sexta-feira, 2 de maio de 2025

A Guerra na Ucrânia - Capítulo 1: Introdução, Linha do Tempo - Marcelo Guterman

 Início de uma série:

A Guerra na Ucrânia - Capítulo 1: Introdução, Linha do Tempo e Referências

Motivação e capítulos

A ideia inicial dessa série era ser apenas um artigo para rebater um documentário produzido pelo Brasil Paralelo, “A Face Oculta de Zelensky”, que enquadra o presidente da Ucrânia como o culpado pela guerra em seu país. Segundo a narrativa do documentário, no final de 2019, Zelensky, pressionado por grupos nacionalistas nazistas, não teria dado continuidade a um acordo com Putin, que já havia sinalizado o fim dos movimentos separatistas da região do Donbas. A partir daí, continua a narrativa, Zelensky foi endurecendo cada vez mais, e foi questão de tempo para que Putin decidisse invadir a Ucrânia. O documentário vai além, insinuando que, para Zelensky, interessa que a guerra continue indefinidamente, pois assim, pode exercer seus poderes ditatoriais “legalmente”.

Comecei a pesquisar em materiais da época, para entender melhor a dinâmica dos acontecimentos. E, como tudo em história, uma coisa puxa a outra e, se não tomamos cuidado, a coisa termina em Adão e Eva. Assim, decidi colocar o início dos acontecimentos no referendo de independência, em 1991, que marca o início política da Ucrânia moderna.

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Depois que comecei a escrever o artigo, percebi que estava ficando muito longo. Decidi, então, dividir em capítulos, e o artigo transformou-se nesta série. Os capítulos serão os seguintes:

  1. Introdução, linha do tempo e referências: este capítulo inicial servirá como uma referência para os próximos.

  2. Demografia e economia da Ucrânia: para entender os acontecimentos que se desenvolvem atualmente, é essencial termos ao menos uma ideia do terreno onde pisamos.

  3. Os referendos e as eleições presidenciais: entender a dinâmica das diversas eleições ao longo do tempo nos permite entender os movimentos da opinião pública ucraniana.

  4. A Revolução Laranja e a Euromaidan: o que nos dizem as revoltas populares a respeito dos ucranianos.

  5. O “neonazismo” ucraniano: a influência da extrema-direita na política ucraniana.

  6. O anschluss russo: a dinâmica de anexação de territórios de países vizinhos.

  7. A Rússia e a OTAN: a história da relação tumultuada entre a Rússia e a Aliança militar ocidental.

  8. Os acordos de Minsk: uma tentativa de entender porque os acordos de paz não funcionaram para evitar a guerra.

  9. Quem é Volodymyr Zelensky: uma análise do atual presidente da Ucrânia.

Linha do tempo

Colocar os eventos em uma linha do tempo é útil para relacionar eventos que parecem não ter relação entre si.

Década de 1990

19/ago/1991: tentativa frustrada de golpe de Estado contra Boris Yeltsin na União Soviética.

24/ago/1991: o Soviete Supremo da Ucrânia aprova a Declaração de Independência por 326 votos a 2, com uma abstenção. No mesmo dia, o parlamento ucraniano aprova a independência por 346 votos contra um, com 3 abstenções, e convoca um referendo para o dia 1º de dezembro. A declaração faz menção à tradição milenar do Estado ucraniano e à indivisibilidade e inviolabilidade do território do País.

01/dez/1991: a independência da Ucrânia é aprovada em referendo popular por 92,3% dos votos válidos e comparecimento de 84,2% da população. Mesmo as províncias mais russófonas votaram em peso pela independência.

01/dez/1991: no mesmo dia do referendo, os ucranianos elegem o seu primeiro presidente, Leonid Kravchuk, que vence no primeiro turno com 61,6% dos votos válidos. Kravchuk era o presidente do Soviete Supremo da Ucrânia até a sua dissolução, e havia atuado como presidente interino desde a declaração de independência até as eleições.

02/dez/1991: Boris Yeltsin, em uma declaração a uma emissora de TV, reconhece a independência da Ucrânia. Oficialmente, o parlamento russo reconheceria o novo País em 12/dez/1991.

08/dez/1991: assinado o Acordo de Belovezhapela Rússia, Ucrânia e Bielorrússia, que estabelece o Commonwealth Independent States (CIS) no lugar da antiga União Soviética. No seu artigo 5, o Acordo determina o “reconhecimento e o respeito à inviolabilidade e à integridade territorial de seus signatários”.

26/dez/1991: a União Soviética é oficialmente dissolvida.

22/jan/1993: os estatutos do CIS são aprovados sem a assinatura da Ucrânia.

10/jul/1994: Leonid Kushma é eleito o 2º presidente da República da Ucrânia, vencendo o incumbente, Leonid Kravchuk, por 53,6% a 46,4% no 2º turno, recebendo a maior parte de seus votos das províncias do Leste, de maioria étnica russa.

05/dez/1994: assinado o Memorando de Budapeste, em que Ucrânia, Bielorrússia e Kazaquistão aderem ao Pacto de Não-Proliferação Nuclear, abrindo mão das armas nucleares herdadas da antiga União Soviética. Em troca, recebem várias garantias por parte da Rússia, EUA e Grã-Bretanha, inclusive, de respeito às fronteiras reconhecidas.

31/mai/1997: assinado o Tratado de Amizade, Cooperação e Parceria entre Rússia e Ucrânia, estabelecendo uma parceria estratégica entre os dois países e reafirmando o respeito pela integridade territorial de ambos os países.

12/mar/1999: Rep. Tcheca, Hungria e Polônia tornam-se membros da OTAN.

14/nov/1999: o presidente Leonid Kushma é reeleito no 2º turno por grande margem (59,8% contra 40,2%) contra o seu adversário, Petro Symonenko. Ao contrário de sua primeira eleição, Kushma recebeu mais votos das províncias do Oeste, perdendo em Donetsk e Crimeia, províncias onde tinha vencido com facilidade 5 anos antes.

31/dez/1999: Boris Yeltsin renuncia ao governo da Rússia, sendo sucedido interinamente pelo seu primeiro-ministro, Vladimir Putin.

Década de 2000

26/mar/2000: Vladimir Putin é eleito, pela primeira vez, presidente da Rússia, com 53% dos votos no 1º turno.

28/mai/2002: É assinada a Declaração de Roma, em que se estabelece o Conselho OTAN-Rússia (NRC), um fórum de cooperação em que a Rússia entrava como um parceiro em igualdade de condições com os outros membros da OTAN.

02/nov/2003: depois de eleições parlamentares fraudadas, a oposição lidera o que ficou conhecida como “Revolução Rosa” na Georgia, que depõe o presidente pró-Rússia. É considerada a precursora da “Revolução Laranja” na Ucrânia pela mesma razão e com os mesmos efeitos.

14/mar/2004: Vladimir Putin é reeleito presidente da Rússia com 71,3% dos votos.

29/mar/2004: Estônia, Lituânia, Letônia, Bulgária, Romênia, Eslováquia e Eslovêniaaderem oficialmente à OTAN.

03/set/2004: um ataque terrorista checheno em uma escola de Beslan, cidade na fronteira com a Georgia, mata mais de 500 pessoas, inclusive crianças. Putin dirá que “nós nos mostramos fracos, e os fracos são abatidos”.

21/nov/2004: Viktor Yanukovych vence o 2º turno das eleições por 51,5% a 48,5% contra Viktor Yushchenko. Os votos de Yanukovych vieram principalmente das províncias russófonas do Leste. Assim que os resultados são anunciados, uma onda de protestos contra fraudes nas eleições toma conta do país, na chamada “Revolução Laranja”, pois seus adeptos usavam laços cor-de-laranja.

03/dez/2004: a Suprema Corte ucraniana anula o 2º turno das eleições, e marca uma nova votação para o dia 26/12.

26/dez/2004: Viktor Yushchenko vence o novo 2º turno das eleições contra Viktor Yanukovych, por 54,1% a 45,9%, recebendo votos principalmente das províncias do Oeste.

02/mar/2008: Dmitri Medvedev é eleito presidente da Rússia, para suceder a Vladimir Putin, com 70,3% dos votos. Putin é “escolhido” como primeiro-ministro pelo presidente eleito Dmitri Medvedev.

07/ago/2008: o Kremlin ordena a invasão da Georgia, nas regiões da Abkhazia e Ossetia do Sul.

01/abr/2009: Albânia e Croácia tornam-se membros da OTAN.

Década de 2010

07/fev/2010: em um 2º turno apertado, o candidato pró-Rússia Viktor Yanukovych, que havia vencido as eleições anteriores, mas teve o resultado anulado pela Suprema Corte, vence a candidata pró-Europa Yulia Tymoshenko, por 51,8% a 48,2%. Como na eleição anterior, Yanukovych tem a maior parte de seus votos vindos das províncias do Leste.

11/out/2011: Yulia Tymoshenko é sentenciada e presa em um processo anticorrupção. Os países do Ocidente condenam a prisão da principal líder da oposição.

04/mar/2012: Vladimir Putin é eleito presidente da Rússia com 63,6% dos votos para suceder a Dmitri Medvedev.

30/mar/2012: os termos de um futuro Acordo de Associação entre a Ucrânia e a União Europeia são finalizados.

21/nov/2013: o presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovich, anuncia que o País não iria assinar o acordo de cooperação comercial com União Europeia, que iria ser assinado uma semana depois. Começam os protestos populares contra a decisão.

30/nov/2013: pela primeira vez, a polícia reprime violentamente os protestos. A partir de então, as manifestações ganham volume.

11/dez/2013: a polícia tenta esvaziar a Praça da Independência com violência.

17/dez/2013: Putin assina um acordo com o presidente Yanukovych, comprando $15 bilhões da dívida externa ucraniana e baixando o preço do gás em um terço.

07/fev/2014: tem início as Olímpiadas de Inverno de Sochi, Rússia.

