terça-feira, 8 de março de 2011

Sun Tzu para diplomatas: meu artigo no Mundorama

Mundorama publicou meu artigo -- o primeiro de uma nova série, espero -- que adapta alguns ensinamentos do mestre chinês da estratégia para fins mais pacíficos. Só esqueceram, por enquanto, de colocar as três notas iniciais, que transcrevo ao final.
Nota: esta versão corrige pequenos erros de digitação que estão presentes na versão publicada em Mundorama.

Formação de uma estratégia diplomática:
Relendo Sun Tzu para fins menos belicosos
Paulo Roberto de Almeida
07/03/2011
Resumo: Releitura introdutória do clássico Arte da Guerra, de Sun Tzu, adaptando seus argumentos para o objetivo de formulação de uma estratégia diplomática, necessariamente distinta da concepção militar que presidiu à sua elaboração.
Palavras-chave: Sun Tzu. Arte da Guerra. Estratégia diplomática.

Os argumentos constantes do presente ensaio analítico se inserem num conjunto de trabalhos – já feitos ou em preparação – que podem ser enfeixados na categoria dos “clássicos revisitados”, entre os quais um Manifesto Comunista adaptado a estes tempos de globalização,[1] e um Moderno Príncipe,[2] que pretende aproveitar os conceitos do florentino para a política atual. Da mesma forma, pode-se reler Sun Tzu e aproveitar os ensinamentos contidos na Arte da Guerra[3] para uma reflexão de caráter conceitual sobre a estratégia diplomática – referida simplesmente como ED – no contexto das relações internacionais contemporâneas. A esse título, não se trata de refazer, obviamente, uma “arte da guerra para diplomatas”, e sim tão somente de tecer considerações sobre uma (e não a) estratégia diplomática, com base nos argumentos basicamente filosóficos – e, claro, muitas regras práticas – presumivelmente redigidos pelo conhecido mestre chinês, legitimamente considerado o “pai da estratégia” (no seu caso, militar).

Da diplomacia como um instrumento do Estado
A diplomacia é de vital importância para o Estado. Talvez não tão crucial quanto a defesa do Estado por suas forças armadas, pois destas depende a própria sobrevivência física do Estado. Este pode, teoricamente, sobreviver sem manter intensas relações internacionais, ou sem exercer uma diplomacia ativa. Mas ele dificilmente teria vida longa, ou conseguiria preservar seus interesses vitais, sem uma capacitação adequada em matéria de instrumentos defensivos (que são, igualmente, mecanismos ofensivos, credíveis, tanto para a dissuasão quanto para o ataque).
A diplomacia é, todavia, crescentemente relevante não apenas para a defesa dos interesses fundamentais de um Estado, mas, sobretudo, para se alcançar os objetivos nacionais relevantes de uma nação no contexto contemporâneo, partindo do pressuposto que a sociedade humana e a comunidade das nações se afastam, cada vez mais, do direito da força para aderir à força do direito. O mundo contemporâneo abandonou, progressivamente, os esquemas restritos dos arranjos interimperiais – embora a última instância da política internacional permaneça com as grandes potências – para adentrar no multilateralismo dos esquemas de segurança coletiva consolidados nos instrumentos onusianos. Da diplomacia depende – paralelamente ao exercício potencial do poder militar – a preservação de um ambiente de paz e de estabilidade, tanto quanto de cooperação nos planos bilateral, regional ou multilateral a que aspira todo Estado que privilegia a solução de controvérsias pela via das negociações. Esta é uma condição essencial, hoje indispensável, para o crescimento econômico sustentado, os avanços tecnológicos, o progresso social, a preservação do meio ambiente, enfim, para a prosperidade comum.
Adaptando nossa releitura de Sun Tzu ao contexto diplomático, poderíamos dizer que a arte da diplomacia implica cinco fatores principais, que devem ser objeto de nossa contínua reflexão, com vistas a aperfeiçoá-los e incorporá-los cada vez mais às nossas práticas de servidores do Estado no campo da política externa. Estes cinco fatores são: a doutrina, a interação entre a conjuntura e a estrutura, os condicionantes econômicos e geopolíticos da ação diplomática, o comando e a disciplina. A partir desses cinco fatores é possível elaborar uma “estratégia diplomática”, que será objeto da segunda seção deste ensaio introdutório.

