domingo, 23 de junho de 2013

Educacao no Brasil: de mal a pior; artigos e livros Gustavo Iochpe, resenha de Paulo Roberto de Almeida

O tema é educação, que continua a decair assustadoramente no Brasil. Eu escrevi sobre isso, mas quando os desastres ainda eram pequenos, no primeiro governo Lula. A coisa continuou a se deteriorar desde então.  
Leitora deste blog me indica a leitura deste livro, que efetivamente devo ler, embora conheça muito do conteúdo, que já na Veja: 

Um dos livros que li recentemente, somente me aprimorou em pensamentos contrários aos da Pedagogia do Oprimido, por exemplo. Não sei se o Sr. já leu: "O que o Brasil quer ser quando crescer?", de Gustavo Ioschpe. Os artigos que ele selecionou para o livro foram artigos base para pensamentos de educadores que querem mudar a educação nesse país, mas não no sentimentalismo e sim em lógicas e estatísticas. Se ainda não leu, indico. Excelente livro.

Respondi o que segue, indicando todas as postagens deste blog relativas a esse autor (index: Ioschpe). Ao final, transcrevo a versão completa de minha resenha (de 2006) sobre o primeiro livro dele, pois creio que nunca a havia postado aqui:

Ainda não li esse livro, que é uma coleção de artigos que ele publicou na Veja, muitos dos quais eu já li, mas já tinha lido o primeiro livro dele, que eu recomendo: 
A ignorância custa um mundo: o valor da educação no desenvolvimento do Brasil (São Paulo: Francis, 2004, 234 p.). 

Eu fiz uma extensa resenha desse livro, como registrado aqui: 
1537. “A educação é cara?; experimente a ignorância...”, Brasília, 22 janeiro 2006, 3 p. Resenha de Gustavo Ioschpe: A ignorância custa um mundo: o valor da educação no desenvolvimento do Brasil (São Paulo: Francis, 2004, 234 p.). Feita versão resumida sob o título “Reforma do ensino no Brasil”. Publicada, sob o título de “O custo da ignorância”, em Desafios do Desenvolvimento (Brasília, IPEA-PNUD, a. III, n. 20, mar. 2006, p. 62). Colocado no blog “Book Reviews”, sob nº 29 (link: http://praresenhas.blogspot.com/2006/04/29-educao-cara-experimente-ignorncia.html#links). Expandido a pedido de Roberto Macedo para a revista de Relações internacionais e Economia (Trabalho n. 1602). Relação de Publicados n. 632.

Conheço bem as ideias e materiais do autor, e já postei muita coisa dele neste mesmo blog, como se pode ver abaixo:
Diplomatizzando: Educacao:utopia e realidade - Gustavo Ioschpe
13 Abr 2013
Gustavo Ioschpe Revista Veja, 13/04/2013. A missão da boa escola é ensinar as disciplinas fundamentais aos alunos, e não tentar corrigir as desigualdades do Brasil. Um dos males que assolam nossa educação é a ...
http://diplomatizzando.blogspot.com/
A educacao no mundo ea deseducacao no Brasil - Gustavo Ioschpe
20 Fev 2012
Gustavo Ioschpe. Revista Veja, 22/02/2012. O ensino superior do futuro. Há uns anos, fui dar uma palestra em uma universidade privada. Perguntei ao diretor qual era o maior desafio deles. Imaginei que ele fosse me dizer ...
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Diplomatizzando: A escola brasileira degringola, literalmente...
30 Jun 2010
Minha atenção foi chamada para este artigo do Gustavo Ioschpe pelo meu colega de resistência anti-irracionalidades Orlando Tambosi, que o postou em seu blog. Conheço outros trabalhos do autor, entre eles este seu livro, ...
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Diplomatizzando: A destruicao da escola publica pela universidade ...
21 Ago 2011
Como pai da ideia, o empresário e economista Gustavo Ioschpe, pensador ad hoc da educação, esteve em Goiânia respaldando a decisão do secretário de Educação, Thiago Peixoto. Em seu Twitter, no final da tarde de ...
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Diplomatizzando: Educacao na China, educacao no Brasil: tudo a ...
20 Dez 2011
Educacao na China, educacao no Brasil: tudo a ver? Gustavo Ioschpe um economista conhecido por ser especialista em educação, passou algum tempo na China, inquirindo sobre a educação. O resultado completo está na ...
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Diplomatizzando: 2081) Brasil: potencia economica de semiletrados
12 Abr 2010
(Shanghai, 13.04.2010) Brasil: a primeira potência de semiletrados? Gustavo Ioschpe Revista Veja, 14.04.2010 "Apesar do oba-oba, o Brasil está próximo de ser um colosso econômico e esquecer a formação de sua gente"
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Diplomatizzando: Educacao no Brasil: salarios e desempenho dos ...
30 Mai 2010
Artigo • Gustavo Ioschpe Revista Veja, edição 2167 - 2 de junho de 2010 "A partir da década de 90, ocorreu um aumento substancial de salário nas regiões mais pobres do Brasil, mas não houve melhoria na qualidade do ...
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Diplomatizzando: Descontruindo a educacao brasileira
09 Mai 2010
Acho que o Gustavo Ioschpe é tão preocupado quanto este escriba no que se refere à tragédia que é a educação brasileira, em todos os níveis. Paulo Roberto de Almeida. 10/05/10 11:38 · Paulo R. de Almeida disse.
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Educação e desenvolvimento: como o Brasil vem falhando nos dois lados

Gustavo Ioschpe:
A ignorância custa um mundo: o valor da educação no desenvolvimento do Brasil
(São Paulo: Francis, 2004, 234 p.)

