terça-feira, 21 de maio de 2019

O globalismo e seus descontentes: notas de um contrarianista - Paulo Roberto de Almeida


O globalismo e seus descontentes: notas de um contrarianista

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: debate público; finalidade: caráter didático e de esclarecimento geral]


1. Fixando os termos do debate: a contracorrente do pensamento único
Todo processo social, todo movimento econômico, toda tendência política, sendo o produto da ação consciente ou inconsciente, deliberada ou involuntária, de indivíduos, de grupos humanos ou de qualquer entidade organizada burocraticamente, despertam naturalmente a reação adversa dos mesmos entes ou personagens, quando os processos, movimentos ou tendências contrariam benefícios consolidados, situações estabelecidas, ganhos reais ou esperados ou quaisquer outras vantagens e privilégios existentes ex ante ou simultaneamente à percepção de uma ruptura do status quo. Trata-se de fenômeno secular, senão milenar, ou seja, forças sociais emergentes provocam, inevitavelmente, sua cota de descontentes, os seus frustrados, os seus órfãos, os seus perdedores. A revolução industrial produziu o seu quinhão de luddistas, os revoltados contra a modernização da tecelagem, com alguma destruição de teares mecânicos até que se conseguisse empregar os anacrônicos dos teares manuais nas fábricas movidas a caldeiras a vapor. A lâmpada elétrica deixou quase todos os fabricantes de velas sem crescimento da demanda e, logo, sem clientes de qualquer tipo. O automóvel aposentou cavalos, estrebarias, recolhedores de esterco nas cidades e vários outros servidores cavalares. O computador desempregou antigas datilógrafas e operadores de máquinas de calcular, presentes antigamente em quase todas as corporações e escritórios de governo. Vários outros exemplos poderiam ser citados, aliás indefinidamente.
Não foi diferente com a globalização, embora ela seja um fenômeno mais do que antiquíssimo, propriamente existente desde a pré-história, como já revelado no livro de Nayan Chanda: Bound Together: How Traders, Preachers, Adventurers, and Warriors Shaped Globalization (New Haven: Yale University Press, 2007). Mas, após décadas de alternativas antimercado, sob o socialismo real, a nova onda da globalização trouxe consigo certo número de perdedores, como resultado da nova divisão internacional do trabalho e da deslocalização de empresas e investimentos. Ela criou os descontentes da globalização, como já tinha alertado muitos anos atrás o economista indiano Jagdish Bhagwati: In Defense of Globalization (New York: Oxford University Press, 2004; edição brasileira: Em Defesa da Globalização: como a globalização está ajudando ricos e pobres (Rio de Janeiro: Elsevier-Campus, 2004).
Com o globalismo, ocorre o mesmo: assim como a expansão das economias de mercado, supostamente capitalistas (mas não se deve confundir as duas coisas, como poderia lembrar o historiador Fernand Braudel), produziu a sua cota de altermundialistas, mais conhecidos como antiglobalizadores, o monstro metafísico do globalismo também produziu o seu pequeno grupo de antiglobalistas, como é natural existir em qualquer fenômeno social, como já adiantado no primeiro parágrafo. Os antiglobalistas são algo assim como os luddistas da globalização, seres deslocados pelo multilateralismo contemporâneo, aspirando defender antigas concepções de tempos passados, o nacionalismo estreito do período pré-onusiano, o bilateralismo estrito dos antigos acordos de comércio e navegação, e que pretendem, parafraseando Marx, fazer rodar para trás a roda da História.
Os conceitos e argumentos acima já balizam o espírito sob o qual foi redigida esta nota sobre os inimigos do globalismo, que eu considero um exército brancaleônico de templários, que estaria mais à vontade no terreno mitológico dos unicórnios e das sereias, ou seja, seres bizarros que pretendem se contrapor às correntes de vento ou às marés dos oceanos. Não tenho nenhuma hesitação em revelar desde já meu julgamento sobre esse patético ajuntamento de novos cruzados, depois de já ter enfrentado as hostes mais caóticas de antiglobalizadores, como exemplificado em meu livro Globalizando: ensaios sobre a globalização e a antiglobalização (Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2011), pela simples razão que eu mesmo estou acostumado a nadar contra a corrente. A caução preliminar a ser introduzida aqui é a identificação de qual globalismo se está falando: a versão “paranoica” é a que se vai discutir aqui, se é que ela tem condições de persistir em um mundo aparentemente entregue a uma marcha irrefreável de conquistas científicas. Quanto ao globalismo “normal”, é propriamente patético constatar que se pretenda lutar, num ambiente diplomático, contra a essência fundamental do trabalho dos diplomatas, o ambiente natural de nosso ganha-pão diário.

