to develop global infrastructure by pitching Washington as an alternative partner and investor for developing countries. It remains to be seen whether and how the ambitious project will pan out but if the group can pull it off, this could mean huge gains for trade and investment.

 

Takeaway #3: Small gains on climate

For the first time, the G20 backed a target of tripling renewable energy capacity and laid out the need for global emissions to peak before 2025. The group also agreed in the summit’s statement that limiting warming to 1.5 degrees Celsius will require reducing greenhouse gases by 43% by 2030 from 2019 levels and that developing countries will need US$5.9 trillion in funding to achieve their climate targets. However, G20 leaders failed to agree on a phase-out of fossil fuels, with the member states, home to 93% of the world’s operating coal power plants and around 80% of global emissions, committing only to a “phase down” of coal. A Global Biofuels Alliance (GBA), launched by India in its role this year as the chair of the summit, is meant to help accelerate this “phase down” by promoting the adoption of biofuels through technological advancements, increasing the use of sustainable biofuels, and establishing robust standards and certification processes. Supported by the US, Brazil, Italy, and other nations, the alliance is expected to assist G20 nations in reducing their reliance on fossil fuels over the next three years.

 

Takeaway #4: The implications of China’s absence

Xi Jinping, who has never missed a G20 summit since taking power in 2012, was conspicuously absent from the New Delhi summit. China’s absence has invited a wide array of speculation and interpretations including a possible snub to India, whose relations with China have frayed over a border dispute, Beijing’s perception that the G20 harbors an anti-China agenda, and plans to reshape global governance by strengthening forums and platforms where China has a more central role. While China has provided no explanation for his absence, Beijing’s reticence has raised questions about Xi’s scheduled attendance at the upcoming Asia-Pacific Economic Cooperation summit in San Francisco in November. Much depends on whether the US and China can effectively rebuild some trust, even through symbolic gestures, in the next few months. Beijing last week called on Washington to “show real sincerity”.

 

Takeaway #5: India’s shift from non-alignment to multi-alignment

India’s G20 presidency is the culmination of a year of the evolution of India’s foreign policy from non-alignment to multi-alignment. With a foot in seemingly all camps, New Delhi is emerging as a big winner from global bifurcation. In May 2022, India participated in the leaders’ summit of the Quadrilateral Security Dialogue (Quad) in Tokyo, On the sidelines of the Quad Summit, India also became a member of the US-led Indo-Pacific Economic Framework for Prosperity (IPEF), though New Delhi later pulled out of one of the framework’s four pillars. A month later, Prime Minister Narendra Modi attended the 14th BRICS (Brazil, Russia, India, China, and South Africa) Summit, hosted by Beijing, though he did so virtually. Modi later last year attended the Shanghai Cooperation Organisation (SCO) Summit, a grouping established by China and Russia on political, economic, and security cooperation, and took over the presidency of the SCO for 2023. India is gaining from US friend-shoring and now is part of the proposed Middle East-Europe trade corridor. While India’s G20 presidency is a confirmation of India’s status as a major emerging global power and its role as the bridge between the developing and developed world, it is also a reminder of a skilful – if some might say cynical – multi-alignment foreign policy in an increasingly polarized world. As it reaps gains from this power broker role, one question remains: Can India be in this enviable position for long?

 

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Artigo sobre o livro de Natalia Pasternak e Carlos Orsi: Que bobagem, pseudociência e outros absurdos que não merecem ser levados a sério - Marcos Rolim

 

OPINIÃO

Ciência e escândalo

Por Marcos Rolim / 

Revista Extra Classe, Publicado em 14 de setembro de 2023
 
 
 
 
Ciência e escândalo

“Há os que acreditam em QAnon, a fantástica conspiração do ‘Estado profundo’; quem suspeite que uma vacina produzida na China possa introduzir um chip nas pessoas e ainda quem procure o apoio de discos voadores para seus objetivos golpistas” ciência

Imagem: Brookings.edu/Reprodução

Entre as muitas limitações presentes na formação cultural média do Brasil, destaca-se o baixo nível de informação sobre ciência.