18-20/fev/2014: a repressão aos protestos atinge o ápice da violência, até que, no dia 20, snipers atiram nos manifestantes reunidos na Euromaidan, precipitando a perda de legitimidade do governo Yanukovich.

22/fev/2014: o congresso ucraniano vota unanimemente pela destituição de Yanukovych, que foge para a Rússia. Oleksandr Turchynov, presidente do Congresso, assume como presidente interino até que novas eleições possam ser organizadas (a próxima oficial seria no início de 2015).

23/fev/2014: o parlamento vota o fim do russo como 2ª língua do país, causando uma onda de revolta nas províncias pró-Rússia. A votação foi cancelada dias depois.

23/fev/2014: encerramento das Olímpiadas de Inverno de Sochi, Rússia.

27/fev/2014: a Rússia dá início à invasão da Crimeia.

18/mar/2014: Putin assina decreto absorvendo a Crimeia como parte da Rússia.

21/mar/2014: Ucrânia e União Europeia assinam um Acordo de Associação (Association Agreement), aquele mesmo que o ex-presidente Yanukovich se recusou a assinar.

07/abr/2014: manifestantes começam a ocupar prédios do governo em Donetsk e Luhansk.

15/abr/2014: o presidente em exercício, Olexander Turchynov, anuncia o início da “Operação Anti-Terrorismo” (ATO, na sigla em inglês) contra os separatistas pró-Rússia.

17/abr/2014: os chanceleres de Rússia, Ucrânia, EUA e UE se reúnem em Genebra e entram em um acordo para desescalar a crise no Leste. A Rússia afirma que a crise deve ser resolvida pelos ucranianos, e sugere que “mudanças constitucionais devem começar”, supostamente para dar autonomia a essas duas províncias.

11/mai/2014: os separatistas declaram a independência de Donetsk e Luhansk após referendos não reconhecidos pela comunidade internacional.

25/mai/2014: as eleições ucranianas (antecipadas) são vencidas no 1º turno por Petro Poroshenko (55,5%), seguido por Yulia Tymoshenko (13,0%) e Oleh Liashko (8,4%). O comparecimento nas províncias ocupadas do Leste é muito baixo.

05/jul/2014: as forças ucranianas retomam a cidade de Sloviansk das mãos dos rebeldes. A retomada de Donetsk parece ser o próximo passo.

17/jul/2014: um voo da Malaysia Airlines que vinha de Amsterdam com 298 passageiros e tripulantes é derrubado pelos separatistas.

14/ago/2014: tem início uma “invasão furtiva” do Donbas por tropas russas.

26/ago/2014: 4 militares russos são capturados pelas forças ucranianas em território ucraniano, evidenciando o envolvimento da Rússia no conflito. O Kremlin afirma que os militares atravessaram a fronteira “por acidente”.

03/set/2014: pressionado pela ofensiva russa, Petro Poroshenko anuncia que chegou a um acordo de cessar-fogo com Vladimir Putin. O Kremlin nega, afirmando cinicamente que, não sendo parte no conflito, não pode entrar um acordo de cessar-fogo.

05/set/2014: Ucrânia e Rússia assinam o primeiro Acordo de Minsk, na capital da Bielorrússia.

03/nov/2014: separatistas elegem novos líderesdas autodenominadas Repúblicas Populares de Donetsk e Luhansk em eleições apoiadas pela Rússia e contestadas pela Ucrânia e pelo Ocidente como uma quebra do acordo de Minsk. Alexander Zakharchenko é eleito o primeiro-ministro de Donetsk, e Igor Plotnitsky o primeiro-ministro de Luhansk.

12/fev/2015: o Acordo de Minsk II é assinado por representantes da Rússia, Ucrânia e OSCE, depois que o primeiro não surtiu os efeitos desejados.

16/nov/2015: vai ao ar o primeiro episódio da série Servo do Povo, estrelado por Volodymir Zelensky.

18/fev/2017: o Kremlin decide reconhecerdocumentos emitidos pelas autoridades rebeldes de Donetsk e Lugansk.

05/jun/2017: Montenegro torna-se membro da OTAN.

24/nov/2017: o líder separatista de Luhansk, Igor Plotisky, é deposto em golpe patrocinado por forças leais ao líder separatista de Donetsk, Alexander Zakharchenko. A República Independente de Luhansk é assumida por Leonid Pasechnik, um oficial de carreira ligado ao FSB, o órgão de inteligência russo.

30/nov/2017: Zelensky anuncia o fim de uma série chamada Matchmakers, que ele produzia na estúdio Kvartal 95, depois que o governo ucraniano impediu o ator russo Fyodor Dobroravov, protagonista da série, de entrar no país.

03/dez/2017: o estúdio Kvartal 95, produtora de Zelenksy, inclusive da série Servo do Povoregistra um partido com o mesmo nome.

22/dez/2017: a administração Trump permite, pela primeira vez, a venda de armas letais para a Ucrânia, revertendo uma orientação da administração Obama. No caso, foram fornecidos mísseis anti-tanques Javelin.

28/fev/2018: a Suprema Corte da Ucrânia entende como inconstitucional uma lei de 2012 que permitia o uso do russo em cortes, escolas e repartições públicas.

18/mar/2018: Vladimir Putin é reeleito presidente da Rússia com 76,7% dos votos.

30/abr/2018: a Operação Anti-Terrorismo (ATO) é substituída pela Operação Forças Conjuntas (JFO) no combate aos separatistas. A diferença é que, a partir de agora, as operações são comandadas pelas Forças Armadas, ao invés das Forças de Segurança Interna. O conceito é de que o inimigo não são os separatistas (considerados terroristas), mas a própria Rússia.

31/ago/2018: Alexander Zakharchenko, líder separatista de Donetsk, é assassinado em um atentado a bomba. Assume o seu lugar Denis Pushilin, ligado a Vladislav Surkov, ponto de contato entre o Kremlin e os separatistas.

22/nov/2018: o presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, envia ao Congresso um projeto de emenda à Constituição que prevê a adesão à União Europeia e à OTAN como objetivos estratégicos do país.

31/dez/2018: Volodymyr Zelensky anuncia sua candidatura à presidência nas eleições do ano seguinte.

06/jan/2019: O Patriarca Ecumênico de Constantinopla, a principal autoridade do cristianismo ortodoxo, reconhece a independência da Igreja Ortodoxa Ucraniana, separando-a formalmente da Igreja Ortodoxa Russa, que mantém laços estreitos com o Kremlin e supervisionava a Igreja Ucraniana há séculos. Putin acusa os Estados Unidos de estar por trás do movimento.

07/fev/2019: o parlamento ucraniano aprova emenda à Constituição que coloca a adesão à União Europeia e à OTAN como objetivos estratégicos do país.

31/mar/2019: 1º turno das eleições nacionais. Volodymyr Zelensky tem 30,2% dos votos, Petro Poroshenko (o incumbente) tem 16,0%, Julya Tymoshenko tem 13,6% e Yurly Boyko (candidato pró-Rússia) obtém 11,8% dos votos.

21/abr/2019: 2º turno das eleições nacionais. Zelensky vence as eleições com 73,0% dos votos. Suas maiores votações ocorreram justamente nas províncias mais russófonas do Leste e do Sul do país.

24/abr/2019: o Kremlin publica o decreto no 183, que permite um fast track para a naturalização de ucranianos que vivem nas áreas dominadas pelos separatistas, diminuindo de 8 anos para 3 meses o tempo necessário para os trâmites. Os documentos necessários são as identidades emitidas pelas autoridades separatistas.

29/abr/2019: o Kremlin estende o direito para aqueles que residiam nessas regiões antes de abril de 2014 e que possuem documentos que lhes permitem ficar em território russo.

14/jul/2019: protestos começam a tomar as ruas de Moscou contra a interferência de Putin nas eleições municipais.

17/jul/2019: o direito de obtenção do passaporte russo é estendido para todos os habitantes da região do Donbas, mesmo aquelas partes controladas pelo governo ucraniano.

21/jul/2019: o partido de Zelensky vence as eleições parlamentares, com os deputados de seu partido levando 43% das cadeiras, enquanto o partido pró-Rússia – For Life – ganha apenas 13%. O parlamento teve renovação de nada menos que 80% das cadeiras, em uma demonstração da insatisfação da população com a elite política local.

25/jul/2019: em um telefonema, Trump pede um “favor” ao presidente ucraniano: uma investigação sobre os negócios do filho de Joe Biden, Hunter Biden, na Ucrânia. Este telefonema seria usado como base para o processo de impeachment de Trump, em dezembro.

08/set/2019: o partido de Putin é derrotado nas eleições municipais em várias cidades importantes, incluindo Moscou.

24/set/2019: a presidente do Câmara, a democrata Nancy Pelosi, anuncia que a Câmara começará os procedimentos de impeachment de Donald Trump por conta de um telefonema de 25/07/2019 em que Trump pede a Zelensky que investigue o filho de Biden.

25/set/2019: primeiro encontro oficial entre Zelensky e Trump, na Assembleia Geral da ONU.

01/out/2019: Zelensky anuncia que a Ucrânia assinou a sua concordância com a Fórmula Steinmeier para a implementação do Acordo de Minsk II, o que significa permitir eleições nos territórios ocupados e, se forem consideradas limpas, a devolução do controle da fronteira para Kiev com a retirada das forças russas do território ucraniano.

09/dez/2019: reunião de cúpula em Paris, entre Zelensky, Putin, Merkel e Macron. Muito pouco se avança.

09/dez/2019: a Agência Mundial Anti-Doping bane a Rússia por 4 anos de todas as competições olímpicas sob acusação de doping sistêmico.

Década de 2020

27/mar/2020: a Macedônia do Norte torna-se membro da OTAN.

12/jun/2020: a OTAN reconhece a Ucrânia como um “Enhanced Opportunities Partner”, juntando-se a Austrália, Finlândia, Georgia, Jordânia e Suécia como país com esse status.

