segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Paris toujours Paris - Daniel Afonso da Silva (Jornal da USP)

“Paris toujours Paris” (ou uma singela lembrança daquele 13 de novembro de 2015)

Por Daniel Afonso da Silva, pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais da USP

  Publicado: 12/12/2025 às 18:22

Era pra ser um dia agradável. E foi.

Caiu numa sexta-feira.

Um dia de outono.

Calhou ser 13. Sexta-feira, 13.

13 de novembro de 2015.

Tudo ia limpo em Paris.

O céu não tinha nuvens. O sol era radiante. A ambiência, elegante. Tudo ia límpido. Como pintura. Sem queimar, incomodar nem maltratar.

Havia algum vento. Algum barulho. Mas nada de brisa. Nada de úmido.

Anunciavam-se dias frios. Quem sabe, invernia. Isso era notório.

Edgar Morin havia ofertado uma série de conferências na Sorbonne e a sua manifestação final – “quem não procura o impossível e inencontrável não os encontrará jamais” –, retirada de algum antigo, grego ou latino, ainda intrigava o meu ser.

Christian Lesquesne, querido amigo na Sciences Po, ao meu encalço, havia disparado mensagens ao embaixador Alain Rouquié, ao ministro Hubert Védrine e ao memorável Régis Debray dos quais eu, apreensivo, aguardava retornos.

Era certo que viriam.

Era seguro que iríamos nos ver.

Um dia. Não naquele.

Aquele dia transcorreu incrivelmente ordinário. Como ordinários eram os meus dias naquelas ruas que noutros dias testemunharam transitar Voltaire, Balzac, Diderot, Marat, Victor Hugo, De Gaulle.

O meu reduto era a rue Jacob, no sexto arrondissement de Paris.

Eu não vivia longe. E – também por isso e para apreciar mais e mais a cidade-mundo – eu ia sempre a pé para o laboro.

Do coração do Marais, eu partia para a rue de Rivoli, que me permitia chegar rápido à passagem Richelieu, que dava acesso ao pátio do Louvre, imponente palácio real, anterior a Versalhes.

Quase sem perceber, eu alcançava a alça François Mitterrand e atravessava a ponte Carrossel.

Após o Sena, tornando à esquerda, eu encontrava a rue de Saints-Pères. Seguia nela não muitas quadras. Topava com a rue Jacob. Seguia até o seu número 56. E adentrava o faustoso edifício do CERI, da Sciences Po de Paris.

Era quase sempre assim. Nada às carreiras. Tudo em compasso. Flanando sopro a sopro. Degustando detalhes. Absorto em lembranças. Soterrado em imaginações.

Golpeado por deslumbres. Arpejado em frissons. Como num encontro da primeira vez. Como no frescor do desejo. Aquele que induz ao tremor no contato e ao desatino na satisfação. Presença, harmonia, belo e contraste. Como no primeiro amor.

Dia após dia era assim. Mesmo quando a rotina insistia em imperar.

Aquele início do dia 13 de novembro de 2015 foi assim para mim.

O traçado seguia marcado. Novidade nenhuma ia à vista. Zero mudanças. Nula trepidação. O dia seria ameno. Quase fugaz. Prometendo passar rápido.

Desse modo, acomodado no terceiro andar daquele edifício da Sciences Po, a minha atenção seguia retida em tempos distantes, desabados e quase imemoriais. Tempos que os mais jovens não viveram e muitos os mais antigos nem se lembram mais. Eu vivia mentalmente os longínquos dias de janeiro e fevereiro de 1985 que enlaçavam da eleição do presidente Tancredo de Almeida Neves no Brasil ao seu encontro do novo mandatário brasileiro com o presidente François Mitterrand na França. O meu esforço recaía sobre a reconstituição dessa cena. Quase moldura. Infinitamente bonita. Que aduzia um dos momentos mais altaneiros da redemocratização brasileira. Que foi quando o mundo inteiro começava a reconhecer a Nova República após anos e anos de regime militar. Quando o Doutor Tancredo e dona Risoleta Neves, após verem a Sua Santidade, o Papa João Paulo II, foram avistar o casal presidencial francês, François e Danielle Mitterrand. Feito que se imortalizou como o momentum Tancredo-Mitterrand.

Naquele 13 de novembro de 2015, eu seguia, assim, retido nesses mundos, nesses símbolos, nesses dias, nessas vibrações.

Pragmaticamente, passei aquele dia inteiro reunindo informações. Indo e voltando – em imaginação – de Brasília a Paris e de Paris a Brasília. Resvalando, vez por outra, no Rio de Janeiro, em São Paulo, Belo Horizonte, São João Del Rey, Washington, Bonn, Berlim, Cidade do México, Buenos Aires, Lisboa, Moscou, Roma, Madri, Biarritz, Saint-Tropez, até a latche dos Mitterrand no Landes.

Dias antes, eu havia acessado os arquivos da presidência François Mitterrand (1981-1995) com notícias daquele encontro com o presidente brasileiro eleito. O meu encanto era, porquanto, integral. Quase juvenil. Tudo me impressionava. Minha atenção só focava nisso.

Quando dei por mim, a noite já ia escura.

Foi quando tomei o celular e revisei mensagens.

Havia um convite para jantar entre amigos. Uns brasileiros, outros não brasileiros. Mas todos carentes de Brasil. Querendo falar de Brasil. Ouvir do Brasil. Sentir o Brasil.

Mesmo que na simples pronúncia nativa do português.

Ainda não se sabia onde seria o meeting.

Hesitava-se entre o Marais e Arts et Métiers.

Decidiu-se pelas cercanias do bairro République. Mais precisamente entre a estação do metrô Voltaire e a do Saint Ambroise.

Quando se decidiu, saí e cheguei bem rápido.

De entrada, um bordeaux.

Como menu: feijão, pimenta, carne e fartura.

