segunda-feira, 11 de março de 2013

TCU nao faz contas, nem quer tribunal para suas proprias contas, tudo sem transparencia...

Então ficamos assim: o órgão encarregado de controlar as contas dos demais poderes, não quer controle sobre suas próprias contas, e torra impunemente o dinheiro do contribuinte, com seus passeios dourados, sem querer prestar contas disso tudo.
Esse é o órgão que quer colocar um teto ridículo sobre salários em dólar no exterior...
Paulo Roberto de Almeida 

Ministros do TCU ganham R$ 53 mil para viagens e 'escondem' os roteiros

FÁBIO FABRINI / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo
11 de março de 2013 | 2h 07

O Tribunal de Contas da União (TCU) blindou seus ministros da divulgação de viagens feitas com verba pública. Decisões do plenário impedem o cidadão comum de saber para onde, e com qual justificativa, as autoridades emitiram passagens aéreas bancadas pelo contribuinte. A justificativa é que informar deslocamentos pregressos, feitos nos dois últimos anos, pode trazer "risco à segurança" dos integrantes da corte.
A negativa foi dada em processos nos quais o Estado pediu, via Lei de Acesso à Informação, detalhamento das despesas com voos para "representação do cargo", ou seja, para cumprir compromissos supostamente institucionais, como palestras, solenidades, congressos e homenagens.
Por meio de uma resolução editada em 2009, os ministros do TCU asseguraram para si próprios, além de auditores, procuradores e subprocuradores do Ministério Público que atuam na corte, o direito aos bilhetes, concedido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a magistrados.
Segundo a norma de 2009, os integrantes do plenário teriam direito a gastar R$ 43,2 mil em voos com essa finalidade. O valor da verba foi atualizado e corrigido pelo IPCA, e, hoje, os ministros podem gastar até R$ 53 mil com viagens.
Para demais autoridades, o montante, atualizado, pode ser de R$ 26,9 mil ou R$ 17,9 mil.
Os dados completos das viagens eram fornecidos pela Secretaria de Comunicação do tribunal até 2011, mas os ministros recuaram. Com a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação, em maio do ano passado, passaram a negá-los.
Constrangimento. Os despachos em resposta ao Estado dos ministros Benjamin Zymler e Raimundo Carreiro não explicam como a integridade física dos ministros pode ser ameaçada com a divulgação de viagens pregressas.
Segundo fontes do tribunal, a negativa visa a evitar constrangimento, pois é comum as autoridades usarem a verba para viajar aos Estados de origem, nos fins de semana e feriados.
O TCU só abre agora a data e o valor dos voos, mas omite os destinos e as justificativas. As tabelas enviadas ao Estado mostram que só a ministra Ana Arraes consumiu R$ 40 mil em 39 viagens em 2012. Aroldo Cedraz usou mais R$ 30 mil naquele ano e mais R$ 37 mil em 2011, em 48 deslocamentos. Por que e para onde foram é uma incógnita.
Hermético. Na prática, o tribunal tem sido, nesse aspecto, mais hermético que os órgãos que fiscaliza. No Executivo e no Legislativo federais, as mesmas informações estão disponíveis na internet, sem a necessidade de pedido por meio da Lei de Acesso à Informação.
Para Cláudio Weber Abramo, diretor executivo da organização Transparência Brasil, não há justificativa para omitir os dados. "É a posteriori. Como falar em risco meses depois de as viagens terem ocorrido? É uma justificativa cínica", critica.
Segundo Abramo, a situação é "lamentável, mas esperada" num contexto em que cabe aos ministros julgar os pedidos de acesso às próprias despesas. No TCU, essas solicitações têm tratamento diferenciado, sendo apreciadas pela Presidência, e não pela Ouvidoria, com servidores de carreira. Há a possibilidade de apenas um recurso ao colegiado de ministros - no Executivo, são quatro. "Se eles podem decidir em causa própria, vão fazê-lo", comenta Abramo.
Conforme o TCU, uma decisão sobre a divulgação das viagens será tomada no futuro, quando o tribunal classificar as informações que, em seu entendimento, podem "se revestir de sigilo". Medida idêntica foi adotada na gestão de Carlos Ayres Britto na presidência do Supremo Tribunal Federal, que protelou por meses o atendimento aos pedidos, mas foi revogada.
As normas do TCU que tratam da Lei de Acesso à Informação, porém, não dão espaço para esse tipo de manobra.
Recurso. Na análise de recurso apresentado pelo Estado, a consultoria jurídica do TCU entendeu que a presidência do tribunal descumpriu a Lei de Acesso, pois não obedeceu aos prazos e tampouco apresentou os motivos da recusa. "A lei não prevê tal hipótese de dilação indeterminada de prazo na análise dos pedidos. (...) A análise em questão deveria ter sido realizada em sua completude", diz o relatório.
O relator, Benjamin Zymler, votou para que o caso fosse reanalisado, mas foi vencido pelo ministro Carreiro, que apresentou voto contrário, seguido pela maioria. No plenário, só André Luís de Carvalho votou com Benjamin Zymler.
A abertura de outras despesas tem sido negada pelo tribunal, a exemplo dos reembolsos de despesas médicas. As agendas dos ministros não são divulgadas na internet, o que favorece a discreta atuação de lobistas nos gabinetes. Mesmo que não tenham tarja de sigilosos, os processos não podem ser consultados, exceto pelas partes. Só após o julgamento, os relatórios técnicos são apresentados ao público.
Para Cláudio Weber Abramo, a pressão da opinião pública é que poderia mudar a situação e favorecer a abertura dos dados: "(Os ministros) só reagem com a faca no pescoço".
Limite. O Tribunal de Contas da União informou, em nota, que trabalha para, "o mais breve possível", classificar as suas informações e, assim, divulgá-las "nos limites da lei".
A corte não respondeu a nenhum dos oito questionamentos do Estado, enviados na quinta-feira. "Com o advento da Lei de Acesso, ao mesmo tempo em que se passou a permitir a qualquer cidadão pleitear informações aos órgãos públicos, também exigiu-se que determinados dados fossem resguardados", justificou o tribunal.  

