terça-feira, 22 de julho de 2025

As metamorfoses de Reinaldo Azevedo (2022) - Julian Rodrigues (A Terra é Redonda)

 Apenas para registro histórico, tantos personagens, tantos movimentos, tantos partidos, tantos partidecos, e evolução sempre surpreendente, em certos casos. PRA.


 As metamorfoses de Reinaldo Azevedo

 

Por JULIAN RODRIGUES*

Blog A Terra é Redonda

 

Da libelu ao neoliberalismo, do antipetismo ao antibolsonarismo: a peculiar trajetória do Tio Rei

Por honestidade intelectual sinto-me compelido a abrir esse texto com uma confissão. Assistir ao O é da Coisa, de Reinaldo Azevedo, transmitido pela Rádio Bandeirantes é para mim puro guilty pleasure. Trata-se provavelmente do melhor programa jornalístico do PIG (Partido da Imprensa Golpista – Paulo Henrique Amorim, presente!).

Reinaldo Azevedo é um quadro político preparado, formado dentro da tradição marxista e trotskista. Foi militante da quase lendária Libelu (Liberdade e Luta), tendência estudantil com epicentro na USP, criada em meados dos anos 1970, seção brasileira da Organização Socialista Internacionalista (OSI), atualmente na corrente petista “O Trabalho”.

Trata-se de uma tendência socialista e petista ligada à IV Internacional (aquela liderada pelo francês Pierre Lambert). Sabe-se que existiram e existem diferentes grupos mundo afora alinhados às distintas correntes do movimento trotskista. Em geral pouco expressivas a maior parte dessas organizações autoproclamaram-se nas últimas décadas como sendo as legítimas herdeiras e continuadoras da Quarta Internacional – aquela fundada por Leon Trotsky em 1938.

Leninistas, centralizados, organizados e geralmente pequeninos, os mais diferentes grupos trotskistas têm em comum o enorme esforço dedicado à formação política de seus quadros. Uma tendência histórica a continuo fracionamento, orgulhoso sectarismo mais a fragilidade orgânica da maioria dos grupos trotskistas em todo e qualquer tempo e lugar viraram lenda e senso comum. Tem inspirado décadas a fio toda uma tradição de piadas no campo da esquerda, uma mais outras menos razoáveis, digamos assim.

Resumidamente, no Brasil, as principais correntes trotskistas são as dos: morenistas(a ex-Convergência Socialista, hoje PSTU,) e o MES de Luciana Genro, a CST de Babá, e outras menores; lambertistas (O Trabalho é a mais relevante); mandelistasdo SU – Secretariado Unificado (origem da tendência Democracia Socialista do PT) e muitos microgrupos mais, digamos, exóticos – como os posadistas (seguidores do argentino Juan Posadas, conhecidos por postular a existência de extraterrestres). (Reparem que fiz questão de ignorar aquela oportunista e esdrúxula liberal-trosca seita armamentista, particular propriedade do senhor RCP. Prudência e tino político aconselham-me a não escrever o que realmente penso sobre o PCO. Melhor manter a elegância, não xingar ninguém, não ajudá-los a ganhar clicks e, ademais, evitar contendas judiciais.)

 

Liberdade e luta

Chama a atenção quanta gente hoje importante passou pela Libelu (Liberdade e Luta). A caminhada dessa corrente foi registrada no imperdível documentário dirigido por Diógenes Muniz: Libelu – abaixo a ditadura”, de 2020.

Talvez seja possível agrupar os ex-Libelu em três grupos: (i) os que continuaram na tendência; (ii) os que foram para o campo majoritário do PT ou permaneceram na esquerda moderada, alguns como militantes partidários outros não; (iii) os que se transmutaram em liberais e/ou conservadores de diversas cepas. Seriam aproximações toscas, of course. Toda taxonomia é falha e arbitrária a priori. Quase nunca é possível ou eficaz operar com categorias rígidas, estanques – sobretudo se estamos a lidar com tantos e tão heterogêneas personalidades.

Mas, vamos lá. Na primeira turma – a dos que continuam do lado certo da história, ademais no mesmíssimo lugar – temos  Markus Sokol, Misa Boito e Júlio Turra (atual e tradicional trio dirigente da tendência petista O Trabalho).

É preciso mencionar o deslocamento de parte importante dos quadros de OT (O Trabalho) em direção ao campo majoritário e mais moderado do PT em meados dos anos 1980. Tornou-se lendária tal movimentação – maldosamente apelidada de “Sonrisal” – rotulada como uma dissolução. Isso porque ao invés de os quadros lambertistas executarem a conhecida tática do “entrismo” – tentando influenciar os rumos da corrente majoritária do PT – ao contrário, terminaram muitos deles se incorporando à Articulação.

O plano era alojarem-se em postos-chave no interior da corrente mais influente do PT para tentar empurrar à esquerda suas formulações. Na política também atuam as leis da física e da biologia. Tais militantes acabaram por mudar de rota e optaram por aderir organicamente à corrente majoritária e “moderada” a mesma de Lula, dos cristãos da teologia da libertação, dos sindicalistas.

Fizeram assim Antonio Pallocci, Brani Kontic, Clara Ant, Ricardo Berzoini, Zé Américo, Jorge Branco, Antonio Donato, o saudoso Luis Gushiken – citando apenas alguns.

Em um segundo grupo podemos agrupar figuras públicas que continuam no campo progressista, embora não sejam mais militantes do PT. Curiosamente as e os mais destacados são jornalistas – todas/os com passagens pela redação do diário da Barão de Limeira como Laura Capriglione, Paulo Moreira Leite, Josimar Melo, Caio Tulio Costa e Ricardo Melo.

A ala que virou a chavinha inteiramente – bandeando-se para o liberalismo e/ou até para o reacionarismo – inclui nomes como Demétrio Magnoli, Matinas Suzuki, Mario Sergio Conti – todos jornalistas que também coincidentemente trabalham ou trabalharam na Folha de São Paulo.

Abster-me-ei de dedicar qualquer espaço para o talvez mais conhecido ex-militante de OT: Antonio Palocci – trânsfuga vulgar um verme. Canalha, vaidoso e corrupto trata-se de desprezível cachorro (delator). As elites as quais tanto obedeceu divertem-se zombando do ex-poderoso ministro da fazenda – agora usuário de tornozeleira eletrônica. Corrupto rastaquera, um traíra bajulado anos a fio pela grande mídia.

O sujeitinho de língua presa serviu tanto ao andar de cima e foi tão mimado por eles, que se achou inimputável (Vanity is my favorite sin ensina o Capiroto, interpretado por Al Pacino, no clássico The Devil´s Advocate). Quando acreditou já ter virado gente diferenciada seu Palocci pôs-se a roubar com espetacular sofreguidão. Anos a fio havia cultivado a imagem de pessoa sofisticada, inteligente, ponderada – cristal que desabou em um estrondo. Pallocci roubou e roubou, rápida e desbragadamente – sem nenhuma elegância nem método – pior até que um principiante tosco qualquer.

O ex-ministro não se via como o que de fato era: um “wannabe”. Depois terminou nos revelando sua verdadeira vocação, a de batedor de carteira – e ainda mais bobalhão que qualquer malandro de rua.