A doutrina tem a ver com a concepção mesma da diplomacia, a sua razão de ser. Ela diz respeito aos princípios inspiradores da diplomacia, aos valores que fundamentam a sua ação, às diretrizes que guiam essa ação na prática. Ela também se refere a uma noção clara dos interesses nacionais e aos instrumentos indispensáveis à implementação dos objetivos fundamentais do Estado, cujo pressuposto elementar é, obviamente, o ato de dispor de uma doutrina básica para sua atuação política – sem esquecer uma estratégia militar – no cenário diplomático internacional.
A interação entre a conjuntura e a estrutura pode ser vista como o equivalente funcional daquilo que Sun Tzu chamava de tempo. Essa interação supõe a combinação da sincronia e da diacronia – ou seja, o momento presente e a flecha do tempo –, que constituem os dois vetores de atuação diplomática ao longo de um determinado período. Toda diplomacia lida com o aqui e o agora, mas ela o faz tendo em vista as consequências futuras das ações adotadas na presente conjuntura e levando em consideração a herança recebida do passado recente, que imprime sua marca sobre a mente dos diplomatas e determina, em grande medida, a forma como eles vão agir no presente.
Os condicionantes econômicos e geopolíticos representam o fator que Sun Tzu chamava de espaço, isto é, o ambiente concreto no qual devem se movimentar os “exércitos” diplomáticos, em busca da materialização dos objetivos nacionais.
O comando atende aos mesmos critérios estabelecidos pelo mestre chinês da arte da guerra para esse conceito. Ele tem a ver com a capacidade exibida pelas lideranças diplomáticas – o estadista, o chanceler, os altos responsáveis pela formulação da doutrina e pela definição das principais diretrizes diplomáticas – de indicar claramente aos membros da comunidade diplomática nacional quais são os objetivos pelos quais eles devem se bater.
Sun Tzu considerava que o comando deveria ter as seguintes qualidades: sabedoria, sinceridade, benevolência, coragem e disciplina. Dessas cinco qualidades, a primeira é certamente necessária ao comandante, assim como a quarta, embora esta deva pertencer mais ao comandante militar do que propriamente ao chefe da diplomacia. Maquiavel certamente descartaria a segunda e a terceira, ou seja, a sinceridade e a benevolência, embora considerasse esta última como um recurso a que o condotier poderia apelar quando estivesse em situação de força, justamente. Quanto à ultima, deve ser considerada mais como uma variante do rigor consigo mesmo do que o exercício da disciplina “contra” seus próprios subordinados, que é o objeto do último fator da arte da diplomacia.
A disciplina, no plano da diplomacia, tem a ver com organização e métodos, ou seja, a construção de uma ferramenta burocrática que seja, ao mesmo tempo, eficiente e inovadora, prudente e ousada, preparada no plano da informação e do conhecimento e apta a seguir instruções de forma ordenada e coerente, atuando como uma agência homogênea e uniforme. Isto é possível quando o estamento burocrático-diplomático possui processos de socialização e de construção de um pensamento relativamente unificado e convergente.
Com base nesses cinco fatores, as autoridades diplomáticas de um Estado podem planejar seus objetivos externos – a que chamaremos de “estratégia diplomática – a partir de um conjunto adicional de fatores instrumentais que têm a ver, essencialmente, com a implementação prática desses objetivos, quaisquer que sejam eles. Entre esses fatores figuram os seguintes: a capacidade dos dirigentes diplomáticos em formular metas realistas e adequadas para a mobilização efetiva do estamento profissional diplomático; a avaliação correta dos limites e possibilidades oferecidas pelo sistema internacional para que aqueles objetivos possam ser alcançados; o uso eficiente de todos os mecanismos e instrumentos do sistema internacional – instituições formais, grupos informais, coalizões temporárias de interesse, combinação de iniciativas bilaterais, coordenação regional e exploração dos canais multilaterais – segundo a natureza de algum objetivo específico; coordenação interna das agencias públicas que detêm alguma interface internacional e instruções claras aos agentes diplomáticos nas diversas frentes negociadoras para se alcançar eficácia máxima nas iniciativas diplomáticas desse Estado.
Mesmo sob condições democráticas e, portanto, transparentes, a eficiência e a eficácia na ação diplomática de um Estado dependem, em parte, do tratamento discreto que possa atribuir a determinados temas de seu interesse crucial na frente externa. Toda negociação diplomática é, por definição, uma barganha entre interesses por vezes convergentes, mas em certa medida contraditórios, quando não divergentes ou opostos (na medida em que todo e qualquer acordo sempre implica em custos políticos e econômicos, a começar pela perda relativa de soberania, o que se deve limitar o máximo possível). Daí a necessidade de se encaminhar um determinado tema com base em argumentos de utilidade geral e de benefício recíproco que podem oferecer a base para um entendimento mais próximo dos interesses nacionais.
Esta questão implica também que o trabalho de avaliação deve envolver não apenas os interesses próprios do Estado em questão, mas igualmente os interesses do Estado, ou dos Estados com os quais se negocia, de maneira a permitir as acomodações necessárias. Dito isto, caberia, portanto, passar aos argumentos principais, que têm a ver com a elaboração e a implementação de uma estratégia diplomática (ED).