“Se você acha a educação cara, experimente a ignorância”. A frase é de um antigo reitor (presidente) de Harvard, respondendo a reclamações de pais de alunos quanto ao custo da universidade. Ninguém que já esteja ou que tenha colocado o seu filho no ensino superior tentará a via alternativa, obviamente, o que promete reclamações contínuas pelo futuro previsível e custos crescentes no terceiro ciclo, tanto para as famílias quanto para os governos. Todos os países desenvolvidos possuem universidades de primeira linha, assim como o Brasil (ainda que as nossas ainda não figurem no panteão das “excelências” mundiais). Elas custam caro, muito caro, qualquer que seja seu modo de financiamento, pela via privada, pela via pública, ou por combinações variadas de ambas.
Nem sempre qualidade equivale a custos, mas há uma razoável expectativa de que a melhor qualidade exija e corresponda a uma fatura mais elevada. Os retornos, segundo se depreende das experiências conhecidas, são proporcionais aos investimentos, embora existam países que insistem em desmoralizar a teoria e o registro histórico, como se pode adivinhar pela singular trajetória brasileira de custos elevados e qualidade nem sempre compatível com o retorno esperado. Mas este não parece ser o problema mais importante que nos deveria ocupar neste momento, haja visto o fato de que o Brasil parece possuir universidades que constituem um poço sem fundo do ponto de vista orçamentário, sem que elas consigam exibir uma produtividade à altura. O que justamente distingue o Brasil dos países desenvolvidos é que estes também exibem qualidade boa ou aceitável nos dois ciclos anteriores ao ingresso nas universidades, o que não parece ser o caso do Brasil. Este é um dos problemas de que se ocupa este denso e instigante livro, um dos mais importantes a ter sido publicado no Brasil nesta área extremamente problemática de planejamento e de aplicação de políticas públicas setoriais nos três níveis da federação.
Quanto o autor do livro propôs, em 1997, a cobrança de mensalidades dos alunos abastados das universidades públicas, as reações foram inusitadamente fortes, o que comprovou que ele tocara em um ponto caro (e como) às classes médias. Afinal de contas, elas já tinham sido obrigadas a pagar pelos dois ciclos precedentes em instituições privadas e agora gostariam de usufruir o que existe de melhor na educação brasileira. Mas o importante a ser ressaltado no excelente livro de Ioschpe é que o ensino superior não é o problema principal do Brasil, ou pelo menos este não é O problema nacional, ainda que os indicadores a esse respeito nos coloquem abaixo da média dos países emergentes e muito aquém dos países da OCDE. A grande questão, obviamente, é a má qualidade do ensino nos dois primeiros ciclos. Esta é a verdadeira tragédia nacional.
Para situar os problemas da educação no Brasil, Gustavo Ioschpe não esconde o seu pessimismo: “estamos pior do que se poderia imaginar” (p. 132). Também, pudera: o secretário de educação do maior estado da federação publicou, em 2003, no maior jornal do país, um artigo no qual ele defende uma concepção “poética” para a educação, no qual ele diz ser “necessário que os educadores propiciem aos seus aprendizes a consciência do que é o bem, o bom e o belo”!!! Como diz o autor, seria preciso que os “aprendizes” soubessem, antes, ler e escrever – e contar, eu acrescentaria –, “coisa que hoje não sabem fazer” (p. 15). “O resultado dessa visão da educação desprovida de qualquer sentido prático e objetivos mensuráveis é uma confusão de sentimentos nobres e resultados pífios, em que a incompetência se traveste de qualquer rótulo pedagógico ou posicionamento ideológico que a torne inatacável. Em última escala, esse desacerto conduz ao atoleiro do atraso, no qual o Brasil se afunda cada vez mais à medida que seus concorrentes evoluem a passos largos na popularização do conhecimento” (idem).
No seu prelúdio, “para que serve o governo”, Ioschpe descarta duas possíveis objeções à sua abordagem. Ele não adota, em primeiro lugar, uma visão economicista da educação, “como se sua única função fosse gerar aumento de renda”, mas ele pensa, sim, a educação como “ferramenta” para o crescimento e para o desenvolvimento econômico. Ele não pensa, em segundo lugar, que uma educação voltada para o desenvolvimento é necessariamente técnica, profissionalizante, ou “alienadora”, como se dizia antigamente. Ele crê ser necessária uma “vasta base intelectual – multidisciplinar, horizontal”. É com base nessas duas premissas que ele estuda o impacto da educação sobre o crescimento e busca propor mudanças no sistema educacional brasileiro para que essa relação se torne não apenas viável mas virtuosa. 
Na primeira parte, ele traça um quadro abrangente sobre o papel da educação no crescimento – mostrando o impacto altamente relevante dessa variável no desempenho econômico relativo dos países, com base em amplo espectro de estudos especializados –, o que lhe permite fazer, na segunda parte, um diagnóstico preciso desses problemas no Brasil. A situação é estarrecedora: temos poucos jovens nas escolas e os testes aplicados, tanto internamente como no contexto de programas da OCDE, dão resultados não só pífios, como caminhando para pior. Na educação, como na política, o Brasil consegue realizar o milagre que caminhar para trás...
Uma frase resume o sentido de sua crítica. “No Brasil, um país onde a educação é um dos principais responsáveis pela desigualdade de renda, assiste-se a uma grande mistificação sobre o assunto, em grande parte porque aqueles que se dizem esquerdistas e igualitaristas no discurso acabam defendendo, na prática, um modelo elitista e exclusivista que mantém e protege as desigualdades reinantes” (p. 158). A solução não está em aumentar a oferta de vagas nos níveis mais baixos (já perto de 100%), mas sim a de concluintes capazes de entrar nos segundo e terceiro ciclos e a única solução para isso é “aumentando a qualidade dos níveis mais baixos de educação” (p. 161).
Antes de propor a reforma completa do ensino no Brasil, não custa nada eliminar alguns mitos, como por exemplo o de que o Brasil gasta pouco em educação. Não: gastamos mais (5,1% do PIB) do que a média da OCDE (4,9%). Colocar mais dinheiro seria aumentar a ineficiência do sistema. Os professores tampouco ganham mal, para o número de horas efetivamente trabalhadas, ao contrário: eles ganham um pouco mais do que outros profissionais de mesmo nível de qualificação, sem falar das outras benesses do serviço público (estabilidade, melhor pensão, menos anos para aposentadoria etc.). Descobre-se que o Brasil gasta dinheiro nos níveis errados, com prioridades erradas.
Alguns dados, entre outros: “os universitários de instituições públicas representam menos de 2% das matrículas da educação do Brasil, mas recebem 29% dos gastos públicos destinados à educação” (p. 183). O custo por aluno é quase o dobro da média da OCDE, a relação aluno-professor é inferior, a formação leva mais tempo e o professor universitário recebe por uma pesquisa que ele não faz. No Brasil, o custo de um aluno universitário do setor público pode ser 4 a 9,5 vezes mais do que o similar do setor privado, contra uma média internacional de 2,3 para 1 (p. 189).
Quanto à reforma do ensino no Brasil, não é que faltem metas: os MEC as tem demais, mas esse ministério tão cheio de pedagogas e de técnicos educacionais continua insistindo nos caminhos errados. Como o livro foi escrito no primeiro ano do governo Lula, com base em pesquisas conduzidas bem antes, é provável que, se lhe fosse dado o lazer de atualizar os dados com base nas propostas para os vários ciclos efetuadas nestes três últimos anos, o autor contemplasse estarrecido o cenário de desolação que se desenha e que continua a se desenvolver no Brasil. A começar pela insistência do MEC em pretender monitorar ideológica e administrativamente as universidades privadas e em dar foros de igualitarismo às universidades públicas, contra a vontade dos próprios reitores, que, diga-se de passagem, insistem por outro lado em elevar o seu quinhão no bolo de recursos que já se destina ao terceiro ciclo público. Ora, pesquisas efetuadas nos anos 1990, com base no desempenho das universidades públicas confrontado aos seus custos, revelam que elas ostentam resultados apenas 67% melhores do que as privadas, para “um custo 950% maior!” (p. 190).
Os problemas mais dramáticos estão, obviamente, nos dois primeiros ciclos, com um estrangulamento ainda mais preocupante no secundário. A proposta do autor é que o Brasil tenha 66% de taxa de escolarização líquida no segundo ciclo até 2014, ou seja, que 2/3 dos jovens de 15 a 17 anos consigam completar o ensino médio. Para que isso se faça, seria preciso alfabetizar todas as crianças ao final da primeira série e a dificuldade, aqui, é bem mais gerencial do que pedagógica. É preciso melhorar a qualidade do ensino e redirecionar os recursos dos abonados do terceiro ciclo para os pobres do primeiro.
O plano de reformas do autor compreende a ampliação do FUNDEF, cobrindo o ensino médio (como no FUNDEB), a premiação da melhoria do desempenho nos estados e municípios, o fim do abatimento no imposto de renda dos gastos em escolas privadas e o fim da gratuidade no ensino superior, com transferência dos recursos para o FUNDEB. A distribuição do dinheiro adicional deveria premiar não aqueles que menos têm, mas os que melhorarem seu desempenho, relativamente. Segundo ele, o novo fundo “deveria transferir recursos de acordo com a diminuição das taxas de repetência de cada estado” (p. 223). O fim da gratuidade no ensino superior público é, obviamente, o grande elefante no meio da sala: “o estrangulamento nacional não deve acabar enquanto a universidade pública não se tornar mais eficiente e menos custosa, para que possa voltar a se expandir” (p. 231). O dinheiro arrecadado não seria para cobrir os custos da própria universidade, mas sim deve ser transferido para o ensino básico.
As universidades públicas passariam a ter permissão para cobrar o que achassem compatível com sua estrutura de custos, segundo os cursos mais requisitados. Os alunos carentes teriam ajuda governamental garantida, dentro de certos parâmetros, e o resultado seria uma melhoria da qualidade tanto no setor público como no privado. As propostas são ousadas e dignas de reflexão, quando não de implementação imediata. A pior coisa seria maior transferência de recursos para as universidades públicas, sem a contrapartida da melhoria na eficiência. O Brasil já gasta muito nas prioridades erradas. Deve-se agora fazer o que tem de ser feito, que é o que já foi feito em outros países.
Como diz o autor, no capítulo conclusivo, todas essas variáveis “dependerão, crucialmente, das universidades públicas. No melhor dos casos, as públicas aceitam a nova realidade e passam a se preocupar com sua eficiência. Essa preocupação teria duas faces: aumentar receitas e cortar gastos” (p. 252) Não é difícil aumentar receitas, mas é provável que batalhas lamentáveis venham a se instalar nos campii, aliás, na indiferença geral da sociedade, como tem ocorrido com as últimas greves. “Antes de cortar custos”, continua o autor, “a medida indispensável e óbvia é a redução dos excessos da folha de pagamentos, com a dispensa de funcionários e professores ociosos e/ou afastados”, hoje protegidos pelo regime jurídico único, “que afasta a possibilidade de demissões”. A solução seria “transferi-los para a rede de ensino médio”, o que demandaria acordos entre a União e os estados. “O problema maior, porém, seria se as universidades tivessem uma posição menos receptiva” (p. 252).
Conhecendo-se as universidades públicas brasileiras, não se concebe outra reação: greves, paralisações, manifestações já despontam no horizonte. O autor, otimisticamente, acha que a ameaça de “suicídio” fará com que as universidades públicas se acomodem ao novo espírito reformista. O componente decisivo teria de ser a determinação política do governo de fazer as reformas. Pelo que se vê em matéria de coordenação governamental, não é provável que isto ocorra. Teremos de caminhar para a falência da universidade pública e para o estrangulamento completo do segundo ciclo antes da reforma inevitável? O autor acha que essa é uma “boa luta, e [que] o Brasil a merece” (p. 253). E você leitor?