 

Primórdios

Inicialmente crítica ao movimento pró-PT, a então OSI brasileira – futuro O Trabalho, logo-logo incorpora-se ao esforço de construção daquele novo Partido plural, socialista, independente e classista.

O então estudante de jornalismo Reinaldo Azevedo foi trotskista. Militou no final dos anos 1970 em O Trabalho. Deve vir daí parte de sua consistente formação política – fundamentada naquela época em um marxismo-trosco-lambertista-pró-PT.

Não sei exatamente precisar em quais momentos Reinaldo Azevedo fez suas grandes transições político-ideológicas. Do socialismo revolucionário ao neoliberalismo tucano, passando pelo direitismo mais estridente até chegar ao exuberante progressismo liberal de hoje.

O fato é que durante muito tempo Reinaldo Azevedo foi um dos mais virulentos propagadores do antipetismo na grande mídia. Dotado de indiscutível talento oratório e texto primoroso, Reinaldo Azevedo esteve na linha de frente. Fazia agitação e propaganda – intelectual orgânico da direita, combativo. Incansável na conservadora oposição militante aos governos do PT.

Historicamente próximo ao PSDB, Reinaldo Azevedo esteve à frente da revista Primeira Leitura – publicação impulsionada e financiada pelo tucanato paulista, que circulou na metade inicial da década de 2000. O jornalista foi colunista da fascistóide revista Veja por 12 anos – o período mais tenebroso de sua trajetória pública.

Notabilizou-se como criador do neologismo “petralhas”carimbo que mostrou-se grudento, termo virulento ao qual conservadores de todo tipo recorrem a todo momento para rotular não apenas os governos Lula/Dilma mas também o conjunto da militância petista. Em 2008, o ex-trotskista publicou um livro (coletânea de artigos) com um doce título: O país dos petralhas – a obra fez sucesso e deu cria.

O segundo volume foi regurgitado em 2012. Tudo com ampla divulgação e apoio da revista Veja, onde Reinaldo Azevedo hospedava sua coluna semanal além de toda grande mídia. No ano de 2017 Reinaldo Azevedo saiu (ou foi saído da Veja). Babado, confusão e gritaria.

A incompatibilidade entre ele e a publicação hebdomadária dos Civita deu-se aparentemente em virtude das críticas que vinha começando a tecer e torpedeavam a queridinha-mor da mídia – a operação Lava Jato. O estopim dessa surpreendente ruptura se relaciona com o episódio no qual Sérgio Moro vazou a transcrição de uma conversa comezinha entre Reinaldo Azevedo e Andrea Neves (irmã de Aécio). Moro arrumou nesse episódio um inimigo de peso.

No derradeiro artigo que publicou naquela revistinha fascistóide Reinaldo Azevedo classificou como intimidatória a divulgação enviesada daquele trivial diálogo entre ele (jornalista) e Andrea (fonte). Comum o papo era mesmo, mas saber que o mesmo aconteceu foi didático, cá entre nós (diga-me com quem andas – ou conversas – e direis quem tu és).

Surpreendente e contundentemente Reinaldo Azevedo posicionou-se como um dos pioneiros críticos daquela supostamente maravilhosa operação justiceira, então patrocinada por toda mídia. Sabemos hoje que foi uma estratégia golpista e anti-esquerda, concebida e implementada desde as profundezas do deep state norte-americano. É o petróleo, estúpido!

A tal operação supostamente épica era protagonizada por dois vaidosos provincianos paranaenses, mal treinados nos EUA. Não sabiam falar ou escrever direito nem em português, muito menos em inglês – uma duplinha de limítrofes capachos das elites e protofascistas. Rapidamente a roda da história girou. É um prazer quase orgástico assistir dia a dia à fulminante, trágica e espetacular derrocada da dupla Moro-Dallagnol. Luis Inácio falou, Luis Inácio avisou.

Lúcido, alertou-nos Reinaldo Azevedo lá nos primórdios da operação ela que poderia ser o início de um “estado policial”. Importante lembrar: alguns setores da esquerda flertaram e até chegaram a elogiar a Lava-Jato no início – ranço udenista de uns e ilusões “republicanas” de outros. Ah, o Estado burguês…

Foi no mês de fevereiro de 2019 – quando atuava como comentarista político da Rede TV – que Reinaldo deu então um bas-fond antológico. Resolveu pedir as contas e se desligar da emissora televisiva em grande estilo. Estrelou um piti memorável – ao vivo e em cadeia nacional. Inesperada e rudemente arrancou seus microfones pondo-se de pé. Muitos alegam que foi além e fez um gesto similar ao de “coçar o saco”.

Na sequência, desdenhou solenemente a simpática despedida ensaiada pelo reacionário Boris Casoy – que era o âncora do telejornal. Daí foi-se embora brusca e teatralmente, espumando de raiva, performando a ira mais santa e vingativa.

 

Outro giro

Não sei precisar exatamente quando ocorreu (em 2019 talvez). O fato é que Reinaldo Azevedo se reposicionou again. Com a mesma ênfase e competência de sempre. Passou a propagar posições progressistas. Ao ponto de vir a constituir-se, nos meios midiáticos, em um dos mais ácidos críticos tanto do bolsonarismo quanto do lavajatismo.

Quase um cavaleiro solitário cavalgando na contramão pelos campos nem tão verdejantes da grande mídia (Reinaldo Azevedo trabalha na Band FM e na Folha-UOL). Reivindica garbosamente (dia sim e outro também) sua filiação ideológica ao que seria um tipo ideal de liberalismo “clássico”. Ademais, orgulhosamente ostenta ao fundo de seu cenário um porta-retrato com a imagem icônica da filósofa liberal-cult a queridinha dos EUA, Hanna Arendt.

Todavia, entretanto, porém, contudo, na prática o apresentador tem se apresentado de forma crescentemente crítica ao campo conservador – e até simpático ao PT. Chegou recentemente a entrevistar Lula não só corretamente (o que já seria invulgar), mas também com empatia.

A mim me parece que Tio Rei está a vibrar em uma frequência de reconciliação com as ideias daquele do jovem socialista que um dia foi. Mesmo quando faz juras ao liberalismo objetivamente cada vez mais sustenta posições social-democratas – que lembram um Welfare State com cara brasileira. Reparem que formalmente segue repudiando ideias progressistas e socialistas.

Parece que sonha nosso jornalista com um governo liderado por aquele velho PSDB de centro-esquerda – que seria naturalmente o porta-voz do bom senso e do reformismo pragmático. Teríamos um blending perfeito. Mistura ideal – e nas proporções certas – de um social-liberalismo com muita social-democracia.

Esse PSDB imaginário nos salvaria. Seria o portador de um projeto quase perfeito – mesmo sendo essencialmente paulista, elitista, modernizante, levemente reformista, mal-humorado, blasé, supostamente ilustrado e muito arrogante. Algo meio Covas, meio FHC, representação da elite cosmopolita à frente de um país católico, mas que deve se manter secular. Um governo de gente pacata, moderadamente conservadora, vaidosa e com dicção perfeita. Por onde anda esse PSDB, afinal?

O PSDB com o qual Reinaldo Azevedo sonha transformaria o Brasil em uma nação desavergonhadamente moderna, empreendedora e globalizada, mas sem cair em exageros ultraliberais como os de um João Doria. Em sua utopia tucano-liberal-progressista o país teria a cara da Fiesp e do agronegócio (que é pop). Mas com o charme da USP.