Era um restaurante das Ilhas Maurício. Onde tudo era marcante. Com muitos tons, sons, idiomas e culturas. E – forçando bem, bem mesmo – lembrava o Brasil.

Tudo estava muito bom.

Havia inclusive alguma empolgação.

Mas tudo terminou cedo.

Despedimo-nos todos pelas 21 horas.

Eu poderia voltar a pé para casa, mas segui todo mundo e tomei o metrô. Da segunda para a terceira estação, o trem parou. Não era comum, mas era rotina. O vagão escureceu. Olhando à volta, ninguém esbravejou. Era sexta-feira, tarde da noite, a circulação já ia reduzida.

Num par de minutos, a luz voltou e a viagem continuou.

Cheguei rápido em casa e subitamente adormeci. Satisfeito e feliz.

Algum tempo depois, fui desperto por uma zoada sem fim, vinda de todas as partes e de todo lugar, com sirenes, freadas, luzes, aceleradas, derrapadas, helicópteros.
Abri os olhos. Avistei o relógio. E vi que era ainda sexta-feira.

Os ponteiros marcavam 23 horas pouco completas.

Não sei bem para onde olhei, mas notei o vibrar insistente de meu celular.

Meio ensonado, fui ver.

Era um número diferente. Não era da Europa, da França nem de Paris. Tinha as iniciais do Brasil.

Sem nada pensar, atendi e, como resposta, recebi: “graças a Deus”; “você está vivo”.

Estupefato, nada entendi.

Veio, então, uma ordem: “ligue a televisão”.

Foi quando apreendi a situação: terroristas haviam terrorizado Paris; não muito longe dali.

Triste. Muito triste.

Mas Paris toujours Paris.

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(As opiniões expressas nos artigos publicados no Jornal da USP são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem opiniões do veículo nem posições institucionais da Universidade de São Paulo. Acesse aqui nossos parâmetros editoriais para artigos de opinião.)

Fundação Percival Farqhuar, uma instituição educacional inspirada no empreendedorismo do investidor americano

Fundação Percival Farqhuar, uma instituição educacional inspirada no empreendedorismo do investidor americano

Soube hoje que existe, em Governador Valadares, uma Fundação Percival Farquhar, um investidor americano ligado à história da siderurgia, ferrovias eletrificação no Brasil, que se dedica a objetivos educacionais:

https://fpf.univale.br/institucional/historia-da-fpf/

"O nome da Fundação é uma homenagem ao engenheiro e advogado Percival Farquhar, industrial norteamericano, grande empreendedor ligado à criação da CVRD, ACESITA, BELGO MINEIRA, entre outras. Figura marcante na história do desenvolvimento continental, condecorado por Getúlio Vargas com a Ordem do Cruzeiro em 1953, pouco antes de morrer. Seus ideais de crescimento e empreendedorismo estavam alinhados às ideias da Fundação, que pretendia proporcionar o desenvolvimento tecnológico e científico da região de Governador Valadares."

PRA: O nome desse gigante da era pioneira do capitalismo no Brasil, me remete a velhas pesquisas nos Estados Unidos e à leitura de muitos livros e arquivos. Abaixo um projeto de livro sobre ele, e uma resenha que fiz de uma sua biografia. Tenho papeis dos arquivos dele na Universidade de Yale.

803. “O milionário americano: Percival Farquhar e o desenvolvimento brasileiro, 1904-1944”, Washington, 28 ago. 2001, 1 p. Sumário provisório de projeto de livro.

(Projeto de livro)


O milionário americano: Percival Farquhar e o desenvolvimento brasileiro, 1904-1944


Paulo Roberto de Almeida

Sumário provisório:

1. Introdução: um magnata empreendedor na periferia do capitalismo
(os barões ladrões e a projeção imperial dos EUA no começo do século XX; Percival Farquhar e o desenvolvimento econômico brasileiro; glórias e tragédias de um combate contra o meio e os homens)

Primeira Parte
A terra
2. Expansão econômica e projeção imperial dos EUA depois da guerra civil
3. O encilhamento do desenvolvimento brasileiro: contra ventos e marés
4. A penetração estrangeira na economia brasileira na primeira era republicana
5. Café, borracha, transportes, comunicações: a terra do Jeca Tatu

Segunda Parte

O homem
6. Pioneiros e quackers: o espírito do capitalismo americano
7. Percival Farquhar na era da exportação de capitais
8. Empreendimentos capitalistas e métodos patrimonialistas
9. O último titã: os milionários também perdem

Terceira Parte
A luta
10. Andante urbano: tramvias, ferrovias, gás, eletricidade, telégrafo, telefone
11. Allegro amazônico: ascensão e derrota no inferno verde
12. Prestissimo mineralógico: do minério ao aço, com a partitura do governo
13. A sinfonia tropical de Percival Farquhar: allegro ma non troppo, staccato

14. Conclusões: Percival Farquhar e a tragédia do desenvolvimento brasileiro

Fontes: Percival Farquhar Papers, Yale University
Arquivos de Vivaldo Coaracy (localizar Rio de Janeiro)
Arquivo Nacional (Cons. Fed. de Comércio Exterior, Fazenda, etc)
AHD, Itamaraty, Rio de Janeiro
Bibliografia: história econômica e empresarial do Brasil e dos EUA, relações diplomáticas e temas de política internacional do Brasil

1ª versão: Washington, 803: 28/08/2001

1666. “O imperador americano das PPPs”, Brasília, 20 setembro 2006, 2 p. Resenha de Charles A. Gauld: Farquhar, o último titã: um empreendedor americano na América Latina (São Paulo: Editora de Cultura, 2006, 520 p.). Publicada em formato resumido e revisto na revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília, IPEA-PNUD, a. III, n. 27, out. 2006. p. 63). Divulgado no blog Diplomatizzando (3/06/2021; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/06/charles-gauld-farquhar-o-ultimo-tita-um.html . Relação de Publicados n. 707.


