Salários de diplomatas no
exterior: um falso debate
Paulo Roberto de Almeida
Depois que aqui postei uma
matéria do jornal O Globo sobre os altos salários de diplomatas no exterior,
várias pessoas me pediram comentários sobre o assunto, algumas de maneira
educada, mas uma, perceptivelmente, com uma espécie de esgar de triunfo: “pronto,
vamos pegar esses desgraçados, que dilapidam a nação com seus salários
nababescos, e sobretudo esse falso moralista [eu] que critica a tudo e a todos,
vamos ver como ele se sai dessa agora”. Claro, não foi assim, e foi em tom bem
mais raivoso, mas que não me cabe transcrever aqui.
Pois bem, existem altos
salários de diplomatas no exterior? Pode ser, ou até parece, numa simples
transcrição de valores em dólares transformados ao câmbio do dia. Esses
salários deveriam ser trazido abaixo do teto constitucional que é o dos juízes
do Supremo? Vou logo dizer que isso é ridículo, e tecer algumas considerações
sobre o assunto.
Qualquer um que conheça a
estrutura – que não existe, a bem dizer – dos salários do setor público no
Brasil sabe que se trata de um caos indescritível, em cada um dos poderes,
dentro dos poderes, entre eles, nos três níveis da federação, em qualquer
dimensão que se possa examinar. Não existe correspondência entre cargos e
funções, existem diversos meios de escape dos baixos salários (com
reclassificações indevidas), existem cargos de confiança que são na verdade de
apaniguados, em grande medida, e existe, de forma abundante, barroca,
surrealista, milhares de penduricalhos e empulhações, que atendem pelo nome de
“gratificações”, dezenas delas, a maior parte completamente artificiais,
criadas unicamente para aumentar os ganhos sem precisar passar pelo ritual de
aprovação de uma lei específica, penduricalhos que depois são incorporados aos
salários nominais e até às aposentadorias (não só do próprio, como das viúvas,
que em média sobrevivem os próprios por 17 anos). Enfim, não preciso descrever
o horror que é essa situação e não preciso falar do horror que tenho dela.
Um país decente, ou
simplesmente normal, teria uma estrutura linear, progressiva, transparente, de
salários do setor público, atingindo a todos os funcionários públicos, onde
estivessem, o que fizessem, em qualquer poder, em qualquer unidade da
federação. Não conheço o sistema japonês em detalhes, mas parece que se trata
de algo próximo disso, e quem quiser saber como deveria funcionar no Brasil,
talvez devesse olhar o sistema japonês. Mas o Brasil não é, obviamente, um país
normal, e por isso exibe aberrações inacreditáveis, a começar pelo fato de que,
na média, os funcionários públicos ganham cinco ou seis vezes mais do que seus
equivalentes funcionais no setor privado, e não imagino (ao contrário, imagino
sim, mas pelo outro lado) que a produtividade média do funcionário público seja
cinco ou seis vezes superior à de seus colegas, ou equivalentes, do setor
privado.
O problema, portanto,
começa por aí. Para tentar colocar um pouco de ordem nesse caos, ou talvez para
tentar contornar o problema, burocratas espertos trabalhando para políticos
idem resolveram criar o tal de teto constitucional, o que por si já é uma
aberração. Como já disse alguém, a Constituição só não traz o seu amor de volta
em três dias, mas o resto, procurando bem, está lá. Não se trata de um teto,
pois ele é furado por dezenas de expedientes expertos, e outras malandragens
típicas dos brasileiros, que são altamente inovadores na malandragem justamente
(acabam de pegar uma médica do SAMU que tinha seis dedos em silicone de
colegas, para certificar presença no trabalho: devem ter aprendido desses
filmes de espionagem de Hollywood, trazendo os melhores truques da CIA). O teto
é patético e ridículo, inclusive porque não é um teto para os próprios
“tetados”: eles recebem diversas outras mordomias em espécie e em serviços,
ademais de ajutórios de diversas ordens para viver, comer e se vestir,
coitados, que seu salário real supera amplamente o de um juiz da Suprema Corte
dos EUA (atenção: não acho que eles ganham muito não, mas é que os EUA exibem, na
média, uma renda per capita cinco ou seis vezes superior à do Brasil, e que lá
esse é, de fato, o maior salário da função pública).