Esse projeto tucano-raiz que empolga Reinaldo Azevedo projeta um Brasil contemporâneo distante tanto de esquerdismos como de extremismos neofascistas. Tal país que deve conservar suas liberdades democráticas – com políticas públicas compensatórias e total pluralismo. Mas, sem vacilar nada de dar margem à ascensão das classes populares. Muito menos para que se façam reformas estruturais.

Seríamos então o país do presente, a terra prometida, paraíso neoliberal fingindo e se achando socialdemocrata. Vistos de longe pareceríamos civilizados, embora de fato continuaríamos profundamente oligárquicos. Para sempre haveríamos de ter governos medíocres, contudo racionais. Conservadores e (ou) liberais – entretanto sempre compassivos.

Esse Brasil simpático, no entanto, só vale até o momento no qual a esquerda não chega ao governo. Nessa hora imediatamente se rasgam todas máscaras. As classes dominantes impulsionam logo alguma modalidade de golpe: rápida, eficaz e despudoradamente.

Dono de oratória afiada, consistente repertório cultural e conhecedor da boa literatura Reinaldo Azevedo tem cumprido um papel importante. É até inusitado que continue dispondo de 60 minutos diários para opinar livremente em plena Band News, além de manter sua coluna na Folha de Sâo Paulo.

Reinaldo Azevedo, ex-professor de literatura, um jornalista experiente maneja com talento a “última flor do Lácio”. Esbanjando referências faz questão de exibir vaidosa e arrogantemente seu vasto repertório cultural – embora pareça tentar não se apartar totalmente de seu público-alvo (setores centristas liberais bem informados das classes médias urbanas paulistanas e paulistas).

O colunista da Folha de São Paulo não abre mão de executar um ritual – faz todos saludos à la bandera. Ou seja, deixa nítido que continua um liberal de carteirinha: segue confiável para seus atuais patrões, para o conjunto dos barões da mídia e amigo dos donos do capital. Quando em vez, ao reiterar sua posição ideológica, parece estar o âncora apenas a repetir um protocolo – que visa manter seu emprego e/ou conservar sua audiência entre ouvintes e leitores senso comum.

Cada vez são mais frequentes críticas muito ácidas que o apresentador expressa – tanto à política econômica capitaneada por Paulo Guedes como a um conjunto de clichês ideológicos disseminados diariamente pelo partido da imprensa golpista (o famoso PIG – termo criado pelo saudoso Paulo Henrique Amorim).

Recentemente Reinaldo Azevedo tem falado de política internacional. Suas análises sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia são semelhantes às da esquerda. Meu amigo Breno Altman, editor do site Opera Mundi, quadro petista formado na velha e boa tradição comunista, entrevistou Reinaldo Azevedo no início do mês de junho. O clima era de camaradagem. Bem à vontade, o colunista da Folha bateu sem piedade nos liberais brasileiros.

Entre muitas outras frases de efeito (o estilo é o homem) Reinaldo Azevedo afirmou diretamente a necessidade de cuidarmos das contas públicas. Mas, aí vem o que importa, sem uma rigidez que impeça o crescimento econômico.

Um dos maiores algozes do PT, o âncora da Band News reconheceu naquela entrevista que os governos do Partido implementaram uma política de inclusão “coisa que nossos liberais não teriam feito”. Além disso, enfaticamente postulou a constituição de uma frente ampla antifascista. Esculhambando os neoliberais brazucas, que não falariam com os pobres, provocou: “talvez o liberalismo seja de fato coisa de país rico”.

Qual é o perfil da maioria dos atuais ouvintes/leitores de Reinaldo Azevedo hoje? Eu queria muito saber. Intuo que atualmente ele tem muito mais audiência no meios progressistas do que entre supostos liberais e/ou democratas não bolsonaristas.

A trajetória de Reinaldo Azevedo é peculiar. Ter sido militante socialista na juventude, se formar na tradição marxista mudar de lado e aderir ao neoliberalismo – e/ou ao direitismo repugnante – não é algo raro, pelo contrário. Bem menos usual é deparamo-nos com alguém que começa na esquerda resolve atravessar o rubicão, alcança a margem oposta, mas anos depois engata (ao menos parcialmente) marcha a ré. E fica menos distante do lugar de onde partiu.

 

Distopia neoliberal-fascista

Nesses dias tão estranhos a poeira nem mais “fica se escondendo pelos cantos” (saudades do Renato Russo). O Brasil de Bolsonaro é pesadelo bruto. Distopia. Tudo de ruim elevado à enésima potência. Sociedade hiper-capitalista e pós-moderna, ao mesmo tempo arcaica. Um terço do povo está sob hegemonia e direção política da extrema direita.

Brasil desde sempre radicalmente desigual – e agora com fascistas armados até os dentes. Sob explícita tutela militar. Estrutural e conjunturalmente somos um país misógino, violento, racista, homofóbico. Em nossas metrópoles vegeta multidão de miseráveis a perambular – maltrapilhos e famintos – como zumbis de alguma série da Netflix. Enquanto isso um punhadinho de homens brancos (cidadãos do bem) – milionários toscos – refestelam-se entocados nos seus luxuosos condomínios-bunker. Protegidos e escoltados por milícias particulares – tal casta de rentistas flana mundo afora a praguejar contra nossos impostos supostamente abusivos, contra a corrupção dos políticos e a burocracia do Estado.

Mas, de fato, o esporte preferido dessa burguesia fascistóide que se acha liberal é resmungar contra a indolência da classe trabalhadora brasileira – esse bando de desqualificados: uma gente preta e parda, pobre e inculta. Fazem isso sem descuidar em nenhum momento das ações para garantir a hegemonia cultural e política dos dogmas pró-mercado. Ultimamente também do milico fascista que elegeram em 2018. Mas não tem conversa. Já decidiram que tudo farão para reeleger Jair Bolsonaro mesmo tendo um pouco de nojinho – ou não.

Não tem sido fácil enfrentar tanta desgraceira, tanta irracionalidade – essa baita regressão civilizatória que veio junto com o autoritarismo neofascista. Quedamo-nos imersos, dispersos – muitas vezes sem forças ou condições objetivas para coletiva e organizadamente remar contra esse tsunami de fétidos dejetos. Quase esmagados pela preponderância de uma ditadura da burrice – orgulhosa, arrogante, agressiva e parecendo invencível.

Mas tentamos seguir de espinha ereta e cabeça erguida. Dia após dia. Apanhando, recuando e também meio que avançando quando dá. Reagrupando, refletindo, reinventando. Lutando nas ruas e chamando o voto em Lula, única forma de começarmos a virar essa página horrível.

Daí também deriva a enorme relevância de toda e qualquer voz que venha a se perfilar ao lado das forças antifascistas. Mais gente contra Jair Bolsonaro. Ainda que marchando separados podemos – devemos – seguir golpeando juntos.

Vai, Tio Rei! Segue sendo um tanto gauche na vida. Se nosso existir está repleto nas palavras de Drummond: “ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera”, a voz de Reinaldo Azevedo: “é feia, mas é uma flor – furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio”.


