O jurista brasileira comete pequeno erro ao referir-se ao ingresso da Venezuela na comunidade sul-americana, quando ele obviamente queria dizer Mercosul.
Seu artigo não fala nada da Unasul, que está esplendorosamente, ruidosamente quieta, absolutamente muda e silenciosa, sobre os atropelos bolivarianos à sua própria constituição.
E a "não indiferença"? Agora basta a não intervenção?
Mas e o Paraguai? Qual das duas?
Provavelmente nenhuma, mas o substantivo já é outro...
Paulo Roberto de Almeida
A
CONSTITUIÇÃO VENEZUELANA EM FRANGALHOS
IVES
GANDRA DA SILVA MARTINS
Reza
o artigo 233 da Constituição venezuelana que:
“Quando
se produza a falta absoluta do Presidente eleito ou da Presidenta eleita antes
de tomar posse, se procederá a uma nova eleição universal, direta e
secreta dentro de 30 dias consecutivos seguintes. Enquanto se elege e toma
posse o novo presidente ou a nova presidenta, se encarregará da
presidência da República o presidente ou a presidenta da Assembléia Nacional”.
O
falecido presidente, Hugo Chávez, não tomou posse após sua reeleição. Esta deveria
ter ocorrido em 10 de janeiro de 2013, como determina o artigo 231 (o candidato
eleito tomará posse em dez de janeiro do primeiro ano de seu período
constitucional).
Por
outro lado, Maduro, de rigor, foi, até 10 de janeiro,
o vice-presidente escolhido por Chávez. NÃO FOI ELEITO PELO POVO, já
que artigo 236 inciso III da Lei Maior daquele país, entre as
atribuições do presidente da República, outorga-lhe a de
“nomear e remover o vice-presidente executivo”.
Determina, ainda, a Carta
Magna venezuelana, que “não poderá ser eleito
presidente quem esteja em exercício no cargo de vice-
presidente executivo” (art. 229).
Quando
Chávez faleceu, estava na vice-presidência, por
esdrúxula decisão da Corte Maior do país, Maduro, o atual candidato à
presidência.
Ora,
como Hugo Chávez nunca tomou posse para o novo mandato, com a sua morte,
caberiam novas eleições e quem deveria ter
assumido a presidência da República seria o Presidente da Assembléia Nacional.
É
de se lembrar ainda que, o artigo 328 da Lei Maior daquele país declara que as
Forças Armadas “constituem uma instituição essencialmente profissional, SEM
MILITÂNCIA POLÍTICA”.
Como
se percebe, com a autonomeação para presidente do Sr. Maduro, a Constituição
venezuelana foi esfrangalhada pelos herdeiros de Chávez, dispostos a
manter a qualquer custo o poder, com sucessivos golpes à sua Lei Maior.
Tenho
me dedicado, há muitos anos, ao estudo de
Constituições latino-americanas, desde a promulgação da brasileira. Fui
convidado pelo governo paraguaio a proferir palestras, antes da promulgação de
seu texto supremo, a fim de, com outros
juristas das Américas, falar sobre a então
recente Carta Magna nacional. Com Celso Bastos atendi ao
Procurador geral do governo argentino, em
consultas sobre as virtudes e os defeitos do processo constituinte brasileiro,
ele que fora o encarregado pelo presidente Menem a deflagrar o processo que
terminou por desaguar na atual Constituição da Argentina. Participamos,
inclusive, de um programa de TV sobre a Constituinte de nosso vizinho.
Ainda
em 2010, o Itamaraty promoveu a publicação de todos os textos
latino-americanos, iniciativa do embaixador Jerônimo Moscardo, seguida de
estudos de constitucionalistas do Continente, inclusive meu.
O
que me preocupa, hoje, é que, ao sabor dos humores e tendências ideológicas,
estes textos máximos são manipulados, desfigurados, dilacerados por aqueles que
usufruem o poder. Lembro a frase do Presidente do Uruguai, Mujica,
ao apoiar a exclusão do Paraguai do MERCOSUL: “Nossa decisão foi, não jurídica,
mas política”. Tal decisão permitiu, sem o aval necessário daquele país, a
entrada da Venezuela na comunidade sulamericana.
Ocorre
que, o artigo 225 da Constituição paraguaia permite o afastamento do presidente em face do “mau desempenho de suas funções”, “por maioria de 2/3 na Câmara dos Deputados e no
Senado”.
À
evidência, a decisão que puniu o Paraguai por cumprir a sua Constituição, não
teve caráter jurídico. O país foi punido por
ter afastado um companheiro de ideologia de
seus aliados, sendo o correto Direito Paraguaio visto
como um empecilho, pateticamente
violentado, na gráfica frase de Mujica “a decisão foi política e não jurídica”.
Parece-me
de extrema gravidade a nomeação, para a chefia do
Executivo, de alguém não eleito pelo povo. É um duro golpe na
credibilidade de que aquele país vive um regime democrático.
O
fato de Maduro utilizar-se de um cadáver como seu cabo eleitoral e explorar a
emotividade do povo, amputando o direito da oposição com perseguições aos meios
de comunicação e prisões políticas de pessoas contrárias ao seu governo, não
poderá legitimar nunca sua nomeação. O “processo
de eleição” está viciado, já que não presidido
pelo presidente da Assembléia Nacional, mas pelo
próprio Maduro e com o apoio escancarado das Forças Armadas, que
constitucionalmente são proibidas de manifestar-se sobre política. E concorre,
tendo sido vice-presidente, até sua autonomeação como presidente!!
O
melancólico papel do Tribunal Superior de Justiça (art. 262 da Constituição da Venezuela) formado por amigos do
falecido presidente, que, devendo assegurar o
predomínio da Constituição, apunhala-a, torna aquele país, não mais uma democracia, mas
uma ditadura com fantástica manipulação do povo por quem detém o comando
autoimposto.
Não
vejo qualquer distinção entre a posse de Maduro, maculador da Constituição
venezuelana, e Hitler, em 1933, quando, com o
mesmo poder de iludir
o povo e perseguir e calar a oposição, deu início ao III Reich, tendo estupenda aprovação de uma sociedade seduzida pelas promessas messiânicas do ditador alemão.
Maduro
não tem nem legitimidade, nem legalidade no exercício do poder, mesmo com o
apoio de uma Corte Judiciária formada por
amigos de Chávez, que, por força do artigo 263
da Lei Suprema, deveriam ser notáveis juristas,
mas que, pelo visto, conseguem esconder muito bem estes eventuais
conhecimentos.
Como
Maduro encena uma ideologia que agrada ao governo brasileiro, tenho a certeza de que o Itamaraty se curvará a mais esta violação
da democracia e da Constituição venezuelana e nada fará para punir este país,
como puniu o Paraguai.
IVES
GANDRA DA SILVA MARTINS,
Professor
Emérito das Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O ESTADO DE
SÃO PAULO, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército - ECEME, Superior
de Guerra - ESG e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região;
Professor Honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres
(Peru) e Vasili Goldis (Romênia); Doutor Honoris Causa das Universidades de
Craiova (Romênia) e da PUC-Paraná, e Catedrático da Universidade do
Minho (Portugal); Presidente do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO -
SP; Fundador e Presidente Honorário do Centro de Extensão Universitária - CEU/Instituto
Internacional de Ciências Sociais - IICS.
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