Da estratégia diplomática como uma das artes especializadas do Estado
Analogamente ao seu equivalente militar, mas nisso talvez destoando um pouco de Sun Tzu, poderíamos dizer que a ED consiste na mobilização de instrumentos políticos, econômicos e militares – ponderados com base numa avaliação comparada e em análises conceituais e factuais sobre as intenções dos demais participantes do jogo diplomático – com vistas à consecução de objetivos nacionais bem definidos, mas sem o recurso à, ou a ameaça do uso da, força militar ou à guerra. Nesse sentido, a ED se opõe à, ou se distingue da, estratégia militar, que pressupõe, de sua parte, o uso ou a ameaça de uso da força bruta, segundo linhas que já foram suficientemente discutidas ao longo da história, desde Sun Tzu até os modernos estrategistas militares, passando por Clausewitz, Henry Kissinger ou Raymond Aron.
No plano puramente conceitual, a formulação de uma ED implica a análise dos fatores contingentes, de obstáculos conjunturais e de barreiras de caráter estrutural que dificultam – em alguns casos até obstaculizam – o atingimento dos objetivos nacionais, tais como definidos pelos estrategistas de um determinado Estado, uma comunidade variada que pode envolver desde estadistas até burocratas do planejamento governamental, passando por representantes da cidadania e consultores independentes (membros da academia, especialistas setoriais, etc.). No plano operacional, a ED pressupõe a mobilização de todos os instrumentos à disposição desse Estado para o atingimento daqueles objetivos, o que implica o uso dos meios propriamente diplomáticos, mas também o apoio das forças armadas e da comunidade econômica do país.
Todo Estado moderno, atuante, inserido na sociedade internacional, normalmente dotado de órgãos executivos e de planejamento, possui ou deveria possuir uma ED. Não se deve, evidentemente, superestimar uma ED: não se trata de algo fixo ou rígido, estruturalmente determinado; mas de uma concepção determinada por fatores conjunturais e até contingentes, concomitante às iniciativas dos Estados e às ações humanas.
Uma ED realista e flexível deve submeter-se, desde logo, a constantes revisões, tantos são os fatores de mudança conjuntural e as alterações no cenário político internacional que influenciam ou impactam os objetivos nacionais de um Estado. Ela deve estar, portanto, sujeita a avaliações regulares por parte de um staff especialmente preparado para essa finalidade e dedicado funcionalmente a esse tipo de tarefa. Não conviria, aliás, que o órgão encarregado da elaboração de uma ED fosse exclusivo e excludente, ou seja, trabalhando unicamente em torno da ED, e sim que ele seja aberto a insumos externos e à colaboração de especialistas e consultores alheios ao próprio órgão, de forma a manter uma atmosfera aberta e inovadora, permitindo até revisões radicais da “velha” ED (ou seja, indo temporariamente num sentido contrário à “razão de Estado”).

Uma ED, ainda que elaborada por um governo determinado, não é, ou não deveria ser, uma concepção e uma ação de um governo, e sim uma iniciativa e uma postura de Estado, ou seja, interessando antes à Nação do que aos partidos e personalidades ocupando temporariamente o poder. Como atividade típica de Estado, a ED deve estar sujeita ao escrutínio de todas as forças, movimentos e grupos de opinião representativos da Nação, ser objeto de discussão e de avaliação quanto a seus fundamentos concretos, seus instrumentos operacionais, seus objetivos explícitos e suas metas implícitas. Normalmente é isso que ocorre em sistemas democráticos, tanto mais intensamente quanto mais abertos e transparentes são os elementos centrais que definem e ajudam a implementar uma ED.
Os processos de concepção, elaboração e de revisão da ED se dão no corpo do Estado, envolvendo as agências voltadas para as relações exteriores, os órgãos de defesa e o governo central, ademais das instâncias dedicadas precipuamente ao planejamento de políticas e de análises aplicadas; eles passam pelo parlamento e alcançam a sociedade, por meio da opinião pública, devidamente informada pelos órgãos de informação.

O planejamento de uma ED implica, antes de qualquer outra ação, tratar dos meios próprios a uma organização diplomática: de nada serve ter uma ED sem a ferramenta que a implementará. Estamos falando aqui de funcionários, equipamentos, recursos, organização, enfim, todos os meios com os quais todo e qualquer Estado leva sua ED da fase de concepção à de aplicação no terreno. Na diplomacia, como na guerra, nada existe estaticamente, ou de forma puramente passiva, mas, sim, compõe-se de interações dinâmicas; os meios precisam ser sempre mantidos, aperfeiçoados, substituídos, instruídos e monitorados.
Diferentemente da guerra, porém, não é preciso ter um planejamento logístico destinado a concentrar forças e operações ofensivas num espaço de tempo delimitado e num terreno previamente estudado. Em outros termos, as ações diplomáticas não necessitam de uma “concentração de fogo” para se lograr alguma vantagem decisiva no calor da batalha. A dinâmica diplomática é mais cumulativa, do que “destrutiva”, e as operações podem ser delongadas em função de uma avaliação contínua e mutável das condições do “terreno”, em função da interação com o “adversário”, que, no ambiente diplomático, não significa uma atitude de confrontação como na guerra e nas demais operações militares. A ED é bem mais intangível do que a EM, baseada no planejamento, certamente, mas em última instância na força bruta.
Diferente da guerra, também, a conduta diplomática se baseia menos em meios materiais, ou equipamentos “pesados”, e mais em negociações diretas, quase pessoais, entre os atores. Não se trata de “aniquilar” o inimigo, mas sim de convencer e compor com um parceiro, mais que um adversário. A guerra desgasta, se mantida durante muito tempo, ao passo que a diplomacia avança com a composição de interesses. A “logística” da diplomacia possui uma lógica própria, baseada – aliás, como no caso das operações militares – na presença sobre o “terreno” e na interação constante com o “adversário”; diferentemente, porém, não se trata de vencê-lo, mas de compor com ele um novo terreno de interações e de cooperação.
Essa presença tem um “preço”, que é o custo da manutenção de representantes diretos – os “agentes avançados” dos serviços de inteligência militar – e do envio de missões temporárias e permanentes, assim como o engajamento pleno em negociações em nível bilateral, regional ou multilateral. Esse preço pode ser o equivalente funcional da manutenção, bastante custosa no âmbito militar, de equipamentos pesados que se destinam, na verdade, a não serem usados, mas que servem basicamente para dissuasão. No caso da diplomacia, a “dissuasão” é na verdade o diálogo e o entendimento, se possível no mais alto nível (mas de ordinário mantida pelo representante permanente, normalmente chamado de embaixador).
A condução da diplomacia será, evidentemente, diferente, segundo o Estado ostenta um regime político centralizado ou unitário, próximo do autoritarismo, ou se esse Estado exibe características claras de descentralização, com dispersão relativa dos centros de poder e participação de vários atores políticos e sociais. O Estado do mestre chinês da arte da guerra, não obstante a descontinuidade ocasional trazida por uma sucessão extraordinária de dinastias, invasões e de reconstruções sucessivas do sistema político, exibiu notável continuidade na centralização imperial, no limite do despotismo “hidráulico”. Nesse tipo de regime, a condução da diplomacia obedece, simplesmente, a vontade do soberano, com alguma participação dos cortesãos e membros do aparato estatal restrito (antigos mandarins, modernos aparatchiks).