*Julian Rodriguesjornalista e professor, é ativista do movimento LGBTI e de Direitos Humanos. É doutorando no Programa de América Latina da USP.

A escalada da crise com os EUA - Rubens Barbosa (O Estado de S. Paulo)

 Opinião:

A escalada da crise com os EUA
O custo dessa política de confrontação com o governo dos EUA recairá sobre o setor privado
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 22/07/2025

A crise comercial entre Brasil e EUA escalou perigosamente, podendo contaminar a relação política e diplomática entre os dois países.
Os entendimentos comerciais mantidos pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e o Itamaraty, para negociar o tarifaço de abril, de 10%, para todos os países, foram confirmados em carta de 16 de maio e prosseguiram até 4 de julho, sem qualquer reação americana.
A carta de Donald Trump anunciando tarifas de 50% sobre todos os produtos brasileiros exportados para os EUA a partir de agosto de 2025 foi o primeiro passo da escalada. O jogo político interno se agitou. O encarregado de negócios da embaixada dos EUA ouviu o protesto do governo brasileiro sobre a ingerência de Washington nos assuntos internos, o rechaço à quebra da soberania nacional e acolheu o gesto grave da devolução da carta pelos seus termos inaceitáveis. Na realidade, a questão é que a negociação do tarifaço (10%) ficou superada pela carta circular de Trump do dia 9 de julho, que pedia negociação sobre tarifa de 50%. O tema mais importante da carta faz referência a “centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS às plataformas de mídia social dos EUA”, relacionadas às decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF). Esse questionamento, incluídas as alegações de restrição à liberdade de expressão, reflete os argumentos de empresas como Google, Meta, Amazon e X (ex-Twitter), que têm se oposto a qualquer tentativa de regulação no Brasil.
A escalada continuou com farpas trocadas entre os presidentes via mídia social e o anúncio de abertura de investigação sobre ilícitos comerciais cometidos pelo Brasil no âmbito da Seção 301 da Lei do Comércio de 1974. Não sem surpresa, quem está por trás dessa iniciativa e pela inclusão da agenda das big techs na carta é a Associação da Indústria dos Computadores e Comunicações (CCIA), grupo de lobby financiado pelas big techs dos EUA. O CCIA pediu que o governo dos EUA monitore, questione e atue contra as medidas tomadas pelo Brasil, desde a suspensão da rede X de Elon Musk, passando pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, pelas taxas das blusinhas e outras, além do projeto que regula a inteligência artificial e o que autoriza a Anatel a regular as plataformas digitais.
Na semana passada, a crise se agravou com o pronunciamento do presidente Lula, para fins de política interna, mas inadequado ao afirmar que iria taxar as big techs e retaliar se depois do dia 1.º de agosto o Brasil fosse penalizado. A resposta à carta – devolvida porque não foi transmitida oficialmente, mas divulgada pela mídia social – foi também dada pela mesma mídia, no pronunciamento presidencial. Quanto à possibilidade de retaliação, na carta está expresso que, se o Brasil decidir aumentar as tarifas contra produtos norte-americanos, “o número que for escolhido será adicionado aos 50%”. Por outro lado, a suspensão de patentes ou de propriedade intelectual, sobretudo no caso de produtos farmacêuticos, poderá ensejar novas medidas restritivas, amparadas pela legislação interna norte-americana.
A crise aumentou com a carta de Trump a Bolsonaro, as críticas ao “regime brasileiro” pela porta-voz da Casa Branca e as medidas restritivas do STF contra Bolsonaro, interpretadas em Washington como uma resposta ao presidente norte-americano.
Apesar dos contatos com empresários nacionais e norte-americanos para respaldar as negociações entre os dois governos, o Planalto decidiu dar prioridade a sua agenda interna, pensando nas eleições de 2026, em detrimento das negociações.
Para complicar ainda mais o quadro geral, por diferenças ideológicas, o governo Lula não abriu canais de comunicação, desde a campanha eleitoral e depois da eleição presidencial com a Casa Branca e com o Departamento de Estado, o que significou a ausência de iniciativas para se contrapor à narrativa bolsonarista e explicar o devido processo legal do julgamento do ex-presidente e a independência do Judiciário brasileiro.
O custo dessa política de confrontação com o governo dos EUA recairá sobre o setor privado, que terá grandes prejuízos com a impossibilidade de acesso ao mercado norte-americano com tarifa de 50%. O efeito político positivo para o presidente Lula nas pesquisas, em grande parte, resultado da postura nacionalista e de defesa da soberania nacional, poderá desaparecer pela reação do setor privado que certamente criticará a postura governamental de priorizar a política interna à negociação com os EUA.
A escalada da crise continuou com a decisão de Marco Rubio de cancelar os vistos de Alexandre de Morais e “seus aliados” no STF e na Procuradoria-Geral da República (PGR). Sem perspectivas de negociação com Trump, paira a ameaça de novas sanções, como o aumento da tarifa de 50%, a aplicação de Lei Magnitsky, que impede oito ministros e a PGR de qualquer movimentação financeira em bancos que operam nos EUA, entre outras.
Sem nenhum gesto do governo e do presidente Lula para tentar reduzir as tensões com a Casa Branca na linha do sugerido pela US Chamber of Commerce, será muito difícil retomar o diálogo comercial com vistas a negociar uma redução da tarifa de 50%. Na prática, as negociações ficaram inviabilizadas por questões políticas. No dia 1.º de agosto, está contratada a imposição da tarifa, talvez com exceções.

Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004)

https://www.estadao.com.br/opiniao/rubens-barbosa/a-escalada-da-crise-com-os-eua/

Contra a direita Lula tenta formar coalizão de países progressistas em meio a atrito com Trump - Aline Rechmann (Gazeta do Povo)

Contra a direita

Lula tenta formar coalizão de países progressistas em meio a atrito com Trump
Aline Rechmann
Gazeta do Povo, 22/07/2025

