quinta-feira, 10 de abril de 2025

Entrevista: Celso Amorim diz que Trump é o interesse 'nu e cru' e que Brasil tem que se reorganizar - Monica Bergamo (FSP)

Celso Amorim diz que Trump é o interesse 'nu e cru' e que Brasil tem que se reorganizar

Ex-chanceler e assessor especial de Lula, ele afirma que mundo passa por uma das maiores mudanças desde a queda do muro de Berlim e que país tem o desafio de não virar colônia

Monica Bergamo

Folha de S. Paulo, 22 de março de 2025

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2025/03/celso-amorim-diz-que-trump-e-o-interesse-nu-e-cru-e-que-brasil-tem-que-se-reorganizar.shtml 

Um dos mais experientes diplomatas do país, o ex-chanceler e hoje assessor especial de Lula (PT) Celso Amorim afirma que o mundo está diante de uma das maiores transformações estruturais da história recente.

A chegada de Donald Trump à presidência dos EUA, diz ele, acabou com certa hipocrisia do multilateralismo. 

Desafiando a ordem mundial até então vigente e renegando a condição de superpotência, o atual presidente defende exclusivamente os interesses de seu país, "de forma deslavada", e é preciso se reorganizar diante de novos desafios.

Questionado se Trump poderia aderir à tese bolsonarista de que o Brasil vive sob uma ditadura judicial, Amorim afirma que Jair Bolsonaro (PL) "ficou pequeno diante das grandes questões do mundo" e que o presidente norte-americano respeita o poder, e não quem "fica lá querendo adular".

TRUMP

O mundo parece estar mudando de maneira célere. A governança pós-Segunda Guerra Mundial passa por um desmonte. O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, diz que não é mais normal termos uma potência unipolar e que rumamos para um mundo multipolar. Como o Brasil se insere neste novo contexto?
Nós estamos vivendo, de certa maneira, a hora da verdade.

Os EUA e a Rússia foram os principais vitoriosos [da Segunda Guerra], mas os EUA tinham muito mais influência. E construíram um mundo à imagem e semelhança do que desejavam —com diferenças com a União Soviética e, depois, com a China.

Na letra, essa era a ordem internacional vigente.

Havia conflitos. Mas, de alguma maneira, havia uma defesa dessas regras internacionais.

O primeiro grande abalo nessa ordem foi a queda do muro de Berlim [em 1989] e a dissolução da União Soviética, algo que ninguém imaginava que poderia acontecer.

O mundo também muda de forma inesperada.

A minha geração passou por duas transformações estruturais imensas. A primeira foi o fim da União Soviética. E agora temos outra enorme mudança, imensa, com os americanos renegando a ordem que eles mesmos criaram.

Um homem idoso com cabelo grisalho e barba branca, vestido com um terno claro e gravata vermelha, está posando em um ambiente interno. Ao fundo, há uma bandeira do Brasil e uma obra de arte na parede. O homem tem uma expressão séria e está de pé, com as mãos levemente cruzadas na frente.
O ex-chanceler e hoje assessor especial da Presidência da República Celso Amorim posa para fotos em seu gabinete, no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira/Folhapress

Desde a queda de Berlim até agora, os EUA atuavam como uma potência praticamente incontrastável. O que mudou?
Havia, de certa maneira, a aceitação de que os EUA eram a única potência remanescente. Mas eles procuravam, sempre que possível, conduzir [as políticas internacionais] pelo multilateralismo.

Faziam isso pela ONU. Quando não dava certo, faziam pela Otan. Raramente agiam sozinhos nos grandes problemas internacionais.

O Trump atual não quer saber [dessas estruturas multilaterais]. Ele não esconde o autointeresse.

É uma atitude de absoluta franqueza. Não há hipocrisia. Ele quer a Groenlândia não porque é bom para a paz, mas por causa do minério do país. Diz isso a propósito da Ucrânia também.

Eu acho que o Trump olha para a extensão imensa da Rússia, um país que tem 12 fusos horários, e imagina as possibilidades de investimento. Não quer ficar totalmente brigado com a Rússia.

Em sua declaração, Marco Rubio disse "não queremos uma Rússia que seja totalmente dependente da China. E também não queremos que eles fiquem inimigos a ponto de ameaçar com uma guerra nuclear". É uma declaração surpreendentemente sensata.

Por que o senhor diz que chegou a hora da verdade?
Porque é o interesse nu e cru, que não é disfarçado. E isso pode até servir para alguma coisa positiva

Na conversa com [o presidente da Ucrânia, Volodimir] Zelenski [no fim de fevereiro, na Casa Branca], que foi muito rude, Trump disse uma coisa interessante: "Ele [Zelenski] quer a vitória. Eu quero a paz". E é verdade também.

Trump fala em desnuclearização. E não faz isso porque é bonzinho. Faz porque sabe que o custo para manter a paridade [de armamentos] com a Rússia é enorme. Para diminuir o gasto militar, ele tem que ter paz, primeiro com a Rússia, depois com a China.

Os europeus estão desorientados. Eles se acostumaram a viver sob o guarda-chuva americano moral, militar e econômico. Quando de repente chega um presidente americano e diz 'eu vou cuidar do meu interesse, vocês que se virem', eles ficam totalmente perplexos, impactados

Celso Amorim

ex-chanceler e hoje assessor especial de Lula

O multilateralismo tem um pouco de teatro, e Trump está acabando com ele?
O [francês François de] La Rochefoucauld dizia que a hipocrisia é uma homenagem que o vício presta à virtude. Ela às vezes vale a pena, porque é civilizatória.

Quando há soluções compatíveis com as regras, a situação sempre melhora. Os EUA acabavam aceitando as regras. Não vejo isso acontecer com o Trump.

É a verdade nua e crua.
É a verdade nua e crua. Ele não faz parecer que defende a Ucrânia porque defende a democracia no mundo, o que era discutível: os EUA defendiam a democracia quando interessava.

Essa política, digamos assim, um pouco missionária [dos EUA] não existe mais. Ele [Trump] vai defender os interesses dos EUA de maneira deslavada, e nós temos que nos reorganizar diante disso.

EUROPA

Como a Europa também está sendo obrigada a fazer?
Os europeus estão desorientados. Eles se acostumaram a viver sob o guarda-chuva americano moral, militar e econômico. Quando de repente chega um presidente americano e diz "eu vou cuidar do meu interesse, vocês que se virem", eles ficam totalmente perplexos, impactados.