Inflacao de incompetencia, penuria de bom senso - Celso Ming (OESP)

O contra-ataque
Celso Ming
O Estado de S.Paulo, 10/03/2013

A desoneração da cesta básica, anunciada pela presidente Dilma no início da noite de sexta-feira, mostra duas coisas: (1) que o governo vem sendo seguidamente surpreendido pela força da inflação, porque faz o diagnóstico errado; e (2) que continua pouco disposto a usar os mecanismos mais eficazes para combatê-la.

A desoneração não deveria ser adotada agora. A ideia era anunciá-la apenas no Dia do Trabalho, 1° de maio. Foi a iminência do estouro do teto da meta de inflação (acima de 6,5% ao ano) já em março que levou o governo a precipitar a decisão.

Até agora, as autoridades vinham fazendo pouco caso do rali dos preços. Em vez de focar as causas internas, preferiam responsabilizar choques externos de oferta, como a seca nos Estados Unidos em meados do ano passado, que puxou para cima as cotações das principais proteínas vegetais: soja e milho. Mas não conseguiam explicar por que o problema não atingia outras economias emergentes com a mesma contundência sentida por aqui.

O Banco Central, por exemplo, garantiu em seus documentos que a convergência da inflação para a meta, de 4,5% ao ano, poderia não sair nos próximos meses, mas já estava contratada. Com um pouco mais de paciência, chegaríamos lá. E era também esse o discurso do ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Ainda na manhã de sexta-feira, logo depois da divulgação pelo IBGE dos dados ruins do IPCA de fevereiro, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, retomou o blá-blá-blá de quem prefere desclassificar a realidade. Embora reconhecesse que a inflação veio "um pouco acima do esperado", insistiu em pintar um cenário despreocupante: "a expectativa é de que logo cairá gradualmente, principalmente quando começar a ser transmitida para os preços a queda recente das cotações das commodities". Ou seja, não é preciso fazer nada, a inflação recuaria espontaneamente. Não foi essa a leitura dos mesmos números feita pela presidente Dilma que em seguida mandou deflagrar o contra-ataque.

A isenção de impostos da cesta básica terá impacto imediato na queda do custo de vida, em proporção que ainda deverá ser melhor medida. Mas esta, decididamente, não é a melhor maneira de enfrentar o problema. Por três razões:

Primeira, porque é o tipo da providência que produzirá efeito apenas uma vez; nos meses seguintes, deixará de ser notado. Segunda, porque não ataca o problema principal, que é a demanda exacerbada, como o Banco Central já vinha avisando. Ao contrário, a eventual folga nos orçamentos domésticos proporcionada pela isenção de impostos deve aumentar o consumo, tanto de itens da cesta básica como dos que estão fora dela. E, terceira, porque deixa solta uma das principais pontas da inflação que é o setor de serviços.

São duas as melhores armas que poderiam combater a inflação com mais eficácia do que essa isenção de impostos. A primeira é maior rigor na administração das contas públicas. Uma boa derrubada nas despesas correntes do governo ajudaria a conter a demanda. A perda de arrecadação vai dificultar esse passo. A outra é a alta dos juros básicos (Selic), providência já admitida pelo Banco Central que, no entanto, pretende usá-la com parcimônia -- para usar expressão que seus diretores adoram usar.

O caudilho redentor: encore lui - Mary Anastasia O'Grady (WSJ)

Chavez, the Redeemer
Mary Anastasia O'Grady
The Wall Street Journal, March 11, 2013

Barack Obama's first term was not kind to many Americans. Yet when a presidential-election exit poll in November asked voters which candidate "cares about people like me," President Obama beat Mitt Romney by a staggering 81% to 18%.

You can blame that on Mr. Romney, but I think it has mostly to do with the cult of personality. And it was something to bear in mind last week as tens of thousands of Venezuelans in the streets of Caracas tearfully mourned the death of Hugo Chávez. Many of the poor may authentically believe that the dictator cared for them. But that doesn't mean that he made them better off. He didn't.

The results of the U.S. exit poll seemed highly illogical. Americans had endured four years of stubbornly high unemployment, stagnant wage growth, and rising gas and food prices. Yet Mr. Obama remained connected with the voters, as the exit poll and election outcome demonstrated.

Many Venezuelans seem to experience a similar disconnect between their idealism and reality. I suspect that the hysteria witnessed last week on the part of poor Venezuelans has to do with what psychologists call cognitive dissonance, the frustration and anxiety that one feels when holding two conflicting beliefs.

On the one hand, Chávez connected with the downtrodden in ways that previous presidents haven't, starting with the fact that, like many of them, he is a mixed-race Venezuelan from humble origins. He first came on the political scene as an outsider promising to put an end to corruption, and to channel the country's vast oil wealth to the disenfranchised.

This paternalism and his personal story struck a chord. He became a father figure in a country where many children grow up fatherless.

Chávez was a skilled orator with keen Machiavellian instincts. He mastered both the art of propaganda and the science of censorship. Most Venezuelans lost access to objective news reporting over his 14-year rule and were forced to absorb nothing but his indoctrination. He gave handouts to the poor, which, though meager, were better than anything they had received from earlier governments. Little wonder that by the time he died he had become a symbol of revenge for the marginalized, a champion of their cause.