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) busca consolidar uma coalizão de países progressistas, em articulação com o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez. Sob o pretexto de ser um esforço conjunto em defesa da democracia, o grupo atualmente formado por cinco países - Brasil, Chile, Uruguai, Colômbia e Espanha - deve receber pelo menos outros sete países a partir de setembro.
A união dos progressistas ocorre em meio ao anúncio de tarifaços do presidente americano Donald Trump e visa especialmente criar narrativas voltadas ao público interno dos países envolvidos, segundo analistas ouvidos pela reportagem.
O grupo se reuniu na segunda-feira (21), em Santiago no Chile. Sem se referir diretamente aos Estados Unidos ou a Trump, Lula criticou a "extrema direita" e a acusou de promover uma guerra cultural nas redes sociais e instrumentalizar o comércio internacional "como instrumento de coerção e chantagem".
Também participaram da cúpula os líderes esquerdistas Gabriel Boric, presidente do Chile, Pedro Sánchez, primeiro-ministro da Espanha, Gustavo Petro, presidente da Colômbia e Yamandú Orsi, presidente do Uruguai.
O documento conjunto divulgado ao final do encontro no Chile lista entre as iniciativas acordadas pelo grupo uma "tributação progressiva e justa, bem como fortalecer a cooperação tributária internacional com base nos princípios de transparência, equidade e soberania".
Segundo o cientista político e professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Elton Gomes, o movimento tem mais valor retórico e político-eleitoral do que efetivo peso diplomático. “Não é uma frente contra os Estados Unidos. Esses países não dispõem de recursos de poder em larga escala”, afirma Gomes. Segundo ele, a iniciativa visa essencialmente consolidar apoio interno para governos que enfrentam crises de popularidade, instabilidade institucional ou tensões diplomáticas com Washington.
O encontro no Chile é parte de uma estratégia de coordenação internacional, iniciada em 2024, por Lula e Sánchez com o objetivo de criar uma plataforma discursiva contra o que seus líderes consideram um avanço da "extrema-direita”.
As declarações de Lula, Boric, Petro e Orsi reforçaram a articulação de regulação das redes sociais, combate ao que chamam de extremismo e ações concretas para restaurar a confiança nas instituições. O primeiro encontro do grupo ocorreu em uma reunião paralela à ONU, em setembro de 2024. O grupo de líderes progressistas deve ser ampliado em setembro.
Líder espanhol quer ofensiva contra a “internacional do ódio” da "ultradireita"
Em seu discurso, o espanhol Pedro Sánchez disse que "forças da ultradireita" estão se espalhando, destruindo direitos, promovendo desinformação e alimentando o autoritarismo. “Não podemos continuar só resistindo. É hora de ir à ofensiva”, afirmou o presidente da Espanha, que é do Partido Socialista Operário Espanhol.
Sánchez ressaltou ainda que, assim como existe uma "internacional do ódio" global, os países progressistas também devem se unir em um esforço internacional coordenado.
Diante das afirmações do presidente da Espanha, o professor e diplomata Paulo Roberto de Almeida ponderou não ser “conveniente que numa reunião em defesa da democracia distinga entre direita e esquerda”. “Tanto na esquerda quanto na direita você pode ter defensores da democracia e inimigos da democracia. Não é uma questão de direita ou esquerda. A democracia tem princípios, regras impessoais estabelecidas constitucionalmente em leis, em tratados internacionais”, afirmou o diplomata.
Líderes progressistas tentam emplacar discursos movidos por motivação doméstica e eleitoral
Na avaliação do cientista político e professor Elton Gomes, os discursos dos líderes progressistas são voltados para questões específicas de seus países, com ênfase para pleitos eleitorais. No caso do Brasil, o presidente Lula tenta reagir à deterioração das relações com os Estados Unidos, agravada desde a operação da Polícia Federal que envolveu o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e impôs a ele, entre outras sanções, o uso de tornozeleira eletrônica. “Lula tenta manter sua base mobilizada, criando o que chamamos de um cercamento do eleitorado que garanta apoio mínimo para sua sobrevivência política”, explica o cientista político.
A estratégia é semelhante à adotada pelo presidente chileno Gabriel Boric, que também enfrenta um cenário adverso: sua sucessora não decola nas pesquisas, enquanto o candidato da direita lidera a disputa.
Na Espanha, o primeiro-ministro Pedro Sánchez, ameaçado por denúncias de corrupção e pela perda de sustentação parlamentar, enxergou na ofensiva diplomática um caminho para reverter o desgaste. “A Espanha não tem meios de exercer pressão sobre os EUA. A manobra serve para reforçar sua base em um sistema parlamentarista em que a governabilidade depende diretamente da maioria legislativa”, pontua Gomes.
Ampliação do grupo progressista não deve aumentar poder de negociação
Apesar da expectativa de ampliação da coalizão, o grupo não deve conseguir aumentar seu poder de negociação, já que há limites de articulação nos países que devem passar a integrá-lo. O cientista político Elton Gomes afirma que países como México e Canadá, ainda que sob governos progressistas, mantêm laços profundamente enraizados com a economia norte-americana. “O México está integrado ao mercado dos Estados Unidos e precisa manter boas relações, especialmente no tema da imigração. Já o Canadá, mesmo sob críticas de Trump, reforçou sua cooperação em temas sensíveis como o combate ao fentanil [droga sintética]”, avalia.
Na Europa, a entrada da Dinamarca no grupo levanta dúvidas. “É um país que, mesmo após ser alvo de ameaças dos EUA durante o governo Trump, como a ideia de anexar a Groenlândia, preferiu negociar. Isso mostra que mesmo em conflitos simbólicos, o pragmatismo prevalece”, destaca o professor.
Para Gomes, o fator comum entre os países efetivamente engajados na iniciativa é a busca por ganhos simbólicos e políticos em nível doméstico. “A coalizão é uma plataforma para projeção de imagem e alinhamento ideológico, mas não representa uma ameaça geopolítica real. Os grandes atores internacionais, como China, Rússia e Índia, mantêm prudência e preferem negociar com os EUA — por reconhecerem sua centralidade militar, econômica e tecnológica”, disse.
A ausência de apoio do bloco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos, Indonésia e Irã) à postura brasileira reforça essa percepção. “Nenhum país do bloco veio em socorro ao Brasil nessa crise. Mesmo a China, com todo seu poder, está revendo sua política comercial para reaproximar-se dos Estados Unidos”, lembra Gomes.
“A reunião no Chile rendeu boas fotos e manchetes, mas está longe de alterar o equilíbrio global. Trata-se, sobretudo, de uma ação voltada à política interna de seus signatários”, afirmou o analista.

https://www.gazetadopovo.com.br/republica/lula-tenta-formar-coalizao-de-paises-progressistas-em-meio-a-atrito-com-trump/

Israel: entre a tradição e as contradições do momento presente - via Airton Dirceu Lemmertz (Não É Imprensa)

Israel: entre a tradição e as contradições do momento presente

(disponibilizado por Airton Dirceu Lemmertz, a quem agradeço por sempre permitir o acesso a material do mais alto interesse e relevância intelectual)

Abaixo, trechos (no YouTube) dos quatro episódios do documentário "A Nação que sobrevive no deserto" (2025), que revela as complexidades da vida cotidiana em Israel, um país marcado pela diversidade cultural e pela convivência de diferentes religiões e etnias. A íntegra dos episódios está no portal NEIM (https://www.naoeimprensa.com/).


EPISÓDIO 1: O DIREITO DE EXISTIR.
Partindo do massacre do dia 7 de outubro, os entrevistados fazem suas reflexões sobre a história de Israel e a situação política atual.

O primeiro episódio na íntegra:
(26 minutos)

EPISÓDIO 2: PERSEVERAR.
A experiência do Shalva, entidade que cuida de crianças com deficiência em Jerusalém, retratada poeticamente como a perseverança de um povo perseguido que vive num país em guerra, com todas as limitações e superações.

O segundo episódio na íntegra:
(23 minutos)

EPISÓDIO 3: UNIDOS NA DIVERSIDADE.
O que é ser israelense, considerando a dinâmica de um país multicultural e religiosamente variado? Neste episódio, buscamos saber como tantas diferenças podem moldar um instinto de nacionalidade.

O terceiro episódio na íntegra:
(17 minutos)

EPISÓDIO 4: OS VALORES DO PROGRESSO.
Queremos entender o papel da cultura judaica no desenvolvimento econômico de Israel. O que explica o paradoxo de um povo milenar estar sempre na vanguarda científica e tecnológica?