04/jul/2020: a Constituição da Rússia recebe uma emenda sob medida para que Putin possa concorrer a mais dois mandatos consecutivos, além deste que está exercendo no momento. Com isso, Putin pode ficar no poder até 2036.

20/ago/2020: Alexei Nalvany, opositor de Putin, é envenenado.

14/set/2020: o governo ucraniano aprova a nova Estratégia Nacional de Segurança, que prevê as condições para uma parceria com a OTAN, com o objetivo de uma futura admissão à Aliança.

18/jan/2021: Alexei Nalvany é preso pelo governo russo para nunca mais ser libertado até a sua morte, em fev/2024.

02/fev/2021: o governo de Zelensky fecha três canais de TV pró-Rússia: ZIK, NewsOne e 112 Ukraine, supostamente pertencentes a Viktor Medvedchuk, o aliado mais proeminente do Kremlin na Ucrânia. Putin é padrinho de casamento da filha de Medvedchuk.

20/fev/2021: o governo de Zelenskyy impõe sanções a vários políticos ucranianos com laços estreitos com o presidente russo Putin, incluindo Viktor Medvedchuk.

14/abr/2021: o ministro da defesa da Ucrânia, Andrii Taran, afirma que 110.000 soldados russos estão se concentrando na fronteira em 56 grupos táticos do tamanho de um batalhão, citando as últimas informações da inteligência de Kiev.

14/mai/2021: Viktor Medvedchuk, aliado de Putin na Ucrânia, é preso pelo governo ucraniano sob acusação de traição, por ter supostamente usado recursos de suas empresas para financiar os separatistas.

19/mai/2021: o governo Biden levanta as sanções impostas pelo governo americano à construção do Nord Stream 2, o gasoduto sob o Mar Báltico, como uma política de boa vizinhança com o governo alemão.

16/jun/2021: Biden se encontra com Putin em Genebra.

23/jun/2021: a Rússia atira em um destroyer britânico no Mar Negro, que passou próximo da Crimeia.

12/jul/2021: Putin escreve um longo artigo, intitulado “Sobre a Histórica Unidade de Russos e Ucranianos”, defendendo que a Ucrânia sempre fez parte da Rússia.

07/dez/2021: em teleconferência entre Biden e Putin, o presidente americano deixou claro para o seu par russo as consequências de uma guerra na Ucrânia.

23/dez/2021: em uma conferência de imprensa com jornalistas russos, Putin afirma que os Estados Unidos querem a guerra.

10 a 13/jan/2022: Putin faz um périplo: conversa com Biden em Genebra, participa de uma reunião no Conselho OTAN-Rússia e de uma reunião na OSCE. As demandas de Putin: 1) que a OTAN renuncie a qualquer expansão adicional, não somente na Ucrânia ou Georgia; 2) os EUA devem abrir mão de proteger seus aliados com armas nucleares táticas e mísseis de curto e médio alcance; 3) não mais envio de tropas e exercícios militares nos países do leste europeu que fazem parte da NATO e 4) fim da cooperação militar com as ex-repúblicas soviéticas. Essas demandas são vistas como uma espécie de ultimato para justificar a invasão da Ucrânia.

24/fev/2022: a Rússia oficialmente invade a Ucrânia.

04/abr/2023: a Finlândia torna-se membro da OTAN.

07/mar/2024: a Suécia torna-se membro da OTAN.

17/mar/2024: Vladimir Putin é reeleito presidente da Rússia com estonteantes 88,5% dos votos. As próximas eleições serão em 2030, quando Putin poderá se candidatar novamente.

Referências

Livros, artigos e sites

Reportagens

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Em 100 dias, Donald Trump liderou o governo mais constrangedor da história americana - or Rodrigo da Silva (O Estado de S. Paulo)

 Excelente artigo sobre um presidente desastrodo, a quem eu simplesmente chamaria de doente mental. (PRA)

Em 100 dias, Donald Trump liderou o governo mais constrangedor da história americana

Na prática, Donald Trump lidera um governo de improviso – o mais constrangedor da história recente americana – sem qualquer conexão com a tradição do pensamento político conservador: excessivamente estatizante, populista, autoritário, personalista e alinhado a adversários históricos do conservadorismo americano.

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Por Rodrigo da Silva

O Estado de S. Paulo, 29/04/2025 

Nesta terça-feira, Donald Trump completa, pela segunda vez, os 100 primeiros dias de um mandato presidencial nos Estados Unidos. E nunca os americanos viveram 100 dias como estes. Nem em 2017.

Como o próprio Trump admitiu nessa semana:

“Na primeira vez, eu tinha duas coisas a fazer: governar o país e sobreviver; eu tinha todos esses caras corruptos. E na segunda vez, eu governo o país e o mundo.”

O cenário é de terra arrasada. Desde Eisenhower, em 1953, a popularidade de um presidente americano nunca foi tão baixa nesse período inicial. Trump tem apenas 41% de aprovação. 66% dos americanos descrevem o seu governo como “caótico”. 59% preferem utilizar a palavra “assustador”.

Não há como terceirizar a culpa. Trump reassumiu a Casa Branca em janeiro com maioria no Senado e na Câmara, e uma Suprema Corte majoritariamente conservadora. Desde então, teve o caminho livre para implementar as suas políticas de governo sem o boicote daquilo que ele costumava chamar de “estado profundo”. E até aqui, os resultados têm sido espetacularmente ruins.

A política comercial é particularmente desastrosa. É verdade que Trump concedeu uma pausa em algumas tarifas lançadas pelo seu próprio governo no início do mês, pobremente justificadas com uma fórmula grotesca – um movimento que fez o mercado de ações desabar e forçou o republicano a recuar. Ainda assim, nesse momento, a alíquota tarifária americana está em quase 23% – a mais alta em mais de um século. Na prática, Trump realizou o maior aumento de impostos da história dos Estados Unidos.

Quando assumiu o poder, Trump herdou uma economia chamada pela Economist de “inveja do mundo”. Cem dias depois, o Barclays diz que uma recessão nos Estados Unidos é cada vez mais provável. O JP Morgan calcula que a probabilidade de uma recessão acontecer ainda em 2025 é de 60%. O Fundo Monetário Internacional reduziu drasticamente as suas previsões para o crescimento mundial em 2025 e 2026.

Nessa terça-feira, quando a imprensa americana noticiou que a Amazon planejava detalhar as tarifas no preço dos produtos, a Casa Branca respondeu que a medida era politicamente “hostil” (poucas horas depois, a empresa desistiu da ideia assim que Trump se reuniu com o seu fundador, Jeff Bezos). Trump sustenta que os impostos de importação não são pagos pelos consumidores, mas pelos governos estrangeiros – uma estultice constrangedora.

DOGE também foi um fiasco. Em outubro, Musk disse que a iniciativa – lançada com um imenso alarde – conseguiria economizar US$ 2 trilhões em gastos supérfluos do orçamento do governo federal. Até aqui, o departamento prevê economizar US$ 160 bilhões no ano fiscal. Mas esses cortes custaram pelo menos US$ 135 bilhões aos pagadores de impostos americanos e muitos dos números anunciados por Musk são inconsistentes.

No fim, o Departamento de Eficiência Governamental precisou de menos de 100 dias para provar ser um exemplo de almanaque de iniciativa governamental ineficiente. Programas inteiros foram extintos sem qualquer análise de impacto. Dezenas de milhares de servidores públicos federais foram demitidos sem critério. Dados sensíveis da população foram acessados por funcionários sem autorização. E o caos provocou uma avalanche de ações judiciais contra o Estado americano. Musk agora está se retirando do governo pela porta de trás. O barato saiu caro.

Não surpreende que, com tanta destruição em tão pouco tempo, os índices de aprovação de Trump, em matéria econômica, tenham caído para 39% – o menor nível histórico.

E a política externa conseguiu ser ainda pior.

Em 100 dias, Trump rompeu com os pilares da ordem internacional, destratou gratuitamente aliados e cortejou adversários históricos dos Estados Unidos, enfraquecendo a OTAN e a posição americana no mundo.

O republicano se aproximou de Vladimir Putin e buscou um acordo para a Guerra na Ucrânia que claramente favorece o Kremlin. Trump também disse repetidas vezes que “a Ucrânia iniciou a guerra” e repreendeu publicamente Volodmir Zelenski na Casa Branca, num dos episódios diplomáticos mais toscos liderados por qualquer presidente americano nos últimos 236 anos.

Com os seus vizinhos, Trump também adotou posições altamente constrangedoras – o que incluiu uma iniciativa para anexar o território do Canadá. Mas o tiro também saiu pela culatra.

Em janeiro, os conservadores lideravam a eleição federal canadense por mais de 20 pontos de diferença. Mas as ameaças de anexação de território por parte do novo presidente americano murcharam as pretensões do grupo – apesar da insistência de Pierre Poilievre, o líder do Partido Conservador, de se distanciar de Trump.

Ontem, Poilievre – que começou 2025 favoritíssimo a virar primeiro-ministro – conseguiu perder até o seu assento no parlamento. O líder dos conservadores foi limado da vida pública na eleição mais fácil de todos os tempos. E a centro-esquerda manteve o controle do governo canadense com o apoio involuntário de Donald Trump.

O constrangimento também atingiu a Groenlândia. Nos últimos 100 dias, Trump não descartou usar as forças militares para anexar o território, entrando em conflito direto com a Dinamarca e a União Europeia. Trump chegou a enviar o vice-presidente, JD Vance, para a Groenlândia, sob os protestos da população local. Mas a história foi rapidamente jogada para debaixo do tapete, e só serviu para prejudicar ainda mais a posição americana no mundo.