On the other hand, they live in the real world, and it is likely on some level that most Venezuelans—rich, middle class or poor—understand that they are worse off today. Living standards are deteriorating, and the future is even less promising than it was in 1998 when Chávez was first elected.

Prices are the key signal. The government's February 2003 price controls, designed to combat inflation, have completely failed. The central bank admits that over the past 10 years inflation in food and nonalcoholic beverages is 1,284%, and that food shortages are increasingly prevalent.

One of Chávez's more destructive economic schemes was the transfer of central-bank reserves to an off-budget government fund for infrastructure investments. He started in 2003 by arguing that he only wanted "a little billion." Total transfers have now reached $49 billion, and the fund has no independent supervision.

The central bank has also been bailing out the state-owned oil company PdVSA and the state-owned mining and industrial conglomerate known as CVG. All these transfers are destroying the value of the bolívar. Some economists are forecasting a consumer-price inflation rate for 2013 of more than 30% and zero gross-domestic-product growth.

In 2012, according to Venezuelan economist Pedro Palma, the government's fiscal deficit (which is never easy to calculate because of the many government enterprises) was 16%-18% of GDP. With oil prices at the upper end of historical levels, this can only mean that government spending is spinning out of control and that without a reconciliation of the budget Venezuela will go broke.

Economic hardship isn't the only heavy burden that Chávez's constituents bear. The official murder rate in 2012 was 73 per 100,000 inhabitants and the killing is happening mostly in low-income neighborhoods. Families of crime victims have no hope of getting justice for their loved ones.

Will any of this tarnish Chávez's memory? Probably not. In his 2011 book "Redeemers," Mexican historian Enrique Krauze traces the history of "ideas and power in Latin America" over the course of the 20th century through the biographies of some of the region's most well-known messianic figures. Most of his subjects enjoyed the adulation of the masses, even as their utopian promises went bust. Those in power often employed brutal repression to keep it. Fittingly, Chávez is the final profile in that book.

The military government also has good reason to deify the late comandante. If his memory is sacred, so too must be the system he built. Last week interim President Nicolás Maduro announced that Chávez will be embalmed "so he can be eternally open" for public viewing: "Just like Ho Chi Minh, like Lenin, how Mao Zedong is."

Write to O'Grady@wsj.com

A version of this article appeared March 11, 2013, on page A15 in the U.S. edition of The Wall Street Journal, with the headline: Chávez 'The Redeemer'.

O caudilho e os seus desastres - Mario Vargas Llosa

Interessante artigo do Prêmio Nobel peruano de literatura: toca em vários pontos relevantes no plano conceitual e termina com uma expressão de confiança na possibilidade de vitória da oposição, achando que as massas podem ser racionais, o que me parece ilusório.
Mas deixou de tocar em duas questões importantes: as milícias fascistas, criadas pelo caudilho, e o Exército, aparentemente já controlado totalmente pelos êmulos do coronel, não por que o amassem de verdade, ou porque acreditam no tal de socialismo do século 21.
Acontece que essas forças fascistas -- algumas com comandantes que também fazem negócios no narcotráfico -- precisam que o sistema continue, pois esse é o seu modo de vida -- para os simples mercenários das milícias fascistas -- e este é a sua maneira de enriquecer, no caso dos comandantes.
Eles não podem abandonar o poder: já roubaram muito e querem continuar roubando e talvez já tenham cometido alguns crimes, e isso não pode ser exposto.
O próprio caudilho virou, ao que parece, e antes do tempo, um boneco de cera, o que assegura que a máquina de mentir e roubar, criada por eles, e seus mentores cubanos, já está bem montada.
Por isso sou menos otimista do que Vargas Llosa. Acho que os venezuelanos ainda têm muitos desastres pela frente...
Paulo Roberto de Almeida 

A morte do caudilho
Mario Vargas Llosa
O Estado de S.Paulo, 10/03/2013

O comandante Hugo Chávez Frías pertencia à robusta tradição dos caudilhos que, embora mais presentes na América Latina que em outras partes, não deixaram de se assomar a toda parte, até em democracias avançadas, como a França. Ela revela aquele medo da liberdade que é uma herança do mundo primitivo, anterior à democracia e ao indivíduo, quando o homem ainda era massa e preferia que um semideus, ao qual cedia sua capacidade de iniciativa e seu livre-arbítrio, tomasse todas as decisões importantes de sua vida.

Cruzamento de super-homem e bufão, o caudilho faz e desfaz a seu bel prazer, inspirado por Deus ou por uma ideologia na qual, quase sempre, se confundem o socialismo e o fascismo ─ duas formas de estatismo e coletivismo ─ e se comunica diretamente com seu povo mediante a demagogia, a retórica, a espetáculos multitudinários e passionais de cunho mágico-religioso.

Sua popularidade costuma ser enorme, irracional, mas também efêmera, e o balanço de sua gestão, infalivelmente catastrófico. Não devemos nos impressionar em demasia pelas multidões chorosas que velam os restos de Hugo Chávez. São as mesmas que estremeciam de dor e desamparo pela morte de Perón, de Franco, de Stalin, de Trujillo e as que, amanhã, acompanharão Fidel Castro ao sepulcro.

Os caudilhos não deixam herdeiros e o que ocorrerá a partir de agora na Venezuela é totalmente incerto. Ninguém, entre as pessoas de seu entorno, e certamente em nenhum caso Nicolás Maduro, o discreto apparatchik a quem designou seu sucessor, está em condições de aglutinar e manter unida essa coalizão de facções, de indivíduos e de interesses constituídos que representa o chavismo, nem de manter o entusiasmo e a fé que o defunto comandante despertava com sua torrencial energia nas massas da Venezuela.