O quarto episódio na íntegra:
(14 minutos)

A coletânea dos episódios:
(NEIM)

Trailer:

Todos querem sua fatia do orçamento público - Bruno Carazza (Valor Econômico)

 As castas encasteladas no grande mandarinato estatal continuam a assaltar, até aqui impunemente, o orçamento público, até aqui impunemente, e de maneira crescente, garantindo, contra a ética e a própria Justiça tributária (supostamente vigiada pela Receita Federal) privilégios aristocráticos exorbitantes, que constituem um ESCÁRNIO contra os brasileiros humildes que ganham salário mínimo e são pesadamente taxados por uma estrutura impositiva altamente regressiva. Até quando esses privilégios vão continuar?

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Todos querem sua fatia do orçamento público
Bruno Carazza
Valor Econômico, segunda-feira, 21 de julho de 2025

Corporações do serviço público buscam ficar a salvo do ajuste fiscal e ter liberdade para autoconceder benefícios

Enquanto a sociedade se distrai com os tarifaços de Trump ou as reviravoltas do processo contra Bolsonaro, a deterioração fiscal e a apropriação de recursos públicos por grupos privados correm soltas.
Na semana passada, usei este espaço para denunciar os pagamentos de honorários para advogados públicos, que estavam sendo realizados em valores superiores a centenas de milhares de reais sem a divulgação no portal de transparência do governo federal desde novembro do ano passado.
Num caso raro de resposta rápida a uma cobrança pública, que foi amplificada por reportagens em diversos veículos de imprensa, o governo disponibilizou as informações sobre os valores na quinta-feira. No dia seguinte, uma procuradora da Fazenda Nacional que recebeu R$ 193.226,92 em honorários apenas no mês de janeiro deste ano me procurou numa rede social para me acusar de estar agindo em nome dos grandes escritórios de advocacia da Faria Lima para “sucatear os serviços públicos”.
Entre acusações pessoais, a procuradora usou um argumento repetido à exaustão pelos integrantes da AGU e das procuradorias da Fazenda, do Banco Central e de autarquias federais. Para eles, os honorários usados para turbinar os seus rendimentos são “verba privada” - ou seja, na sua visão, não integram o orçamento público.
Desde 2017 a União já transferiu, em valores corrigidos pelo IPCA, mais de R$ 18,5 bilhões à associação privada (!!!) que administra os pagamentos aos integrantes das suas carreiras. Apesar de ser uma aberração, a apropriação de recursos públicos ameaça se tornar uma tendência entre a elite do serviço público brasileiro.
Na quarta-feira (16) o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 1872/2025, que cria o Fundo de Fortalecimento da Cidadania e Aperfeiçoamento do Ministério Público da União. Para quem acompanha a fábrica de privilégios que é o Estado brasileiro, fica uma dica: sempre desconfie dos nomes bonitos, principalmente aqueles que usam “cidadania”, “democracia”, “social” e afins - é bandeira vermelha de que vem alguma tungada no Erário ou, de forma direta, no contribuinte brasileiro.
O fundo do Ministério Público não tem nada de medida para fortalecer a cidadania. Seu objetivo é garantir para o MPU recursos orçamentários, receitas de inscrições de concursos e ainda 10% da arrecadação de custas judiciais, multas aplicadas pela Justiça e alienação de bens considerados abandonados. Tal qual acontece com o Conselho Curador dos Honorários Advocatícios, a gestão do montante arrebanhado pelo fundo do MPU ficará totalmente a cargo de integrantes do órgão, sem nenhuma supervisão de representantes externos à corporação.
Em termos práticos, se virar lei, o fundo garantirá ao MPU a liberdade para administrar recursos bilionários que ficarão a salvo das imposições dos ajustes fiscais. E muito embora a versão final aprovada pela Câmara tenha vedado a aplicação das receitas do fundo com despesas de pessoal, não será surpresa se essa trava for retirada ou simplesmente ignorada no futuro.
A corrida pela privatização do orçamento público é generalizada entre as carreiras (ou seriam castas?) do serviço público. Proposta parecida está na pauta da Câmara contemplando a Defensoria Pública da União (com seu “Fundo de Fortalecimento do Aceso à Justiça e Promoção dos Direitos Fundamentais”, mais um nome bonito). Da mesma forma, magistrados, delegados da Polícia Federal, auditores da Receita Federal e técnicos do Banco Central, entre outras corporações, têm propostas para assegurar para si a destinação de recursos a fundos parafiscais que poderão ser administrados livremente.
Essa situação se replica nos Estados. No fim de 2024, o governador Romeu Zema (Novo-MG) sancionou lei criando fundos para o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Advocacia-Geral do Estado mineiros. Para turbinar esses instrumentos financeiros, além de dotações orçamentárias repassadas pelo Estado, a norma garante aos respectivos órgãos parte do valor recolhido com emolumentos cartoriais e valores provenientes de acordos firmados com entes públicos ou privados - aí incluídos os famosos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs).
Os fundos do MP, da Defensoria e da AGE mineiros poderão ser utilizados para múltiplas funções, desde a construção e reforma de imóveis até a aquisição de equipamentos e o treinamento de pessoal. No rol de possibilidades de uso do dinheiro do fundo consta a “realização de despesas de caráter indenizatório”. Em outras palavras: o MP, a Defensoria e a AGE deram um jeito de assegurar recursos para pagar, com total liberdade, os penduricalhos milionários para promotores, procuradores e defensores públicos.
Nesta lógica privatizante do orçamento levada a cabo pelas instituições que deveriam zelar pela boa aplicação dos recursos públicos, em breve precisaremos trocar o lema da bandeira nacional: sai o “Ordem e Progresso” e deveria entrar o “Farinha Pouca, Meu Pirão Primeiro”. É muito mais apropriado.

Perguntas ainda não respondidas adequadamente - Paulo Roberto de Almeida

Perguntas ainda não respondidas adequadamente:

Por que o povo russo, sim, não apenas Putin, está empenhado em massacrar, matar o povo ucraniano, sua cultura, seu patrimônio, depois de ter sido castigado duramente por muitos invasores ao longo dos séculos? Mongois, vikings, suecos, franceses, alemães violentaram o território russo em diversas ocasiões, o que pode ter provocado uma certa paranoia (mas logo o povo irmão da Ucrânia?).

Por que o povo de Israel está denegando ao povo palestino o direito de ter o seu Estado, como os judeus o fizeram, beneficiados temporariamente por circunstâncias excepcionais? Por que invadem suas terras e pretendem implantar o Grande Israel, que nada mais é do que um mito religioso?

Por que determinadas seitas islâmicas se empenham em dominar outros povos, por vezes até outros muçulmanos, estendendo uma dominação que se apoia numa leitura monopolista e imperiaista da sua religião, nunca aberta ao trabalho de exegese? A exegese, ou seja, a critica e a interpretação do texto religioso, foi o que permitiu ao povo judeu e aos povos cristãos a libertação da religião opressiva, fanática e monopolista.

Por que o povo brasileiro não consegue se libertar de uma cultura oligárquica, responsável por uma das sociedades mais desiguais do mundo? Por que não consegue deixar de apoiar políticos corruptos, demagogos e mediocres? Deve ser por falta de educação, mas depois de tanto tempo ainda não conseguiu resolver essa questão elementar?

Perguntas, por enquanto, sem respostas adequadas. 