A condução da diplomacia nas modernas condições democráticas se faz sob forte pressão de forças sociais suscetíveis de expressar posições distintas e de influenciar o processo de tomada de decisão no plano externo. A despeito da legitimidade que possam exibir essas demandas, seria conveniente que o Estado, em especial seu aparelho diplomático, preservasse sua latitude de ação e ampla margem de opções, de maneira a escolher as melhores vias – que envolvem alianças ocasionais, coordenações formais e até iniciativas individuais – para alcançar os objetivos nacionais desse Estado. Pode-se inclusive conceber certa autonomia de iniciativa e de ações atribuída ao negociador principal, da mesma forma como se concede pleno poder de comando ao general em seu campo de batalha. Em momentos decisivos, essa autonomia deve ser plena, já que a autoridade responsável pelo sucesso (ou fracasso) de uma negociação ou iniciativa diplomática é o próprio agente no terreno, não o soberano em sua capital distante.
Em todas essas questões, Sun Tzu tem muito a ensinar aos diplomatas profissionais (e até aos iniciantes).

Brasília, 5 março 2011.

Notas:
[1] Ver Paulo Roberto de Almeida, Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização (São Paulo: Juarez Oliveira, 1999).

[2] Cf. Paulo Roberto de Almeida, O Moderno Príncipe: Maquiavel revisitado (Brasília: Senado Federal, 2010).

[3] O clássico de Sun Tzu pode ser encontrado facilmente na internet, numa infinidade de edições eletrônicas, em várias línguas e nas mais diferentes traduções e adaptações para o Português, voltadas tanto para o contexto militar quanto para o mundo dos negócios.

Paulo Roberto de Almeida é Doutor em ciências sociais pela Universidade de Bruxelas (1984); diplomata de carreira do serviço exterior brasileiro desde 1977; professor de Economia Política Internacional no Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário de Brasilia – Uniceub; autor de diversos livros de história diplomática e de relações internacionais (www.pralmeida.org – pralmeida@mac.com).

Reflexões ao Léu, 5: Livros e leituras... - Paulo Roberto de Almeida

Reflexões ao Léu, 5: Livros e leituras...
Paulo Roberto de Almeida

Quantos livros já fui, estou sendo, serei capaz de ler nesta minha curta vida de leitor desorganizado? Devo confessar que comecei tarde, apenas aos sete anos, e perdi algum tempo de minhas ecléticas leituras da atualidade concentrado demais no marxismo-leninismo. Que fazer? Já fui guevarista, marxista-leninista, social-democrata radical, antes de virar este anarquista literário que me parece bem...
Mas, voltemos: quantos livros eu poderei computar em minha contabilidade de leituras responsáveis? Sinceramente não sei, e sempre me indago sobre se é possível um balanço desse tipo, tantos são os livros que lemos de relance, que começamos e deixamos, que largamos no meio do caminho por desinteresse, que perdemos, que nos roubam (ah, esses amigos infiéis!), que tropeçamos neles numa biblioteca ou livraria...

Segundo cálculos que nos oferece meu amigo o embaixador Francisco Seixas da Costa, atualmente em Paris depois de ter passado por Brasília, a conta é limitada: talvez pouco mais de seis mil livros. Sacrebleu! Só isso?
Escreve ele num dos posts de seu saborosíssimo blog Duas ou três coisas...:

“... se alguém, entre os 15 e os 75 anos (as idades são flexíveis, mas trata-se de uma média de 60 anos de leitura), tiver lido, com regularidade, dois livros por semana, sabem quantos livros leria no final? 6.240 livros!”
Um outro especialista consultado por ele, calculava que “o número máximo real não pode mesmo passar dos cinco mil livros lidos, em toda uma vida. E, para isso, teria de ser um excelente e regular leitor.”
(“Os Livros e as Vidas”, 4/03/2011)

Extremamente preocupantes esses cálculos, pois isto significa que eu estarei deixando de fora pelo menos outros cinco ou seis mil livros, que estão esperando seja em minha biblioteca particular, seja naquelas que frequento mais assiduamente, ou nas livrarias e casas de amigos (sim, de vez em quando aproveito uma visita para remexer em bibliotecas alheias).
Que tragédia! Quantos livros eu deixarei de ler, quanta coisa perdida para sempre?! (Nessas horas eu tendo a me aproximar da teoria da reencarnação, desde que algum ente supremo da mesma “seita” me garantisse que eu voltaria como bibliotecário, do contrário estaria sumariamente demitido.)
Calculo, por cima, que para terminar os livros da minha biblioteca e os que passeiam por aí, interessantes, eu necessitarei ainda de uns 15 ou 20 anos, isso se ler dois ou três por semana, como recomendaria o embaixador e seu amigo leitor.