Uma coisa é certa: esse híbrido ideológico que Hugo Chávez urdiu chamado revolução bolivariana ou socialismo do século 21, já começou a se decompor e desaparecerá, mais cedo ou mais tarde, derrotado pela realidade concreta: a de uma Venezuela, o país potencialmente mais rico do mundo, ao qual as políticas do caudilho deixaram empobrecido, dividido e conflagrado, com a inflação, a criminalidade e a corrupção mais altas do continente, um déficit fiscal que beira a 18% do PIB e as instituições ─ as empresas públicas, a Justiça, a imprensa, o poder eleitoral, as Forças Armadas ─ semidestruídas pelo autoritarismo, a intimidação e a submissão.

Além disso, a morte de Chávez coloca um ponto de interrogação na política de intervencionismo no restante do continente latino-americano que, num sonho megalomaníaco característico dos caudilhos, o comandante defunto se propunha a tornar socialista e bolivariano a golpes de talão de cheques. Persistirá esse fantástico dispêndio dos petrodólares venezuelanos que fizeram Cuba sobreviver com os 100 mil barris diários que Chávez praticamente presenteava a seu mentor e ídolo Fidel Castro? E os subsídios e as compras de dívida de 19 países, aí incluídos seus vassalos ideológicos como o boliviano Evo Morales, o nicaraguense Daniel Ortega, as Farc colombianas e os inúmeros partidos, grupos e grupelhos que por toda a América Latina lutam para impor a revolução marxista?

O povo venezuelano parecia aceitar esse fantástico desperdício contagiado pelo otimismo de seu caudilho, mas duvido que o mais fanático dos chavistas acredite agora que Maduro possa vir a ser o próximo Simon Bolívar. Esse sonho e seus subprodutos, como a Aliança Bolivariana para as América (Alba), integrada por Bolívia, Cuba, Equador, Dominica, Nicarágua, San Vicente e Granadinas, Antígua e Barbuda, sob a direção da Venezuela, já são cadáveres insepultos.

Nos 14 anos que Chávez governou a Venezuela, o preço do barril de petróleo ficou sete vezes mais caro, o que fez desse país, potencialmente, um dos mais prósperos do planeta. No entanto, a redução da pobreza nesse período foi menor que a verificada, por exemplo, no Chile e no Peru no mesmo período. Enquanto isso, a expropriação e a nacionalização de mais de um milhar de empresas privadas, entre elas 3,5 milhões de hectares de fazendas agrícolas e pecuárias, não fez desaparecer os odiados ricos, mas criou, mediante o privilégio e o tráfico, uma verdadeira legião de novos ricos improdutivos que, em vez de fazer progredir o país, contribuiu para afundá-lo no mercantilismo, no rentismo e em todas as demais formas degradadas do capitalismo de Estado.

Chávez não estatizou toda a economia, como Cuba, e nunca fechou inteiramente todos os espaços para a dissidência e a crítica, embora sua política repressiva contra a imprensa independente e os opositores os reduziu a sua expressão mínima. Seu prontuário no que respeita aos atropelos contra os direitos humanos é enorme, como recordou, por ocasião de seu falecimento, uma organização tão objetiva e respeitável como a Human Rights Watch.

É verdade que ele realizou várias consultas eleitorais e, ao menos em algumas delas, como a última, venceu limpamente, se a lisura de uma eleição se mede apenas pelo respeito aos votos depositados e não se leva em conta o contexto político e social no qual ela se realiza, e na qual a desproporção de meios à disposição do governo e da oposição era tal que ela já entrava na disputa com uma desvantagem descomunal.

No entanto, em última instância, o fato de haver na Venezuela uma oposição ao chavismo que na eleição do ano passado obteve quase 6,5 milhões de votos é algo que se deve, mais do que à tolerância de Chávez, à galhardia e à convicção de tantos venezuelanos que nunca se deixaram intimidar pela coerção e as pressões do regime e, nesses 14 anos, mantiveram viva a lucidez e a vocação democrática, sem se deixar arrebatar pela paixão gregária e pela abdicação do espírito crítico que o caudilhismo fomenta.

Não sem tropeços, essa oposição, na qual estão representadas todas as variantes ideológicas da Venezuela está unida. E tem agora uma oportunidade extraordinária para convencer o povo venezuelano de que a verdadeira saída para os enormes problemas que ele enfrenta não é perseverar no erro populista e revolucionário que Chávez encarnava, mas a opção democrática, isto é, o único sistema capaz de conciliar a liberdade, a legalidade e o progresso, criando oportunidades para todos em um regime de coexistência e de paz.

Nem Chávez nem caudilho algum são possíveis sem um clima de ceticismo e de desgosto com a democracia como o que chegou a viver a Venezuela quando, em 4 de fevereiro de 1992, o comandante Chávez tentou o golpe de Estado contra o governo de Carlos Andrés Pérez. O golpe foi derrotado por um Exército constitucionalista que enviou Chávez ao cárcere do qual, dois anos depois, num gesto irresponsável que custaria caríssimo a seu povo, o presidente Rafael Caldera o tirou anistiando-o.

Essa democracia imperfeita, perdulária e bastante corrompida, havia frustrado profundamente os venezuelanos que, por isso, abriram seu coração aos cantos de sereia do militar golpista, algo que ocorreu, por desgraça, muitas vezes na América Latina.

Quando o impacto emocional de sua morte se atenuar, a grande tarefa da aliança opositora presidida por Henrique Capriles será persuadir esse povo de que a democracia futura da Venezuela terá se livrado dessas taras que a arruinaram e terá aproveitado a lição para depurar-se dos tráficos mercantilistas, do rentismo, dos privilégios e desperdícios que a debilitaram e tornaram tão impopular.