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 12 de maio de 2006

Oh la, la! O chefe da quadrilha deve estar preocupado: vejam a foto...

No Rio, ato é contra a PEC 37


17h28 - Rio de Janeiro. A diversidade de reivindicações marca a passeata contra a PEC37, que restringe o poder de investigação do Ministério Público, na Praia de Copacabana. Os manifestantes acabam de chegar ao Posto 6, depois de percorrer pouco mais de um quilômetro. Há palavras de ordem contra a corrupção; por “faxina no Congresso”; em defesa da reforma política e por mais recursos para saúde e educação. O protesto transcorre sem incidentes, com o policiamento normal da orla de Copacabana aos domingos. Os manifestantes ocupam a pista que já fica fechada para o lazer, esvaziada por causa do tempo chuvoso. Há cartazes contra o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, pastor Marco Feliciano (PSC-SP), e um de “fora Dilma”.
18h44 - Rio de Janeiro. A passeata que já reúne mais de mil pessoas na orla da zona sul carioca, começa a atrapalhar o trânsito. Os manifestantes, que seguiam pela pista que, transformada em área de lazer aos domingos, já estava fechada ao tráfego de veículos, agora começam a ocupar a pista em sentido contrário, fechando a avenida à passagem dos carros.
As palavras de ordem mais entoadas pelos manifestantes são de críticas ao governador do Rio, Sergio Cabral, e ao prefeito Eduardo Paes, além de frases contra a PEC37. Neste momento, o protesto está em Ipanema, na altura da Rua Aníbal de Mendonça e segue em passeata para a área próxima à casa do governador, no Leblon, 18 quarteirões à frente. (Vinicius Neder)