E ainda há o Oriente Médio. Trump também defendeu expulsar todos os habitantes da Faixa de Gaza – o que o direito internacional chama de “limpeza étnica” – e colocar o território sob controle dos Estados Unidos, transformando o espaço em um “empreendimento imobiliário à beira-mar”. Uma tragédia também rapidamente abandonada por Washington, sob críticas contundentes da comunidade internacional.

Por fim, outro eixo desses primeiros 100 dias de governo foi o enfrentamento de Donald Trump às instituições que poderiam limitar o seu poder – notadamente o Judiciário e a imprensa. Trump defendeu o fechamento de canais de televisão, pressionou pela demissão de jornalistas e pela punição a juízes que bloqueiam a sua agenda. O republicano chegou a limitar o acesso da Associated Press a eventos na Casa Branca porque a agência se recusou a usar a sua terminologia para o Golfo do México – outra medida constrangedora desses primeiros dias de governo.

Um leitor desavisado poderia interpretar essa coluna como uma análise enviesada, saturada de má vontade contra a posição conservadora no mundo. Mas não é o caso. Na prática, Donald Trump lidera um governo de improviso – o mais constrangedor da história recente americana – sem qualquer conexão com a tradição do pensamento político conservador: excessivamente estatizante, populista, autoritário, personalista e alinhado a adversários históricos do conservadorismo americano.

Trump voltou à Casa Branca com uma equipe inexperiente, focado em duas coisas: revanche e lealdade absoluta. Mesmo membros do Partido Republicano que ousam discordar do seu governo enfrentam retaliações. “Todos temos medo”, disse há poucos dias a senadora republicana Lisa Murkowski. E essa cultura de intimidação se estende a funcionários públicos (que temem demissões arbitrárias), universidades (ameaçadas de perder fundos públicos) e até empresas privadas (pressionadas a se alinharem às diretrizes ideológicas do novo presidente).

Nunca os americanos viveram semanas como estas. E ainda restam 1.361 dias pela frente.


quinta-feira, 1 de maio de 2025

Contra todos os fanatismos: repudiando a extrema-direita burra - Paulo Roberto de Almeida

 Contra todos os fanatismos: repudiando a extrema-direita burra

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.
Nota sobre ataques e acusações dos delirantes da extrema-direita.

         Abastecido por intensas leituras ecléticas, desde a mais precoce etapa do letramento, feita do embevecimento pelos grandes autores de histórias infantis e romances juvenis, nunca me prendi a qualquer escola ideológica ou a qualquer militância política exacerbada. Mesmo na fase de minha inclinação socialista, a do marxismo histórico e teórico, mais do que a do leninismo engajado, que coincidiu com a vigência dos anos de ditadura militar no Brasil, jamais deixei de ler, ao lado dos clássicos do marxismo, os grandes nomes do liberalismo mundial e do pensamento político democrático e mesmo libertário, quase anarquista (pela recusa de qualquer autoridade arrogantemente estatal). Esse ecletismo político e filosófico, me fez recusar, desde cedo, todas aquelas obsessões que frequentam nossos meios políticos e culturais: o fundamentalismo religioso, o fanatismo político, certas tribos bárbaras ligadas a algum clube futebolístico e até mesmo aquelas seitas que devotam uma paixão religiosa por ídolos musicais, esportistas ou quaisquer outros.
        Essa aversão aos extremismos de todos os tipos – religioso, político, futebolístico ou de idolatria por personagens temporariamente famosos – foi ainda mais reforçada depois que voltei de um longo exílio no exterior, durante os anos de chumbo da ditadura militar, quando reforcei minhas inclinações liberais e libertárias pela leitura de grandes mestres das doutrinas e filosofias políticas democráticas e daqueles que preconizam livres mercados e democracias de mercado. Desde minha volta engajei-me novamente na luta democrática, tendo sido logo fichado como “diplomata subversivo” pelo SNI, ao início de minha carreira diplomática, por ter continuado minha luta contra a ditadura. Também lutei contra as ditaduras de esquerda, equivocadamente classificadas como “socialistas”, quando sempre registraram inúmeras similitudes com regimes fascistas. Mas nunca tivemos algo desse tipo no Brasil, a não ser o velho populismo demagógico, supostamente progressista e impulsionado por militantes de extração gramsciana, mas que se apoiavam mais no castrismo bolchevique do que em teses inspiradas no pensamento sofisticado do marxista italiano.
        O fato de ter sido levado, durante todo o reino dos companheiros, ao ostracismo na Secretaria de Estado das Relações Exteriores, pelo fato de expressar abertamente reservas à diplomacia partidária lulopetista, fez com que certa direita igualmente ideológica me colocasse, durante a fase de transição dos anos 2016-2021, numa categoria de defensores de uma política externa conservadora, ou alinhada com certas teses desse bloco de alucinados partidários da chamada direita mundial. Isso logo se revelou totalmente indevido, tendo eu já exibido o galardão inédito de ter sido punido por tucanos, petistas e bolsonaristas, justamente por defender ideias próprias em matéria de relações internacionais do Brasil.
        O Brasil se encontra infelizmente tomado por uma luta entre duas tribos ideológicas rivais, que se digladiam nas redes sociais em defesa de seus respectivos demagogos políticos, aos quais eu sou igualmente oposto, por justamente defender uma política externa livre de quaisquer influências partidárias distintamente sectárias. Como esse espaço foi ocupado, no espaço de quatro anos do governo anterior, pela franja lunática dos antiglobalistas idiotas – aos quais eu dediquei cinco “livros de combate”, desde Miséria da Diplomacia (2019), até Apogeu e Demolição da Política Externa (2021) –, os fanáticos defensores dessa tropa de alucinados antiglobalistas me tomam agora como defensor da tribo adversária, atualmente no poder, o que é invariavelmente denegado por minhas postagens independentes, sempre em apoio a uma política externa independente, baseada nos padrões tradicionais do Itamaraty, segundo valores e princípios inscritos nas cláusulas de relações internacionais da CF-1988.
        A esquerda presente nesses canais tende a ignorar minhas críticas à diplomacia partidária novamente em curso, uma vez que ela ocupa o poder, e se acha detentora da palavra certa no comando da política externa brasileira. A extrema-direita – que além de fanática é muito burra – costuma, em contrapartida, reagir com rancor sempre quando alguma postagem não se alinha com suas teses fanaticamente antipetistas, o que simplesmente não contemplo em meus argumentos, que não se guiam por posturas sectárias, e sim por uma análise racional das políticas em pauta. Formulo estas simples observações apenas para alertar os fanáticos de quaisquer tendências e setores de atividade que continuarei em minha prática habitual de analisar com isenção, e de criticar quando pertinente, as políticas de Estado aplicadas às relações exteriores do Brasil, meu terreno de reflexão preferencial (e profissional durante quase meio século).
        Resumo: não tenho partido, ou ideologia, não tenho religião (mas, atenção, não me defino como ateu, apenas como irreligioso) e não tenho nenhum time de futebol, tampouco cultivo qualquer devoção a alguma personalidade em destaque. Continuarei nesta postura contrarianista que é a minha, mas marcada por um ceticismo sadio que me faz examinar com extrema atenção – é o meu único “extremismo” – cada assunto relevante presente na agenda externa do Brasil, para então emitir minha opinião fundamentada em fatos e numa orientação filosófica distintamente liberal-democrática.
Reiterando, uma vez mais, minhas posições, já expostas desde o início do presente século, considero a política externa partidária do PT prejudiciais à credibilidade da diplomacia brasileira, tradicionalmente marcada por um processo decisório posto ao serviço exclusivo dos interesses nacionais, independente de considerações ideológicas como as que contaminam hoje certas teses vinculadas ao universo político do lulopetismo diplomático. Mas, quero deixar muito claro que vou continuar me opondo a quaisquer deformações tendenciosas que marcam as posturas diplomáticas, e outras, da extrema-direita estúpida que aparentemente domina o espectro político-partidário brasileiro na atualidade, chegando inclusive a “capturar” alguns supostos liberais nessa oposição sectária ao lulopetismo.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4913, 1 maio 2025, 3 p.

Atitude de Lula diante da Ucrânia traduz incoerência de sua diplomacia - Editorial O Globo

 O aliado sul-americano de Putin insiste em ir apertar a mão de um criminoso de guerra. A atitude NÃO é incoerente, é apenas ALINHADA a um Estado violador da Carta da ONU e das regras mais elementares do Direito Internacional, (PRA)


Atitude de Lula diante da Ucrânia traduz incoerência de sua diplomacia
Editorial O Globo, 1/05/2025
Ao se alinhar à Rússia, presidente rompe tradição de equilíbrio na política externa brasileira