Bem, talvez não fosse exagerado, mas isso me lembra uma historieta com Winston Churchill, quando lhe perguntaram sobre as razões de seu sucesso.
“Conservação de energia”, disse ele. “Nunca fique de pé, quando puder ficar sentado. E nunca fique sentado quando puder ficar deitado”.

Acho que Churchill tinha razão: vou logo deitar na rede e retomar os quatro ou cinco livros que tenho espalhados pela casa...

Brasília, 8 de Março de 2011

A frase da semana: Machado de Assis

O que se deve exigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço.

Machado de Assis, em "Instinto de nacionalidade" (1873)
transcrito por John Gledson, "Prefácio" a:

Machado de Assis:
Papéis Avulsos
(São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011), p. 7-34, cf. p. 10

segunda-feira, 7 de março de 2011

Um samba chines na economia -- nada mais previsivel

Quando um país deixa de ser competitivo, até suas festas nacionais são "out-sourced", como diriam os economistas...

Carnaval brasileiro é 'made in China', diz 'Financial Times'
BBC, 07 de março de 2011

Jonal diz que mercadorias baratas importadas do país asiático dominam mercado de fantasias do Brasil - Produtos baratos da China inundam carnaval brasileiro

Uma reportagem do jornal britânico Financial Times afirma nesta segunda-feira que o carnaval no Brasil é "made in China". A reportagem mostra a importância que os produtos chineses ganharam na cadeia produtiva carnavalesca brasileira. Segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), 80% das fantasias vendidas para o Carnaval são importadas do país asiático.

"Importações baratas da China inundaram o país latino-americano nos últimos anos, em parte como resultado da rápida apreciação da moeda, causando interrupções em diversas partes da economia e colocando um dos maiores dilemas políticos para a nova presidente, Dilma Rousseff", afirma a reportagem. "Agora até mesmo o famoso Carnaval, a festa de quatro dias que termina na terça-feira, é made in China", diz.

O presidente da Abit, Jonatan Schmidt, disse à repórter do FT que "há quinze anos, tudo era diferente - tudo era brasileiro".

Uma lojista ouvida pela reportagem do diário financeiro conta que importa mercadorias da China a preços 40% abaixo dos praticados por companhias brasileiras. Com o real mais forte, a loja, que em 2005 importava 30% do seu estoque, hoje importa 60%.

"Não é só a taxa de câmbio", diz a comerciante. "Há carência de novos equipamentos e investimentos no setor têxtil. A demanda é tão forte agora que a indústria não consegue suprir."

Citando economistas, o jornal diz que os esforços do país para combater a apreciação do real são ineficientes e que "a única solução real, não apenas para a indústria têxtil mas para a indústria em geral, é melhorar a qualificação, investir em maquinário e desenvolver a infraestrutura".

A reportagem sugere que o Carnaval, se continua em espírito sendo uma festa brasileira, é em termos econômicos uma festa dos importados. "Apesar dos esforços da estatal petroleira Petrobras para expandir a sua própria produção de poliéster no Nordeste, é improvável que o Carnaval seja made in Brazil no futuro próximo."

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Espionar o G20?: muito barulho por nada..., ou quase nada...

Much Ado Abouth Nothing, diria Shakespeare.
Eu diria, quase nada...
Pois os piratas (provavelmente chineses) que invadiram computadores no Ministério das Finanças da França, encarregado dos preparativos da última reunião ministerial do G20, estavam provavelmente interessados em saber o que os membros desse grupo informal de "coordenação" poderiam fazer em relação às manipulações cambiais da China, contra os interesses econômicos de seus parceiros no grupo.
Chineses são especialistas nisso.
Destaco os trechos pertinentes da matéria:

M. Baroin a assuré que seules les informations autour de l'organisation du G20 "intéressaient les hackers". Une plainte contre X a été déposée par Bercy. La Direction centrale du renseignement extérieur a été saisie. (...)
L'Anssi a procédé à de nombreuses vérifications dans l'ensemble des services de l'Etat concernés par le G20 afin de s'assurer que l'attaque ne s'était pas propagée au-delà de Bercy.


Parece que estão superestimando a capacidade do G20 na economia mundial...
Paulo Roberto de Almeida

Bercy victime d'une vaste opération de piratage informatique
Le Monde, 07.03.11

Le ministère des finances a été l'objet d'une intrusion informatique d'ampleur pendant plusieurs mois.

Il s'agirait de la plus importante attaque informatique jamais menée contre l'Etat français. Selon des informations diffusées lundi 7 mars sur le site Internet du magazine Paris-Match, et confirmées dans la matinée par Bercy, le ministère de l'économie et des finances a été l'objet d'un piratage sans précédent. Selon une source "proche du dossier" citée par le magazine, la direction du Trésor aurait été la principale cible des "hackers" entre le mois de décembre et ce week-end.