Brasilianista americano analisa o PSDB e o PT: Scott Mainwaring (com observacoes PRA)

Entrevista com um dos principais cientistas políticos americanos especialista na política brasileira.
Depois, eu faço minhas observações ao que ele disse.
Paulo Roberto de Almeida

Estabilidade foi 'imenso mérito' para PSDB, diz cientista político
Fabiano Maisonnave
Folha de S.Paulo, 23/06/2013

Especialista em América Latina da Universidade de Notre Dame (EUA), o cientista político norte-americano Scott Mainwaring entende que o PSDB valoriza pouco seu papel na conquista da estabilidade econômica. Leia trechos de entrevista:

Folha - Quais as principais características do PSDB e como o sr. vê o partido hoje?
Scott Mainwaring - O PSDB surgiu como de centro-esquerda e mudou, em 1994, com a coalizão com o PFL. É quase de centro-direita.
PT e PSDB se tornaram os partidos realmente importantes da democracia brasileira. O PSDB teve um imenso mérito no governo FHC ao estabilizar a economia. Isto é pouco valorizado: a estabilidade econômica foi um grande fator para a estabilidade política no Brasil.
PT e PSDB são os heróis da democratização brasileira. Transformaram um processo precário em outro com muita estabilidade e grandes conquistas nos últimos 20 anos.
O PSDB encontrou um discurso de oposição ao PT?
Há algumas diferenças importantes entre os partidos com relação ao papel relativo do mercado e do Estado no desenvolvimento econômico. E embora não seja um contraste extremo, o PSDB é mais orientado em relação ao mercado, enquanto o PT é mais orientado ao Estado.
É também correto dizer que o PT é de alguma forma orientado para resultados mais igualitários, e o PSDB, para investimento e eficiência.
Os dois partidos não são radicalmente opostos nessas dimensões, mas são contrastes perceptíveis para muitos brasileiros. Certamente, para as elites cultural e econômica, esses contrastes estão muito claros, assim como para a maioria dos brasileiros.
Os dez anos longe do poder produziram uma crise de identidade?
O que ocorreu no Brasil foi um processo muito salutar, no qual o PT conquistou o poder depois de diversas tentativas fracassadas. Teve êxitos muito importantes, incluindo a redução da pobreza, e conduziu uma crescente confiança no Brasil, tanto interna quanto no exterior.
O fato de o PT ganhar três vezes consecutivas não é razão suficiente para o partido experimentar a crise.

O PSDB chegou ao segundo turno, tem sido competitivo em Estados importantes nas campanhas para governador e, embora não seja um partido realmente grande no Congresso, é o principal partido de oposição.
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Comentários Paulo Roberto de Almeida:

Muito boa entrevista, mas um erro fundamental, ao dizer que o PSDB "mudou" ao se alinhar com a direita em 1994.
Permito-me aqui oferecer um depoimento sobre o que assisti, e o que vivi nesses anos todos.

Eu acompanhei a trajetória de FHC, especialmente no final do governo militar quando ele era senador substituto de Franco Montoro, entre 1977 e 1979 (antes da volta de todos os exilados, portanto), e estávamos todos empenhados em fundar um partido social-democrata verdadeiro, ao estilo SPD, ou uma espécie de PSF, tal como reformado por François Mitterrand. 
Para isso se necessitavam interlocutores válidos, tanto no meio político, quanto nos meios sindicais, quanto entre acadêmicos e intelectuais.
Eu estive pessoalmente com o Brizola, em Lisboa, logo depois que ele foi "expulso"  do Uruguai, e transitou por NY antes de se estabelecer em Lisboa. Ele não queria saber de nenhum partido socialista moderno, só queria recuperar o seu PTB (que perdeu para a Ivete Vargas).
Eu também dialogova com a esquerda, tanto os que ficaram, quanto os que estavam voltando do exilio e se reinserindo na politica.
Os sindicalistas ainda não estavam prontos, mas estavam divididos, entre os pelegos oportunistas, e os alternativos, que depois estariam com Lula, fundando o PT e a CUT e portanto não se seduziram pela ideia.
Os velhos acadêmicos do antigo PSB não queriam "concorrência" ao velho PSB, e os novos acadêmicos, conectados ou não à esquerda guerrilheira, tampouco queriam um partido socialista reformista. Eles visavam mais.
Conclusão: FHC continuou no MDB, até que se conseguiu formar o PSDB, já durante a Constituinte de 1987-88.
Na fase preparatória do Real -- e isso é patente, evidente, obvio ululante -- a esquerda comandada por Lula, ademais dos partidos de esquerda tradicional (PTB, Partidao, PCdoB), todos eles, foram contra o Plano Real e a estabilização, e isto é um fato, não uma opinião. A população aderiu, mas não os partidos de esquerda.
FHC queria fazer uma coalização progressista para empreender reformas social-democráticas avançadas no Brasil, mas se defrontou com o sectarismo da esquerda, e a hostilidade completa de Lula e dos guerrilheiros reciclados.
Não foi possível fazer uma coalizão à esquerda NAO por culpa de FHC ou do PSDB, mas porque a esquerda foi estúpida, sectária, atrasada. FHC não teve outra solução para governar senão aliar-se com aqueles que estavam dispostos a apoiar seu programa, inclusive a reforma de uma Constituição que já nasceu esclerosada, xenófoba, discriminatória, absolutamente irracional do ponto de vista econômico.
Ou seja, que não se acuse o PSDB de ter virado à direita, mas que se acuse, sim, a esquerda de ser tão estúpida e sectária e de recusar empreender reformas. Ela apostava no quanto pior melhor.
Aliás, até hoje ela, o PT, Lula e seus principais líderes, se opõem a qualquer ação comum com o PSDB em favor do Brasil: mesmo aplicando TODO o programa social-democrático do PSDB, Lula, o PT e todos esses grupelhos esquizofrênicos continuando sendo absolutamente desonestos, ao falar de neoliberalismo, de herança maldita, e de desmantelamento do Estado. São desonestos e mentirosos.