A política externa brasileira já viveu melhores momentos. Tem ficado clara nos últimos tempos a inclinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva por um dos lados de conflitos em que, por respeito à tradição diplomática e aos interesses nacionais, a posição do Brasil deveria ser, quando não neutra, ao menos mais equilibrada.
Em nenhum caso isso é tão evidente quanto na atitude de Lula diante da Ucrânia. Em Roma, depois do funeral do Papa Francisco, ao ser questionado sobre o encontro entre os presidentes americano, Donald Trump, e ucraniano, Volodymyr Zelensky, ele disse que o Brasil continua “teimando” para que Ucrânia e Rússia se sentem à mesa de negociações. Mas imediatamente mudou de assunto, afirmando desejar que o mesmo aconteça no caso da “violência que Israel comete na Faixa de Gaza”.
Ora, quando Lula tentou atuar como mediador entre Kiev e Moscou, sua inclinação evidente pela Rússia levou Zelensky a recusar a oferta. Não era coerente que um chefe de governo com aspirações a aproximar dois países sugerisse que um deles abrisse mão de territórios invadidos pelo outro, como fez Lula ao declarar que Kiev deveria ceder a Península da Crimeia à Rússia. Ainda que barganhas em torno de territórios ocupados venham a ser debatidas nas futuras negociações de paz, não cabe a uma terceira parte tratar do assunto. É sintomático, também, que Lula tenha rejeitado convite de Zelensky para visitar Kiev, mas se prepare agora para ir a Moscou participar, ao lado de Vladimir Putin, das comemorações dos 80 anos da vitória dos aliados na Segunda Guerra.
Lula não consegue admitir que a Rússia comete, de forma indiscutível, a mais grave agressão na Europa desde o fim daquela guerra. Em 2022, no governo Jair Bolsonaro, a diplomacia brasileira foi tíbia diante da invasão da Ucrânia. Lula assumiu tendo a oportunidade de marcar uma diferença positiva na política externa, mas até agora não conseguiu.
A incoerência da diplomacia brasileira não se restringe a suas declarações de improviso. O comunicado oficial do Itamaraty depois da reunião do Brics nesta semana faz menção apenas protocolar à guerra na Ucrânia, enquanto dedica cinco extensos itens ao conflito entre israelenses e palestinos. Ainda que a Rússia faça parte do Brics e decerto tenha influência nos debates, o Brasil não tem a menor necessidade de aliviar os termos de sua condenação à guerra para fazer agrados a Putin. O contraste das atitudes do Itamaraty diante de Gaza e da Ucrânia revela o grau de desconexão da diplomacia brasileira com os valores e interesses do país.
É lamentável, pois o Itamaraty sempre separou a ideologia do governo do interesse nacional. Até na ditadura militar, o presidente Ernesto Geisel, um general conservador, foi convencido de que o colonialismo português chegava ao fim na África e reconheceu o governo de esquerda de Angola, reforçado por tropas cubanas com apoio da União Soviética. Mas Lula infelizmente não consegue evitar que a ideologia interfira em sua política externa.

1º de Maio melancólico e de incertezas para os trabalhadores - Luiz Carlos Azedo (Correio Braziliense)

 Um 1. de maio de 2025, que virou o enterro antecipado do lulopetismo sindical:


1º de Maio melancólico e de incertezas para os trabalhadores
Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense, quinta-feira, 1 de maio de 2025

Lula decidiu ressarcir os aposentados e pensionistas que foram lesados, mas Haddad não sabe como. Aguarda uma indicação da CGU e da AGU para definir como isso será feito
Talvez esta quinta-feira seja o mais melancólico 1º de Maio para os sindicatos brasileiros desde século, embora um feriado de quinta-feira, para a maioria dos trabalhadores, seja motivo de regozijo; para muitos, esta sexta-feira será ponto facultativo ou dia de home office, em mais um feriadão. Não é melancólico por causa do esvaziamento das tradicionais manifestações de trabalhadores, que historicamente são uma montanha-russa, com momento de ascenso e descenso do movimento operário, mas por causa dos descontos não autorizados de aposentados e pensionistas por associações e sindicatos ligados às centrais sindicais, no montante de R$ 6,3 bilhões, o mais novo e maior dos escândalos da história do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
No ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou constrangimento por causa do esvaziamento das comemorações de 1º de Maio, no estacionamento da Neo Química Arena, em Itaquera, que reuniu menos de duas mil pessoas, um evento organizado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), da qual é grande patrono. Neste ano, o constrangimento é muito maior: o bilionário escândalo envolve o Ministério da Previdência, ao qual o INSS está diretamente subordinado. O ministro titular da pasta, Carlos Lupi, que é presidente do PDT, se recusa a pedir demissão do cargo. Houve incompetência, omissão e prevaricação.
O ex-presidente do INSS Alessandro Stefanutto e mais quatro dirigentes afastados dos cargos foram nomeações de Lupi: Vanderlei Barbosa dos Santos (diretor de Benefícios), Virgílio Antônio Ribeiro de Oliveira Filho (procurador-geral), Giovani Batista Fassarella Spiecker (coordenador de Suporte ao Atendimento) e Jucimar Fonseca da Silva (coordenador de Pagamentos e Benefícios). O ministro alega que foi traído pelos subordinados, mas não explica como R$ 6,3 bilhões foram movimentados de forma fraudulenta sem que sequer tivesse conhecimento.
Em vez de comparecer ao ato de 1º de Maio, marcado para esta quinta-feira, em São Paulo, Lula optou por realizar um encontro com os dirigentes sindicais, na terça-feira passada, e gravar um vídeo que será exibido pelas centrais sindicais. Nele, o presidente diz que as pautas precisam ser novas e que os sindicatos precisam melhorar a comunicação nas redes sociais. Lula também se mostrou simpático à redução da jornada de trabalho e ao fim da escalada 6×1 (seis dias trabalhados e um de folga na semana).
Lula também fará um pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, no qual destacará os aumentos reais do salário mínimo, do número de trabalhadores com carteira assinada e a menor taxa de desemprego dos últimos tempos. Entretanto, nada disso resolve o problema político criado pelo escândalo do INSS: a oposição na Câmara conseguiu 185 assinaturas e protocolou, nesta quarta-feira, o pedido de criação da comissão parlamentar de inquérito (CPI) na Câmara para investigar o INSS.
De acordo com o relatório feito pela Controladoria-Geral da União (CGU), 70% das 29 entidades analisadas não entregaram a documentação completa ao INSS para a assinatura dos Acordos de Cooperação Técnica (ACTs), que foram todos cancelados pelo governo. A Polícia Federal já investiga 11 entidades sindicais. O problema também caiu no colo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, porque Lula decidiu ressarcir os aposentados e pensionistas que foram lesados, mas não sabe como. Haddad aguarda uma indicação da CGU e da Advocacia-Geral da União (AGU) para definir como isso pode ser feito legalmente.
Passado e presente
No Brasil, passado e presente se misturam no mundo do trabalho. A escravidão, com sua violência estrutural, impregnou a estrutura social de tal forma que a discussão sobre as relações de trabalho se mantém como um conflito entre as elites políticas e a grande massa da população. Daí decorrem o desrespeito e a redução dos direitos sociais. E o patrimonialismo nas estruturas sindicais.
Não temos "uma ética do trabalho", como assinalou Antônio Cândido, em Dialética da malandragem, um clássico ensaio sobre a cultura nacional. A péssima remuneração dos professores, cujo trabalho é considerado "vocação", é um bom exemplo, em contraste com as altas remunerações do setor público desproporcionais aos serviços prestados à sociedade.
O trabalho intelectual no Brasil também é desvalorizado, não apenas o trabalho manual. De acordo com o Banco Mundial, 64% da riqueza mundial advêm do conhecimento. Entretanto, as deficiências do sistema educacional reproduzem o analfabetismo funcional em grande escala.
A inserção social pela via do emprego já não é dominante. O trabalho avulso remunerado pela via dos aplicativos e o empreendedorismo são duas realidades novas. O "chão de fábrica" como "locus" do trabalho produtivo é cada vez mais minoritário. Os aplicativos estão revolucionando as relações de trabalho no Brasil num contexto social muito mais injusto do que nos países desenvolvidos.
A questão social que resulta dessa realidade está escancarada. O exército de desempregados e subempregados formado a partir da extinção de profissões ou redução de seus postos de trabalho depende cada vez mais da assistência de um Estado deficitário e pouco eficiente. Vivemos uma era de incertezas.

República Sindicalista da Corrupção: no Brasil, em se plantando, tudo dá - Malu Gaspar, Paulo Roberto de Almeida

 Pode parecer incrível, mas os bandidos não desistem, e como diria Pero Vaz de Caminha, no Brasil, "tudo dá". A natureza é pródiga, sendo ainda mais pródigos os sindicalistas da República Sindicalista da Corrupção. (PRA)

A entidade que mais aumentou sua arrecadação com o roubo dos aposentados, o Sindinap, tem como vice-presidente o irmão de Lula, Frei Chico. Outra, a Contag, tem ligações históricas com o PT e elege até deputado federal. E outra ainda, Cebap, tem como advogado o filho do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski (depois que os contratos vieram à tona, Lewandowski disse que não há conflito entre a atuação do filho e a sua)...
Lupi sabe o que faz
Malu Gaspar
O Globo, quinta-feira, 1 de maio de 2025
Depois de uma semana fazendo malabarismo para aliviar a barra do presidente do INSS e fingir que não tinha nada a ver com o esquema que por anos roubou todo mês um pedacinho da aposentadoria de milhões de brasileiros, o ministro da Previdência, Carlos Lupi, surgiu na Câmara dos Deputados nesta semana tomado de súbita indignação e clarividência. “Quem fez errado que vá para a cadeia. Eu não estou aqui para acobertar o roubo de quem quer que seja.”
Era o mesmo Lupi que, diante de todas as evidências de que havia uma quadrilha instalada na cúpula do INSS, resistiu a demitir o presidente do instituto já afastado pela Justiça — e ainda o descreveu como “extremamente qualificado”.
A Polícia Federal mostrou que esse servidor público exemplar ignorou os alertas oficiais de que havia um assalto em curso na instituição que dirigia e ainda atropelou os bloqueios determinados pelo Tribunal de Contas da União para impedir descontos indevidos.
Por esse esquema, só em 2024 cerca de R$ 2,3 bilhões foram surrupiados da conta de quase 6 milhões de aposentados para pagar a entidades sindicais por serviços que nunca foram contratados — dinheiro que irrigou as contas não só das entidades sindicais, como também de diretores do INSS, lobistas e operadores financeiros. Sem falar que, nos últimos anos, era difícil frequentar o meio sindical sem ouvir falar nesse esquema.
Vistos como alternativa de sobrevivência depois da extinção da contribuição sindical obrigatória pelo governo Michel Temer, tanto o consignado como a venda de serviços de seguro ou de auxílio-funeral exigiam que cada aposentado autorizasse descontos em seu contracheque — o que limitava a arrecadação, mesmo com propaganda enganosa ou venda casada.
O pulo do gato aconteceu quando os intermediários ligados ao INSS começaram a vender aos sindicatos a lista de novos aposentados, que iam direto para suas carteiras de sócios. Foi assim que um grupo seleto de entidades multiplicou sua arrecadação.
Vendo a fartura na concorrência, vários sindicalistas começaram a criar suas entidades para também entrar na farra. Dois deles me disseram que, nos últimos meses, quando começaram a enfrentar dificuldades para cadastrar suas novas entidades no sistema do INSS, procuraram o chefe de gabinete de Lupi, que por sua vez indicou um advogado para “assessorá-los” na tarefa.
Um desses sindicalistas me mostrou um contrato que disse ter sido entregue pelo advogado, prevendo remuneração de 20% do faturamento. Embora tanto o chefe de gabinete quanto o advogado neguem tudo, esse é exatamente o modus operandi descrito pela PF.
Só Lupi não viu nada. Na Câmara, ele disse que não se julga “responsável institucionalmente” pelo INSS. Ainda justificou o fato de o esquema ter crescido e se multiplicado sob seus olhos com o argumento de que o instituto “não é um botequim da esquina em que você pode enxergar tudo o que está acontecendo”. Isso mesmo tendo dito ao GLOBO, no final de semana, que sabia, sim, do que ocorria, mas era preciso ter “fatos concretos para ser investigados”.
O histórico de Lupi, que deixou o ministério de Dilma Rousseff em 2011 depois de denúncias de corrupção, não autoriza considerar esse discurso incongruente como atestado de incompetência. Mais provável ser sinal de outra coisa — a confiança de que, aconteça o que acontecer, ele continuará no cargo.
Uma razão para isso poderia ser o fato de ser Lupi quem manda no PDT, que Lula não pode dispensar em momento de fragilidade no Congresso e nas pesquisas de opinião.
. Outra, a Contag, tem ligações históricas com o PT e elege até deputado federal. E outra ainda, Cebap, tem como advogado o filho do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski (depois que os contratos vieram à tona, Lewandowski disse que não há conflito entre a atuação do filho e a sua).
Nos últimos dias, Lula decidiu intervir na Previdência e chamar para si a tarefa de nomear o novo presidente do INSS. Até agora, porém, não demonstra disposição de demitir o ministro — nem de fritá-lo, como já fez com outros auxiliares. Pelo contrário.
Depois da audiência na Câmara, governistas saíram espalhando por Brasília a avaliação de que ele foi bem, saiu das cordas, “convenceu”. Gleisi Hoffmann garantiu que ele fica. Pode até parecer que Lupi não sabe muito bem o que diz, mas ele certamente sabe muito bem o que faz.