Antiglobalismo (inédito, 2022) - Paulo Roberto de Almeida

 O trabalho a seguir foi preparado para uma publicação coletiva, que acabou não sendo publicada, e não tenho notícias de que o será em breve:


4199. “Antiglobalismo”, Brasília, 20-22 julho 2022, 9 p. Contribuição a uma nova edição do "Dicionário dos Antis: a cultura brasileira em negativo"; enviado em 22/07/2022. Inédito.

Antiglobalismo
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor (www.pralmeida.net; pralmeida@me.com)
Contribuição à 2ª edição do Dicionário dos Antis: a cultura brasileira em negativo.

Antiglobalismo não é um termo muito conhecido da opinião pública brasileira, justamente por não ser muito disseminado fora de um círculo restrito de iniciados nas artes conspiratórias de uma suposta ameaça de um “governo mundial manipulado por um grupo fechado de grandes milionários progressistas e pelos movimentos esquerdistas”, segundo um de seus mais conhecidos propagadores no Brasil, o já falecido polemista Olavo de Carvalho. O termo, assim como a sua raiz – globalismo – talvez tenha existido efemeramente, apenas durante a ascensão, curta euforia e rápido declínio durante a vida breve do bolsolavismo diplomático, o assim chamado período, de janeiro de 2019 a março de 2021, de domínio ideológico dos discípulos de Olavo de Carvalho sobre a política externa brasileira. Mas ele já vinha sendo usado e abusado há bem mais tempo, justamente em função dos artigos desse ideólogo, nos quais ele pretendia interpretar a essência do fenômeno:
O globalismo não tem finalidades essencialmente econômicas ou mesmo político-militares: é todo um conceito integral de civilização, uma verdadeira mutação revolucionária da espécie humana, incluindo a total erradicação das religiões tradicionais ou sua diluição numa religião biônica universal cuja expressão mais visível é o movimento da ‘Nova Era’. (Carvalho, 2006)

O termo se tornou mais frequente no debate público depois da assunção do governo Jair Bolsonaro, mais especificamente a partir da escolha do seu primeiro chanceler, um obscuro diplomata respondendo pelo nome de Ernesto Araújo, um devoto discípulo do já citado autodenominado “filósofo”, um antigo comunista convertido em obcecado arauto do anticomunismo mais extremado, depois de passar pela astrologia e pelo islamismo (talvez um expediente para construir um “harém” temporário). Esse guru do governo Bolsonaro – pelo menos enquanto durou sua primeira fase ideológica, antes deste se converter ao realismo político do Centrão – não foi, contudo, o inventor do termo, mas apenas um dos propagadores pouco imaginativos das teorias conspiratórias que frequentam o debate público desde praticamente os tempos da Revolução francesa, o vulcão criador das teorias políticas mais resilientes da modernidade, estendendo-se até a atualidade.
(...)

Ler a íntegra neste link:


domingo, 21 de dezembro de 2025

A desordem mundial gerada por dois impérios, contemplados por um terceiro - Paulo Roberto de Almeida (seminário na UnB)

 Minha preparação prévia a um seminário sobre a ordem global, na UnB:

5152. “A desordem mundial gerada por dois impérios, contemplados por um terceiro”, Brasília, 21 dezembro 2025, 17 p. Combinação de dois textos preparados para minha participação num seminário sob a direção do prof. Antonio Carlos Lessa, evento realizado na UnB em 7/11/2025: “O Mundo Segundo Trump e o ocaso da Ordem Liberal Internacional: Nacionalismo, Transacionalismo e o Futuro do Multilateralismo” (5101) e “Geopolítica da Desordem: A Rivalidade com a China e o Abandono da Segurança Coletiva” (5106).

Sumário:

O Mundo segundo Trump e o ocaso da Ordem Liberal Internacional: Nacionalismo, Transacionalismo e o Futuro do Multilateralismo

(A) O que penso, inicialmente, sobre os cinco conceitos constantes do tema título?
1) Mundo segundo Trump
2) Ocaso da Ordem Liberal Internacional
3) Nacionalismo
4) Transacionalismo
5) Futuro do Multilateralismo

(B) Como vejo o futuro do sistema internacional? Uma previsão muito arriscada

(C) Como vejo o papel do Brasil nesse imbróglio?

Geopolítica da Desordem: A Rivalidade com a China e o Abandono da Segurança Coletiva
(sem seções)



Mercosul e União Europeia: a longa marcha da cooperação à associação - Paulo Roberto de Almeida (Academia.edu)

Liberando um artigo que passou um ano no limbo: 

Mercosul e União Europeia: a longa marcha da cooperação à associação

Recebo, em 19/12/2025, uma nova comunicação da revista Monções (UFGD), anunciando a publicação de seu novo número:

Você tem uma nova notificação de Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD: Uma nova edição foi publicada:

Publicado: 2025-12-19
Artigos - Seção Miscelânea
Entre Ocidente e "Não Ocidente": Ideias de Brasil em Paulo Nogueira Batista e José Guilherme Merquior
Victor Tibau, p. 1-25
PDF, DOI: https://doi.org/10.30612/mones.v14i28.19376
(seguem vários outros, interessantes)

Antes desse número foi publicado um número especial sobre integração regional, para o qual eu tinha apresentado um artigo, no começo do ano, de 2025, submetido a um parecerista que objetou à sua publicação, apresentando diversas questões e solicitações de revisões das quais não me lembro agora. Como eu andava muito ocupado, e não achei pertinentes alguns dos pedidos simplesmente não fiz, e meu artigo foi rejeitado, sendo que a revista já havia aceito dois outros anteriormente, como refletido abaixo:

Submissões Arquivadas
Mercosul e União Europeia: a longa marcha da cooperação à associação - Rejeitado

Contra as parcerias estratégicas: um relatório de minoria - Publicado

Uma grande estratégia para o Brasil: elementos propositivos - Publicado

O artigo apresentado, e rejeitado, foi este:
4829. “Mercosul e União Europeia: a longa marcha da cooperação à associação”, Brasília, 18 janeiro 2025, 21 p. Revisão e atualização do trabalho 4322 (15 fevereiro 2023), para submissão, em 18/01/2025, à revista Monções, Revista de Relações Internacionais da UFGD; URL: http://www.periodicos.ufgd.edu.br/index.php/moncoes ; URL da Submissão: https://ojs.ufgd.edu.br/moncoes/authorDashboard/submission/19486.