LA PISTE CHINOISE ÉVOQUÉE
François Baroin a confirmé ces informations lundi matin sur Europe 1, tout en soulignant qu'une vaste opération de maintenance avait été menée ce week-end sur le réseau informatique du ministère. Il a également ajouté que la France avait "des pistes" sur l'identité des pirates, sans plus de précision. Il pourrait s'agir de "professionnels déterminés et organisés", selon Patrick Pailloux, directeur général de l'Agence nationale de la sécurité des systèmes d'information (Anssi), au vu de la préparation minutieuse, du mode opératoire sophistiqué et des moyens importants engagés par les hackers.

Paris-Match évoque quant à lui la piste chinoise. Mais Patrick Pailloux se montre très prudent. Comme dans toutes ces affaires de cyberattaques, "de très nombreux ordinateurs ont servi de relais à l'insu de leurs propriétaires à travers le monde" et il sera très difficile de remonter la piste.

M. Baroin a assuré que seules les informations autour de l'organisation du G20 "intéressaient les hackers". Une plainte contre X a été déposée par Bercy. La Direction centrale du renseignement extérieur a été saisie.

CENT CINQUANTE ORDINATEURS ATTAQUÉS
Au total, plus de cent cinquante ordinateurs du ministère ont été infiltrés et de nombreux documents piratés. La méthode des espions est classique : à partir d'une adresse e-mail piratée, le "hacker" prend le contrôle de l'ordinateur de sa cible grâce à un cheval de Troie, en l'occurrence une pièce jointe. Chacun de ses correspondants au sein de l'administration peut à son tour être infiltré, selon le site de l'hebdomadaire.

L'Anssi a procédé à de nombreuses vérifications dans l'ensemble des services de l'Etat concernés par le G20 afin de s'assurer que l'attaque ne s'était pas propagée au-delà de Bercy. D'autres tentatives d'attaques ont été repérées mais elles auraient échoué. "A ma connaissance, seul Bercy a été touché", estime Patrick Pailloux, directeur général de l'Anssi, cité par Paris-Match. Il faudra néanmoins plusieurs semaines aux autorités pour identifier les 150 fonctionnaires ciblés par les espions et sécuriser le système informatique.

DES MOYENS "PAS À LA HAUTEUR DES ENJEUX"

Le député UMP Bernard Carayon, auteur de plusieurs rapports sur les questions d'intelligence économique, a estimé dans un communiqué que cette affaire "souligne la vulnérabilité des systèmes d'information publics". Selon lui, "les moyens français ne sont pas à la hauteur des enjeux : l'Agence nationale de la sécurité des systèmes d'information ne dispose que d'une trentaine d'ingénieurs pour exercer sa mission".

Il préconise, lui, "un audit immédiat des systèmes d'information des administrations publiques" et la création d'un organisme permettant de développer la recherche dans ce domaine. Il prône aussi de rapprocher les entreprises afin de créer "une offre industrielle de confiance, française ou européenne, pour préserver notre indépendance, en s'appuyant sur l'Agence européenne pour la sécurité des réseaux et de l'information".

WordPress cible de cyber-attaques depuis la Chine
La plate-forme de blogs WordPress a été victime jeudi et vendredi d'attaques informatiques provenant vraisemblablement de Chine mais a retrouvé un fonctionnement normal dimanche 6 mars, a affirmé son fondateur Matt Mullenweg.
WordPress, qui héberge des millions de blogs dans le monde, a été la cible d'attaques "très importantes" par déni de service (DDoS) qui ont par moments perturbé les connexions, a déclaré M. Mullenweg au blog TechCrunch. Selon M. Mullenweg, 98 % des attaques venaient de Chine et avaient probablement "des motivations politiques".

Maliciels et attaques informatiques
ZOOM
Intrusion informatique : avant Bercy, le ministère du Trésor canadien
COMPTE RENDU
Google désactive à distance des applications malveillantes sur Android
LES FAITS
Prison ferme pour les adolescents britanniques qui avaient créé le "Facebook du piratage"
LES FAITS
Attaques informatiques contre la Corée du Sud

Economia brasileira: o que esperar em 2011? - George Vidor

Um retrato honesto, factual, objetivo.

Desenho de 2011
George Vidor
O Globo, 7/03/2011

O quadro macroeconômico para 2011 no Brasil já está desenhado: juros básicos na faixa de 12% ao ano com o propósito de fazer a inflação recuar para menos de 5,5%, o que também dependerá do ritmo de crescimento do país (em torno de 4,5%). Já existem alguns sinais de redução na velocidade tanto no ritmo da atividade econômica como no da inflação, que ficarão mais evidentes, em breve.

Os números do primeiro trimestre serão acompanhados com lupa pelos analistas financeiros, pois esses indicadores é que darão pistas sobre a provável duração do novo ciclo de aperto monetário. Na quinta-feira, o Banco Central divulga a ata da reunião do Comitê de Política Monetária, descrevendo o cenário que levou as autoridades a se decidirem pelo aumento de 0,5 ponto percentual na Taxa Selic, o que, aliás, já era aguardado pela maioria das instituições financeiras ouvidas pelo próprio BC.