A democracia do futuro acabará com os abusos de poder, restabelecendo a legalidade, restaurando a independência do Judiciário que o chavismo aniquilou, acabando com essa burocracia política mastodôntica que levou à ruína as empresas públicas. Com isso, se produzirá um clima estimulante para a criação de riqueza no qual empresários possam trabalhar e investidores, investir, de modo que regressem à Venezuela os capitais que fugiram e a liberdade volte a ser a senha e contrassenha da vida política, social e cultural do país do qual há dois séculos saíram tantos milhares de homens para derramar seu sangue pela independência da América Latina.

TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

Salarios dos diplomatas no exterior: um debate ridiculo (PRAlmeida)


Salários de diplomatas no exterior: um falso debate

Paulo Roberto de Almeida

Depois que aqui postei uma matéria do jornal O Globo sobre os altos salários de diplomatas no exterior, várias pessoas me pediram comentários sobre o assunto, algumas de maneira educada, mas uma, perceptivelmente, com uma espécie de esgar de triunfo: “pronto, vamos pegar esses desgraçados, que dilapidam a nação com seus salários nababescos, e sobretudo esse falso moralista [eu] que critica a tudo e a todos, vamos ver como ele se sai dessa agora”. Claro, não foi assim, e foi em tom bem mais raivoso, mas que não me cabe transcrever aqui.
Pois bem, existem altos salários de diplomatas no exterior? Pode ser, ou até parece, numa simples transcrição de valores em dólares transformados ao câmbio do dia. Esses salários deveriam ser trazido abaixo do teto constitucional que é o dos juízes do Supremo? Vou logo dizer que isso é ridículo, e tecer algumas considerações sobre o assunto.
Qualquer um que conheça a estrutura – que não existe, a bem dizer – dos salários do setor público no Brasil sabe que se trata de um caos indescritível, em cada um dos poderes, dentro dos poderes, entre eles, nos três níveis da federação, em qualquer dimensão que se possa examinar. Não existe correspondência entre cargos e funções, existem diversos meios de escape dos baixos salários (com reclassificações indevidas), existem cargos de confiança que são na verdade de apaniguados, em grande medida, e existe, de forma abundante, barroca, surrealista, milhares de penduricalhos e empulhações, que atendem pelo nome de “gratificações”, dezenas delas, a maior parte completamente artificiais, criadas unicamente para aumentar os ganhos sem precisar passar pelo ritual de aprovação de uma lei específica, penduricalhos que depois são incorporados aos salários nominais e até às aposentadorias (não só do próprio, como das viúvas, que em média sobrevivem os próprios por 17 anos). Enfim, não preciso descrever o horror que é essa situação e não preciso falar do horror que tenho dela.
Um país decente, ou simplesmente normal, teria uma estrutura linear, progressiva, transparente, de salários do setor público, atingindo a todos os funcionários públicos, onde estivessem, o que fizessem, em qualquer poder, em qualquer unidade da federação. Não conheço o sistema japonês em detalhes, mas parece que se trata de algo próximo disso, e quem quiser saber como deveria funcionar no Brasil, talvez devesse olhar o sistema japonês. Mas o Brasil não é, obviamente, um país normal, e por isso exibe aberrações inacreditáveis, a começar pelo fato de que, na média, os funcionários públicos ganham cinco ou seis vezes mais do que seus equivalentes funcionais no setor privado, e não imagino (ao contrário, imagino sim, mas pelo outro lado) que a produtividade média do funcionário público seja cinco ou seis vezes superior à de seus colegas, ou equivalentes, do setor privado.