Sinto contradizer o Scott também ao dizer que o PT foi um "herói" da estabilização brasileira.
NAO FOI, nem na política, nem na economia.
Não assinou a Constituição, por sectarismo. E se opôs ferozmente a todas as etapas da estabilização, inclusive às vésperas de assumir o poder, quando ainda tentava derrubar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ainda hoje o velho PT sabota as reformas previdenciárias, a reforma da legislação laboral herdada do fascismo getulista, cria um Estado monstruoso que absorve cada vez mais recursos da sociedade.
O PT é um partido reacionário, antimodernista, economicamente esquizofrênico e tendencialmente totalitário.
Acho que fui claro.
Paulo Roberto de Almeida 

A Copa que nao custaria NADA aos cofres publicos: a mais cara de todas as Copas...

A mais cara de todas as Copas

Editorial O Estado de S.Paulo

23 de junho de 2013

A Copa do Mundo de 2014 no Brasil será a mais cara de todas. O secretário executivo do Ministério dos Esportes, Luís Fernandes, anunciou que em julho seu custo total chegará a R$ 28 bilhões, um aumento de 10% em relação ao total calculado em abril, que era de R$ 25,3 bilhões. E supera em R$ 6 bilhões (mais 27%) o que em 2011 se previa que seria gasto.
Por enquanto, já se sabe que o contribuinte brasileiro arcará com o equivalente ao que gastaram japoneses e coreanos em 2002 (R$ 10,1 bilhões) mais o que pagaram os alemães em 2006 (R$ 10,7 bilhões) e africanos do sul em 2010 (R$ 7,3 bilhões).
O "privilégio" cantado em prosa e verso pelo ex-presidente Luiz Inácio da Silva, que se sentou sobre os louros da escolha em 2007, e entoado por sua sucessora, Dilma Rousseff, em cuja gestão se realizará o torneio promovido pela Fifa, custará quatro vezes os gastos dos anfitriões do último certame e três vezes os gastos dos dois anteriores.
O governo federal não justifica - nem teria como - este disparate. Mas, por incrível que pareça, os responsáveis pela gastança encontram um motivo para comemorar: a conta ainda não chegou ao teto anunciado em 2010, que era de R$ 33 bilhões. É provável, contudo, que esse teto seja alcançado, superando o recorde já batido, pois, se os custos cresceram 10% em dois meses, não surpreenderá ninguém que subam mais 18% em 12 meses.
Esta conta salgada é execrada porque dará um desfalque enorme nos cofres da União, que poderiam estar sendo abertos para a construção de escolas, hospitais, estradas, creches e outros equipamentos dos quais o País é carente. Como, aliás, têm lembrado os manifestantes que contestam a decisão oficial de bancar a qualquer custo a realização da Copa das Confederações, do Mundial de 2014 e da Olimpíada no Rio de Janeiro em 2016. E, além dos valores, saltam aos olhos evidências de que tal custo não trará benefícios de igual monta.
É natural que, no afã de justificar o custo proibitivo, o governo exagere nas promessas de uma melhoria das condições de vida de quem banca a extravagância. Segundo Fernandes, responsável pela parte que cabe ao governo na organização do torneio, "a Copa alavanca investimentos em saúde, educação, meio ambiente e outros setores". E mais: "Ou aproveitamos esse (sic) momento para o desenvolvimento do País ou perdemos essa (sic) oportunidade histórica".
A Nação aguarda, com muita ansiedade, que o governo, do qual participa o secretário executivo do Ministério dos Esportes, venha a público esclarecer quantos hospitais, escolas ou presídios têm sido construídos e que equipamentos têm sido adquiridos para melhorar nossos péssimos serviços públicos com recursos aportados por torneios esportivos que nos custam os olhos da cara.
Não é preciso ir longe para contestar esta falácia da "Copa cidadã": o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) previu um "legado inestimável" que ficaria da realização dos Jogos Pan-americanos de 2007 na mesma cidade onde será disputada a Olimpíada de 2016. O tal "legado" virou entulho: os equipamentos construídos para aquele fim estão sendo demolidos e reconstruídos e, enquanto não ficam prontos, os atletas simplesmente não têm onde se preparar para disputar os Jogos Olímpicos daqui a três anos.
A manutenção do estádio Green Point, na Cidade do Cabo, que custou R$ 600 milhões (menos da metade dos gastos na reforma do Maracanã, no Rio, e do Mané Garrincha, em Brasília) para ser usado na Copa da África do Sul, demanda, por ano, R$ 10,5 milhões em manutenção, o que levou a prefeitura local a cogitar de sua demolição. Por que os estádios de Manaus, Cuiabá e Natal terão destino diferente depois da Copa?
A matemática revela que o maior beneficiário da Copa de 2014 será mesmo a Fifa, e não o cidadão brasileiro, que paga a conta bilionária. Prevê-se que o lucro da entidade será de R$ 4 bilhões, o dobro do que arrecadou na Alemanha e o triplo do que lucrou na África do Sul. O resto é lorota para enganar ingênuos e fazer boi dormir.