Deixei o artigo hibernando, pois que o o acordo Mercosul-UE permaneceu num estado de indecisão, pelas mesmas causas conhecidas desde o início, a despeito da mudança de governos e de orientações de políticas econômicas, nos últimos 30 anos (o processo deslanchou em 1995): protecionismo agrícola da parte europeua (alguns países, entre eles França, Itália e Polônia, o que eu já tinha apontado no artigo de janeiro de 2025).
Chegamos ao final de 2025, e nada de acordo ainda, pelas mesmas e quase idênticas questões. Aproveitei, reli meu artigo e acho que não há muito a acrescentar, apenas talvez as últimas condicionalidades (e subterfúgios europeus) no tocante à sensibilidade do setor agrícola, em países sequestrados por seus agricultores como a França e alguns outros.
Por isto decido oferecer o artigo ao conhecimento geral do público interessado, não mais como publicação de revista acadêmica, mas simplesmente em minha página da plataforma Academia.edu, como segue:

Disponibilizado via Academia.edu (dezembro 2025): https://www.academia.edu/145502682/4829_Mercosul_e_Uniao_Europeia_a_longa_marcha_da_cooperacao_a_associacao_Mercosur_and_European_Union_the_long_march_from_cooperation_to_association_Mercosur_y_Uni%C3%B3n_Europea_la_larga_marcha_de_la_cooperaci%C3%B3n_a_la_asociaci%C3%B3n_2025_

 

sábado, 20 de dezembro de 2025

O Brasil na arena global: o papel do diplomata e a política externa brasileira - Paulo Roberto de Almeida

5066. “O Brasil na arena global: o papel do diplomata e a política externa brasileira

Brasília, 24 setembro 2025. Apresentação em palestra acadêmica em curso de Relações Internacionais de Faculdade do RJ. Disponível na plataforma acadêmica Academia.edulink: https://www.academia.edu/145499538/Co_pia_de_5066BrasilArenaGlobalDiplomPExt  

Enough is Enough! - 30 anos de NÃO ACORDO Mercosul-UE - Jorio Dauster, Manuel María Cáceres e Guillermo Valles Galmés (Folha de S. Paulo)

 Enough is Enough!

Trinta anos depois do Acordo Marco de Madri, a União Europeia continua sem decidir se quer – ou pode – ser um sócio estratégico válido do MERCOSUL.
Jorio Dauster, Manuel María Cáceres e Guillermo Valles Galmés
Folha de S. Paulo, 20/12/2025

Exatamente trinta anos atrás, na Cúpula de Madri de 1995, a Comunidade Europeia e o MERCOSUR assinaram o Acordo Marco Interregional de Cooperação, inaugurando uma ambição inédita: construir uma associação estratégica birregional baseada no comércio, no diálogo político e na cooperação. Com grande pompa e profunda convicção, todos os Chefes de Estado acompanharam a cerimônia. Nós também lá estávamos e trabalhamos em Bruxelas nos anos seguintes.
A Europa representava à época cerca de 30% do PIB mundial e se projetava como sócio global. Hoje seu peso reduziu-se para algo como 14%. O MERCOSUL enxergava nesse vínculo uma via de inserção estável e previsível na economia internacional.
Mas não se trata apenas de que o mercado europeu seja hoje menor. O veto franco-italiano ao acordo não só frustra aquela promessa original de associação: ele a esvazia de conteúdo. Identificamos explicitamente esses dois países porque estiveram presentes em Madri. Não são sócios novos nem atores marginais: foram testemunhas e protagonistas de um compromisso que atualmente se vê frustrado por sua responsabilidade direta.
O que ocourreu não pode ser explicado por dificuldades técnicas nem por supostas incompatibilidades estruturais. Os textos foram negociados, revisados e concluídos. As concessões estiveram na mesa. O MERCOSUL aceitou até mesmo reduzir drasticamente seu acesso ao mercado europeu: a quota relativa à carne bovina ficou limitada a ínfimas 90.000 toneladas anuais (peso das carcaças). O equivalente a um hambúrguer por pessoa em um ano! Mesmo assim se argumenta que a identidade cultural da agricultura francesa estaria em perigo. Não é verdade. O que fracassou foi a política. E, em particular, a política europeia.
Como adverte o brilhante Informe Draghi de dezembro último, o problema europeu consiste na incapacidade de decidir. Uma Comissão que anuncia e Estados membros que vetam compõem uma União que regula em excesso, coordena pouco e executa mal. Nesse contexto, nenhum sócio externo pode levar a sério compromissos que a Europa não consegue sustentar nem mesmo internamente.
O próprio comissário europeu de Comércio, Maroš Šefčovič, admitiu poucos dias atrás no Financial Times que o acordo com o MERCOSUL é uma questão de “credibilidade e previsibilidade” para a União Europeia, exigindo uma “decisão estratégica”. O problema é que tal decisão nunca chega. Quando a Comissão reconhece o que está em jogo e os Estados membros continuam a bloquear, a falta de credibilidade deixa de ser um risco futuro para converter-se em um dado do presente. Como a triste realidade atual.
A União Europeia, antes defensora do livre comércio baseado em regras, passou a refugiar-se numa lógica defensiva, dominada por pressões internas e uma crescente incoerência entre discurso e ação. Em nome de padrões ambientais, sociais ou sanitários, apresentam exigências tardias e reinterpretações unilaterais que alteram o equilíbrio pactuado. Bruxelas preconiza padrões que ela própria não consegue cumprir.
A mensagem é preocupante. Num mundo marcado pela fragmentação e competição geopolítica, a União Europeia renuncia a consolidar uma aliança natural com uma região com a qual compartilha valores e história. Pior ainda: afeta negativamente sua credibilidade como ator capaz de fechar acordos complexos e honrar negociações prolongadas.
Os países do MERCOSUL podem manter sua paciência estratégica, porém não indefinidamente. Devem considerar os custos de oportunidade e olhar com mais decisão para a Ásia-Pacífico. No tocante à Europa, os custos são ainda maiores: sua incapacidade de transformar trinta anos de diálogo em um acordo efetivo debilita a própria ideia de associação estratégica.
Trinta anos depois de Madrid, a pergunta já não é por que razão fracassou este acordo, e sim o que diz tal fracasso acerca da vontade europeia de exercer uma liderança internacional quando essa liderança é mais necessária que nunca. É agora ou nunca.
Enough is Enough! Ou, para que se entenda bem em francês: Ça suffit !