O problema, portanto, começa por aí. Para tentar colocar um pouco de ordem nesse caos, ou talvez para tentar contornar o problema, burocratas espertos trabalhando para políticos idem resolveram criar o tal de teto constitucional, o que por si já é uma aberração. Como já disse alguém, a Constituição só não traz o seu amor de volta em três dias, mas o resto, procurando bem, está lá. Não se trata de um teto, pois ele é furado por dezenas de expedientes expertos, e outras malandragens típicas dos brasileiros, que são altamente inovadores na malandragem justamente (acabam de pegar uma médica do SAMU que tinha seis dedos em silicone de colegas, para certificar presença no trabalho: devem ter aprendido desses filmes de espionagem de Hollywood, trazendo os melhores truques da CIA). O teto é patético e ridículo, inclusive porque não é um teto para os próprios “tetados”: eles recebem diversas outras mordomias em espécie e em serviços, ademais de ajutórios de diversas ordens para viver, comer e se vestir, coitados, que seu salário real supera amplamente o de um juiz da Suprema Corte dos EUA (atenção: não acho que eles ganham muito não, mas é que os EUA exibem, na média, uma renda per capita cinco ou seis vezes superior à do Brasil, e que lá esse é, de fato, o maior salário da função pública).
Pois bem, o que dizer, então, do uso desse teto furando, em reais, no Brasil, sem computar qualquer outro penduricalho, com salários (de diplomatas e militares, por exemplo) no exterior, pagos em dólar por conveniência, mas vivendo em diferentes países, com custos de vida e paridades cambiais bem diversas entre si. Não sou economista, mas conheço economia, e sobretudo conheço e conheci a vida em dezenas de países diferentes, do socialismo surreal ao capitalismo ideal, da bonança rica à miséria mais miserável, e sei, por exemplo, que os aluguéis mais altos podem ser encontrados em lugares os mais modestos, e que a loucura econômica de certos governos pode ser ainda mais alta do que a imperante em certo país tropical, onde burocratas, magistrados e luminares acham que podem usar um valor nacional como parâmetro universal de alguma coisa.
Não vou entrar nesse debate de que o salários dos diplomatas no exterior deve ser regulado pelo teto constitucional brasileiro porque ele já é ridículo no próprio Brasil e para o exterior passa a ser simplesmente surrealista. Uma coisa apenas afirmo: o teto constitucional NÃO PODE ser parâmetro para medir qualquer coisa fora do Brasil, em qualquer sentido que se pretenda. Encerro esta questão afirmando novamente: isso é absolutamente ridículo, ponto!
Agora, os diplomatas ganham muito no exterior? Em relação a que? Assim como não se mediu, no teto constitucional dos juízes do Supremo os muitos penduricalhos que Suas Excelências agregam, como medir os salários de outros diplomatas, que podem estar sendo contemplados, por seus respectivos serviços, com diversas outras vantagens indiretas (como educação dos filhos, por exemplo, algo que angustia a maior parte dos secretários servindo no exterior)?
Sou totalmente a favor de que uma lei absolutamente transparente que regulamente o que ganham TODOS os funcionários públicos, no Brasil e no exterior. Neste último caso, eu não chegaria ao ridículo de vincular o salário no exterior a QUALQUER valor do Brasil, pois isso é economicamente falho e inadequado do ponto de vista cambial, ou da simples conjuntura econômica, que muda sensivelmente em poucos meses, trazendo alterações para melhor ou para pior no poder de compra. Existem mecanismos pelos quais se pode estabelecer uma remuneração fixa, em escala, e depois diferentes mecanismos de correção, e de adição, segundo o poder de compra e a situação do trabalhador (com filhos, ou solteiro, por exemplo).
Enfim, não vou entrar nos detalhes das remunerações pois não sou especialista, nunca me interessei pelo assunto e jamais vou trabalhar num setor de administração que cuide de matérias tão chatas quanto essa. Jamais procurei saber quanto iria ganhar em qualquer função ou cargo que exerci, no Brasil ou no exterior. Isso simplesmente não me interessa. Ganho o que me pagam, adapto meus gastos ao que ganho, e isso é tudo, ponto final. Existem diplomatas que ficaram ricos na carreira? Pode ser, mas não deve ser fácil para um diplomata normal, pois poucas vezes encontrei colegas construindo mansões e dando festas faraônicas, como por vezes ocorre com outros funcionários de alguns setores. Em todo caso, nunca encontrei, na carreira, alguém que tenha entrado com o ânimo de enriquecer. Enfim tudo é possível, nos assuntos humanos...
Agora, quanto a esse falso debate que tentam criar no Brasil, em torno do teto constitucional para diplomatas no exterior, só posso repetir: é ridículo!