Alemanha, ano zero (1948): como Ludwig Erhard conduziu a recuperação - Hans F. Sennholz

Eu já tinha postado, muito antes neste mês, uma matéria do NYTimes sobre a estabilização da economia alemã com troca de moeda em 1948, conduzida pelo economista Ludwig Erhard.
Agora tenho o prazer de colocar uma análise mais elaborado por parte de um economista liberal sobre o mesmo assunto, que me foi gentilmente enviada por um fiel leitor deste blog e sobretudo do Instituto Mises Brasil.
Paulo Roberto de Almeida

Como se deu o milagre econômico alemão do pós-guerra
Instituto Mises Brasil, quarta-feira, 26 de setembro de 2012



ludwig-erhard-wohlst-1.jpgEm 1945, o último bastião da resistência nazista na Alemanha entrou em colapso, o III Reich deixou de existir e o país ficou sob o controle militar dos Aliados.  Mesmo antes desta rendição final, os Aliados já haviam se dado conta de que um de seus problemas mais graves seria o que fazer com a economia alemã. 
Durante a Segunda Conferência de Quebec, em setembro de 1944, tanto Franklin Roosevelt quanto Winston Churchill concordaram em criar um programa para "eliminar as indústrias bélicas do vale do Ruhr e do Sarre... visando a converter a Alemanha em um país primariamente agrícola e de caráter bucólico."  Isso passou a ser conhecido como o Plano Morgenthau, em homenagem ao Secretário do Tesouro americano Henry Morgenthau, o mais fervoroso defensor de tal ideia.
A própria ideia de transformar um país altamente industrializado e densamente habitado como a Alemanha em uma nação de camponeses rústicos já era em si absurda.  Mais tarde, o próprio Roosevelt viria a admitir que "ele não tinha ideia de como ele havia levado isso a sério; que ele evidentemente não havia pensado muito em tudo aquilo."[1]
Infelizmente, mesmo após a rejeição do Plano Morgenthau, em decorrência de uma forte reação crítica do público e da imprensa, a ideia de se desindustrializar a Alemanha permaneceu fazendo parte da plataforma dos Aliados.
Na Conferência de Potsdam, em julho de 1945, a questão da economia da Alemanha surgiu novamente.  Ficou decidido que a capacidade industrial alemã seria limitada a 50-55% do seu nível de 1938, ou a aproximadamente 65% daquele de 1936.  Algum tempo depois, esse nível foi elevado para 100% do nível de 1936 nas zonas sob ocupação americana e britânica (Bizona); porém, enquanto isso, a capacidade produtiva alemã era de apenas 60% daquela de 1936, e a produção vigente era de apenas 39% daquela de 1936.[2]
A inflação reprimida
A economia alemã continuou definhando ao longo de 1946 e 1947, incapaz de começar a apresentar qualquer sinal de recuperação.  Pudera: os Aliados haviam mantido intacto praticamente todo o sistema de controle econômico dos nazistas.  Isso porque eles não chegavam a nenhum acordo sobre o que fazer com a economia e, por conseguinte, optaram por manter o status quo até onde pudessem.  No final, provou-se impossível conciliar os objetivos do Ocidente com os da União Soviética, o que resultou na divisão da Alemanha na Alemanha Ocidental e na Alemanha Oriental. 
Após esta divisão, a principal razão para manter os controles sobre a economia era a inflação monetária: a quantidade de dinheiro na economia, no sentido amplo, havia aumentado seis vezes entre 1936 e 1947, de menos de 50 bilhões de reichsmark para algo em torno de 300 bilhões (70 bilhões em cédulas, 100 bilhões em conta-corrente e 125 bilhões em contas de poupança).[3]  Em decorrência desta contínua inflação monetária, o marco havia se tornado virtualmente sem valor.
As autoridades ocidentais esperavam que, se os controles fossem mantidos, com preços e salários rigidamente congelados, a economia continuaria funcionando.[4]
Este curioso fenômeno de controle direto sobre todos os preços e salários, em conjunto com uma rápida inflação monetária, passou a ser conhecido como inflação reprimida.  Infelizmente, ao se combinar os efeitos nocivos tanto da inflação monetária quanto do planejamento estatal, o resultado final é muito pior do que seria com apenas um deles.  Há uma distorção dupla sobre a oferta e a demanda: além das distorções normais provocadas pelo planejamento estatal e pela inflação monetária, a estrutura de preços deixa de refletir as mudanças no valor do dinheiro causadas pela inflação monetária.  Isso leva a uma queda acentuada na produção; a escassez torna-se inevitável.  O resultado final e inevitável é a regressão à economia de escambo.  E foi exatamente isso o que ocorreu na Alemanha.[5]
As empresas que desejassem continuar operando tinham de contratar especialistas chamados "compensadores".  A função deles era conseguir trocar o que a empresa havia fabricado por aquilo de que ela necessitava.  Consequentemente, tal processo era muito longo e confuso, dado que várias transações intermediárias tinham de ser feitas com grande frequência.  O resultado era um enorme desperdício em tempo e gastos indiretos para se obter coisas que, antes, poderiam ser conseguidas quase que imediatamente.
Desnecessário dizer que isso deixou a já deprimida economia alemã terrivelmente emperrada. 
Não demorou muito para que os trabalhadores e empregados em geral também insistissem em ser pagos em mercadorias.  Ato contínuo, eles trocavam as mercadorias que recebiam por aquelas coisas de que necessitavam.  Uma consequência adicional era que os trabalhadores não mais tinham qualquer incentivo para trabalhar mais e ganhar mais dinheiro: como havia racionamento, todos trabalhavam apenas o necessário para comprar os poucos e racionados bens que podiam obter a cada semana a preços estipulados artificialmente.  Por lei, era necessário ter um emprego para se obter as papeletas de racionamento; sendo assim, os trabalhadores adquiriram o hábito de ir trabalhar apenas três ou quatro dias por semana.  Seu tempo livre adicional passou a ser gasto em trabalhos de jardinagem, na confecção de artigos para escambo ou atuando diretamente no mercado negro, bem mais lucrativo.
A reforma monetária
Finalmente este pseudomercado entrou em colapso.  Como notou um observador, a economia alemã "estava organizada de tal forma que o interesse próprio dos indivíduos e das empresas era estritamente oposto ao interesse comum.  Trabalhar em um emprego regular era a menos lucrativa das ocupações, e a mera sobrevivência dependia de se saber aproveitar as brechas da lei.  Já em meados de 1948, a economia havia atingido um estado de total paralisia que resultou na quase inanição de uma grande fatia da população".[6]
Mas, felizmente para a Alemanha, um cavalheiro chamado Ludwig Erhard, que havia sido discípulo de Wilhelm Roepke — sendo que este havia sido discípulo de Ludwig von Mises —, foi nomeado Diretor da Administração Econômica Bizonal.  Erhard era um inflexível e vigoroso adepto do livre mercado, e estava disposto a dar a ele uma chance.  No auge da crise, em junho de 1948, ele propôs um ousado e extenso plano para restaurar a economia, um plano que combinava uma radical reforma monetária em conjunto com uma completa abolição dos controles econômicos.
A reforma monetária estava marcada para ocorrer nas zonas britânicas e americanas no dia 20 de junho de 1948.  O cerne deste programa seria uma redução da oferta monetária em incríveis 90% seguida da emissão de um novo marco alemão, o deutsche-mark, que manteria seu valor e que não mais seria inflacionado até perder totalmente seu valor.  Os detalhes da reforma monetária são um tanto intrincados e estão fora do escopo deste artigo.  Basta dizer que todos os reichsmark foram trocados por novos deutsche-marks a uma taxa de 10 para 1, sendo que a quantia máxima de deutsche-marks a ser impressa foi estipulada em 10 bilhões.
Adicionalmente, os depósitos bancários em nome de instituições públicas — do governo militar, dos estados e suas subdivisões, da empresa ferroviária estatizada, e dos Correios — foram invalidados sumariamente.  Da mesma forma, todas as obrigações assumidas anteriormente pelo Reich, bem como todos os seus depósitos interbancários, também foram invalidados.  Uma reserva em dinheiro e algum estoque de capital foram concedidos a todas as instituições financeiras, fornecendo desta forma os ativos necessários para lastrear os novos passivos destas instituições.
Além desta reforma monetária, o vasto emaranhado de controles estatais sobre a economia também tinha de ser abolido para que a reforma monetária pudesse funcionar.  Nos bastidores, isso não era algo fácil de ser feito, pois a Alemanha ainda estava sob ocupação militar, e virtualmente tudo o que os alemães quisessem fazer tinha de ter a prévia aprovação dos Aliados.  Uma dificuldade adicional estava no fato de que, na Grã-Bretanha, o primeiro governo socialista acabava de ser eleito e, como consequência, os britânicos já estavam tentando difundir suas políticas socialistas também para a zona de ocupação.[7]
Os Aliados observaram a reforma econômica com grande ansiedade, dúvida e apreensão.  Com efeito, o general Lucius D. Clay, nomeado pelos Aliados como diretor de política econômica, enviou um ríspido memorando para Ludwig Erhard alertando-o de que os controles econômicos do governo militar não poderiam ser alterados sem uma prévia permissão.  A corajosa resposta do professor Erhard merece ser repetida continuamente até o fim dos tempos: "Eu não alterei seus controles; eu os aboli".[8]
Como o próprio Erhard viria a dizer mais tarde: "Foi estritamente especificado pelas autoridades britânicas e americanas que seria necessário obter permissão para que qualquer mudança de preços pudesse ser feita.  Parece que os Aliados jamais haviam imaginado que alguém pudesse ter a ideia não de alterar os controles de preços, mas de simplesmente removê-los".[9]
E foi exatamente isso o que Erhard fez, e de uma só vez ele desatrelou toda a economia alemã. 
O livre mercado em ação
À medida que a data da implementação destas reformas se aproximava, o país ia se tornando mais apreensivo, e a crise econômica parecia piorar continuamente.  Ao mesmo tempo, os críticos socialistas se animavam e elevavam os gritos de condenação ao plano.
No dia 19 de junho, um sábado, a maioria das lojas estava vazia.  No dia 21 de junho, segunda-feira, como num passe de mágica, as lojas estavam novamente abastecidas. Dois franceses, Jacques Rueff e Andre Piettre, registraram de forma teatral este milagre ocorrido da noite para o dia:
O mercado negro de repente desapareceu. As vitrines das lojas amanheceram cheias de bens, as chaminés das fábricas voltaram a soltar fumaça intensamente, e as ruas fervilhavam de caminhões de carga.  Por todos os cantos, o barulho das construções substituiu o silêncio sombrio dos escombros. Se a recuperação foi uma surpresa grande, sua rapidez foi uma surpresa ainda maior.  Em todos os setores da economia, a vida foi retomada assim que os relógios badalaram as primeiras horas do dia da reforma.  Apenas uma testemunha ocular pode oferecer um relato acurado do súbito efeito que a reforma monetária teve sobre o tamanho dos estoques e sobre a variedade e riqueza dos bens à mostra.  As lojas se encheram de bens da noite para o dia; as fábricas voltaram a trabalhar a toda.  Na véspera da reforma monetária, os alemães perambulavam sem rumo pelas cidades à procura de alguns itens comestíveis adicionais.  Um dia depois, eles não pensavam em mais nada a não ser em produzi-los.  Num dia, a apatia era nítida em suas faces; no outro, toda a nação olhava esperançosa para o futuro.[10]
Como o próprio Erhard viria a observar este fenômeno: "Antes da reforma monetária, nossa economia era como um campo de prisioneiros de guerra; os reclusos eram mantidos vivos em parte pelos Aliados.... Imediatamente após a reforma, as cercas, barreiras e muralhas desabaram com estonteante velocidade tão logo o campo de prisioneiros ganhou uma nova e confiável moeda".[11]
Os resultados rapidamente comprovaram a sagacidade de ambas as reformas, a monetária e a de liberação geral dos preços e salários.  A tabela a seguir, por exemplo, mostra que, entre junho e dezembro de 1948, houve um aumento de 53% da produção naquelas áreas contempladas pelas reformas:
Índice de Produção (1936 = 100)[12]
Abril
53
Setembro
70
Maio
47
Outubro
74
Junho
51
Novembro
75
Julho
61
Dezembro
78
Agosto
65