A Europa, se fosse esperta e menos apegada a certos conceitos, assinava o acordo Mercosul- União Europeia. Seria importante. Mostraria que ela ainda tem uma presença no mundo, que atua independentemente.

O Brasil sempre teve a pretensão de ser a ponte entre o Ocidente e o sul global, e agora isso está virando de ponta-cabeça. Como fica o país nesse novo contexto?
O Sul Global não virou de ponta cabeça. O Sul Global está se fortalecendo.

O senhor acredita que os EUA vão mesmo renegar o seu papel de única potência mundial?
A percepção de que eles não são mais a única potência é correta. É um fato. A China já ultrapassou os EUA em muitas questões, no PIB, no poder de compra, até em número de estudantes que fazem doutorado.

MUNDO MULTIPOLAR

E o Brasil agora?
Nós temos que aprender a viver nesse mundo multipolar. Brasil, Índia, não somos todos iguais. A gente tem que saber jogar com alianças variáveis, temos que ser capazes de ter amizades com vários países

É difícil porque existe muita diversidade, mas nós temos que fortalecer a América do Sul. E, ao mesmo tempo, nos relacionarmos de maneira inteligente com as superpotências —que são duas do ponto de vista econômico [EUA e China] e três do ponto de vista militar [as duas e mais a Rússia]. Em seguida vem a Europa. Temos que saber jogar com isso.

Há analistas que acreditam que Donald Trump, dos EUA, Xi Jinping, da China, e Vladimir Putin, da Rússia, vão se entender e dividir o mundo, embora muitas partes dele não caibam nessa divisão. O senhor acha que isso vai acontecer?
Eu não posso dizer que essa é a visão do presidente Trump, porque eu não sei. Ele não falou isso. Mas às vezes dá a impressão de que é isso.

[Nesse contexto] O Brasil pode ser uma potência grande, que será mais forte se estiver unida com a América do Sul. Mas o Brasil fez uma opção de não ter arma nuclear, então isso, de certa maneira, muda...

Nos enfraquece?
Eu não sei se nos enfraquece porque podemos ter mais meios de negociar.

Por que a China não lançou sozinha a proposta de seis pontos pela paz na Ucrânia? Porque ela precisa do soft power, que o Brasil tem, e muito. É um país pacífico, que tem fronteiras com dez países e está há 150 anos sem guerra. Eu não quero valorizar demais o soft power, mas ele dá credibilidade.

Nós temos que ter uma relação muito forte com a China.

Trump respeita o poder. Pessoas que são capazes de agir. Ele acaba de dizer que gosta do Putin. E pode até não gostar, mas ele respeita o Putin. Respeita o Xi Jinping. Agora, se ficar lá querendo adular, como [fizeram] o Zelenski e alguns europeus, ele não respeita

Celso Amorim

ex-chanceler e hoje assessor especial de Lula

Mas já temos, não?
Sim, mas ela tem que se fortalecer. Temos que jogar com as três [superpotências]. E com a Europa. Se ela se associa à América do Sul, já seremos uma massa maior de países.

Está claro que a Europa, por exemplo, vai ter que se reinventar...
[interrompendo] A Europa vai ter que se libertar da obsessão de que vai ser invadida pela Rússia. Eu até entendo que a Polônia, os países ali fronteiriços [tenham essa preocupação].Mas quando eu vejo dizerem que a Rússia tem um DNA expansionista, eu penso: foi Napoleão que invadiu a Rússia [em 1812], ou foi o contrário?

E a França tem a força da dissuasão da bomba nuclear, certo?
[O general e ex-presidente da França Charles] De Gaulle não tinha essa obsessão, e na época dele a União Soviética era muito mais forte.

Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, o que sempre criticamos, muitos [países] disseram "vamos destruir a Rússia".É impensável. E seria desastroso. A Rússia unificada é também um fator de estabilidade para o mundo e para a Europa.

BRASIL NO MUNDO

O senhor diz que o fortalecimento da América do Sul é importante, mas o continente hoje está dividido. Argentina e Venezuela, por exemplo, estão distantes do Brasil.
Eu concordo. Sempre digo que o primeiro mandato [de Lula, em 2002] era um mundo de oportunidades. Agora, é um mundo de desafios.

É claro que há casos extremos [de comportamentos de países] que fogem a qualquer regra. Mas acho que, a médio prazo, a maioria dos países da América do Sul vai voltar a se unir.

Na votação da OEA [Organização dos Estados Americanos], o candidato [à presidência da entidade] que foi lá tirar fotografia com o presidente Trump, por exemplo, não foi aceito [foi derrotado na eleição].

A gente não pode ficar... o meu temor com relação aos EUA não é que eles vão invadir [algum país do continente sul-americano]. [É com o fato de que] Os trumpistas falam muito em Western Hemisphere [Hemisfério Ocidental]. A visão deles é a de que "aqui é nosso".

Essas coisas não ficavam tão claras antes do Trump?
Não. Porque os democratas eram mais educados. Muitos deles são nossos amigos, tiveram um papel importante aqui na transição [do governo Bolsonaro para o de Lula], a gente sabe disso.

Mas o nosso grande desafio, resumindo, qual é?
O nosso grande desafio é, nessa divisão do mundo, não ser colônia de ninguém.

O senhor não acha que deveríamos fazer um esforço maior de aproximação com Trump? Vê possibilidade de ele aderir à tese bolsonarista de que vivemos sob uma ditadura judicial?
Trump está com o foco em outras questões. Eu acho que agora, com as tarifas [de importação que o governo norte-americano está impondo ao Brasil], a gente vai ter que falar um pouco mais com o governo dele. Vamos ter que agir da maneira normal, que é a da reciprocidade.

Mas o Brasil tem força para isso? A reciprocidade não pode trazer mais prejuízos do que benefícios para o Brasil?
Acho que não.

Você não pode dar um tiro no pé, colocar taxa em um produto essencial para o país, como o carvão siderúrgico, por exemplo. Mas há áreas no setor de serviços, de propriedade intelectual, de remessa de lucros, que, se o Brasil morder, eles vão pensar duas vezes antes de botar tarifa contra nós.