Os dados são estarrecedores, e estudos internacionais já situaram o Brasil entre os países em que a percepção da realidade é mais distorcida.

Pesquisa do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), de 2021, mostrou que, para 54% dos jovens brasileiros (15 a 24 anos), os cientistas podem estar exagerando quanto aos efeitos das mudanças climáticas; outros 40% não concordam que os humanos evoluíram e descendem de outras espécies, e 25% entendem que vacinar crianças pode ser perigoso.

Essa situação piorou muito nos últimos anos por conta do avanço do fundamentalismo religioso no Brasil e pelo negacionismo promovido pela extrema direita que ataca a ciência, desconstruindo o conhecimento histórico, amparando movimentos antivacina e sustentando que o aquecimento global é uma farsa.

A ignorância sobre a ciência está presente não apenas entre os menos letrados.

Grande parte da elite nacional – políticos, operadores do direito, empresários, militares, lideranças sindicais, profissionais liberais, etc. – desconhece o método científico e não faz ideia de como se produz o conhecimento que tornou possível a vida moderna.

O período pandêmico, aliás, mostrou as graves limitações na formação científica de muitos médicos brasileiros, que estimularam o uso de medicamentos ineficazes para o tratamento da Covid, mesmo depois que estudos clínicos randomizados controlados já haviam evidenciado sua inutilidade e seus riscos.

Nesse quadro, há espaço para todo o tipo de crendice e superstição, um terreno fértil e muito lucrativo para a picaretagem.

O problema, claro, não é apenas do Brasil

Foto: Divulgação
Em todo o mundo, há quem esteja disposto a acreditar em “memória da água”, em “cura pelas mãos”, em “abdução por alienígenas”, em parentes mortos que surgem em “campos quânticos de informação”, em “deuses astronautas” ou mesmo que a “Terra é plana”.

Há os que acreditam em QAnon, a fantástica conspiração do “Estado profundo”; quem suspeite que uma vacina produzida na China possa introduzir um chip nas pessoas e ainda quem procure o apoio de discos voadores para seus objetivos golpistas.

A irracionalidade contemporânea não é o mesmo que a loucura, mas será cada vez mais difícil separar os dois fenômenos sem a denúncia da bobagem que se pretende passar por informação ou conhecimento.

Natalia Pasternak e Carlos Orsi lançaram, recentemente, Que bobagem, pseudociência e outros absurdos que não merecem ser levados a sério (Contexto, 336 p.), um livro que poderia promover ótimos debates, mas que tem produzido mais xingamentos do que argumentos.

O trabalho analisa a base teórica e as evidências científicas a respeito de Astrologia, Homeopatia, Acupuntura, Medicina Tradicional Chinesa, Curas naturais, Curas energéticas, Reiki, Constelações familiares, Paranormalidade, Pensamento positivo, entre outros temas, sustentando que os alegados saberes dessas práticas ou perspectivas são insustentáveis diante da ciência, além de potencialmente danosos.

Cada uma das críticas feitas pelos autores pode e deve ser contestada, e a forma de fazê-lo em debates científicos é oferecer evidências mais fortes.

Foi o que fez, por exemplo, o psicanalista Mário Eduardo Costa Pereira em debate com Carlos Orsi, promovido pela Unicamp.

Ao contestar as críticas feitas no livro à Psicanálise, Pereira mostrou algumas evidências divulgadas em artigos publicados em revistas científicas de alta qualidade, como Nature e Science, que amparam determinados pressupostos freudianos.

Seus argumentos não encerraram o debate, mas surpreenderam Carlos Orsi que desconhecia os artigos, o que deu ao psicanalista uma constrangedora vantagem.

A ciência depende desse tipo de debate, porque ela produz o conhecimento que, por definição, se sabe limitado.