Já em 1949, o índice de produção encerrou em 143% daquele de 1948.  Ao longo das duas décadas seguintes, a Alemanha continuou a ter uma das maiores taxas de crescimento do mundo.
Economia keynesiana
É óbvio que, perante estes resultados, vários economistas rapidamente se apressaram em querer atribuir os créditos do sucesso às suas ideologias favoritas.  Aqueles que não queriam dar nenhum crédito às políticas de livre mercado de Erhard prontamente começaram a oferecer suas próprias explicações para a fenomenal recuperação da Alemanha.  Uma explicação que se tornou bastante popular foi a de que a Alemanha utilizou princípios keynesianos em sua recuperação.[13]  Essa proposição já foi completamente demolida em outras obras,[14] mas continua sendo difundida porque economistas keynesianos são invejosos do fato de que nenhuma das notáveis recuperações ocorridas no pós-guerra realmente utilizou qualquer tipo de economia keynesiana.  Ao contrário: todas se basearam universalmente nos princípios do livre mercado.  Como observou o professor de Harvard, Gottfried von Haberler:
Em todos os países industriais desenvolvidos, as políticas de recuperação econômica, de estabilização e de crescimento foram muito mais bem-sucedidas após a Segunda Guerra Mundial do que após a primeira.  Porém, é difícil atribuir este fenômeno à difusão do pensamento keynesiano.  Nenhum dos economistas e nenhum dos estadistas que foram amplamente responsáveis pelos variados milagres econômicos do pós-guerra pode ser chamado de keynesiano: nem Camille Gutt na Bélgica, nem Luigi Einaudi na Itália, nem Ludwig Erhard na Alemanha, nem Reinhard Kamitz na Áustria, nem Jacques Rueff na França.  O maior milagre econômico de todos, o japonês, parece ter sido realizado sob governantes e estadistas japoneses bastantes conservadores, com o auxílio de conselheiros americanos ultraconservadores.  Aos numerosos keynesianos e marxo-keynesianos restou apenas observar o fenômeno, em impotente oposição.[15]
O que podemos concluir do episódio alemão? 
Primeiro, é necessário entender que qualquer interferência realizada por burocratas e planejadores estatais sobre o sistema de preços irá inevitavelmente distorcer o sistema de produção, gerando um arranjo menos satisfatório do que aquele que existiria caso não houvesse nenhum interferência. 
Segundo, não há na história econômica nenhum exemplo mais pungente de uma "política de pleno emprego" que tenha funcionado melhor que a alemã — não houve nenhum planejamento federal, não houve política industrial, não houve modelos computadorizados para a economia, não havia um exército de burocratas dando palpites e ditando ordens, não houve inflação monetária com intuito de 'estimular a economia', e não houve políticas keynesianas.  Foi justamente a ausência de todos estes componentes que infestam as economias intervencionistas atuais o que tornou possível o renascimento econômico alemão. 
Terceiro, o episódio alemão demonstra que uma deflação monetária, desde que ocorra em um ambiente com total liberdade de preços e salários, pode ser algo economicamente benéfico, sem necessariamente criar uma depressão — pelo menos no caso de uma economia que havia sido praticamente destruída pela imposição de controles de preços e salários.  A deflação restaurou a fé na nova moeda, uma vez que ela foi acompanhada da volta dos preços flexíveis e da abolição de todos os controles sobre a economia.  O processo de trocas indiretas intermediadas pelo uso do dinheiro pôde avançar firmemente, pondo um fim à economia baseada no escambo, à sua inerentemente baixa divisão do trabalho e aos seus mercados extremamente limitados e manietados.
As reformas de livre mercado de Ludwig Erhard restauraram a liberdade dos mercados na Alemanha e, com isso, libertaram as inexoráveis leis da ação humana.  Foi a livre concorrência baseada na propriedade privada o que deu novas esperanças e permitiu o surgimento de um fenômeno econômico que surpreendeu o mundo e se tornou conhecido como "o milagre da recuperação alemã".
Infelizmente, Erhard tinha uma vantagem política que o mundo atual não mais usufrui.  Ele teve a liberdade de abolir os controles que haviam sido impostos pelos Aliados; ao fazer isso, ele ganhou o apoio político da população alemã.  No entanto, os controles haviam sido criados originalmente pelos nazistas; os Aliados apenas os estenderam por mais três anos após a Alemanha ter se rendido.  É mais fácil abolir controles estatais criados por um exército de ocupação estrangeiro do que abolir todo um sistema de regulação que políticos nativos e eleitos democraticamente criaram em nome do "interesse público".  É politicamente muito mais difícil efetuar ações econômicas corretas e sensatas quando, nas imortais palavras de Pogo Possum, "Conhecemos o inimigo e ele somos nós".