Três vozes com experiência direta:
Jorio Dauster (Brasil): Ex-embaixador junto à União Europeia e negociador da dívida externa brasileira. Foi presidente do Instituto Brasileiro do Café e CEO da companhia de mineração VALE.
Manuel María Cáceres (Paraguai): Ex-vice-ministro de Relações Exteriores e ex-embaixador junto à União Europeia, Estados Unidos, OEA, Argentina e Brasil.
Guillermo Valles Galmés (Uruguai): Ex-vice-chanceler; embaixador na China, junto à União Europeia. OMC e Brasil; ex-diretor de Comércio da UNCTAD.

O “corolário Trump” à Doutrina Monroe - Paulo Roberto de Almeida (Revista Será?)

 A estratégia de Trump para o “quintal” do Hemisfério Ocidental

Trump

Trump

Donald Trump liberou, no final de novembro de 2025, a nova estratégia de segurança nacional dos Estados Unidos, apresentando-a, como é do seu estilo, em tom grandiloquente:

Nos últimos nove meses, trouxemos de volta nossa nação – e o mundo –, à beira da catástrofe e do desastre. Depois de quatro anos de fraqueza, de extremismo, de fracassos mortais, minha administração avançou com urgência e rapidez histórica para restaurar a força americana no país e no exterior, e trouxe paz e estabilidade ao nosso mundo [sic]. Nenhuma administração na história [sic bis] alcançou uma reviravolta tão dramática em tão pouco tempo. (disponível: https://www.whitehouse.gov/wp-content/uploads/2025/12/2025-National-Security-Strategy.pdf).

O corpo do texto não é menos altissonante em suas pretensões imperiais: nada é modesto nessa nova doutrina, trumpiana, de segurança nacional, inovando em relação a documentos similares anteriores. Os EUA já tiveram grandes estratégias no século XX. A primeira, desenhada ao início da Guerra Fria, em 1947, contou com aportes significativos de militares e de técnicos vinculados à segurança nacional, inclusive à diplomacia, como a “doutrina da contenção” (da União Soviética), sugerida pelo diplomata George Kennan. Depois acrescentaram algumas “teorias”, como a do dominó, que se revelou um desastre: levou ao “over stretch”, que impôs um excesso de extensão militar – no Vietnã, por exemplo –, bases completas por toda parte e compromissos inviáveis economicamente.

A quebra do padrão de Bretton Woods, em 1971, sinalizou a ruptura de um sistema que já era insustentável desde o final dos anos 1950. Mas, enquanto perdurou o dinamismo econômico e político, o poderio americano continuou a se expandir pela força de atração de sua economia e de um regime de liberdades inigualável no mundo, atraindo imigrantes de todos os tipos e cores, braços e cérebros de todas as partes. Uma consulta aos premiados do Nobel revela quantos estrangeiros, trabalhando em laboratórios americanos, o receberam.

Até que um descendente de imigrantes furiosamente xenófobo resolveu “corrigir” essa abertura, para ele indesejável, postura que recebeu enorme destaque na nova estratégia, como se o fechamento do império aos estrangeiros pudesse inverter seu declínio relativo, ou como se os imigrantes representassem qualquer ameaça à segurança nacional de um país que conta com inúmeros estrangeiros em áreas sensíveis das políticas de Estado.  Sua segunda preocupação se exerce em face do renascimento e fortalecimento de um velho império asiático, mas a China só quer exportar seus bens e serviços, não o “comunismo”.

Em lugar de definir uma estratégia de complementaridade com o gigante asiático, em prol de uma prosperidade comum, os paranoicos da nova estratégia preferiram adotar uma postura de enfrentamento em todos os continentes. A estrutura geográfica do documento começa pelo próprio Hemisfério Ocidental, no qual se perfila, ao Sul, uma América Latina pouco dinâmica, mas que aparece como um problema. A brutalidade da doutrina estratégica já se revela naprimeira frase da seção sobre o “Corolário Trump à Doutrina Monroe”:

Depois de anos de negligência, os Estados Unidos vão reafirmar e impor a Doutrina Monroe para restaurar a preeminência americana no Hemisfério Ocidental, para nossa pátria e o nosso acesso às geografias-chave em toda a região. (p. 15)

O fato de classificar a nova estratégia para o hemisfério como sendo um “Corolário Trump à doutrina Monroe” já revela a imensa ignorância de seus formuladores, que exibem uma prepotência em relação ao Hemisfério que há muito tempo não se via na política externa regional do Big Brother. Começa pelo fato de que a Doutrina Monroe original (1823), uma mensagem do presidente ao Congresso, não se destinava a estabelecer qualquer preeminência americana no Hemisfério, mas estava dirigida aos absolutismos europeus da Santa Aliança, em suas pretensões de recolonizar suas antigas colônias ibero-americanas.