Morin talvez tenha produzido a melhor síntese a respeito dessa característica ao dizer que “a verdade científica é aquela que existe na temperatura de sua própria destruição”, porque ela será superada por novas e mais fortes evidências ou por outros paradigmas.

O debate científico, entretanto, é uma raridade no Brasil

E é mais comum que livros que contestam crendices produzam apenas escândalos e ranger de dentes.

Mesmo nas nossas universidades, os espaços para o debate científico costumam ser constrangidos por estratégias de poder, o que talvez seja um problema mais sério nas ciências sociais, sendo comum a exclusão do pensamento divergente e a reprodução de pressupostos ideológicos sustentados frequentemente em nome do “pensamento crítico”.

Há, inclusive, em determinados círculos acadêmicos, uma resistência à noção de “evidência”, um conceito não raro desprezado, como se fosse expressão “do positivismo”.

Nesse cenário, o livro de Pasternak e Orsi é muito bem-vindo e merece ser lido, independentemente das críticas que ele possa merecer.

O que, é claro, não será a postura dos ideólogos e dos vendedores de ilusões que não leram e não gostaram.

Que bobagem… é obra de divulgação científica que oferece, em linguagem acessível ao amplo público, explicações úteis a respeito do método científico e muitas informações valiosas que, de fato, desmontam algumas pretensões de verdade, as quais só sobrevivem no caldo esotérico de alucinações holísticas que elas próprias criaram.


Texto do discurso de Lula na 78a Assembleia-Geral da ONU (19/09/2023)


Leia a íntegra do discurso de Lula na Assembleia-Geral da ONU

Presidente retorna ao principal palco internacional após mais de dez anos com a promessa de recuperar imagem do Brasil

Folha de S. Paulo, 20/09/2023

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/09/leia-a-integra-do-discurso-de-lula-na-assembleia-geral-da-onu.shtml


Meus cumprimentos ao presidente da Assembleia-Geral, embaixador Dennis Francis, de Trinidad e Tobago. É uma satisfação ser antecedido pelo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres. Saúdo cada um dos chefes de Estado e de governo e delegadas e delegados presentes.

Presto minha homenagem ao nosso compatriota Sérgio Vieira de Mello e 21 outros funcionários desta organização, vítimas do brutal atentado em Bagdá, há 20 anos. Desejo igualmente expressar minhas condolências às vítimas do terremoto no Marrocos e das tempestades que atingiram a Líbia.

A exemplo do que ocorreu recentemente no estado do Rio Grande do Sul, no meu país, essas tragédias ceifam vidas e causam perdas irreparáveis. Nossos pensamentos e orações estão com todas as vítimas e seus familiares.

Senhoras e senhores, há vinte anos, ocupei esta tribuna pela primeira vez. E disse, naquele 23 de setembro de 2003: "Que minhas primeiras palavras diante deste Parlamento mundial sejam de confiança na capacidade humana de vencer desafios e evoluir para formas superiores de convivência."

Volto hoje para dizer que mantenho minha inabalável confiança na humanidade. Naquela época, o mundo ainda não havia se dado conta da gravidade da crise climática. Hoje, ela bate às nossas portas, destrói nossas casas, nossas cidades, nossos países, mata e impõe perdas e sofrimentos a nossos irmãos, sobretudo os mais pobres.

A fome, tema central da minha fala neste Parlamento mundial 20 anos atrás, atinge hoje 735 milhões de seres humanos, que vão dormir esta noite sem saber se terão o que comer amanhã. O mundo está cada vez mais desigual.

Os dez maiores bilionários possuem mais riqueza que os 40% mais pobres da humanidade. O destino de cada criança que nasce neste planeta parece traçado ainda no ventre de sua mãe.

A parte do mundo em que vivem seus pais e a classe social à qual pertence sua família irão determinar se essa criança terá ou não oportunidades ao longo da vida. Se irá fazer todas as refeições ou se terá negado o direito de tomar café da manhã, almoçar e jantar diariamente.