Virão algum dia?

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 22/07/2925


segunda-feira, 21 de julho de 2025

Oyez, oyez, citoyens! Relembrando Nelson Rodrigues e Umberto Eco - Paulo Roberto de Almeida

Oyez, oyez, citoyens! Relembrando Nelson Rodrigues e Umberto Eco

        Não estou proibindo a burrice. Todos têm o amplo direito democrático de expressar suas estupidezes pessoais nos espaços que constroem para si próprios nas ferramentas disponíveis de informação e de comunicação.
        Nelson Rodrigues, antes da internet, Umberto Eco, já no domínio das redes, alertaram para o perigo iminente da multiplicação dos idiotas nos espaços sociais: eles iriam se sobrepor às vozes da inteligência apenas pelo seu número avassalador. 
        Atuando solitariamente em meus espaços nestas ferramentas, defendendo meu quilombo de resistência intelectual, representado por meu blog Diplomatizzando, creio ter todo o direito de impedir a invasão dos idiotas e dos militantes ignorantes de certos credos extremistas nestes meus instrumentos de informação e de comunicação, recomendando aos enquadrados nas restrições que eles contenham seus comentários nos seus próprios espaços  ou nos de seus semelhantes e colegas de tribo. Não tenho porque poluir meu copyright com burrice alheia.
    
        Eis minha declaração de princípios:
“Diplomatizzando
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.”

        Sublinho racionalidade e inteligência; tudo o que ofender esses modestos critérios será imediatamente deletado das minhas ferramentas. 
C’est mon droit et mon devoir!
Proteção da inteligência, preservação da racionalidade. 

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 21/07/2025

Uma pequena história econômica, desastrosa, do mundo (e do Brasil) - Paulo Roberto de Almeida

Uma pequena história econômica, desastrosa, do mundo (e do Brasil)

Paulo Roberto de Almeida

Nota sobre a destruição do mundo por Mister Trump 

 

Não sei se a realidade atual do “comércio” bilateral Brasil- EUA, assim como a dos EUA para com o mundo inteiro, é ubuesca, surrealista, talvez kafkiana, ou apenas e simplesmente psiquiátrica: vcs escolhem a melhor opção.


Milhares de empresários e de trabalhadores, milhões de consumidores americanos e brasileiros, várias centenas de intermediários (nos documentos de crédito, financiamentos e pagamentos correntes), ou seja, toda a cadeia produtiva, comercial, atacadista e varejista dos dois paises, está à mercê dos humores de dois presidentes que não conseguem, não querem e não podem iniciar negociações, sequer uma primeira conversa a respeito da absurda medida adotada pelo presidente americano de taxar pesadamente, unilateralmente e ilegalmente (pelas regras do GATT) as exportações brasileiras para os EUA.


Todo o espetáculo grotesco dos contínuos tarifaços trumpistas, dirigidos de forma circense, aos 196 países da comunidade internacional, conforma algo tão inédito na história do GATT e da economia mundial que os futuros historiadores da área terão dificuldade em como classificar esses atos arbitrários e incompreensiveis, ao atingir pesadamente os interesses de todos, começando pelos interesses do seu próprio país e do seu povo. 

Parece algo similar à decisão de um novo Átila imperial mobilizando todos os seus guerreiros armados e colocando-os na linha de frente de invasões sucessivas de territórios estrangeiros, simplesmente com o objetivo de destruir o que encontram pela frente, sem qualquer critério de conquista e incorporação a uma nova ordem imperial: se trata de pura destruição do que existe, instituições que os próprios EUA tinham concebido e criado ao cabo da IIGM, depois dos equívocos monumentais que eles próprios tinham perpetrado em 1930 e 1934, ao adotar medidas comerciais e cambiais totalmente desastrosas, que aprofundaram a crise iniciada em 1929 e que mergulharam o mundo na Grande Depressão dos anos 1930, e que culminaram na maior guerra global (até aqui) na história da humanidade.


Trump, por ignorância excepcional, arrogância doentia e impulsividade demencial, está simplesmente desmantelando tudo o que os “pais fundadores” americanos tinham concebido e implementado, como nova ordem econômica global, começando em Bretton Woods (1944), aprofundado em Londres e Genebra (1946-47), e que durante 80 anos serviu para trazer paz e prosperidade ao mundo (sobretudo “ocidental”, pois que Stalin vetou a incorporação da URSS e do império soviético a essa nova ordem econômica), uma arquitetura comercial e financeira confirmada e ampliada a partir dos anos 1990.


Trump ignora tudo isso e se dispõe a destruir tudo o que existe, atingindo centenas de milhões, alguns bilhões de seres espalhados em praticamente todos os países do globo. Infelizmente a ONU não dispõe de um “esquadrão psiquiátrico emergencial” capaz de deter o tresloucado dirigente que se crê um imperador mundial. 

O novo Átila continua solto…

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 21/07/2025


Capitalismo e liberdade nos Estados Unidos e no Brasil: releitura do clássico de Milton Friedman na perspectiva do Brasil - Paulo Roberto de Almeida


Capitalismo e liberdade nos Estados Unidos e no Brasil

Apresentação-debate no dia 24/07, 19h00 (informarei o link)

Haverá um poster-convite para esta palestra que vou dar no dia 24/07, 19hs (informarei o link). Mas já transcrevo o texto que preparei sobre o tema. Há uma apresentação sintética que também colocarei à disposição dos interessados:

4957. Capitalismo e liberdade nos Estados Unidos e no Brasil: releitura do clássico de Milton Friedman na perspectiva do Brasil (Brasília: Diplomatizzando, 2025, 84 p.; ISBN: 978-65-01-53577-7), Brasília, 19 junho 2025, 84 p. Livro composto na série dos clássicos revisitados, para apresentação em evento da série de leituras do Livres em 24/07/2025. Disponível nas plataformas Academia.edu (link: https://www.academia.edu/.../Capitalismo_e_liberdade_nos...) e Research Gate (link: https://www.researchgate.net/.../392817753_Capitalismo_e...); divulgado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/.../livro-disponivel...). Relação de Publicados n. 1579.




Leitura de livro: Eugênio Giovenardi: Os Fugitivos da Água - Paulo Roberto de Almeida

Resumo rápido por Paulo Roberto de Almeida

Leitura de livro:
Eugênio Giovenardi:
Os Fugitivos da Água
(Goiânia: Kelps, 2025)


        Estou lendo este "romance científico futurista", se assim posso classificar este livro, do meu amigo, colega sociólogo (embora eu nunca tenha exercido a profissão) e colega de academia, no caso o IHG-DF, obra que tem uma construção original, mas que é embasada (cada linha, cada parágrafo, cada capítulo) na mais pura informação científica, nos campos da ecologia, da sociologia, da economia, da biologia e muitas outras disciplinas trabalhadas com esmero e profundo conhecimento por este "Renaissance Man" (provavelmente mais do que isto).

        Trata-se de um relato feito em meados do século XXII, ou seja, em torno de 2150, sobre o desaparecimento do mundo como o conhecemos hoje, a partir de uma fissura geológica na África (entre o Sudão e a Etiópia) que precipita uma invasão dos mares sobre territórios habitados, uma espécie de "Segundo Dilúvio".
O suposto autor, ou narrador da catástrofe ecológica, é Seven Oitis, descrito como um "Naturólogo, Licenciado em Inteligência Ambiental", cujo nome, escrito ao inverso, significa simplesmente "Sítio Neves", ou a morada do Eugênio.