Pois bem, o que dizer,
então, do uso desse teto furando, em reais, no Brasil, sem computar qualquer
outro penduricalho, com salários (de diplomatas e militares, por exemplo) no
exterior, pagos em dólar por conveniência, mas vivendo em diferentes países,
com custos de vida e paridades cambiais bem diversas entre si. Não sou
economista, mas conheço economia, e sobretudo conheço e conheci a vida em
dezenas de países diferentes, do socialismo surreal ao capitalismo ideal, da
bonança rica à miséria mais miserável, e sei, por exemplo, que os aluguéis mais
altos podem ser encontrados em lugares os mais modestos, e que a loucura econômica
de certos governos pode ser ainda mais alta do que a imperante em certo país
tropical, onde burocratas, magistrados e luminares acham que podem usar um
valor nacional como parâmetro universal de alguma coisa.
Não vou entrar nesse
debate de que o salários dos diplomatas no exterior deve ser regulado pelo teto
constitucional brasileiro porque ele já é ridículo no próprio Brasil e para o
exterior passa a ser simplesmente surrealista. Uma coisa apenas afirmo: o teto
constitucional NÃO PODE ser parâmetro para medir qualquer coisa fora do Brasil,
em qualquer sentido que se pretenda. Encerro esta questão afirmando novamente:
isso é absolutamente ridículo, ponto!
Agora, os diplomatas
ganham muito no exterior? Em relação a que? Assim como não se mediu, no teto constitucional
dos juízes do Supremo os muitos penduricalhos que Suas Excelências agregam,
como medir os salários de outros diplomatas, que podem estar sendo
contemplados, por seus respectivos serviços, com diversas outras vantagens
indiretas (como educação dos filhos, por exemplo, algo que angustia a maior
parte dos secretários servindo no exterior)?
Sou totalmente a favor de
que uma lei absolutamente transparente que regulamente o que ganham TODOS os
funcionários públicos, no Brasil e no exterior. Neste último caso, eu não
chegaria ao ridículo de vincular o salário no exterior a QUALQUER valor do
Brasil, pois isso é economicamente falho e inadequado do ponto de vista
cambial, ou da simples conjuntura econômica, que muda sensivelmente em poucos
meses, trazendo alterações para melhor ou para pior no poder de compra. Existem
mecanismos pelos quais se pode estabelecer uma remuneração fixa, em escala, e
depois diferentes mecanismos de correção, e de adição, segundo o poder de
compra e a situação do trabalhador (com filhos, ou solteiro, por exemplo).
Enfim, não vou entrar nos
detalhes das remunerações pois não sou especialista, nunca me interessei pelo
assunto e jamais vou trabalhar num setor de administração que cuide de matérias
tão chatas quanto essa. Jamais procurei saber quanto iria ganhar em qualquer função
ou cargo que exerci, no Brasil ou no exterior. Isso simplesmente não me
interessa. Ganho o que me pagam, adapto meus gastos ao que ganho, e isso é
tudo, ponto final. Existem diplomatas que ficaram ricos na carreira? Pode ser,
mas não deve ser fácil para um diplomata normal, pois poucas vezes encontrei
colegas construindo mansões e dando festas faraônicas, como por vezes ocorre
com outros funcionários de alguns setores. Em todo caso, nunca encontrei, na
carreira, alguém que tenha entrado com o ânimo de enriquecer. Enfim tudo é possível,
nos assuntos humanos...
Agora, quanto a esse falso
debate que tentam criar no Brasil, em torno do teto constitucional para
diplomatas no exterior, só posso repetir: é ridículo!