Se terá acesso à saúde, ou se irá sucumbir a doenças que já poderiam ter sido erradicadas. Se completará os estudos e conseguirá um emprego de qualidade, ou se fará parte da legião de desempregados, subempregados e desalentados que não para de crescer.

É preciso antes de tudo vencer a resignação, que nos faz aceitar tamanha injustiça como fenômeno natural. Para vencer a desigualdade, falta vontade política daqueles que governam o mundo.

Senhores e senhoras, se hoje retorno na honrosa condição de presidente do Brasil, é graças à vitória da democracia em meu país. A democracia garantiu que superássemos o ódio, a desinformação e a opressão.

A esperança, mais uma vez, venceu o medo. Nossa missão é unir o Brasil e reconstruir um país soberano, justo, sustentável, solidário, generoso e alegre. O Brasil está se reencontrando consigo mesmo, com nossa região, com o mundo e com o multilateralismo.

Como não me canso de repetir, o Brasil está de volta. Nosso país está de volta para dar sua devida contribuição ao enfrentamento dos principais desafios globais.

Resgatamos o universalismo da nossa política externa, marcada por diálogo respeitoso com todos. A comunidade internacional está mergulhada em um turbilhão de crises múltiplas e simultâneas: a pandemia da Covid-19; a crise climática; e a insegurança alimentar e energética ampliadas por crescentes tensões geopolíticas.

O racismo, a intolerância e a xenofobia se alastraram, incentivadas por novas tecnologias criadas supostamente para nos aproximar. Se tivéssemos que resumir em uma única palavra esses desafios, ela seria desigualdade.

A desigualdade está na raiz desses fenômenos ou atua para agravá-los. A mais ampla e mais ambiciosa ação coletiva da ONU voltada para o desenvolvimento –a Agenda 2030– pode se transformar no seu maior fracasso.

Estamos na metade do período de implementação e ainda distantes das metas definidas. A maior parte dos objetivos de desenvolvimento sustentável caminha em ritmo lento. O imperativo moral e político de erradicar a pobreza e acabar com a fome parece estar anestesiado.

Nesses sete anos que nos restam, a redução das desigualdades dentro dos países e entre eles deveria se tornar o objetivo-síntese da Agenda 2030.

Reduzir as desigualdades dentro dos países requer incluir os pobres nos orçamentos nacionais e fazer os ricos pagarem impostos proporcionais ao seu patrimônio. No Brasil, estamos comprometidos a implementar todos os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável, de maneira integrada e indivisível.

Queremos alcançar a igualdade racial na sociedade brasileira por meio de um décimo oitavo objetivo que adotaremos voluntariamente. Lançamos o plano Brasil sem Fome, que vai reunir uma série de iniciativas para reduzir a pobreza e a insegurança alimentar.

Entre elas, está o Bolsa Família, que se tornou referência mundial em programas de transferência de renda para famílias que mantêm suas crianças vacinadas e na escola.

Inspirados na brasileira Bertha Lutz, pioneira na defesa da igualdade de gênero na Carta da ONU, aprovamos a lei que torna obrigatória a igualdade salarial entre mulheres e homens no exercício da mesma função.

Combateremos o feminicídio e todas as formas de violência contra as mulheres. Seremos rigorosos na defesa dos direitos de grupos LGBTQI+ e pessoas com deficiência. Resgatamos a participação social como ferramenta estratégica para a execução de políticas públicas.

Senhor presidente, agir contra a mudança do clima implica pensar no amanhã e enfrentar desigualdades históricas. Os países ricos cresceram baseados em um modelo com altas taxas de emissões de gases danosos ao clima.

A emergência climática torna urgente uma correção de rumos e a implementação do que já foi acordado. Não é por outra razão que falamos em responsabilidades comuns, mas diferenciadas.