O fato de identificar o “corolário Trump” à Doutrina Monroe não tem absolutamente nada a ver com a original, já que esse “corolário” foi uma leitura acintosamente imperialista, introduzida pelo presidente Theodore Roosevelt, o líder dos “Rough Riders”, os voluntários americanos envolvidos na revolução cubana de 1898 e contemporâneos da guerra hispano-americana do mesmo ano. Ele era vice-presidente de McKinley, assassinado em 1901, e queria legitimar novas intervenções dos Estados Unidos nas ilhas do Caribe e nos países da América Central. Esse primeiro Roosevelt, tio de Franklin, era um imperialista desabrido que recomendava: “fale macio, mas carregue um grande porrete”. Ele não inaugurou, mas expandiu desavergonhadamente a era imperialista dos Estados Unidos, também analisada criticamente por Oliveira Lima, jovem secretário da legação brasileira em Washington, nos anos 1890, em seu primeiro livro “internacional”: Nos Estados Unidos: impressões políticas e sociais (1899; eu o fiz republicar pelo Senado Federal 110 anos depois, em 2009).

Sua “emenda” justificava não apenas o direito, mas o dever dos EUA de intervir nos assuntos domésticos das nações do continente em todos os casos nos quais o próprio governo americano considerasse que havia um perigo iminente de revoltas políticas ou qualquer outro tipo de desordem. Até aquele momento eram os europeus que continuavam a interferir nos assuntos internos de países da região, como ainda o fizeram em 1902-1903, na Venezuela, quando o presidente Cipriano Castro repudiou a dívida externa e barcos da Grã-Bretanha, da Alemanha e da Itália impuseram um bloqueio naval contra o país. Castro, uma espécie de Chávez avant la lettre, confiava em que, pela doutrina Monroe, os Estados Unidos não permitiriam uma invasão militar europeia, mas Roosevelt entendeu que se deveria apenas objetar a uma possível ocupação territorial, e não a uma intervenção militar. O governo americano assistiu de forma complacente ao bombardeio de Maracaibo, com o que Castro acedeu a um processo de arbitragem. O “corolário Roosevelt” emergiu na sequência dessa intervenção. O assunto foi tratado na segunda conferência da paz da Haia (1907), quando o chanceler argentino José Maria Drago propôs a não cobrança pela força de dívidas soberanas, mas os próprios Estados Unidos propunham a doutrina Porter, recomendando arbitragem antes do uso da força. Rui Barbosa estava lá e transmitiu suas impressões a Rio Branco.

Nas duas décadas seguintes, a cada conferência interamericana, os latino-americanos insistiam no fim das intervenções, sem sucesso porém. Apenas em 1934, o sobrinho Franklin Roosevelt, eleito presidente no ano anterior, preocupado com novas incursões europeias no que já era considerado um “quintal americano”, consentiu em substituir o “corolário” do tio pela Good Neighbor Policy, ainda assim longe do panamericanismo multilateral e respeitoso da independência dos “vizinhos” defendido pelo Brasil e alguns outros países. Na era da OEA, as intervenções militares foram menos frequentes; ainda assim ficaram à disposição do irmão maior, cada vez que ele julgasse necessário ou urgente: Cuba em 1961, República Dominicana em 1965 (com a participação da ditadura militar brasileira), depois Panamá, Granada e outras interferências clandestinas nos assuntos internos dos “países turbulentos”.

Na continuidade do primeiro parágrafo “hemisférico”, a truculência possessiva, unilateral e brutal, prossegue em toda a sua petulância:

Nós vamos denegar a competidores não-hemisféricos a possibilidade de posicionar forças ou outras capacidades ameaçadoras, ou possuir ou controlar ativos estratégicos vitais, em nosso [sic] Hemisfério. Este ‘Corolário Trump’ à Doutrina Monroe é uma restauração potente e de senso comum do poder e das prioridades americanas, consistente com os interesses da segurança americana. (p. 15).

Seguem-se três páginas sobre os métodos a serem utilizados para tal finalidade: recrutar e expandir, ou seja, a pretensão de incorporar e de ampliar “sócios” e “aliados na região para alcançar seus objetivos, como se os agentes trumpistas pudessem determinar sozinhos e unilateralmente o curso dos eventos, da evolução política e da sua própria interação no resto do continente. O recrutamento se daria pela seleção de amigos “para controlar a migração, eliminar o fluxo de drogas e para reforçar a estabilidade e a segurança em terra e no mar” (p. 16). O restante da seção é dedicado às várias tarefas do “Enlist and Expand”, inclusive o recrutamento de “campeões regionais” e alguma expansão em novas presenças militares na região, com ativação de guarda costeira e naval para o controle das rotas marítimas, chegando até ao uso de “força letal” para compensar o insucesso na manutenção da lei e da ordem.

A nova estratégia está destinada ao fracasso, e não apenas no Hemisfério Ocidental. Mas, enquanto durar o poder dos ignorantes no império declinante, ela está provavelmente destinada a provocar maiores fracassos e desapontamentos, para os próprios EUA, para os vizinhos ao sul do Rio Grande e no resto do mundo. A razão pode ser explicada pela própria concepção míope do documento: ele não parece ter tido o cuidado de “recrutar e expandir” o número e a diversidade de seus formuladores, mas permaneceu restrito ao pequeno núcleo de seguidores, bajuladores, conversos e submissos ao chefe autoritário, apenas focados em apresentar suas fantasias numa terminologia grandiosa, aparentemente triunfante, mas completamente artificial na situação atual de disputa de poder com outro grande império.

Logo após a seção dedicada ao Hemisfério Ocidental, o documento foca na Ásia, de onde virão provavelmente os piores fracassos da “estratégia”, baseada numa nova doutrina de “contenção”, simplesmente inaplicável, absurda e equivocada. A Europa, genericamente, vem em seguida, com todo o desprezo que lhe devotam os trumpistas-raiz. Os “aliados europeus”, hoje desprezados, não vão protestar pelo tratamento, porque seria politicamente incorreto e muito pouco diplomático.