[Sobre as big techs] Elas estão mais ou menos entendendo que o jogo é complexo, que o Brasil não vai abrir mão de sua soberania. Se quiserem atuar aqui, têm que ser de acordo com as nossas regras, que não são arbitrárias. São para todos, são para proteger os cidadãos

Celso Amorim

ex-chanceler e hoje assessor especial de Lula

BOLSONARISMO

O ministro Alexandre de Moraes tem afirmado que a soberania brasileira corre risco pelo fato de as big techs estarem partindo para o tudo ou nada, desrespeitando inclusive a jurisdição de outros países que não os EUA. O senhor concorda com ele?
O Alexandre de Moraes está fazendo um trabalho muito importante.

Os americanos sempre tiveram a visão da extraterritorialidade da lei americana. Mas agora eles têm a possibilidade técnica para [efetivar] isso.

E as big techs estão no coração dos EUA. A posse de Trump, com os donos de diversas delas, como Elon Musk, mostrou isso, não?
Em algum momento pode haver algum choque. São egos muito grandes ali. Eu acho que vai acabar havendo uma diferença entre as big techs, que têm um interesse puramente econômico, e a política.

Há avaliações, inclusive no Supremo Tribunal Federal (STF), de que os bolsonaristas estão pegando carona em uma briga maior, que é a das big techs contra o nosso Judiciário. O senhor concorda com elas?
O Bolsonaro ficou pequeno diante das grandes questões do mundo hoje.

Há alguns anos, certamente ter um governo de extrema-direita no Brasil era importante. Hoje é um pouco diferente.

[Sobre as big techs] Elas estão mais ou menos entendendo que o jogo é complexo, que o Brasil não vai abrir mão de sua soberania. Se quiserem atuar aqui, têm que ser de acordo com as nossas regras, que não são arbitrárias. São para todos, são para proteger os cidadãos. A Europa tem uma visão parecida com a nossa.

O senhor acha que para o Trump tanto faz se o presidente é Bolsonaro ou Lula?
Eu não sei se tanto faz. Mas hoje em dia não tem mais sentido você dizer "sou contra ele porque ele é comunista". Não tem mais isso. É o interesse [que prevalece]. Essa coisa muito ideológica do bolsonarismo eu acho que talvez se esvazie.

Trump respeita o poder. Pessoas que são capazes de agir. Ele acaba de dizer que gosta do Putin. E pode até não gostar, mas ele respeita o Putin. Respeita o Xi Jinping.

Agora, se ficar lá querendo adular, como [fizeram] o Zelenski e alguns europeus, ele não respeita.



Brazil [in the Cold War]”, published online: Encyclopaedia of the Cold War - Paulo Roberto de Almeida

 Trabalho mais recente publicado:

1572. “Brazil [in the Cold War]”, published online: Encyclopaedia of the Cold War, Routledge Resources Online series, version 1, 30 March 2025, edited by Ruud van Dijk; DOI: https://doi.org/10.4324/9780367199838-RECW87-1

Summary:
1. An Early Cold War Warrior and An Early Retreat from the Cold War;
2. In the Beginning was the Comintern;
3. The Americanisation of Brazil;
4. The Years of the Anti-Communist Military Dictatorship;
5. Disentangling Brazil from the Cold War Spirit;
References and Further Reading.

Relação de Originais n. 4589.

ABSTRACT:
Brazil entered its own Cold War precociously, after a Comintern attempted coup in 1935, which was the starting point of its official anti-communist state doctrine in force until the late 1970s. Having allied itself with Western powers during the Second World War, Brazil underwent an ‘americanisation’ process, most visible during the 1950s, at the height of the international Cold War, when convergence with the US diplomacy at multilateral organisations was expected. But even the military rightist regime of the 1960s and 1970s, openly anti-communist, experienced frictions with the US, mostly in commercial matters, non-proliferation, and development issues. A highly qualified diplomatic corps, together with high-ranking military, kept Brazil far away from super-power confrontations and just as an observer in the non-aligned movement. Cold War spirit was already absent at the end of the military regime (1985), as Brazilian diplomacy struggled to maintain an effective autonomy in foreign policy.

O fascismo nosso de cada dia - Paulo Roberto de Almeida

O fascismo nosso de cada dia.

Não é pesquisa, é impressão minha!

Paulo Roberto de Almeida

Existem muitos ignorantes de direita que exibem todos os traços típicos de personalidades fascistas, mas de forma residual e submersa. Basta que um fascistão oportunista consiga capturar a atenção desses fascistas submersos que eles se juntam e dão apoio às mais tenebrosas iniciativas.

Aconteceu na Alemanha. Está acontecendo agora em vários outros paises, inclusive nos EUA e no Brasil.

Repito: de vez em quando eles se aglomeram, e podem fazer um estrago terrível numa sociedade: raiva, ódio, racismo, xenofobia, machismo, intolerância racial, pulsões homicidas contra quem é diferente deles…

Já não é mais impressão: não assisti na Alemanha dos anos 1930-40 (obviamente), mas estou vendo agora, sob os meus olhos.

Não é teoria: eu aprendi a farejar o fascismo observando de pertos as manifestações e slogans deles.

Isso me assusta. A Alemanha dos anos 1930 não está muito longe. 

Ela está logo ali…

Paulo Roberto Almeida

Brasília, 10/04/2025

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Putin: eurasiano e antiocidental - Denis Lerrer Rosenfield (O Estado de S. Paulo)

Putin: eurasiano e antiocidental 

Denis Lerrer Rosenfield


O Estado de S. Paulo, segunda-feira, 7 de abril de 2025

Nessa ‘cruzada’, seus companheiros de luta seriam Irã, Venezuela, Síria, Nicarágua, Coreia do Norte, Bielorrússia e, de maneira mais cautelosa, a China

 

Qual seria o limite de Putin, uma vez estabelecido um cessar-fogo, patrocinado pelos EUA? Contentar-se-ia ele com a conquista de 20% do território ucraniano ou com o compromisso de que esse país não ingressaria na Otan?

Considerando a história russa, os comprometimentos de Putin e a ideologia eurasiana à qual adere, a resposta talvez fosse: acordos diplomáticos, por si sós, não limitam um país que se baseia numa concepção de mundo, e europeia em particular, expansionista. Uma conquista territorial, por mais importante que seja, não é suficiente, embora uma contenção possa surgir do fato de que a força militar russa se mostrou incapaz de uma vitória total – conquistando toda a Ucrânia, como era o seu projeto geopolítico. A sua aparência e narrativa não corresponderam à sua atuação no campo de batalha.