São as populações vulneráveis do Sul Global as mais afetadas pelas perdas e danos causados pela mudança do clima. Os 10% mais ricos da população mundial são responsáveis por quase a metade de todo o carbono lançado na atmosfera.

Nós, países em desenvolvimento, não queremos repetir esse modelo. No Brasil, já provamos uma vez e vamos provar de novo que um modelo socialmente justo e ambientalmente sustentável é possível.

Estamos na vanguarda da transição energética, e nossa matriz já é uma das mais limpas do mundo. 87% da nossa energia elétrica provém de fontes limpas e renováveis. A geração de energia solar, eólica, biomassa, etanol e biodiesel cresce a cada ano. É enorme o potencial de produção de hidrogênio verde.

Com o Plano de Transformação Ecológica, apostaremos na industrialização e infraestrutura sustentáveis. Retomamos uma robusta e renovada agenda amazônica, com ações de fiscalização e combate a crimes ambientais. Ao longo dos últimos oito meses, o desmatamento na Amazônia brasileira já foi reduzido em 48%.

O mundo inteiro sempre falou da Amazônia. Agora, a Amazônia está falando por si. Sediamos, há um mês, a Cúpula de Belém, no coração da Amazônia, e lançamos nova agenda de colaboração entre os países que fazem parte daquele bioma.

Somos 50 milhões de sul-americanos amazônidas, cujo futuro depende da ação decisiva e coordenada dos países que detêm soberania sobre os territórios da região.

Também aprofundamos o diálogo com outros países detentores de florestas tropicais da África e da Ásia. Queremos chegar à COP 28 em Dubai com uma visão conjunta que reflita, sem qualquer tutela, as prioridades de preservação das bacias Amazônica, do Congo e do Bornéu-Mekong a partir das nossas necessidades.

Sem a mobilização de recursos financeiros e tecnológicos não há como implementar o que decidimos no Acordo de Paris e no Marco Global da Biodiversidade. A promessa de destinar 100 bilhões de dólares –anualmente– para os países em desenvolvimento permanece apenas isso, uma promessa. Hoje esse valor seria insuficiente para uma demanda que já chega à casa dos trilhões de dólares.

Senhor presidente, o princípio sobre o qual se assenta o multilateralismo –o da igualdade soberana entre as nações– vem sendo corroído. Nas principais instâncias da governança global, negociações em que todos os países têm voz e voto perderam fôlego.

Quando as instituições reproduzem as desigualdades, elas fazem parte do problema, e não da solução. No ano passado, o FMI disponibilizou 160 bilhões de dólares em direitos especiais de saque para países europeus, e apenas 34 bilhões para países africanos.

A representação desigual e distorcida na direção do FMI e do Banco Mundial é inaceitável. Não corrigimos os excessos da desregulação dos mercados e da apologia do Estado mínimo.

As bases de uma nova governança econômica não foram lançadas. O Brics surgiu na esteira desse imobilismo, e constitui uma plataforma estratégica para promover a cooperação entre países emergentes.

A ampliação recente do grupo na cúpula de Joanesburgo fortalece a luta por uma ordem que acomode a pluralidade econômica, geográfica e política do século 21.

Somos uma força que trabalha em prol de um comércio global mais justo num contexto de grave crise do multilateralismo. O protecionismo dos países ricos ganhou força e a Organização Mundial do Comércio permanece paralisada, em especial o seu sistema de solução de controvérsias.

Ninguém mais se recorda da Rodada do Desenvolvimento de Doha. Nesse ínterim, o desemprego e a precarização do trabalho minaram a confiança das pessoas em tempos melhores, em especial os jovens.

Os governos precisam romper com a dissonância cada vez maior entre a "voz dos mercados" e a "voz das ruas". O neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias.

Seu legado é uma massa de deserdados e excluídos. Em meio aos seus escombros surgem aventureiros de extrema direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas.