Paulo Roberto de Almeida (Hartford, 10/03/2013)

domingo, 10 de março de 2013

Os bolivarianos brasileiros: entrevista com SPG (Pagina 12)


EL MUNDO › ENTREVISTA CON SAMUEL PINHEIRO GUIMARAES, DIPLOMATICO E INTELECTUAL BRASILEÑO

“Chávez dijo que mira al sur”

Guimaraes habló sobre de qué forma Dilma Rousseff y Cristina Fernández se articulan para garantizar la estabilidad en la Venezuela que viene y cómo moverá sus piezas Washington ante un
 Por Darío Pignotti
Desde Brasilia
Pagina 12, 09/03/2013
Samuel Pinheiro Guimaraes es el diplomático e intelectual brasileño que a menudo citaba Hugo Chávez para fundamentar su alianza con Brasil o denunciar el “anexionismo del imperio” embutido en el ALCA. El ex Alto Representante del Mercosur Pinheiro Guimaraes también fue mencionado por la embajada de EE.UU. en Brasilia, que en documentos secretos lo tipificó como un “virulento antinorteamericano”, según reveló Wikileaks.
De qué forma Dilma Rousseff y Cristina Fernández se articulan para garantizar la estabilidad en la Venezuela que viene y cómo moverá sus piezas Washington ante un eventual gobierno de Nicolás Maduro fueron temas tratados por uno de los hombres que diseñó la nueva política externa brasileña en esta enciclopédica entrevista con Página/12.
–Maduro habló de plan sedicioso y expulsó a funcionarios norteamericanos, la prensa informó que Dilma procuró a Cristina para frenar a eventuales golpistas.
–No tengo información de primera mano, pero seguro que las presidentas están interesadas en que no haya golpe de Estado no digo ahora, pero en el mediano plazo. Esto siempre puede ocurrir, como en 2002 contra Chávez, nadie lo esperaba y de repente vino el golpe, un golpe se articula discretamente. Ellas están acertadas al preocuparse y posiblemente tengan informaciones. Pero creo difícil un golpe en el corto plazo, en el mediano o largo no sé. Es importante que Brasil y Argentina estén vigilantes, juntas pesan mucho y en esta fase de transición el apoyo de ellas al gobierno democrático es indispensable, de todos modos creo que la transición hasta las elecciones está asegurada. Y además de lo que hagan las presidentas hay que observar lo que hace Lula, él siempre está presente aunque ya no sea presidente.
–¿Las fuerzas armadas son unánimemente chavistas?
–Es preciso tomar en cuenta que la sociedad venezolana está fracturada, no en dos mitades, pero está muy enfrentada. Los programas sociales llevaron a la concientización de las masas y al mismo tiempo recalentaron una reacción de las clases altas y medias altas, y con ellas una parte de los pobres que son irremediablemente conservadores. Ese grupo suele buscar el apoyo militar, yo no sé con certeza si hay sectores militares fuertes con planes golpistas, pero hay militares a los que no les gusta el chavismo y eso no me sorprende, por eso considero importante que existan milicias populares dispuestas a defender al gobierno para compensar el poder de los militares.
–¿El nuevo secretario de Estado John Kerry será menos hostil que Hillary?
–Me parece casi imposible ser más hostil que Hillary, pero la política externa de EE.UU. trasciende a los funcionarios y se guía por un principio permanente que es el de castigar, aunque muchos años después, a los países que no se encuadraron en sus órdenes. Cuando algún país se encuadra, y Venezuela no se encuadró, en algún momento le espera la venganza misma con pretextos falsos. Así pasó con Irak, ellos querían invadirla a como fuere, George W. Bush llegó a decir que Saddam quiso matar a su padre. Lo mismo pasa con Irán por haber invadido la embajada norteamericana en Teherán. Este principio también se aplicaría a la Venezuela de Maduro, creo que Washington no perdonará nunca las actitudes de Chávez. Antes de él Venezuela era una provincia petrolera de EE.UU. En la Segunda Guerra fue la mayor proveedora de petróleo de los Aliados. Todo esto se hizo trizas con la llegada de Chávez, que dijo: “Mi política externa mira al Sur”. Fue un sopapo. Hay que entender esto geopolíticamente, Venezuela y Colombia son fundamentales para el sistema norteamericano, son el Mediterráneo norteamericano.
–Para la derecha, ¿el chavismo morirá con él?
–La dimensión de Chávez fue inmensa, pero no considero adecuado caer en el razonamiento de que todo era fruto de su carisma. Decía un autor alemán que vivió en EE.UU. que las personas no llegan al poder porque tienen carisma, el poder es el que les da carisma. Cuando Chávez llegó al poder en 1999 no tenía la gran dimensión internacional que llegó a tener, y en la medida en que se fue desarrollando su proyecto lo tuvo. Ahora hay que ver cómo madura Maduro (risas).
–¿El cesarismo del modelo bolivariano agrava el vacío causado por la muerte del líder?
–Los medios en todo el mundo entronan mucho la actuación del presidente o primer ministro, en los sistemas presidencialistas o parlamentarios, se sobrevalora a la persona, como si la persona fuera imprescindible. Es falso. Nadie gobierna solo, se gobierna porque se representa a un conjunto de sectores, porque se tiene el apoyo de sectores populares, esto pasa en las democracias liberales y en dictaduras. Es falaz considerar que el chavismo es sólo la persona de Chávez. Decir que Chávez era todo fue una mentira de los medios, que también inventaron que la revolución no es democrática, y en la Venezuela de Chávez hubo más elecciones que acá, el presidente Lula lo marcó. No hay noticias de periodistas presos, de opositores presos, si los hubiera serían noticia permanente. Esa prensa creó la fantasía de que la revolución es un sistema unipersonal, y no lo fue.
–¿La larga enfermedad de Chávez permitió que Maduro se afiance como su sucesor?
–Espero que sí, no es fácil saber cuál será su habilidad para mantener dentro del proyecto a los sectores populares, partidos, fuerzas armadas.
–Washington consideró absurda la sospecha de que Chávez haya muerto víctima de una enfermedad inoculada. Ciertamente la hipótesis suena exagerada, ¿usted la descarta?
–No estaría en condiciones de hablar sobre lo que ocurrió, pero Maduro habló del tema según tengo entendido y prometió investigar. El sabrá por qué lo dice y si hubiera alguna desconfianza por parte del gobierno venezolano éste puede adoptar la decisión que le parezca, los Estados tienen soberanía para decidir. No afirmo nada.
Los que pusieron en duda lo que causó la muerte de Arafat (presunto asesinato con sustancias radioactivas) fueron descalificados en 2004, cuando murió. Pasados los años, eso que parecía absurdo ahora no lo es. Que se investigue.
@DarioPignotti

Heranca maldita (bolivariana) - Enrique Krauze

Chaga histórica

Para historiador, o principal ônus da era Chávez foi o ódio dos microfones do poder contra os que divergiam desse mesmo poder