Paulo Roberto de Almeida (Hartford, 10/03/2013)
16 comentários:
Primeiros anos no Itamaraty : 13000 R$
Primeiros anos no Quai d'Orsay: 2500 euros
Embaixador brasileiro ganha pouco, terceiro secretário ganha muito.
Comparacoes sao muito arriscadas e falhas, pois existem diferentes "cestas" salariais entre os paises, com diferentes componentes. Eu nao traduziria salarios nominais em cambio do dia, pois essa metodologia nao leva em conta o PPP e outros fatores.
Obrigado, doutor Paulo, pelos esclarecimentos. Imaginei que fosse algo assim. Sobre comparações, concordo plenamente. Pouco tempo atrás alguém fez comparação similar em relação aos fiscais do trabalho. A pessoa alegava que o auditor do trabalho brasileiro é o de maior remuneração no mundo. Aleguei que comparações diretas são perigosas e utilizei um exemplo rasteiro: no Brasil, o auditor precisaria gastar R$ 200 mil reais pra comprar o tão desejado (não por mim) Ford Camaro. O seu colega americano gastaria U$ 30 mil. Uma terceira pessoa aprofundou: o brasileiro levaria 18 meses para receber tal montante, enquanto o americano faria o mesmo em 6 meses. Difícil julgar olhando de fora, não é mesmo?
Meu caro Rodrigo,
Não creio que o preço de um carro, sem levar em conta o diferencial de preço de fábrica e o de mercado (incluindo portanto impostos do governo) seja critério de comparação para salários de funionários.
Temos de ver parametros mais confiáveis.
PRA
Sem dúvida, como disse foi um exemplo bastante rasteiro. Mas creio que a analogia seja válida dentro de suas limitações. De qualquer modo, agradeço seus esclarecimentos. Nossa imprensa adora (des)informar.
Concordo que a ideia de teto é idiota. No entanto, é a lei, e deve ser cumprida. Se o teto é ruim, então que o Congresso mude isso. O que não pode é haver um dispositivo constitucional sendo desobedecido.
Boa Noite, grato pela resposta. No entanto, gostaria de clarificar uma situação: referiu que a educação no exterior é um bónus atribuído por governos estrangeiros aos diplos no estrangeiro, mas e tal como um comentador referiu os diplos europeus chegam a receber, apenas, metade. Por isso, nao vejo necessidade desse subsidio. Os diplos brasileiros só de salario base tem valores altíssimos, alias a conversão do teto salarial em reais para dolares dá cerca de 10000 dolares, como existem casos só de salario base com 15000 dolares ? Os diplos europeus e posso- lhe garantir recebem em muitos casos e apenas, o montante do salario que os diplos brasileiros recebem e já com representacao, família e risco...o Brasil vive noutro mundo!
Em relação a quê??? Aos diplos estrangeiros e directores de empresas internacionais. Por exemplo, Luanda- 58mil reais, casa... Directores de empresas americanas 30-35 reais... Diplos espanhóis ou Portugueses- 9000 euros já com salario, representacao, família... Ou seja mt menos! Quanto a festas e mansões que referiu, no exterior poucas representações são tão majestosas como as do Brasil...como diplo sei que tem noção do que digo. Fazem sombra até aos japoneses, americanos e chinese mt bem pagos...
Meu caro,
sua resposta foi patética. Corporativista até o pescoço. Procure no seu blog, deve ter dezenas de posts nos quais você ataca os salários de diversos cargos do funcionalismo público e NUNCA, repito, NUNCA, veio com esse papo furado de que não é possível comparar. É claro que é possível comparar. Será que um diplomata brasileiro é tão melhor que um sueco? Quanto ganha um Terceiro Secretário brasileiro no Paraguai e quanto ganha seu equivalente da Espanha? E se formos considerar o "custo de oportunidade" desse pessoal, digo sem medo de errar que é ZERO em grande parte dos casos.
Prezado PRAlmeida,
Concordo totalmente com a linearidade, transparência e objetividade salarial. Por outro lado, entendo que é fundamental haver um limite (teto), porque sem ele poderia ocorrer diversos abusos.