Muitos sucumbiram à tentação de substituir um neoliberalismo falido por um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário. Repudiamos uma agenda que utiliza os imigrantes como bodes expiatórios, que corrói o Estado de bem-estar e que investe contra os direitos dos trabalhadores.

Precisamos resgatar as melhores tradições humanistas que inspiraram a criação da ONU. Políticas ativas de inclusão nos planos cultural, educacional e digital são essenciais para a promoção dos valores democráticos e da defesa do Estado de Direito.

É fundamental preservar a liberdade de imprensa. Um jornalista, como Julian Assange, não pode ser punido por informar a sociedade de maneira transparente e legítima.

Nossa luta é contra a desinformação e os crimes cibernéticos. Aplicativos e plataformas não devem abolir as leis trabalhistas pelas quais tanto lutamos.

Ao assumir a presidência do G20 em dezembro próximo, não mediremos esforços para colocar no centro da agenda internacional o combate às desigualdades em todas as suas dimensões. Sob o lema "Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável", a presidência brasileira vai articular inclusão social e combate à fome; desenvolvimento sustentável e reforma das instituições de governança global.

Senhor presidente, não haverá sustentabilidade nem prosperidade sem paz. Os conflitos armados são uma afronta à racionalidade humana. Conhecemos os horrores e os sofrimentos produzidos por todas as guerras. A promoção de uma cultura de paz é um dever de todos nós. Construí-la requer persistência e vigilância.

É perturbador ver que persistem antigas disputas não resolvidas e que surgem ou ganham vigor novas ameaças. Bem o demonstra a dificuldade de garantir a criação de um Estado para o povo palestino.

A este caso se somam a persistência da crise humanitária no Haiti, o conflito no Iêmen, as ameaças à unidade nacional da Líbia e as rupturas institucionais em Burkina Faso, Gabão, Guiné-Conacri, Mali, Níger e Sudão.

Na Guatemala, há o risco de um golpe, que impediria a posse do vencedor de eleições democráticas. A Guerra da Ucrânia escancara nossa incapacidade coletiva de fazer prevalecer os propósitos e princípios da Carta da ONU.

Não subestimamos as dificuldades para alcançar a paz. Mas nenhuma solução será duradoura se não for baseada no diálogo.

Tenho reiterado que é preciso trabalhar para criar espaço para negociações. Investe-se muito em armamentos e pouco em desenvolvimento.

No ano passado, os gastos militares somaram mais de 2 trilhões de dólares. As despesas com armas nucleares chegaram a 83 bilhões de dólares, valor vinte vezes superior ao orçamento regular da ONU.

Estabilidade e segurança não serão alcançadas onde há exclusão social e desigualdade. A ONU nasceu para ser a casa do entendimento e do diálogo.A comunidade internacional precisa escolher:

De um lado, está a ampliação dos conflitos, o aprofundamento das desigualdades e a erosão do Estado de Direito. De outro, a renovação das instituições multilaterais dedicadas à promoção da paz.

As sanções unilaterais causam grandes prejuízos à população dos países afetados. Além de não alcançarem seus alegados objetivos, dificultam os processos de mediação, prevenção e resolução pacífica de conflitos.

O Brasil seguirá denunciando medidas tomadas sem amparo na Carta da ONU, como o embargo econômico e financeiro imposto a Cuba e a tentativa de classificar esse país como Estado patrocinador de terrorismo.

Continuaremos críticos a toda tentativa de dividir o mundo em zonas de influência e de reeditar a Guerra Fria. O Conselho de Segurança da ONU vem perdendo progressivamente sua credibilidade.

Essa fragilidade decorre em particular da ação de seus membros permanentes, que travam guerras não autorizadas em busca de expansão territorial ou de mudança de regime. Sua paralisia é a prova mais eloquente da necessidade e urgência de reformá-lo, conferindo-lhe maior representatividade e eficácia.