quarta-feira, 30 de abril de 2025

Contratos de Paulo Roberto de Almeida nos dados do INSS, 1977-2024

 No INSS, informações talvez relevantes sobre meus trabalhos?

Entrei por acaso no INSS, talvez com vontade de verificar que porcaria andaram fazendo por lá: não creio que eu tenha sido roubado pelos fraudadores que andaram surripiando contribuições indevidas de pobres aposentados e pensionistas.
Descobri que eu tive um bocado de contratações além do serviço exterior no Itamaraty, mas algumas instituições de ensino (pois que eu dei aulas o tempo todo) se esconderam atrás de um consórcio de cooperativas. Eis a minha ficha, resumida:

Contratos de Paulo Roberto de Almeida nos dados do INSS, 1977-2024

Vínculos de trabalho inscritos nos registros do INSS
Levantamento efetuado por PRA, em 29/04/2025

1) FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS, professor de Sociologia, de 07/03/1977 a 28/02/1978.

2) COLEGIO BANDEIRANTES LTDA, professor de Sociologia e de História do Brasil, de 15/08/1977 a (sem indicação de término contratual)

3) ASSOCIACAO EDUCATIVA CAMPOS SALLES, professor de História Econômica e de Economia Brasileira, 01/09/1977 a (indefinido)

4) MINISTERIO DAS RELACOES EXTERIORES, diplomata de carreira concursado, de 01/12/1977, aposentado em 31/10/2021.

5) FUNDACAO ALEXANDRE DE GUSMAO, Empregado ou Agente Público, 01/12/1977 até 12/2018.

6) MINISTERIO DAS RELACOES EXTERIORES, embaixada em Paris, 01/10/1993 até 12/1995

7) MINISTERIO DAS RELACOES EXTERIORES, embaixada em Washington, 19/09/1999 até 10/2003

8) CENTRO DE ENSINO UNIFICADO DE BRASILIA CEUB, professor de Economia Política, de 02/02/2004 até 05/07/2021

9) AGRUPAMENTO DE CONTRATANTES/COOPERATIVAS, professor no Uniceub, de 01/08/2004 a 30/06/2012

10) MINISTERIO DAS RELACOES EXTERIORES, consulado em Hartford, EUA, 17/01/2013 até 10/2015

11) AGRUPAMENTO DE CONTRATANTES/COOPERATIVAS, professor no Uniceub, de 01/09/2016 a 31/10/2021

12) FUNDACAO ALEXANDRE DE GUSMAO, Diretor do IPRI, de 01/04/2017 até 11/03/2019 (data correspondente a algum tipo de remuneração)

13) AGRUPAMENTO DE CONTRATANTES/COOPERATIVAS, diferentes contratações parciais ao longo dos anos, em diferentes instituições de ensino, alcançando dezembro de 2024.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 30 abril 2025, 1 p.

EUA x China: Brasil e América Latina na Encruzilhada Geopolítica Pós-Trump - CEBC

EUA x China: Brasil e América Latina na Encruzilhada Geopolítica Pós-Trump


 A eleição do Presidente Donald Trump acirrou ainda mais a rivalidade estratégica entre Estados Unidos e China, trazendo novos desafios aos laços diplomáticos e econômicos do Brasil e da América Latina com as duas potências. Temas como o recente “tarifaço” e a tentativa de Washington de conter o avanço chinês em diversas áreas – dos investimentos externos ao desenvolvimento de novas tecnologias – mostram que essa disputa tem efeitos em todo o mundo. Na China, o governo tem buscado alternativas para lidar com esses desafios, incluindo estímulos ao consumo doméstico, impulsos no setor de inovação e a busca por novas frentes de cooperação no exterior. Ao mesmo tempo, aproveitando a liderança chinesa na agenda de transição energética, o Brasil tem a oportunidade de diversificar seu comércio com o país asiático, podendo expandir as exportações de minerais estratégicos e atrair mais investimentos que fortaleçam a posição nacional nas cadeias globais de valor. Esta edição da Carta Brasil-China traz análises de especialistas sobre esses e outros temas, oferecendo reflexões valiosas para formuladores de políticas públicas, empresários e acadêmicos.

Caso não consiga abrir, clique aqui
 
Artigos desta edição:

Entre Gigantes: O Brasil na Nova Era da Geopolítica

Embaixador Luiz Augusto de Castro Neves 

EUA x China: Brasil e América Latina na Encruzilhada Geopolítica Pós-Trump
Thiago de Aragão 
 
Economia Chinesa: Diante de Tantas Incertezas, Algumas Certezas
Fabiana D'Atri

Eficiência Administrativa e Maior Participação Popular: Vetores da Nova Governança da China
Evandro Menezes de Carvalho

Brasil Amplia Exportações de Minerais Estratégicos para a China
Tulio Cariello

Acesse aqui a publicação completa.
https://cebc.us3.list-manage.com/track/click?u=2c61aa6bcb45643f58ef550bb&id=7572986edc&e=a60f6c22ff

A Carta Brasil-China é patrocinada pelo Bradesco.

Cordialmente,
Conselho Empresarial Brasil-China

Há salvação para a economia do Brasil não QUEBRAR? - Alexis Fonteyne (Ranking dos Políticos)

 Há salvação para a economia do Brasil não QUEBRAR?

Ranking dos Políticos, 30 abril 2025

Temos como reverter essa situação, desviar de uma profunda crise e vislumbrar um futuro de prosperidade econômica por aqui?
Para conversar sobre isso, convidamos o empresário e ex-Deputado Federal Alexis Fonteyne para um bate-papo ao vivo, que vai acontecer no Instagram do Ranking e no nosso canal do YouTube.
Entrevistado por Juan Carlos Arruda, diretor-geral do Ranking dos Políticos:

“Eva Perón trabajó en el armado de la red de escape de nazis fugitivos" - Marcelo García (Radio Jai)

“Eva Perón trabajó en el armado de la red de escape de nazis fugitivos"

Marcelo García

Radio Jai, 29/04/2025
https://www.youtube.com/watch?v=-K6LVjMthpQ

29 de abr. de 2025 #NazisEnArgentina #DocumentosDesclasificados #MarceloGarcía

El Archivo General de la Nación liberó 1.858 páginas con información clave sobre la llegada y protección de jerarcas nazis en Argentina tras la Segunda Guerra Mundial. En este informe especial, el periodista Marcelo García detalla cómo se organizó una red de encubrimiento con apoyo estatal, complicidad internacional y documentación oficial.


Entre los hallazgos se incluyen avistamientos de submarinos nazis, sospechas sobre la posible supervivencia de Adolf Hitler y contratos firmados por el gobierno argentino a criminales de guerra como Carl Peter Vaernet. Una red organizada, protegida por el peronismo y extendida en el tiempo, que aún hoy sigue generando preguntas urgentes.

🧩 ¿Qué revelan realmente estos documentos? ¿Cómo actuaron los gobiernos de Argentina, Reino Unido y EE. UU.? ¿Qué papel jugó Perón en esta trama internacional?

Biblioteca Oliveira Lima, em Washington: um tesouro brasileiro na capital americana, aberto à pesquisa histórica

Assim que cheguei a Washington, para atuar como ministro-conselheiro da embaixada dirigida pelo embaixador Rubens Barbosa, em setembro de 1999, visitei imediatamente a Oliveira Lima Library, sobre a qual já tinha lido muito, assim como feito trabalhos sobre o grande, o maior historiador diplomático brasileiro, Manuel de Oliveira Lima (1867-1928). Tomei muitos livros de empréstimo na OLL e a partir daí passei a escrever sobre ele e suas obras.