[1] Henry L. Stimson and McGeorge Bundy, On Active Service in Peace and War (New York: Harper & Bros., 1948), 581.
[2] Ludwig Erhard, Prosperity Through Competition  (New York: Frederick A. Praeger, 1958), 10?11.
[3] Karl-Heinrich Hansmeyer und Rolf Caesar, "Kriegswirtschaft und Inflation (1936?1948)," in Währung und Wirtschaft, 418.
[4] Ver Nicholas Balabkins, Germany Under Direct Controls (New Brunswick, NJ: Rutgers University Press, 1964); Henry Hazlitt, "The German Paralysis," Newsweek (21 de abril, 1947), 82; John Davenport, "New Chance in Germany," Fortune  (Outubro de 1949), 73.
[5] Wilhelm Roepke, "Repressed Inflation," Kyklos, vol. 1 (1974), fasc. 3, 242?53.
[6] F. A. Lutz, "The German Currency Reform and the Revival of the German Economy," Economica (Maio, 1949): 122.
[7] Citado in Erhard, Prosperity, 12
[8] Volkmar Muthesius, Augenzeuge von drei Inflationen (Frankfurt am Main), 1973,
111.
[9] Erhard, Prosperity, 14
[10] Citado in Erhard, Prosperity, 13; ver também Jacques Rueff, The Age of Inflation (Chicago: Henry Regnery, Gateway Edition, 1964), 86?105
[11] Ludwig Erhard, Germany's Comeback in the World Market (New York: Macmillan, 1954), 21.
[12] Lutz, "German Currency Reform," 132.
[13] Walter Heller, "The Role of Fiscal-Monetary Policy in German Economic Recovery," American Economic Review (Maio, 1950): 533?47.
[14] Egon Sohmen, "Competition and Growth: The Lesson of West Germany," American Economic Review(Dezembro, 1959): 986?1003.
[15] Robert Lekachman, ed., Keynes' General Theory: Report of Three Decades (New York: St. Martin's Press, 1964), 295.

Hans F. Sennholz  (1922-2007) foi o primeiro aluno Ph.D de Mises nos Estados Unidos.  Ele lecionou economia no Grove City College, de 1956 a 1992, tendo sido contratado assim que chegou.  Após ter se aposentado, tornou-se presidente da Foundation for Economic Education, 1992-1997.  Foi um scholar adjunto do Mises Institute e, em outubro de 2004, ganhou prêmio Gary G. Schlarbaum por sua defesa vitalícia da liberdade.

Tradução de Leandro Roque

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