09 de março de 2013 | 16h 00
Enrique Krauze
 
Ele tinha uma concepção polarizada do mundo. Via o mundo dividido entre amigos e inimigos, entre chavistas e pitiyanquis(simpatizantes dos americanos), entre patriotas e traidores. Descobri sua vocação social em livros e ensaios. Mas uma coisa é a vocação social, outra a forma na qual essa vocação é praticada. Obcecado por uma admiração anacrônica pelo modelo cubano, Hugo Chávez tumultuou as instituições públicas venezuelanas, corrompeu a companhia estatal Petróleos de Venezuela SA e foi protagonista do que poderá se revelar o maior desperdício de riquezas públicas de toda a história latino-americana. Mas embora os seus erros econômicos sejam de tão grande magnitude, empalidecem diante das chagas políticas e morais que infligiu ao país.
Chávez magnetiza a massa na Plaza Caracas em fevereiro de 1998: legado polêmico - Jorge Santo/AP
Jorge Santo/AP
Chávez magnetiza a massa na Plaza Caracas em fevereiro de 1998: legado polêmico
Chávez não só concentrou o poder: ele confundiu, ou melhor, fundiu sua biografia pessoal com a história venezuelana. Nenhuma democracia prospera onde um homem supostamente "necessário", único e providencial reivindica a propriedade privada dos recursos públicos, das instituições públicas, do discurso público, da verdade pública. O povo que tolera ou aplaude essa delegação absoluta de poder numa só pessoa abdica de sua liberdade e condena a si mesmo à adolescência cívica, pois essa delegação supõe a renúncia à responsabilidade sobre seu destino.
O principal prejuízo é a discórdia no interior da família venezuelana. Nada me entristeceu mais nas visitas a Caracas (nem sequer a escalada da criminalidade ou a visível deterioração da cidade) do que o ódio dos microfones do poder contra o amplo setor da população que divergia desse poder. O ódio dos discursos, dos cartazes, dos punhos fechados, dos arrogantes porta-vozes do regime em programas de rádio e TV, das redes sociais infestadas de insultos, mentiras, teorias conspiratórias, desqualificações, preconceitos. O ódio do fanatismo ideológico e do rancor social. O ódio surdo à razão e impermeável à tolerância. Essa é a chaga histórica que o chavismo deixa. Quanto tempo levará para sanar? E poderá sanar? É um milagre que a Venezuela não tenha desembocado na violência partidária e política.
Há algumas semanas, com o agravamento da doença de Chávez, antecipei sua imediata santificação, como ocorreu com Evita Perón na, mas, dada a tradição caudilhista da Venezuela, a sacralização de sua figura será mais profunda e permanente. Hugo Chávez conseguiu a imortalidade com que sempre sonhou. Na alma de muitos dos seus compatriotas (e de não poucos simpatizantes na América Latina), ele compartilhará das glórias do Libertador. Até o comandante Fidel Castro poderia sentir-se relegado, vítima de um suave, porém implacável parricídio.
O que acontecerá agora, depois de sua morte? Tudo pode ocorrer, até a divisão interna do chavismo em uma ala ideológica e uma militar ou a vitória da oposição. Contudo, é provável que o sentimento de pesar, somado à gratidão que um amplo setor da população sente por Chávez, facilitem o triunfo de um candidato oficial nas eventuais eleições. Para isso contribuirão os órgãos eleitorais, fiscais, judiciais e - em parte - os legislativos, que continuarão nas mãos do chavismo. Seu retrato, sua cadeira vazia, sua imagem retransmitida interminavelmente acompanharão por algum tempo o novo presidente. Mas todo sofrimento tem um fim. E, neste momento, chavistas não chavistas deverão enfrentar a gravíssima realidade econômica.
Os indicadores de alarme são de domínio público. O déficit fiscal corresponde a 20% do PIB, cerca de US$ 70 bilhões. O dólar, cotado a pouco mais de 6 bolívares, triplica no mercado negro. A inflação vem sendo há anos, a mais elevada da região. A escassez (decorrente do desmantelamento do parque industrial, do êxodo da classe média profissional e da falta crônica de investimentos) virou quase uma tradição venezuelana. Há uma aguda carestia de divisas. Como explicar que um país, que na era de Chávez auferiu mais de US$ 800 bilhões em receitas petrolíferas, apresente contas tão alarmantes?
Boa parte da explicação está no petróleo. Em 1998, a Venezuela produzia 3,3 milhões de barris diários e exportava (e cobrava) 2,7 milhões. Agora, a produção despencou para 2,4 milhões de barris diários, pelos quais cobra apenas 900 mil (os que vende aos EUA, o império odiado). O restante, que ele não cobra, divide-se assim: 800 mil vão para o consumo interno, praticamente gratuito (e que gera um polpudo negócio de exportação ilegal); 300 mil destinam-se a pagar créditos e produtos adquiridos na China; 100 mil são gastos com a importação de gasolina; e 300 mil vão a países do Caribe que pagam (quando pagam) com descontos e prazos enormes ou simbolicamente, como Cuba, que "paga" seus 100 mil barris com o envio de médicos, professores e policiais (e se beneficia do petróleo venezuelano a ponto de reexportá-lo).
Um presidente chavista deverá enfrentar essa realidade e encarar o público. Mas esse mandatário já não será Chávez o hipnótico, Chávez o taumaturgo, o líder que explicava tudo, justificava tudo, minimizava tudo. As pessoas culparão os chavistas por não estarem à altura do seu legado. Dirão: "Chávez não teria permitido isto", "Chávez teria resolvido isto". Chegado a este ponto, o próprio regime chavista talvez se convencesse da necessidade de um diálogo de conciliação que agora parece utópico. E aí se poderia abrir uma oportunidade concreta para a oposição.
Depois dos longos anos de inconsistências, omissões e erros, a oposição venezuelana mostrou-se unida, escolheu um líder inteligente e determinado (Henrique Capriles) e teve bom desempenho nas eleições: recebeu quase 7 milhões de votos. Durante a agonia de Chávez, sem deixar de levantar a voz de protesto, mostrou uma notável prudência que deve confirmar nestes dias de dor e de comoção. Se a oposição - que esperou tanto - conservar a coesão e a presença de espírito, poderá avançar nas eleições legislativas, regionais e presidenciais e recuperar as posições que perdeu. Uma força latente também deverá despertar: os estudantes. Eles exerceram papel fundamental no referendo de 2007 (que impediu a conversão aberta da Venezuela ao modelo cubano) e talvez voltem a exercê-lo.
Acredito que, com a morte do grande caudilho messiânico ("Redentor", como o chamou abertamente o próprio Maduro), a Venezuela encontrará, cedo ou tarde, o caminho da concórdia: se nos quinze anos de Chávez a violência verbal não transbordou para a violência física, é razoável esperar que não explodirá agora. E a mudança poderá ser contagiosa. Cuba, a Meca do redentorismo histórico, o único Estado totalitário da América, poderá reformar-se como a Rússia e a China. Toda a região poderá oscilar então entre regimes de esquerda social-democrática e governos de economia mais aberta e liberal. E para que o trânsito seja menos acidentado, os EUA também deveriam dar sinais inéditos de sensatez, cancelando o embargo a Cuba e fechando a prisão de Guantánamo.
O século 19 latino-americano foi o século do caudilhismo militarista. O século 20 sofreu o redentorismo iluminado. Ambos os séculos padeceram com os homens "necessários". Talvez no século 21 desponte um novo amanhecer, um amanhecer plenamente democrático.
TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
ENRIQUE KRAUZE, ESCRITOR E HISTORIADOR MEXICANO, É AUTOR DE OS REDENTORES - IDEIAS E PODER NA AMÉRICA LATINA (BENVIRÁ).

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