Fiz editar no Brasil, pela Editora do Senado, seu livro de impressões Nos Estados Unidos (1899), como planejei antes de deixar os EUA: 

996. “Oliveira Lima: Nos Estados Unidos, impressões políticas e sociais”, Dickson, Tennessee, 7 jan. 2003, 1 p. Esquema de reedição atualizada da obra de Manuel de Oliveira Lima, com comentários de atualidade por PRA, a ser editada pelo Senado Federal.

Abaixo informo sobre o livro publicado.

Convido a todos a visitarem o site da Biblioteca Oliveira Lima, para conhecer um pouco mais do seu conteúdo: 

https://libraries.catholic.edu/special-collections/oliveira-lima-library/index.html

Vejam o vídeo de apresentação: 

https://youtu.be/2mr_phtL3vM

Se eu tivesse de escolher um lugar para passar férias de 3 ou 6 meses, certamente seria na Oliveira Lima Library, com extensão para mais alguns meses...

Paulo Roberto de Almeida


1876. “O império em ascensão (por um de seus espectadores): Introdução ao livro de Manoel de Oliveira Lima: Nos Estados Unidos, Impressões políticas e sociais (1899)”, Brasília, 17 de abril de 2008, 20 p. Comentários e apresentação à reedição deste livro pelo Senado Federal. In: Manoel de Oliveira Lima, Nos Estados Unidos, Impressões políticas e sociais (Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2009; 424 p.; p. 9-39). Postado na plataforma Academia.edu (link: http://www.academia.edu/17492359/Oliveira_Lima_Nos_Estados_Unidos_Impress%C3%B5es_pol%C3%ADticas_e_sociais). Republicado no livro: Oliveira Lima: um historiador das Américas, Paulo Roberto de Almeida, André Heráclio do Rêgo (Recife: CEPE, 2017, 175 p.; ISBN: 978-85-7858-561-7), p. 103-130. Relação de Publicados n. 910.


Acabo de enxergar o futuro, e adivinhem? Ele não envolve os Estados Unidos - Thomas Friedman (The New York Times/Estadão)

 Opinião

Acabo de enxergar o futuro, e adivinhem? Ele não envolve os Estados Unidos
O foco de Trump recai sobre quais modalidades atletas transgêneros americanos podem competir, enquanto a China está focada em transformar suas fábricas com IA para superar todas as manufaturas americanas

Por Thomas Friedman
The New York Times, 03/04/2025
https://www.estadao.com.br/internacional/acabo-de-vislumbrar-o-futuro-nao-nos-eua/?utm_source=estadao:whatsapp&utm_medium=link&app_absent=0

Deparei-me com uma escolha outro dia em Xangai: que Tomorrowland visitar? Eu deveria conhecer a falsa Tomorrowland, projetada por americanos na Disneylândia de Xangai, ou a Tomorrowland verdadeira — o enorme novo centro de pesquisas, aproximadamente do tamanho de 225 campos de futebol americano construído pela gigante chinesa da tecnologia Huawei? Fui à Huawei.

A visita foi fascinante e impressionante, mas, no fim das contas, profundamente perturbadora, uma confirmação vívida do que um empresário americano que trabalhou na China por várias décadas me disse em Pequim. “Houve um tempo em que as pessoas iam para os Estados Unidos ver o futuro”, disse ele. “Agora vêm para cá.”
Eu nunca tinha visto nada parecido com esse complexo da Huawei. Construído em pouco mais de três anos, o espaço conta com 104 edifícios projetados individualmente com gramados bem cuidados, conectados por um monotrilho semelhante ao da Disney, laboratórios para até 35 mil cientistas, engenheiros e outros trabalhadores e 100 cafés, além de estúdios de fitness e outras vantagens projetadas para atrair os melhores especialistas em tecnologia chineses e estrangeiros.
O complexo de pesquisa e desenvolvimento no Lago Lianqiu é basicamente a resposta da Huawei à tentativa dos EUA de sufocar a empresa até a morte a partir de 2019, restringindo-lhe a exportação de tecnologia americana, incluindo semicondutores, em meio a preocupações com a segurança nacional. A proibição infligiu prejuízos enormes à Huawei, mas com a ajuda do governo chinês a empresa buscou inovar seu rumo ao nosso redor. Conforme noticiou o jornal sul-coreano Maeil Business no ano passado, é exatamente isso que a empresa tem feito: “A Huawei surpreendeu o mundo ao apresentar a série ‘Mate 60’, um smartphone equipado com semicondutores avançados no ano passado, apesar das sanções dos EUA”. A Huawei foi adiante lançando o primeiro smartphone triplamente dobrável do mundo e revelou seu próprio sistema operacional móvel, o Hongmeng (Harmonia), para competir com os softwares da Apple e do Google.
A empresa também entrou no ramo de criar tecnologia de IA para todas as coisas, de veículos elétricos e autônomos até equipamentos de mineração autônomos capazes de substituir mineiros humanos. Diretores da Huawei afirmaram que somente em 2024 e empresa instalou 100 mil carregadores rápidos em toda a China para seus veículos elétricos; em contraste, em 2021 o Congresso dos EUA alocou US$ 7,5 bilhões para a construção de uma rede de estações de carregamento, mas em novembro havia apenas 214 carregadores dessa rede operando em 12 Estados.
É realmente assustador ver isso de perto. O foco do presidente Donald Trump recai sobre quais modalidades atletas transgêneros americanos podem competir, e a China está focada em transformar suas fábricas com IA para ser capaz de superar todas as nossas manufaturas. A estratégia de “Dia da Libertação” de Trump é dobrar o valor das tarifas ao mesmo tempo que destrói nossas instituições científicas nacionais e a força de trabalho que estimula a inovação nos EUA. A estratégia de libertação da China é abrir mais complexos de pesquisa e dobrar a aposta na inovação impulsionada pela IA para se libertar permanentemente das tarifas de Trump.
A mensagem de Pequim para Washington: nós não temos medo de vocês, vocês não são quem pensam que são — e nós não somos quem vocês pensam que somos.
O que quero dizer com isso? Evidência A: em 2024, o Wall Street Journal noticiou que o “lucro líquido da Huawei mais que dobrou no ano passado, marcando um retorno impressionante” estimulado por um novo hardware “que roda com seus chips nacionais”. Evidência B: o Wall Street Journal citou recentemente o senador republicano Josh Hawley afirmando o seguinte sobre a China: “Não acho que eles sejam capazes de muita inovação por conta própria, mas serão se continuarmos compartilhando toda essa tecnologia com eles”.
Alguns dos nossos senadores precisam sair mais de casa. Se você é um legislador americano e quer criticar a China, fique à vontade — posso até me juntar a você no rolê — mas pelo menos faça sua lição de casa. Há muito pouco disso em ambos os partidos atualmente e muito consenso sobre o espaço politicamente seguro ser atacar Pequim, cantar algumas vezes “USA, USA, USA”, pronunciar alguns clichês sobre democracias sempre superarem autocracias em inovação e encerrar o assunto.
Prefiro expressar meu patriotismo sendo brutalmente honesto a respeito de nossas fraquezas e pontos fortes e sobre as fraquezas e pontos fortes da China, por que acredito que o melhor futuro para ambos os países — às vésperas da revolução da IA — é uma estratégia chamada: Fabricado nos EUA, por trabalhadores americanos em parceria com capital e tecnologia chineses.
Permitam-me explicar.