A Grande Nação Russa teria pretensões hegemônicas não apenas sobre a Ucrânia, mas também sobre os Países Bálticos e a Polônia, um tal projeto se escalonando no tempo, via preparação meticulosa, sobretudo na indústria de Defesa e no aprimoramento de suas Forças Armadas, aprendendo com seus erros recentes. A instabilidade e a insegurança se instalariam no longo prazo. No caso da Polônia, note-se, a contenção não seria diplomática, mas militar, visto que esse país, em 2024, gastou 4,2% de seu PIB em suas Forças Armadas e em seu rearmamento, já tendo alcançado em 2025 4,9%, o maior da Europa.

Putin oscilou, durante sua carreira política no Kremlin, entre o polo ocidental e o que se denomina eurasiano, tendo sido, num determinado momento, pró-ocidental, aproximando-se de Tony Blair e George W. Bush. Depois, tornou-se um defensor dos valores russos, da Igreja Ortodoxa e da Grande Rússia, que deveria ser resgatada, após o colapso – para ele uma “catástrofe geopolítica” – da União Soviética, quando teria perdido vários países, entre os quais a Ucrânia e os Países Bálticos. Um império colapsou, o outro teria, agora, de ser recriado, e por ele.

Em 2003, durante uma viagem à Escócia, chegou a declarar que a “Rússia é parte da Europa”. Em 2008, declarou a Bush que “a Ucrânia não é sequer um país”, por ela fazer parte da Rússia, em todo caso a Crimeia e as regiões do Leste. No mesmo ano, já estava totalmente convertido à doutrina eurasiana, eslavofista. Numa reunião com o então vice-presidente Joe Biden, teria dito: “Não somente ilusões (...) nós não somos como vocês. Só parecemos com vocês. Mas somos muito diferentes. Os russos e os norte-americanos só se parecem fisicamente, mas nossos valores são muito diferentes”.

Alexander Dugin, seu ideólogo, elaborou essa concepção. Segundo ele, a Rússia não é apenas um país, mas uma nação, leia-se uma civilização, com alma própria, em tudo distinta da ocidental. Sua filosofia seria conservadora, no sentido de conservação de seus valores, enraizados em seu povo ( narod), portador, por sua vez, de um ser próprio, o do camponês russo, em tudo distinto da concepção ocidental do povo, baseada nos direitos universais do cidadão. O homem não é indivíduo livre, mas membro de uma comunidade à qual presta obediência.

O conceito de conservadorismo, assim entendido, inclui em sua significação a noção de algo grandioso, de valores próprios que se alçariam a seu Zenith por meio da noção do homo maximus, tendo como resultado a noção de Império. Império vem a significar uma unidade territorial, um Estado em expansão, conduzido por um grande homem, capaz de encarnar esses valores máximos, levando-os para além de suas fronteiras. E, mais ainda, para seus territórios vizinhos como a Ucrânia, considerado um país artificial, ou os Países Bálticos, o que equivale a dizer que deveriam ser incorporados à Grande Rússia. Logo, Império não é somente uma entidade política, mas “religiosa”, imbuída de uma missão civilizatória.

“Conservadores são raramente pacifistas”, escreve ele.

Eles estão voltados para a guerra, não somente por uma necessidade geopolítica, mas religiosa. Trata-se de uma expansão ideologicamente fundada, uma espécie de necessidade da alma russa, dos valores de seu narod, corretamente interpretados por sua liderança política. Um povo que não se engaja numa guerra é um povo que decai, podendo vir a perder a sua alma. Um povo carente de alma nem mereceria existir.

Em seu antiocidentalismo, Dugin propõe uma guerra sem quartel contra o universalismo ocidental, sua noção de direitos, seu conceito de autodeterminação dos povos e os seus representantes políticos. Seu alvo são os liberais identificados aos inimigos. Comunistas e não comunistas antiocidentais se unem contra o inimigo comum, Putin e Dugin colocando-se em linha de continuidade com a União Soviética, em sua cruzada antidemocrática. Nesta sua cruzada, seus companheiros de luta seriam Irã, Venezuela, Síria (naquele então sob o jugo da família Assad), Nicarágua, Coreia do Norte e Bielorrússia, e, de maneira mais cautelosa, a China.

Eis o mundo reconfigurado na perspectiva russa! 

terça-feira, 8 de abril de 2025

Estudo mostra que, com guerra comercial, no Brasil só a soja ganha - Assis Moreira Valor Econômico

Estudo mostra que, com guerra comercial, no Brasil só a soja ganha 

Assis Moreira

Valor Econômico,  segunda-feira, 7 de abril de 2025


Economistas da UFMG calcularam impacto da alta de tarifas de Trump e da retaliação da China

 

Uma simulação feita por economistas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) conclui que o Brasil teria um modesto ganho de US$ 428 milhões (R$ 2,497 bilhões) no rastro do tarifaço imposto por Donald Trump e da retaliação anunciada pela China. O resultado aponta a soja como único ganhador. A indústria perderia significativamente.


(Após tarifas nos EUA e retaliação da China)

EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS US$

1.Agricultura................... 4.296

1.1Soja ............................ 4.883

1.2Demais agropecuária.. -587

2.Indústria....................... -3.494

3.Serviços........................ -375

TOTAL................................... 428

Fonte: UFMG/Cedeplar/valores em 2017


O levantamento foi feito pelos economistas Edson Paulo Domingues, João Pedro Revoredo Pereira da Costa e Aline Souza Magalhães, da UFMG usando a metolodogia do "Modelo GTAP (cuja base de dados é mantida pela Universidade de Purdue, EUA). É amplamente utilizado em análises de comércio internacional, e adaptado para essas estimativas pela equipe da UFMG. O modelo assume que os mercados respondem aos choques de tarifas e atingem um novo equilibrio de produção e comércio. Serve como uma indicação, no contexto atual.

Na primeira simulação da equipe, levando em conta apenas as tarifas anunciadas por Trump, incluindo taxação adicional de 10% sobre o Brasil, o país perderia cerca de US$ 7 bilhões de exportações, essencialmente de produtos industriais.

Na segunda simulação, somando a imposição das novas tarifas americanas e a retaliação de 34% da China contra os EUA, o modelo mostra que o Brasil ganha leves oportunidades. Em termos de PIB (Produto Interno Bruto), o Brasil teria um pequeno benefício de US$ 350 milhões.