Seja como for, falta uma lei específica para tratar das exceções ao teto (tb de maneira clara, direta e objetiva). Tudo para eliminar esses penduricalhos, acréscimos e indenizações obsuras, que somente dão margem para desmoralizar nossa função pública.
Abs, Luís F. (São Carlos/SP)
Boa Tarde, começo por agradecer a resposta clara e concisa. De qualquer forma, gostaria que explicitasse o que compõe o salário e a verba de representação. Cumpts
Sendo mais explicito:
1) O salário em dólares é uma mera conversão de reais para dólares com base no salário base de Brasília ou comporta mais componentes. Se sim, quais?
3) O salário integra o auxilio aluguel? Ou essa não está publicada?
2) A verba de representação é isenta de imposto? Que componentes integra?
Denoto diferenças substanciais entre postos, nalguns casos não se entende a diferença tão grande. Cumpts e Votos de Uma Boa Páscoa
Anônimo perguntador sobre salários,
Eu sou a ULTIMA pessoa do MRE a lhe esclarecer sobre esses pontos.
Simplesmente não me interesso por Administração, por pessoal, por salário. Ganho o que me pagam e não pergunto por que, como ou o que entra ou não, simplesmente não me interessa.
Só sei que o salário no exterior deve ter tabela própria (não me pergunte qual, ou de onde sai), que não é conversão de salário em real, e nem poderia ser, por simples lógica elementar.
Auxilio aluguel, suspeito que varie de posto a posto, pois alguns são simplesmente surrealistas, estratofericos e absurdos; se não houvesse, ninguem gostaria de ir para Luanda, por exemplo, ou Toquio. Mas não sei como isso é feito, nunca me interessou saber.
Imposto de Renda é outra história, deve ter suas regras, nunca me interessei em saber quais: faço pelo programa, coloco tudo o que tenho e mando, acabou.
Acho melhor você perguntar a quem sabe responder.
Não falo mais desse tipo de assunto.
Paulo Roberto de Almeida
honestamente? os salarios de TODOS funcionarios publicos do Brasil sao absurdos. Quando eu conto para meu amigos no Canada (País onde Vereador é trabalho não remunerado) sobre os salários de um reles oficial de chancelaria no Brasil (e os benefícios em relação ao resto do povo), eles ficam de olhos abertos e dizem "Quero se funcionário público no Brasil!". Então meu amigo, numa boa, essa gente do Itamaraty não passa de um bando de pomposos que agora, nem francês falam mais. Só MAMANDO.
Eu acho que o salário é justo em relação ao que o governo pede de conhecimento por parte do diplomata. Alguém aqui tem noção da quantidade de tempo e dinheiro que um aspirante a área diplomática ganha? Professores particulares de inglês, espanhol e francês ( pois as escolas de idioma no Brasil são muito fracas), um curso geral para iniciação nas outras matérias custa em torno de vinte mil reais, fora o que se gasta em livros (um valor bem majestoso); e mais cursos de preparação avançada, mais vinte mil..... a lista continua
Estudante,
Não só o debate sobre tetos salariais é ridículo, mas o Brasil é um país absolutamente ridículo, ao colocar um teto salarial para o funcionalismo público na Constituição. Só países muito ridículos fazem uma coisa dessas.
Um teto qualquer, no Brasil, acaba se converter em piso, devidamente constitucionalizado.
Ridiculo, também, é converter o salário do exterior ao câmbio do dia e pretender que seja pouco ou muito, sem levar em conta vários outros fatores.
Os funcionários públicos no Brasil ganham muito, mas hoje o Brasil é um país absolutamente caro, o que também é ridículo.
Existem tantas deformações (causadas pela política econômica) que fica difícil debater sem levar em conta o supremo intervencionismo do governo na economia e em todos os outros setores, inclusive salários.
Se o câmbio mudar, o salário deve mudar também?
Deixemos de ser ridículos...
Paulo Roberto de Almeida
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