A Rússia praticamente não é mencionada, a não ser quanto à necessidade de restabelecer a “estabilidade estratégica” com o invasor da Ucrânia, já pensando, provavelmente, na “estabilidade” dos novos e lucrativos negócios. O suposto “adversário”, a China, tampouco vai reagir; ao contrário, ficará quieto. Afinal de contas, como recomendou Sun Tzu (500 a.C.), não se deve fazer nada quando o seu “inimigo” estiver fazendo bobagens. Raras vezes na história mundial um grande império teve o cuidado de documentar e de registrar o caminho do seu próprio declínio.


O retorno da Doutrina Monroe - Hubert Alquéres (Revista Será?)

 O retorno da Doutrina Monroe

Doutrina Monroe

Doutrina Monroe

A Estratégia de Segurança Nacional do governo Donald Trump, anunciada recentemente, representa a mais profunda inflexão da política externa americana desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Em suas 33 páginas, o documento enuncia de forma direta o que já vinha sendo percebido por analistas e diplomatas: o abandono explícito da ordem liberal internacional construída a partir de 1945. Pela primeira vez em oito décadas, Washington deixa de organizar sua política externa em torno de alianças multilaterais, previsibilidade institucional e distinções normativas entre democracias e autocracias.

Os valores que davam aos Estados Unidos o papel de guardião do mundo “livre e ocidental” são substituídos por um pragmatismo no qual se aceita a divisão do mundo entre esferas de influência das principais potências: Estados Unidos, China e Rússia. A Europa, que Donald Trump qualificou como decadente, perde relevância na estratégia trumpista, assim como o sistema de defesa do Atlântico Norte, a OTAN. Dessa maneira, Putin fica de mãos livres para avançar na Ucrânia e na Eurásia, e Xi Jinping, na Ásia e em regiões do Indo-Pacífico. É a lei dos mais fortes subjugando os demais. Nesse reordenamento mundial, manda quem pode e obedece quem tem juízo.

A comparação com Ronald Reagan ajuda a dimensionar a mudança. Reagan também exerceu liderança assertiva, pressionou aliados e adversários e defendeu interesses americanos com firmeza. Mas o fez dentro de uma lógica de fortalecimento das instituições internacionais e de consolidação da ordem liberal. O atual movimento, ao contrário, rompe com essa tradição ao substituir liderança por imposição circunstancial e previsibilidade por improviso.

A prioridade de Donald Trump é outra: sua própria área de influência, o “Hemisfério Ocidental”. Particularmente a América Latina, que seu Secretário, Pete Hegseth, chamou de “quintal” dos Estados Unidos.

A Doutrina Monroe, criada há 200 anos, ressurge das cinzas. Proclamada pelo presidente dos EUA James Monroe em 1823, declarava o continente americano fechado para novas colonizações europeias e proibia a intervenção europeia nos assuntos das nações americanas, sob o lema “América para os americanos”. Inicialmente defensiva, pretendia proteger as novas repúblicas da América Latina da recolonização, mas evoluiu para justificar o intervencionismo e a hegemonia dos EUA na região, tornando-se um símbolo do imperialismo americano.

O trecho mais emblemático do documento da nova estratégia não deixa margem a dúvidas: “Após anos de negligência, os Estados Unidos reafirmarão e farão cumprir a Doutrina Monroe para restaurar a preeminência americana no Hemisfério Ocidental e proteger nosso acesso a áreas-chave em toda a região.” Mais adiante, o texto explicita seu escopo: os EUA “negarão a concorrentes de fora a capacidade de posicionar forças ou controlar ativos estrategicamente vitais na região”. Não se trata de retórica vaga ou formulação diplomática ambígua. Trata-se de uma geopolítica que recoloca a América Latina no centro da estratégia de segurança dos Estados Unidos e restaura, de maneira aberta, a lógica das esferas de influência.

O embaixador Rubens Barbosa, em artigo publicado no Estado de São Paulo, foi direto ao afirmar que o documento “na prática, afirma que a região pertence à área de influência dos Estados Unidos”. Em outras palavras: não se trata apenas de uma mudança de tom, mas da institucionalização de uma visão de mundo que recoloca a América Latina no papel que ocupava durante a Guerra Fria: o de zona tutelada, sensível à presença militar, econômica e tecnológica de potências rivais.

É nesse contexto que a América Latina reaparece como prioridade. Sob o rótulo de “Hemisfério Ocidental”, o documento prevê maior presença naval, operações ampliadas contra cartéis, vigilância sobre minerais estratégicos (como lítio e terras raras) e monitoramento intensivo de cadeias críticas de suprimentos. Ou seja, áreas sensíveis para o futuro tecnológico e energético dos EUA. A região passa a ser vista não como plataforma indispensável para a segurança nacional, devendo ser protegida contra “interferências de potências externas”, em referência clara à China e, em menor grau, à Rússia.

Esse redesenho tem impactos profundos para o Brasil e seus vizinhos. A ascensão chinesa consolidou a presença de Pequim em portos, telecomunicações, energia e minérios; a Rússia mantém parcerias militares em vários países; o Irã constrói relações políticas e logísticas em territórios específicos. A nova estratégia americana sinaliza que tais movimentos não serão mais tolerados como parte do jogo diplomático corrente. O que antes era questão de comércio ou desenvolvimento passa a ser enquadrado como desafio à segurança nacional. O resultado provável é um aumento da pressão política, econômica e militar para limitar a inserção de potências externas na região — processo que tende a gerar atritos crescentes com governos que buscam maior autonomia na política externa.

Nesse quadro, o retorno da Doutrina Monroe pode representar uma ameaça direta à soberania nacional dos países latino-americanos. Não apenas no caso da Venezuela, que corre o risco de uma ação militar direta, mas também do Brasil. No nosso caso, possuímos a segunda maior reserva mundial de terras raras e atraímos vultosos investimentos chineses em tecnologia, energia, portos e 5G. Ou seja, a disputa por cadeias produtivas críticas nos coloca no centro da geopolítica americana.