Do ponto de vista setorial, o único setor brasileiro beneficiado seria o de sementes oleaginosas (soja), o qual destinaria boa parte de sua produção para as exportações e geraria o resultado positivo no PIB.

Enquanto soja ganha nas exportações, todos os outros setores sofreriam perdas significativas. O setor industrial seria o mais afetado, com queda estimada de US$ 3,5 bilhões, demonstrando um impacto adverso considerável na economia brasileira. O segmento de serviços também enfrentaria uma diminuição, com uma perda de US$ 375 milhões.

A soja ganha evidentemente no caso em que vende mais para a China enquanto a retaliação chinesa for mantida contra os EUA. A tendência vai ser, mesmo, de um acordo entre americanos e chineses, incluindo compra de mais produtos agrícolas por Pequim, como ocorreu na guerra comercial no primeiro mandato de Trump. Ou seja, o ganho da soja brasileira seria de curta duração.

A equipe da UFMG nota que a elevada perda de exportações e produção da indústria brasileira sugere efeito de “desindustrialização” na economia. Esse fenômeno teria consequências significativas nas perspetivas de crescimento e geração de empregos mais qualificados e com maior remuneração. Acham que esse processo seria desencadeado por políticas protecionistas de outros países, o que torna mais complexa a elaboração de medidas de ajuste e eventuais compensações para setores prejudicados.

Outras simulações tendem a ser feitas, porque o volume de retaliações e acordos bilaterais certamente vai aumentar proximamente.

No geral, todos os países perdem mais do que ganham com a guerra comercial deflagrada por Donald Trump. Só o prejuízo causado pelas incertezas que ele provoca já são enormes. O que o Brasil tem de fazer, em vez de comemorar suposto ganho, é usar esse tipo de simulação para se preparar visando ser mais resiliente nos tempos duros pela frente.

O Livro branco e a militarização da Europa - Gilberto Lopes

O Livro branco e a militarização da Europa

 

Por GILBERTO LOPES*

 

Se o mundo civilizado não atar as mãos destes selvagens, eles nos conduzirão à Terceira Guerra Mundial

 

Uma ameaça fundamental

A Europa enfrenta uma ameaça aguda e crescente. A única forma de garantir a paz é estar preparados para dissuadir aqueles que querem nos prejudicar. Chegou o momento da Europa rearmar-se. Estas são algumas das conclusões do Livro branco conjunto sobre a preparação da defesa europeia 2030, publicado em Bruxelas em 19 de março passado.

Livro branco apresenta um plano de rearmamento da Europa. Para isso, abriram-se as portas para o endividamento dos países europeus através da chamada “Cláusula de Escape”, que permite aos países ultrapassarem os limites do déficit e da dívida estabelecidos nas regras europeias, caso estejam envolvidos investimentos relacionados com a indústria militar.

Mudanças no entorno estratégico

De acordo com o Livro branco, o equilíbrio político que emergiu após o fim da Segunda Guerra Mundial e a conclusão da Guerra Fria “foi seriamente alterado”. Por um lado, argumentam que os “Estados autoritários”, como a China, procuram impor “sua autoridade e controle sobre nossa economia e sociedade”.

Por outro, destacam que a Rússia “deixou claro que continua em guerra com o Ocidente” e “continuará sendo uma ameaça fundamental para a segurança da Europa num futuro previsível”. Caso se permita que a Rússia atinja seus objetivos na Ucrânia, argumentam, “suas ambições territoriais se estenderão ainda mais”. Afirmações que o presidente russo Vladimir Putin tem rejeitado repetidamente.

Aumentar os gastos com defesa

Os gastos com a defesa dos Estados-membros da União Europeia aumentaram mais de 31% desde 2021, atingindo 326 bilhões de euros em 2024. No início de março, a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, anunciou o plano ReArm Europe”, que prevê um gasto de cerca de 800 bilhões de euros para a defesa do bloco.

A proposta não foi acolhida unanimemente. Em 26 de março, Gregorio Sorgi e Giovanna Faggionato publicaram no Politico (uma publicação originalmente sediada na Virgínia, e vendida em 2021 para a alemã Axel Springer) que os países do sul da Europa – França, Itália e Espanha – tinham manifestado preocupação com as consequências econômicas do aumento da dívida, tendo em vista suas já elevadas dívidas e déficits orçamentários.

“Alguns países têm sérias dúvidas sobre a possibilidade de endividar-se nesses níveis”, diz o artigo, citando “um diplomata sênior da União Europeia” em Bruxelas. Em vez de assumirem novas dívidas, propõem a emissão de bônus de defesa, colocados pela UE no mercado de capitais, para financiar estes investimentos. Uma proposta à qual países como a Alemanha e a Holanda tradicionalmente se opuseram.

Apoio militar à Ucrânia

Livro branco não prevê qualquer iniciativa diplomática. Alinhado com a visão militarista da nova Comissão Europeia, na qual os beligerantes países bálticos lideram as comissões de relações exteriores e de defesa, propõe que os Estados-membros cheguem rapidamente a um acordo sobre uma ambiciosa iniciativa de apoio militar à Ucrânia, treinando e equipando suas forças armadas e fornecendo-lhes munição de artilharia e defesa aérea. A Ucrânia tornou-se o principal laboratório mundial de defesa e inovação tecnológica, diz o documento.

Desde fevereiro de 2022, a Europa concedeu à Ucrânia cerca de 50 bilhões de euros em apoio militar e pretende melhorar sua capacidade de defesa através do que chamou de “estratégia porco-espinho”, para dissuadir qualquer possível novo ataque. Mísseis (incluindo os de ataque profundo de precisão), aviões não tripulados e pelo menos dois milhões de projéteis de artilharia de grande calibre por ano são prioridades compartilhadas pela Ucrânia e pelos Estados-membros da União Europeia, que também pretendem treinar e equipar as brigadas ucranianas e apoiar a regeneração de seus batalhões.

Esforços que visam, entre outras coisas, preencher o espaço deixado por uma mudança na política norte-americana, que, desde 2022, tem sustentado a guerra na Ucrânia, como demonstrado pela reportagem do New York Times, “The partnership: the secret history of the war in Ukraine” [“A parceria: a história secreta da guerra na Ucrânia”], publicada em 29 de março. Entretanto, apesar das tensões com Washington, a Europa reconhece que uma forte ligação transatlântica continua sendo crucial para sua defesa. A OTAN é a pedra angular dessa defesa.