Os juros deverão permanecer elevados ao longo de 2011 e o melhor que se pode esperar é que as taxas parem de subir já na próxima reunião do Copom, marcada para meados de abril.

Entre os sinais de moderação observados pelos analistas estão os da contratação de mão de obra pela indústria da construção civil. No ano passado, as contratações formais, com carteira assinada, deram um salto no setor, com aumento de mais de 20%. Mas muitas das obras em execução, especialmente de novos edifícios e casas, estariam agora numa fase em que a necessidade de contratações se estabiliza (o período crítico teria sido no fim de 2009).

Por efeito estatístico, mesmo que a economia brasileira parasse de crescer daqui por diante, o Produto Interno Bruto de 2011 já evoluiria 1,7% (em 2010, esse efeito foi de 3,7%). Se a economia brasileira vier mesmo a se expandir os desejados 5%, crescerá bem acima da média dos últimos dez anos.

A safra brasileira de algodão em 2011 será a maior da história. Deve atingir o patamar de dois milhões de toneladas, motivada pelos preços internacionais do produto, que, em termos relativos, somente haviam alcançado cotações semelhantes durante a Guerra de Secessão nos Estados Unidos, quando os estados sulistas confederados, na época essencialmente agrícolas, rebelaram-se contra o Norte que se industrializava, deflagrando o conflito fratricida mais sangrento já visto pela humanidade. Mas isso foi na segunda metade do século XIX.

A colheita nem começou e os produtores já se comprometeram com trading internacionais a exportar um milhão de toneladas. Com isso sobrará para o mercado interno — se sobrar... — um milhão de toneladas, exatamente o volume consumido pela indústria nacional.

As empresas do setor têxtil estão apreensivas, pois ficaram espremidas entre o custo da matéria-prima (que, em um ano, aumentou quase 250%) e a concorrência de produtos acabados da China e de outros países asiáticos, que jogam os preços para baixo.

Como não é possível segurar o preço do algodão, ditado pelo mercado internacional, nessa altura dos acontecimentos as indústrias vão negociar com os produtores o fornecimento de matéria-prima (Mato Grosso atualmente responde por 45% da produção nacional).

A indústria têxtil e de confecções cresceu no ano passado 4,5%, menos que a média da economia (7.5%). É uma extensa cadeia produtiva, que envolve também a indústria química, os fabricantes de aviamentos (botões etc.), a rede do varejo, os estilistas, a mídia especializada, e por aí vai.

A Granja Brasil, empreendimento imobiliário lançado há 12 anos em Itaipava, na Região Serrana do Rio, adotou o sistema de fracionamento em novos lançamentos. Para os apartamentos grandes, com área interna de 600 metros quadrados (e preços que podem chegar a R$2,5 milhões) o fracionamento é oferecido como opção para quem sobe a serra eventualmente, pois o proprietário passa a ter direito a ocupar o imóvel por um certo número de fins de semana por ano (com os feriados longos em esquema de rodízio). Tal opção está conjugada ao recém-inaugurado hotel Clarion, dentro do condomínio, cujo foco são altos executivos que vão a Petrópolis durante a semana, a negócios. Os proprietários de apartamentos fracionados terão direito a desconto de 50% na diária do hotel, em fins de semana, e poderão usufruir de serviços de arrumadeira, lavanderia etc.

Nos Estados Unidos e na Europa esse sistema já é comum. No Brasil é relativamente recente, pois havia dificuldade em se lavrar escritura de apartamentos fracionados (no caso de terreno vazio isso já era rotineiro) e os potenciais investidores não se sentiam atraídos por essa opção.

Livro: A Economia Brasileira - Antonio Dias Leite
Com uma versão atualizada e revisada, a Editora Elsevier está lançando a segunda edição do livro do ex-ministro Dias Leite sobre a economia brasileira (com o subtítulo “Onde estamos, para onde vamos”). O prefácio dessa nova edição foi escrito por Arminio Fraga.

Dias Leite, professor emérito do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi presidente da então Companhia Vale do Rio Doce e depois ministro de Minas e Energia nas décadas de 60 e 70. Meu sogro, que foi colega dele na Escola de Engenharia na antiga Universidade do Brasil, no Largo de São Francisco, no Rio, dizia que Dias Leite já se destacava como um dos mais brilhantes alunos da faculdade.

O livro é muito interessante porque alterna análises históricas com alguns conceitos, em linguagem didática e acessível a qualquer tipo de leitor que tenha gosto pela economia, tema geralmente visto como árido demais.

Libia e o Conselho de Direitos Humanos da ONU: reino da hipocrisia

Moises Naim é um jornalista que gosta de fazer ironias.
Esta, por exemplo:

"El 4 de enero de este año, el Consejo de Derechos Humanos, órgano de Naciones Unidas, publicó su informe sobre Libia. El texto no contiene ni un asomo de crítica al Gobierno de Gadafi y más bien resalta que "varias delegaciones expresaron su reconocimiento al compromiso del país con la defensa de los derechos humanos...". La delegación de Brasil, por ejemplo, enfatizó "el progreso social y económico de Libia y reconoció sus esfuerzos con respecto a personas con discapacidades"."

Provavelmente não houve tempo, no dia 4 de janeiro, para mudar instruções que estavam previsivelmente prontas desde o governo anterior, quando o ditador líbio ainda era tratado como um amigo e quando a ONU praticava sua hipocrisia habitual, com a cooperação do governo brasileiro.