        Ele cita um autor de um livro, "O Outono Sem Fim" (publicado em 2119), que seria Lechar Nosrac, também um nome invertido, que remete à famosa Rachel Carson, autora de "Silent Spring" (1962; reeditado muitas vezes, e ainda hoje lido com devoção por todos os ativistas da defesa ambiental (o que é exatamente a mais importante atividade de Eugênio Giovenardi).
        A Rachel Carson é praticamente a "mãe" do movimento ecologista contemporâneo, tendo denunciado o uso de defensivos agrícolas por grandes empresas da área, sabotada por eles, mas que se impôs corajosamente até a proibição legal do uso de vários produtos tóxicos nocivos à alimentação humana. Vcs podem ter uma ideia da importância dela lendo a biografia na Wikipedia, e verificando os livros na Amazon.
        Não vou relatar o enredo do livro, pois quero que os que lerem esta nota procurem a obra para saber como é que a humanidade, ou boa parte dela, se tornou "Fugitiva da Água", um dilúvio, ou super inundação, causada pela destruição da natureza pela ação humana.
        O que sim gostaria de confirmar é a riqueza da informação científica manipulada de forma competente por Giovenardi, uma vez que, como afirmei acima, cada frase dele vem sustentada em fatos reais, do mundo natural, trabalhados por cientístas, e explicados de maneira racional, mas de forma agradável, atraente.

        Transcrevo um trecho, da p. 78-79:
        "Perguntava-se Lechar Nosrac [ou seja, a Rachel Carson do século XXII], em uma de suas muitas entrevistas à imprensa televisiva, 'como foi que se chegou a esta raiva do tempo, da natureza, do planeta? Que foi feito da primavera que chegava antes do verão?' As neves nórdicas e as águas da Antártida derretidas não só modificaram os costumes dos habitantes do mar, como alteraram o modo de vida dos moradores dos continentes invadidos. Documentários produzidos nos grandes degelos dos anos 2060 [ou seja, o resultado prático do aquecimento global, já em curso neste século], registravam cenas reveladoras dos alertas repetidos por inúmeras agências observadoras do clima e dos fenômenos físicos ao redor do planeta. Por incredulidade, ou incompetência ou 'interesses maiores' não haviam sido levados a sério pela população nem pelos órgãos da administração pública dos países, localizados à margem de oceanos e possuidores de grandes rios que neles desembocavam."

        Voilà, isso dá uma ideia de como Giovenardi desenvolve seu argumento, por vezes narrado pelo 'autor' (Seven Oitis) ou pela Rachel Carson (invertida) do futuro (a verdadeira morreu dois anos depois de seu famoso livro, em 1964. Os capítulos são descritos pelo narrador, com dois amigos também cientistas, e eles vão repassando toda a literatura científica sobre o meio ambiente desde os anos 1960, 70 (primeira conferência sobre meio ambiente, em Estocolmo, em 1972), os alertas do Clube de Roma e todos os malthusianos e catastrofistas do esgotamento dos recursos naturais, a destruição da natureza, os relatórios "da antiga Organização das Nações Unidas" (ou seja, ela já terá desaparecido no século XXII, e Trump, por uma vez, não é o culpado direto, pois o livro foi escrito antes que o laranjão começasse a destruir o mundo de forma mais afirmada) e uma pletora de outros materiais relacionados na bibliografia do livro.
        A obra termina, justamente, por uma entrevista com Lechar Nosrac, ou seja, a Rachel Carson do futuro.

        Aos que desejarem saber mais sobre o autor e suas obras, recomendo uma visita a uma (ou mais) de suas páginas, podendo começar por aqui.


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 21/07/2025

domingo, 20 de julho de 2025

Apocalypse now? Uma reflexão sobre grandes crises que nos atingiram e seus principais responsáveis - Paulo Roberto de Almeida

 Apocalypse now?

Uma reflexão sobre grandes crises que nos atingiram e seus principais responsáveis

Paulo Roberto de Almeida

O mundo e o Brasil, todos nós, das quatro gerações que precederam a nossa, conhecemos algumas crises devastadoras, nos últimos cem anos. Todas elas podem ser identificadas pelos nomes dos principais (não exclusivos) responsáveis.

1929 foi uma simples crise do mercado acionário americano, e o país já estava a se recuperando em março-abril de 1930 (conforme li num número da Economist dessa data), quando o presidente Herbert Hoover sancionou a Lei Tarifária Smoot-Hawley em junho desse ano, contra a opinião de mais de 200 economistas, que tinham alertado nas páginas do NYT contra a aprovação desse ato protecionista.
Não deu outra: mais do que a crise da Bolsa de NY no ano anterior, o ato precipitou respostas de outros países, igualmente protecionistas, e preparou o terreno para as crises bancárias europeias de 1931, que lançaram o mundo na Grande Depressão.
Podemos chamar essa de "Crise Hoover".
Ambas foram responsáveis pela maior crise econômica no Brasil até aquele ano: em 1930-1931, o PIB decresceu 6%, mas depois se recuperou, com as medidas adequadas tomadas pelo novo ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha.

2014-2015: foi uma crise cuidadosamente preparada pela sua administradora principal, a chefe da Casa Civil, e sua tropa de economistas amestrados da "Nova Matriz Econômica". Tivemos uma recessão superior à de 1931: menos 8% no PIB e menos 10% no PIB per capita. Foi a maior crise da história econômica do Brasil, até aqui.
Podemos chamar a essa de "Crise Dona Dilma".
A recuperação foi dura, e só veio depois do impeachment da presidente em 2016, com o governo Michel Temer e um programa dirigido pelo ministro da Fazenda Henrique Meirelles (que já tinha debelado a crise criada pela eleição de Lula em 2002, à frente do Banco Central entre 2003 e 2010) . Foi duro mas passou.

2025-202?: estemos assistindo à construção da "Crise Trump", que vai afetar não apenas os Estados Unidos, mas também o mundo inteiro, embora com variações em função das retaliações tarifárias e outras.
O Brasil vai ser um dos mais atingidos, não apenas em virtude das tarifas de 50% (talvez mais, se medidas retorsivas forem adotadas pelo Brasil), mas também pelas investigações da Seção 301 da Lei Comercial americana de 1974, tudo isso por motivação puramente política (entre elas a briga pessoal Trump-Lula), ligada ao clã dos "traidores da pátria", mais o efeito Brics+.

Como sempre, todas essas crises – mais a dos países em desenvolvimento de 1997-1999, a dos países desenvolvidos, a imobiliária de 2007 e a bancária de 2008 – resultam de uma mistura de políticas econômicas erradas e da impulsividade de certos dirigentes: Hoover, Dilma, agora Trump (with a little help from Lula, se este se agita muito contra o laranjão demencial).

Vou ter de atualizar meu quadro das crises econômicas relevantes, que já fiz com base no livro do Charles Kindleberger, Panic, Manias and Crashes, atualizado e aumentado para a AL e o Brasil até o início dos anos 2000.

Paulo Roberto de Almeida
Brasilia, 20/07/2025

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...