Para além da Europa

O documento propõe um compromisso ambicioso em matéria de segurança e defesa “com todos os países europeus afins, os países da ampliação e os países vizinhos (incluindo Albânia, Islândia, Montenegro, República da Moldávia, Macedônia do Norte e Suíça)”, assim como a continuação das conversas sobre uma Associação de Segurança e Defesa com a Índia. A ideia é que a União Europeia explore, além disso, “oportunidades de cooperação industrial no campo da defesa com os parceiros do Indo-Pacífico, em particular o Japão e a República da Coreia, com os quais se concluíram Associações de Segurança e Defesa em novembro passado, além da Austrália e da Nova Zelândia”.

A guerra em grande escala da Rússia contra a Ucrânia tem repercussões para além da Europa, diz o Livro branco. As ameaças híbridas e os ciberataques não respeitam fronteiras. Nem a segurança no espaço ou no mar.

Militarização da indústria, um bom negócio

Um mercado de equipamentos de defesa verdadeiramente funcional em toda a União Europeia seria um dos maiores mercados nacionais de defesa do mundo, defende o Livro branco. O aumento do investimento no setor da defesa teria efeitos positivos em toda a economia. A reativação da indústria da defesa em grande escala exigirá que a indústria atraia e forme muitos talentos, incluindo técnicos, engenheiros e peritos especializados.

A reconstrução da defesa europeia exigirá um investimento massivo durante um período prolongado, tanto público como privado, para repor os equipamentos militares dos Estados-membros e aumentar a capacidade de produção industrial da defesa europeia. O Banco Europeu de Investimento tem um papel decisivo a desempenhar no financiamento destes programas. Seu Plano de Ação de Segurança e Defesa foi um primeiro passo nesta direção, mas sua aplicação deve ser acelerada.

Mas não basta aumentar o investimento público em defesa. As empresas europeias, incluindo as pequenas e médias, devem ter um melhor acesso ao capital. A proposta é que, para o período 2023-2027, o Fundo Europeu de Defesa (EDF) financie as PME com até 840 milhões de euros e que o Programa Europeu para a Indústria da Defesa (EDIP) crie um Fundo para Acelerar a Transformação da Cadeia de Abastecimento da Defesa (FAST).

A Europa prepara-se para as guerras

“A União Europeia é, e continua sendo, um projeto de paz”, podemos ler quase no final do Livro branco. A Europa deve tomar decisões audazes, acrescentam, e construir uma União de Defesa que garanta a paz em nosso continente através da unidade e da força.

Em Bruxelas, diz-se que a Comissão Europeia “se transformou num Ministério da Defesa”, afirma a jornalista Gloria Rodríguez, do jornal espanhol El País, num artigo publicado de Bruxelas. A agenda atual é eloquente, afirma. “O Livro branco, que define as ameaças que a União Europeia enfrenta, complementa o ReArm Europe, o plano mais ambicioso até aqui para reforçar os exércitos e a indústria de defesa da Europa”, apresentado por Ursula von der Layen há duas semanas.

Para Dmitry Peskov, porta-voz da presidência russa, os principais sinais vindos de Bruxelas e das capitais europeias referem-se atualmente a planos para militarizar a Europa. Moscou não recebeu sinais de Bruxelas que indiquem o desejo de procurar uma solução política para o conflito ucraniano, afirmou.(!!!! MD)

Necessitam justificar-se

Os Estados-membros da União Europeia escolheram a ex-primeira-ministra da Estônia, Kaja Kallas – uma das vozes mais beligerantes contra a Rússia ( !!!, Estôniaum país com um milhão e trezentos mil habitantes, beligerante contra seu vizinho e ocupante histórico, uma potência nuclear de 144 milhões de habitantes!!!, conta outra, seu russófilo serviçal de Putin !!! (MD)– como representante de sua política externa porque queriam uma líder para tempos de guerra, afirmam os jornalistas do Politico Niicholas Vinocur e Jacopo Barigazzi, citando fontes europeias. “Se você a ouve”, diz uma voz europeia crítica de Kallas, citada pelo Politico, “parece que estamos em guerra com a Rússia, o que não é a linha oficial da União Europeia”.

Mas outros aprovam, como a primeira-ministra dinamarquesa – outra voz particularmente beligerante – ou um diplomata europeu, não identificado pelos autores do artigo, que está “muito satisfeito” com o estilo de Kaja Kallas.

O ódio aos russos foi expresso pelo presidente ucraniano numa entrevista ao jornal conservador francês Le Figaro. Um “sentimento apropriado” em tempos de guerra, disse ele, que o ajuda a se manter na frente da luta.

Um sentimento que provavelmente contribuiu para o fracasso dos acordos de Minsk, negociados antes da guerra em 2014 e 2015 e boicotados pela Ucrânia, França e Alemanha. Estes acordos pretendiam dar garantias às populações russas das Repúblicas de Donetsk e Lugansk. Os combates no leste da Ucrânia, entre os separatistas e as forças ucranianas, já tinham ceifado cerca de 14 mil vidas antes da invasão russa, segundo a BBC, e deixado mais de um milhão de pessoas deslocadas.

Nesse clima, o ministro espanhol das relações exteriores, José Manuel Albares, pediu para que não alarmassem desnecessariamente as pessoas. “Ninguém está se preparando para a guerra”, disse. Referia-se ao “kit de sobrevivência” proposto por von der Layen, que duraria pelo menos 72 horas em caso de emergência. O mesmo José Manuel Albares que, numa reunião de seis países europeus em Madrid, na segunda-feira, 31 de março, propôs, sem obter apoio, a utilização dos fundos russos congelados em bancos europeus para ajudar a Ucrânia.

“Eles precisam justificar-se”, disse o presidente russo Vladimir Putin, comentando a proposta do kit. “É por isso que assustam sua população com uma hipotética ‘ameaça russa’”. “Dizer que vamos atacar a Europa depois da Ucrânia é um completo disparate. É uma intimidação de sua própria população”.

Guerras do futuro?

O colega de Kaja Kallas na Comissão, o ex-primeiro-ministro lituano Andrius Kubilius, agora responsável pela recém-criada pasta da Defesa, que também é a favor de uma política agressiva em relação a Moscou, disse que “se a Europa quer evitara guerra, tem que estar preparada para ela”. As prioridades do Livro branco, destacou, são aumentar os gastos com defesa, pensando “não apenas nas guerras atuais, mas também nas do futuro”. “Vladimir Putin não se deterá lendo o Livro branco”, acrescentou. Só o fará “se o utilizarmos para criar drones muito reais, tanques, artilharia… para nossa defesa”. Para o presidente finlandês, o também conservador Alexander Stubb, a única forma de deter Moscou é “armar a Ucrânia até os dentes”.

E, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha envia tropas para o estrangeiro. Trata-se de uma brigada instalada na Lituânia, a 10 km da fronteira com a Bielorrússia. Quando estiver totalmente operacional, em 2027, contará com cerca de 5.000 efetivos militares e civis.

Tanto Kaja Kallas como Andrius Kubilius são cidadãos de dois países bálticos – a Estônia e a Lituânia – que são particularmente agressivos contra a Rússia.(!!! Os países bálticos é que foram ocupados pela União Soviética por décadas, a partir de 1940 !!! (MD). É seguro dizer que foi precisamente por isso que foram nomeados para estes cargos. Acontece que a Estônia, com cerca de 1,4 milhão de habitantes, e a Lituânia, com cerca de 2,9 milhões, são apenas um bairro de qualquer grande cidade da América Latina com tal população. A área metropolitana do México ou de São Paulo tem cerca de 8 milhões de habitantes.

Por isso, não é de estranhar que funcionários europeus, que poderiam ser como que presidentes de bairros destas cidades, tenham em suas mãos a definição de políticas que podem levar o mundo a uma nova guerra de dimensões catastróficas. Se o mundo civilizado não atar as mãos destes selvagens, eles nos conduzirão à Terceira Guerra Mundial.

*Gilberto Lopes é jornalista, doutor em Estudos da Sociedade e da Cultura pela Universidad de Costa Rica (UCR). Autor, entre outros livros, de The end of democracy: a dialogue between Tocqueville and Marx (Editora Dialética) [https://amzn.to/


O tarifaço de Trump e o Brasil - Rubens Barbosa (Estadão)

 Opinião :  

O tarifaço de Trump e o Brasil

Comunicado oficial do Itamaraty está correto. A retórica radical de retaliação deve ser substituída por medidas concretas de reciprocidade, apoiadas na nova lei aprovada pelo Congresso

Por Rubens Barbosa

Estadão, 08/04/2025 


A reciprocidade tarifária anunciada por Donald Trump visa, em especial, a compensar as restrições tarifárias e as medidas não tarifárias que afetam os produtos norte-americanos e que dificultam a implementação de uma política industrial que favoreça os interesses das empresas norte-americanas. Na realidade, a medida poderá representar um dos maiores atos de autossabotagem na história dos EUA.

As tarifas universais são variáveis, oscilando de 10% a 49%, entram em vigor imediatamente e serão acrescentadas às tarifas já em vigor, dependendo do produto e do país, além das aplicadas ao aço e ao alumínio e à importação de carros. Os países agora terão de negociar a redução dessas tarifas variáveis com compensações para os EUA. Vietnã e Israel resolveram, antes do anúncio, eliminar as tarifas para os produtos norte-americanos. México, Canadá e União Europeia já deixaram saber que vão retaliar de forma proporcional. A China retaliou com tarifas no mesmo nível: 34% sobre os produtos norte-americanos. Trump disse que, se isso de fato ocorrer, irá treplicar e impor tarifas ainda mais elevadas. Estaria, assim, declarada uma dura guerra comercial global com impactos imprevisíveis. Com base na experiência passada, em especial nos idos de 1930, com a Lei Smoot-Hawley, que elevou as tarifas e isolou os EUA, pode-se antever a possibilidade de uma recessão global, com inflação, desemprego e crise cambial, ao contrário dos objetivos enunciados por Trump.

Em relação à China, o país com o maior superávit no comércio bilateral com os EUA, Trump tomou uma série de medidas, além das tarifas. Entre elas, decisão de conter investimentos em tecnologia e energia nos EUA, de revisar o acordo para evitar a bitributação de 1984 e de impor, a partir de novembro, taxas pesadas sobre navios chineses que buscam os portos norte-americanos com bens de qualquer outro país, para reduzir o domínio chinês no transporte marítimo. Essa taxação teria um efeito dramático sobre o comércio global pelo aumento no preço do frete e no custo final dos produtos no mercado norte-americano.

A região mais prejudicada foi a Ásia (China, com 34%; Vietnã, com 46%; Tailândia, com 31%; Indonésia, com 32%; Malásia, com 24%; e Taiwan, com 32%). O continente menos afetado foi a América Latina, com 10%, à exceção do México, que foi penalizado com múltiplas tarifas. À Rússia e à Coreia do Norte, zero de tarifa...

O anúncio da decisão causou alívio inicial ao governo brasileiro, visto que o País ficou no nível mais baixo das tarifas, com 10% sobre a exportação de produtos brasileiros. Isso pode ser explicado pelo fato de o Brasil ter um déficit (não um superávit) na balança comercial com os EUA, com poucos produtos com tarifas mais elevadas (etanol 18%, ante 2% dos EUA). As barreiras não tarifárias vigentes, identificadas no documento Barreiras contra o Comércio Exterior, produzido pelo United States Trade Representative (USTR), não foram consideradas. Dependendo da evolução das negociações bilaterais, não se deve descartar a possibilidade de, no futuro, o governo de Washington vir a penalizar as barreiras mencionadas no referido documento, como IPI, impostos sobre serviços audiovisuais, remessas relacionadas com obras audiovisuais, restrições à importação de equipamentos de terraplenagem, importação de bens de consumo usados, regulamentações sobre biocombustíveis, barreiras sanitárias e fitossanitárias, compras governamentais, comércio digital e propriedade intelectual.

O governo brasileiro, no nível mais alto, declarou que essas medidas unilaterais são contrárias às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e que a primeira reação será levar o caso para a OMC em Genebra, a exemplo do que já anunciaram a China e o Canadá. Além dessa medida, Lula disse que o Brasil poderia retaliar. Altos funcionários em Brasília disseram que o governo “está habilitado a tomar contramedidas que afetem os EUA, como retaliação cruzada, em propriedade intelectual, mas que não sejam um tiro no pé”.

No meio das crescentes incertezas quanto às medidas protecionistas dos EUA, o Brasil deveria negociar a volta de cotas, em vez de tarifas, sobre o aço e o alumínio e formas de reduzir o impacto negativo das medidas anunciadas sobre os produtos nacionais. A curto prazo, com a escalada das medidas protecionistas globais, será importante atentar à possibilidade de desvio de comércio para o mercado brasileiro.