Senhoras e senhores, a desigualdade precisa inspirar indignação. Indignação com a fome, a pobreza, a guerra, o desrespeito ao ser humano. Somente movidos pela força da indignação poderemos agir com vontade e determinação para vencer a desigualdade e transformar efetivamente o mundo ao nosso redor.

A ONU precisa cumprir seu papel de construtora de um mundo mais justo, solidário e fraterno. Mas só o fará se seus membros tiverem a coragem de proclamar sua indignação com a desigualdade e trabalhar incansavelmente para superá-la.

Muito obrigado.


terça-feira, 19 de setembro de 2023

O populismo faz mal à economia e faz mal às nações - Paper de economistas, capítulo de Vinícius Guilherme Rodrigues Vieira: Markets, Populism

 O populismo é uma praga, e pode atrasar os países. Sabemos muito bem disso, mas ainda não sabemos como escapar desse mal.

Aqui, duas referências para os que se interessam pelo estudo desse fenômeno maligno: 


Populist Leaders and the Economy

Manuel Funke, Moritz Schularick, Christoph Trebesch

CEPR, October 23, 2020

Abstract

Populism at the country level is at an all-time high, with more than 25% of nations currently governed by populists. How do economies perform under populist leaders? We build a new cross-country database identifying 50 populist presidents and prime ministers 1900-2018. We find that the economic cost of populism is high. After 15 years, GDP per capita is more than 10% lower com- pared to a plausible non-populist counterfactual. Rising economic nationalism and protectionism, unsustainable macroeconomic policies, and institutional decay under populist rule do lasting damage to the economy.

Citation: Funke, M, M Schularick and C Trebesch (eds) (2022), “DP15405 Populist Leaders and the Economy”, CEPR Press Discussion Paper No. 15405.

Disponível no seguinte link: https://cepr.org/publications/dp15405 

Novo resumo no site, ligeiramente diferente:

Populism at the country level is at an all-time high, with more than 25% of nations currently governed by populists. How do economies perform under populist leaders? We build a new long-run cross-country database to study the macroeconomic history of populism. We identify 51 populist presidents and prime ministers from 1900 to 2020 and show that the economic cost of populism is high. After 15 years, GDP per capita is 10% lower compared to a plausible non-populist counterfactual. Economic disintegration, decreasing macroeconomic stability, and the erosion of institutions typically go hand in hand with populist rule.

Mas é preciso pagar 6 libras para o acesso.

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Livro de: 

Vinícius Guilherme Rodrigues Vieira

SHAPING NATIONS AND MARKETS: IDENTITY CAPITAL, TRADE, AND THE POPULIST RAGE

Routledge Studies in Nationalism and Ethnicity


Contents: 

  1. 1  Introduction: Beyond Ideas, Interests, and Institutions 1

  2. 2  Identity Capital and Fields: Framing Markets and Political Power 19

  3. 3  Applying Identity Capital to Trade Negotiations 56

  4. 4  Globalization Meets National Identity during the Doha Round 87

  5. 5  Race and Structural Power Asymmetries in Liberalizing Brazil 124

  6. 6  Religion as an Instrument for Trade Policy in India 158

  7. 7  Whiteness and the Rise of Protectionism in the United States 193

  8. 8  Identity Capital and the Rise of Far-Right Populism after 2008 225

  9. 9  Generalizing Identity Capital for Explaining Trade and Populism 262

  10. 10  Conclusion: Fields of Power, Identity, and Intermestic Phenomena 293


Uma referência bibliográfica deste última obra me chamou a atenção, por razões provavelmente diversas da temática da obra: 

Goldstein, Judith, and Robert O. Keohane. 1993. Ideas and Foreign Policy: An Analytical Framework. In Ideas and Foreign Policy: Beliefs, Institutions, and Political Change, edited by Judith Goldstein, and Robert O. Keohane, 3–30. Ithaca: Cornell University Press. https://doi.org/10.7591/9781501724992-003

Infelizmente, só posso ter acesso a esse capítulo por uma instituição credenciada ou pagando 42 dólares....