O problema parece justamente este: o governo brasileiro diz que sempre vai agir em consonância com decisões da ONU, mesmo quando estas exibem sua dose de hipocrisia habitual.
Que tal se, por uma vez, o governo brasileiro atuasse de acordo com seus princípios, ou melhor, com os princípios da Constituição (que talvez não sejam os seus, ainda...)?
Que tal se o governo brasileira atuasse com base em valores, pelo menos por uma vez?
Paulo Roberto de Almeida

Ola de cambio en el mundo árabe: Muamar, Hugo y Dani
MOISÉS NAÍM
El País, 06/03/2011

Chávez y Ortega son los dos únicos jefes de Estado que no han condenado a Gadafi

¿Quién hubiese imaginado que Muamar el Gadafi pasaría a la historia como el gran creador de consenso internacional? No es fácil poner de acuerdo a las 192 naciones del planeta. Gadafi lo ha logrado. El mundo entero ha denunciado al dictador libio por masacrar a civiles inocentes. El mundo entero, excepto dos jefes de Estado: Hugo Chávez y Daniel Ortega; el eje de los despistados.

Hasta la Liga Árabe le ha retirado el apoyo a Gadafi. Pero Hugo y Dani, no. Seguramente los convenció Fidel Castro, quien mantiene que la violencia en Libia es culpa de la OTAN, y no de Gadafi. En esto, el dictador libio discrepa de su colega, el exdictador cubano. Según Gadafi, detrás de los disturbios en su país está Al Qaeda. Esta diferencia plantea un problema para Hugo y Dani. Quizás, y para evitar tener que tomar partido por Fidel o por Muamar, concluirán que la desestabilización de Libia es una operación conjunta de la OTAN y Al Qaeda.

Pero quien definitivamente no está de acuerdo con el eje de los despistados es otro de sus aliados: Mahmud Ahmadineyad. "Es difícil imaginar que exista una persona que pueda matar y bombardear a su propia gente. Esto es muy feo... Los exhorto a escuchar a su pueblo y reflexionar sobre sus demandas. La gente debe ser libre y tener poder de decisión sobre su futuro. Todo el mundo está en shock con lo que está pasando en Libia... deben hacer caso al pueblo", declaró el indignado líder iraní. Este es otro candidato al eje de los despistados. Pero por una razón distinta: el pobre Ahmadineyad no parece haberse enterado de que, al mismo tiempo que hacía estas declaraciones, su Gobierno estaba reprimiendo salvajemente a sus opositores -de nuevo-. Cuando descubra que no hay mucha diferencia entre él y Gadafi seguramente tendrá un shock tan profundo como el que le produjo ver la manera en la que el libio trata a su pueblo.

Las tensiones entre Gadafi y Ahmadineyad no son nuevas, y una reveladora manifestación de ellas es que el líder iraní nunca recibió el Premio Gadafi de los Derechos Humanos. Este premio, creado en 1988, se otorga anualmente a quienes "hayan colaborado de forma sublime en la prestación de servicios humanos destacados o en la realización de labores gloriosas en defensa de los derechos humanos" (sic). A Hugo le tocó en 2004 y a Dani en 2009. Unos años después, Chávez correspondió al reconocimiento del libio obsequiándole una réplica de la espada de El Libertador, explicando además que "Muamar el Gadafi es para los libios lo que Simón Bolívar es para los venezolanos". Casi nada.

El presidente venezolano no es el único que ha distinguido al líder libio en el campo de los derechos humanos. El 4 de enero de este año, el Consejo de Derechos Humanos, órgano de Naciones Unidas, publicó su informe sobre Libia. El texto no contiene ni un asomo de crítica al Gobierno de Gadafi y más bien resalta que "varias delegaciones expresaron su reconocimiento al compromiso del país con la defensa de los derechos humanos...". La delegación de Brasil, por ejemplo, enfatizó "el progreso social y económico de Libia y reconoció sus esfuerzos con respecto a personas con discapacidades". Myanmar compartió estos conceptos. Por su parte, "Bielorrusia notó con satisfacción que Libia suscribía todos los tratados internacionales sobre derechos humanos y cooperaba con los organismos de dichos tratados".

La resolución de la Asamblea General de Naciones Unidas que creó el Consejo de Derechos Humanos establece que, al votar por los países que aspiren a formar parte del mismo, "se debe tomar en cuenta su contribución a la promoción y protección de los derechos humanos". Libia fue elegida con el apoyo de 155 países.

Pero ni siquiera este baluarte de la hipocresía internacional pudo mantener a Libia en su seno. Así, el Consejo de Derechos Humanos de la ONU, después de largas deliberaciones, concluyó que la contribución de la Libia de Gadafi a los derechos humanos había caído por debajo de los estándares aceptables y la expulsó.

Pero Hugo y Dani no abandonan a sus amigos. "No voy a condenar a Gadafi... a mí no me consta que sea un asesino", dijo el presidente de Venezuela.

Y al oír esto me vino a la mente la vieja frase de George Orwell: "El lenguaje político... está diseñado para que las mentiras suenen a verdades y que el asesinato sea respetable".

No; los despistados no son ellos. Son quienes les creen.

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