O pensamento mágico de Trump
Eu concordei com Trump em relação às tarifas sobre a China em seu primeiro mandato. Os chineses estavam impedindo a entrada de certos produtos e serviços americanos, e nós precisávamos tratar as tarifas de Pequim de forma recíproca. Por exemplo, a China evitou por anos deixar que cartões de crédito americanos fossem usados no país, esperando que suas próprias plataformas de pagamento dominassem completamente o mercado e tornassem sua nação uma sociedade sem dinheiro, onde praticamente todos pagam por tudo com aplicativos em seus celulares. Ao usar meu cartão Visa numa loja de uma estação ferroviária de Pequim, na semana passada, fui informado de que ele tinha de ser vinculado a um desses aplicativos, como o Alipay ou o WeChat Pay chinês, que, combinados, têm uma participação de mais de 90% no mercado.
Eu até concordo com Trump no sentido de que tarifas adicionais — e direcionadas — nas portas dos fundos que a China usa para entrar nos EUA, como México e Vietnã, podem ser úteis, mas apenas como parte de uma estratégia maior.
Meu problema é com o pensamento mágico de Trump, segundo o qual basta simplesmente erguer muros de proteção em torno de uma indústria (ou de toda a nossa economia) e — abracadabra! — em pouco tempo a manufatura americana florescerá e fabricará esses produtos dentro dos EUA sob o mesmo custo e sem nenhum ônus para os consumidores locais.
Para começar, essa visão ignora completamente o fato de que praticamente todos os produtos complexos hoje em dia — como carros, iPhones e vacinas de mRNA — são fabricados por ambientes globais de manufatura, gigantescos e complexos. É por isso que esses produtos ficam cada vez melhores e mais baratos. Claro, se você está protegendo a indústria siderúrgica, que fabrica uma commodity, nossas tarifas podem ajudar rapidamente. Mas se você está protegendo a indústria automobilística e acha que simplesmente erguer um muro tarifário resolverá o problema, você não sabe nada sobre como os carros são fabricados. Levaria anos para as montadoras americanas substituírem as cadeias globais de fornecimento das quais dependem e fabricarem tudo nos EUA. Até a Tesla precisa importar algumas peças.
Mas também estaremos errados se pensarmos que a China simplesmente trapaceou para conseguir chegar ao domínio global da manufatura. Os chineses trapacearam sim, copiaram e forçaram transferências de tecnologia. Mas o que torna a força motriz da manufatura chinesa tão poderosa hoje não é a China simplesmente tornar as coisas mais baratas; a China torna as coisas mais baratas, mais rápidas, melhores, mais inteligentes e cada vez mais infundidas de IA.
De que maneira? O ex-presidente da Câmara de Comércio da UE na China Jörg Wuttke a qualifica como “academia de ginástica chinesa”, que funciona assim:
A China começa com ênfase em educação STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática). A cada ano, o país produz cerca de 3,5 milhões de graduados em STEM, quase o mesmo número de formandos em programas de graduação, bacharelado, mestrado e doutorado em todas as disciplinas nos EUA.
Quando há tantos graduados em STEM, você é capaz de lançar mais talentos sobre qualquer problema. Conforme noticiou o chefe da redação do Times em Pequim, Keith Bradsher, no ano passado: “A China tem 39 universidades com programas para treinar engenheiros e pesquisadores para a indústria de terras raras. As universidades americanas e europeias oferecem principalmente cursos ocasionais”.
E embora muitos engenheiros chineses possam não se formar com habilidades de nível MIT, os melhores são sim de classe mundial, e há muitos deles. Há 1,4 bilhão de pessoas na China. Isso significa que, na China, quando você é um talento em 1 milhão, há outras 1,4 mil pessoas como você.
Tão importante quanto, as escolas vocacionais chinesas formam dezenas de milhares de eletricistas, soldadores, carpinteiros, mecânicos e encanadores todos os anos; portanto, quando alguém tem uma ideia para um novo produto e quer abrir uma empresa, a fábrica pode ser construída muito rapidamente. Você precisa de um botão com bolinhas cor de rosa capaz de reproduzir o hino nacional chinês de trás para frente? Alguém por aqui fabricará o produto para você até amanhã. Também será entregue rápido. Mais de 550 cidades chinesas são conectadas por trens de alta velocidade que fazem nosso Amtrak Acela parecer o Pony Express.
E quando tudo é digitalizado e conectado implacavelmente nós podemos entrar e sair do nosso quarto de hotel rapidamente usando apenas reconhecimento facial. Mendigos experientes em tecnologia que carregam códigos QR impressos podem receber esmolas rapidamente com a leitura dos celulares. Todo o sistema é configurado para a velocidade — inclusive a quem desafiar o governo do Partido Comunista, nesse caso o indivíduo será preso rapidamente, dadas as câmeras de segurança em todos os lugares, e desaparecerá rapidamente.
Se não construirmos um sistema semelhante por trás de qualquer barreira tarifária, nós teremos apenas inflação e estagnação. É impossível alcançar a prosperidade simplesmente impondo tarifas, especialmente no alvorecer da IA.
Eu também estive na China quatro meses atrás. Entre aquela temporada e agora, inovadores em IA na China demonstraram sua capacidade de desenvolver uma ferramenta própria de IA de código aberto, o DeepSeek, com muito menos chips especializados fabricados pelos EUA. Eu pude sentir o encantamento na comunidade tecnológica. Foi palpável. No mês passado, o primeiro-ministro Li Qiang declarou na cerimônia de abertura do Congresso Nacional do Povo que o governo chinês está apoiando “a aplicação ampla de modelos de IA em grande escala”.

Inovadores em IA na China desenvolveram uma ferramenta própria de IA de código aberto, o DeepSeek, com muito menos chips especializados fabricados pelos EUA.

Um jovem engenheiro automotivo chinês que já trabalhou para a Tesla por aqui me disse: “Agora todos estão competindo sobre quanta IA é inserida. Agora você se gaba sobre quanta IA insere. Todos estão comprometidos. ‘Vou usar IA mesmo que eu não saiba bem como neste momento.’ Todos estão se preparando para isso, mesmo em linhas de produção simples para fabricar refrigeradores. ‘Tenho que usar IA porque meu chefe me disse para usar’“.
Atenção, clientes do Kmart: quando já existe um sistema de manufatura tão poderoso e conectado digitalmente quanto o da China e então você o infunde com IA em todos os níveis é como injetar um estimulante capaz de otimizar e acelerar todos os aspectos da manufatura, em design, testes e produção.
Não é um bom momento para legisladores americanos evitarem visitas à China por medo de serem chamados de abraçadores de pandas.
Como me disse Han Shen Lin, um americano que trabalha como diretor nacional para China no Asia Group, durante um café da manhã no Peace Hotel de Xangai, “o DeepSeek não deveria ter sido uma surpresa”. Mas, continuou ele, com todas as novas “restrições de investimento no exterior e desincentivos à colaboração nós agora ficamos cegos para os desenvolvimentos tecnológicos da China. A China está definindo os padrões tecnológicos do futuro sem a colaboração dos EUA. Isso nos colocará em uma séria desvantagem competitiva no futuro”.

Pequim não deseja uma guerra comercial
Apesar de todos os pontos fortes dos chineses, a China não deseja uma guerra comercial com os EUA. Muitos chineses de classe média estão infelizes neste momento. Por mais de uma década, muitos chineses investiram seu dinheiro na compra de apartamentos em vez de colocar suas economias em bancos que praticamente não pagavam juros. Isso criou uma enorme bolha imobiliária. Muita gente ascendeu e então decaiu economicamente quando o governo restringiu os empréstimos imobiliários, em 2020.
Então os chineses passaram a poupar seu dinheiro, porque seus ganhos no setor imobiliário acabaram, mas os pagamentos de pensão e assistência médica do governo são escassos. Todo mundo tem que economizar para um futuro nebuloso.
Conforme meu colega Keith Bradsher acaba de noticiar, a desaceleração econômica tem privado Pequim das receitas fiscais de que precisa para estimular a economia e subsidiar “as indústrias de exportação que impulsionam o crescimento econômico e podem ser prejudicadas por tarifas”.
Em suma, a ginástica chinesa é incrível, mas Pequim ainda precisa de um acordo comercial com Trump que proteja suas exportações.

Nós também. Trump, no entanto, se tornou um ator tão imprevisível, mudando políticas a todo instante, que as autoridades chinesas se perguntam seriamente se poderão fechar algum acordo com o presidente que ele respeite.
A especialista em negociação Michele Gelfand, da Universidade Stanford, afirmou: “Os defensores de Trump argumentam que sua imprevisibilidade desestabiliza os oponentes. Mas os grandes negociadores sabem que confiança, não caos, obtém resultados duradouros. A abordagem ‘ganha-perde’ de Trump para fazer acordos é um jogo perigoso”. Gelfand acrescentou: “Se ele continuar a tratar irresponsavelmente aliados como adversários e negociações como campos de batalha, os EUA arriscam não apenas ir mal nos negócios, mas também se deparar com um mundo no qual não teremos mais ninguém com quem negociar”.

Na minha opinião, o único acordo “ganha-ganha” é o que eu chamaria de: Fabricado nos EUA, por trabalhadores americanos em parceria com tecnologia, capital e especialistas chineses. Ou seja, simplesmente invertemos a estratégia que a China usou para enriquecer na década de 1990, que foi: Fabricado na China, por trabalhadores chineses, com tecnologia, capital e parceiros americanos, europeus, coreanos e japoneses.

Vejam como o consultor de negócios Jim McGregor, que viveu 30 anos na China, definiu-me a coisa: grandes multinacionais dos EUA costumavam ir para a China e fazer joint ventures com empresas chinesas para entrar no mercado chinês. Agora, empresas estrangeiras estão indo para a China e dizendo às multinacionais chinesas: se vocês querem entrar na Europa, façam joint ventures conosco e tragam sua tecnologia.
Nós deveríamos estar associando a qualquer tarifa sobre a China um tapete de boas-vindas para empresas chinesas entrarem no mercado dos EUA licenciando suas melhores inovações em manufatura para empresas americanas ou estabelecendo parcerias com os chineses e criando fábricas avançadas, em empreendimentos 50-50. No entanto, as joint ventures chinesas nos EUA teriam que elevar constantemente a parcela de peças que comprariam localmente, em vez de importá-las indefinidamente.
Isso, é claro, exigiria um grande esforço no sentido de reconstruir a confiança, que agora está quase totalmente ausente no relacionamento. Esta é a única maneira de chegarmos a um comércio razoavelmente ganha-ganha. Sem isso, estaremos caminhando para o perde-perde. Por exemplo, em 19 de março, o Senado do Texas aprovou preliminarmente um projeto de lei que pretende proibir residentes e organizações da China, do Irã, da Coreia do Norte e da Rússia de possuírem propriedades no Texas. Colocar a China nessa lista é simplesmente burrice: banir alguns dos maiores cérebros do mundo em vez de criar incentivos e condições para que eles invistam no Texas.
Quando nós ficamos tão assustados? E quando perdemos contato com o mundo em que vivemos a tal ponto? Vocês podem denunciar mazelas do globalismo o quanto quiserem, mas isso não mudará o fato de que as telecomunicações, o comércio, as migrações e as mudanças climáticas nos mesclaram e fundiram, assim como aos nossos destinos.
Gosto da maneira como Dov Seidman, autor do livro How: Why How We Do Anything Means Everything (Como: Por que a maneira que fazemos qualquer coisa significa tudo), descreve o fenômeno. Ele me disse que tratando-se de EUA e China — e do mundo em geral — “a interdependência não é mais nossa escolha. É nossa condição. Nossa única escolha é forjar interdependências saudáveis e ascender juntos, ou manter interdependências doentias e despencar juntos”.
Seja o que for, nós faremos juntos.
Líderes americanos e chineses sabiam disso. Eventualmente, vão reaprender. A única dúvida em minha mente é: quando o fizerem, o que restará da economia global unificada no passado que produziu tanta riqueza para ambas as nações?

TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Opinião por Thomas Friedman
é colunista de assuntos internacionais do The New York Times e ganhador de três prêmios Pulitzer. É autor de sete livros, entre eles 'De Beirute a Jerusalém', que venceu o Prêmio Nacional do Livro.

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