Esse retorno ao paradigma das esferas de influência tem duas implicações centrais. A primeira é global: a ordem liberal surgida em 1945 está sendo substituída por uma ordem de contenção e rivalidades, na qual grandes potências delimitam zonas de interesse exclusivas. A segunda é regional: a América Latina volta a ser tratada como extensão da segurança americana. O desafio para os países latino-americanos será preservar margens de autonomia neste cenário.

A geopolítica voltou, e voltou com o vocabulário do século XIX. Por isso mesmo, fazem todo sentido as palavras do ex-ministro do STF Celso de Mello, ao qualificar a nova política de Trump como uma arrogância imperial: “Trata-se, a um só tempo, de gesto anacrônico, de vocação hegemônica e de grave retrocesso histórico, pois reedita fórmulas obsoletas que o Direito Internacional e a consciência democrática das nações há muito repudiaram”.

Diante dessa nova realidade, caberá aos governos latino-americanos articular estratégias capazes de proteger seus interesses sem provocar confrontos diretos com a potência hegemônica do hemisfério.

O retorno da Doutrina Monroe, sob essa forma pragmática e desinstitucionalizada, não significa necessariamente um retorno ao passado, mas aponta para um futuro mais áspero. Um mundo em que regras cedem lugar a relações de força, e em que países médios precisam navegar com cautela entre interesses conflitantes.

O desafio brasileiro será preservar espaços de soberania e decisão num ambiente internacional cada vez menos tolerante à ambiguidade.

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Hubert Alquéres é presidente da Academia Paulista de Educação.

O destino do Brasil? Uma tartaruga? - Paulo Roberto de Almeida

O destino do Brasil? Uma tartaruga?

Paulo Roberto de Almeida

Nota sobre os desafios políticos ao desenvolvimento do Brasil

Esse “destino” é o de avançar muito lentamente, a menos de uma mudança cultural e educacional integradora de sua população mais humilde.

O principal problema do Brasil é o de uma classe política (uma casta aberta a todos os oportunistas) predatória, focada em seus ganhos exclusivos, dedicada a se manter no populismo de baixo clero, mantido e alimentado pelos fundos Partidário e Eleitoral (que deveriam ser eliminados) e pelo estupro orçamentário das emendas parlamentares concebidas justamente para abastecer a casta predatória de politicos mediocres.

O esforço da população deveria a partir de agora dirigir-se à eliminação desses três focos de corrupção e de desperdicio de recursos públicos.

Isso não será fácil, pois depende de uma mudança radical na consciência politica da população, o que só advirá com uma educação de qualidade.

Estimo que tais mudanças para melhor podem durar cerca de três gerações, mas apenas se a oligarquização da politica pela casta predatória e corrupta atualmente no poder real (o Parlamento) começar a ser contida por melhorias reais nas percepções políticas da maioria da população, o que só pode vir de uma melhor educação nas camadas mais humildes do povo. Esse é um processo que pode tomar mais de duas gerações.

Mas não é preciso aguardar tão longe; melhorias incrementais podem ser obtidas a médio prazo.

Partidos políticos são entidades de direito privado e não podem ser finsnciados com recursos públicos, assim como sindicatos setoriais ou centrais sindicais não podem ser abastecidos com recursos coletados via impostos diretos ou indiretos.

Da mesma forma, Fundo Eleitoral não pode existir como auto-atribuição de politicos eleitos: tem de ser extinto totalmente.

Finalmente, a prática predatória e corrupta das emendas parlamentares compulsórias deve ser eliminada em quaisquer de suas formas, pois são canais diretos de corrupção e de destruição de qualquer politica racional de investimentos, tornando cada parlamentar (deputados ou senadores) em vereadores federais. Elas devem ser eliminadas, retomando-se a prática anual do ordenamento de despesas segundo prioridades nacionais estabelecidas no orçamento plurianual e nas diretrizes orçamentárias anuais.

A nação tem três prioridades, se quiser avançar além da assistência pública estatal, que, em suas diversas modalidades, atinge atualmente cerca de 1/3 da população.

Nenhum país cresceu e se desenvolveu à base da assistência pública. O progresso só pode vir de uma economia de livres mercados, com base numa educação básica e técnico-profissional de alta qualidade (o que está longe de existir no Brasil atual), com uma base produtiva integrada aos mercados mundiais, comércio liberal e receptividade aos investimentos diretos estrangeiros.

Mas tudo depende de uma boa governança, hoje impossível pela dominação da politica de uma casta predatória, que deriva seu poder dos três mecanismos expropriatórios já descritos: os dois fundos ilegítimos e o estupro orçamentário das emendas. 

Paulo Roberto Almeida

Brasília, 20/12/2025


Alternâncias e conformismo: política externa e diplomacia do Brasil - Paulo Roberto de Almeida

 Alternâncias e conformismo na diplomacia brasileira

Paulo Roberto de Almeida

Em democracias vibrantes, com alternância de poder, a política externa pode ter tonalidades diferentes entre um governo e outro.

Diplomacias assertivas podem assegurar certa continuidade das políticas, desde que baseadas numa concepção coerente dos interesses nacionais com certa fidelidade doutrinal a princípios e valores consensuais na sociedade. 

Mas a diplomacia pode também ser conformista, ao aceitar qualquer nova orientação sem o necessário estudo e uma adequada fundamentação naqueles princípios e valores e no consenso com respeito aos interesses nacionais pensados pelo corpo diplomático permanente. Submissão disciplinada não é exatamente a postura de um corpo diplomático orgulhoso de sua identidade com a validação democrática de novas orientações em política externa.

Não creio que hierarquia e disciplina possam ser principios válidos para o exercício responsável de uma diplomacia assertiva.

Paulo Roberto Almeida

Brasília, 20/12/2025


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