Como ficou no nível mais baixo das tarifas variáveis, o Brasil não tem alternativa senão aguardar as reações ao redor do mundo, em especial do Canadá, do México, da União Europeia, da China e do Japão. A partir daí, apresentar queixa à OMC e avaliar como negociar com os EUA. O comunicado oficial do Itamaraty está correto ao anunciar uma posição de cautela para os próximos passos. A retórica radical de retaliação aos EUA deve ser deixada de lado e substituída por medidas concretas de reciprocidade, apoiadas na nova lei de defesa comercial aprovada pelo Congresso.

O cenário mundial, em rápida transformação e ebulição, exige uma visão estratégica e pragmática da parte do governo brasileiro, acima de ideologia e partidarismo, para a defesa do interesse nacional, aproveitamento das oportunidades e resposta aos desafios que surgirão para o Brasil.

Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004) oficial do Itamaraty está correto. A retórica radical de retaliação deve ser substituída por medidas concretas de reciprocidade, apoiadas na nova lei aprovada pelo Congresso

Por Rubens Barbosa

Estadão, 08/04/2025 


A reciprocidade tarifária anunciada por Donald Trump visa, em especial, a compensar as restrições tarifárias e as medidas não tarifárias que afetam os produtos norte-americanos e que dificultam a implementação de uma política industrial que favoreça os interesses das empresas norte-americanas. Na realidade, a medida poderá representar um dos maiores atos de autossabotagem na história dos EUA.

As tarifas universais são variáveis, oscilando de 10% a 49%, entram em vigor imediatamente e serão acrescentadas às tarifas já em vigor, dependendo do produto e do país, além das aplicadas ao aço e ao alumínio e à importação de carros. Os países agora terão de negociar a redução dessas tarifas variáveis com compensações para os EUA. Vietnã e Israel resolveram, antes do anúncio, eliminar as tarifas para os produtos norte-americanos. México, Canadá e União Europeia já deixaram saber que vão retaliar de forma proporcional. A China retaliou com tarifas no mesmo nível: 34% sobre os produtos norte-americanos. Trump disse que, se isso de fato ocorrer, irá treplicar e impor tarifas ainda mais elevadas. Estaria, assim, declarada uma dura guerra comercial global com impactos imprevisíveis. Com base na experiência passada, em especial nos idos de 1930, com a Lei Smoot-Hawley, que elevou as tarifas e isolou os EUA, pode-se antever a possibilidade de uma recessão global, com inflação, desemprego e crise cambial, ao contrário dos objetivos enunciados por Trump.

Em relação à China, o país com o maior superávit no comércio bilateral com os EUA, Trump tomou uma série de medidas, além das tarifas. Entre elas, decisão de conter investimentos em tecnologia e energia nos EUA, de revisar o acordo para evitar a bitributação de 1984 e de impor, a partir de novembro, taxas pesadas sobre navios chineses que buscam os portos norte-americanos com bens de qualquer outro país, para reduzir o domínio chinês no transporte marítimo. Essa taxação teria um efeito dramático sobre o comércio global pelo aumento no preço do frete e no custo final dos produtos no mercado norte-americano.

A região mais prejudicada foi a Ásia (China, com 34%; Vietnã, com 46%; Tailândia, com 31%; Indonésia, com 32%; Malásia, com 24%; e Taiwan, com 32%). O continente menos afetado foi a América Latina, com 10%, à exceção do México, que foi penalizado com múltiplas tarifas. À Rússia e à Coreia do Norte, zero de tarifa...

O anúncio da decisão causou alívio inicial ao governo brasileiro, visto que o País ficou no nível mais baixo das tarifas, com 10% sobre a exportação de produtos brasileiros. Isso pode ser explicado pelo fato de o Brasil ter um déficit (não um superávit) na balança comercial com os EUA, com poucos produtos com tarifas mais elevadas (etanol 18%, ante 2% dos EUA). As barreiras não tarifárias vigentes, identificadas no documento Barreiras contra o Comércio Exterior, produzido pelo United States Trade Representative (USTR), não foram consideradas. Dependendo da evolução das negociações bilaterais, não se deve descartar a possibilidade de, no futuro, o governo de Washington vir a penalizar as barreiras mencionadas no referido documento, como IPI, impostos sobre serviços audiovisuais, remessas relacionadas com obras audiovisuais, restrições à importação de equipamentos de terraplenagem, importação de bens de consumo usados, regulamentações sobre biocombustíveis, barreiras sanitárias e fitossanitárias, compras governamentais, comércio digital e propriedade intelectual.

O governo brasileiro, no nível mais alto, declarou que essas medidas unilaterais são contrárias às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e que a primeira reação será levar o caso para a OMC em Genebra, a exemplo do que já anunciaram a China e o Canadá. Além dessa medida, Lula disse que o Brasil poderia retaliar. Altos funcionários em Brasília disseram que o governo “está habilitado a tomar contramedidas que afetem os EUA, como retaliação cruzada, em propriedade intelectual, mas que não sejam um tiro no pé”.

No meio das crescentes incertezas quanto às medidas protecionistas dos EUA, o Brasil deveria negociar a volta de cotas, em vez de tarifas, sobre o aço e o alumínio e formas de reduzir o impacto negativo das medidas anunciadas sobre os produtos nacionais. A curto prazo, com a escalada das medidas protecionistas globais, será importante atentar à possibilidade de desvio de comércio para o mercado brasileiro.

Como ficou no nível mais baixo das tarifas variáveis, o Brasil não tem alternativa senão aguardar as reações ao redor do mundo, em especial do Canadá, do México, da União Europeia, da China e do Japão. A partir daí, apresentar queixa à OMC e avaliar como negociar com os EUA. O comunicado oficial do Itamaraty está correto ao anunciar uma posição de cautela para os próximos passos. A retórica radical de retaliação aos EUA deve ser deixada de lado e substituída por medidas concretas de reciprocidade, apoiadas na nova lei de defesa comercial aprovada pelo Congresso.

O cenário mundial, em rápida transformação e ebulição, exige uma visão estratégica e pragmática da parte do governo brasileiro, acima de ideologia e partidarismo, para a defesa do interesse nacional, aproveitamento das oportunidades e resposta aos desafios que surgirão para o Brasil.

Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004)

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