2. Nota pessoal do ponto de vista de quem pratica ativamente o ceticismo sadio
Independentemente do tema, assunto, questão ou problema que se apresente em face de minhas aventuras intelectuais algo aleatórias, sou um praticante ativo, desde a adolescência pelo menos, daquela atitude que foi, pela primeira vez, sintetizada, por um professor de arqueologia ao grupo de estudantes de ginásio que o visitava na USP, pelo conceito de “ceticismo sadio”. Ele explicava a postura como sendo feita de indagações sucessivas ao objeto em exame, ou seja, questionamentos, perguntas, exame acurado das origens e dos fundamentos do problema com o qual se confronta um pesquisador qualquer, o que até parecia inadequado para um “arqueólogo”, sempre pautado pelas evidências da geologia, paleontologia e outras vertentes das ciências naturais. Nunca esqueci a lição, e sempre a cultivei, inclusive instruído desde muitos anos antes pelas leituras de Monteiro Lobato, pois resolvi ater-me à modesta racionalidade desta regra básica no trabalho intelectual: apresentado a qualquer proposição, tese ou argumento no terreno das ciências sociais aplicadas e das humanidades, busque os fundamentos, anote as evidências empíricas, questione os dados, aprofunde a pesquisa antes de aderir a qualquer proposta ou opinião que se lhe apresente, por mais “racionais” ou “evidentes” que possam parecer essas proposições oferecidas para o seu “consumo”.
Devo, entretanto, alertar que a minha atitude cética em face de questões que me são apresentadas não é doentia, ou sistematicamente aplicada a todos os problemas em análise; ela apenas se manifesta de forma racional (pelo menos espero) e de forma compatível com os dados da questão em exame. Continuei aprofundando e refinando o meu “ceticismo sadio” ao longo de toda uma vida dedicada aos estudos e pesquisas nos meus campos de interesse intelectual, que vão de uma ponta a outra das ciências humanas e sociais (inclusive ciências naturais, paleontologia, biologia e outras áreas afins ou vinculadas). Pois foi armado da mesma atitude cética que fui apresentado, não muito tempo atrás, ao tal de antiglobalismo, um movimento para a qual minha atenção foi despertada no contexto de uma diatribe involuntária mantida com o autoproclamado “filósofo” Olavo de Carvalho, a quem eu comecei a chamar de “sofista da Virgínia”, quando eu sequer desconfiava que existisse qualquer tipo de problema com a sua suposta base conceitual, o globalismo, que sempre considerei como uma espécie de equivalente ao processo bem mais conhecido da globalização (termo que os franceses rejeitam, por anglofobia visceral, preferindo o conceito de mundialização, e o seu contrário, o altermundialismo). Vou relatar brevemente como foi essa confrontação, antes de voltar a tratar do globalismo e do antiglobalismo.
No segundo semestre de 2017 – tendo já concedido uma entrevista individual, um ano antes, sobre política externa e economia do Brasil a um novo grupo de mídia – fui solicitado pelo mesmo grupo, Brasil Paralelo, a conceder uma nova entrevista, via hangout, para um programa especial, desta vez sobre o processo de globalização e o conceito de globalismo. Concordei, uma vez que costumo atender essas demandas de caráter didático, colocando minhas pesquisas acadêmicas e minha experiência de vida a serviço de um círculo maior de interessados, e para tal preparei algumas notas, seguindo um roteiro feito pelos organizadores. Essas notas sumárias – “Globalismo e globalização: os bastidores do mundo”, disponíveis no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/12/globalizacao-e-globalismo-como.html) – foram divulgadas no próprio dia da “entrevista”, que afinal revelou-se um “diálogo” com aquele a quem passei a chamar de “Rasputin de subúrbio”: Academia.edu (link: https://www.academia.edu/39178804/Globalismo_e_globalizacao_os_bastidores_do_mundo). No seguimento do “diálogo”, o dito sofista entendeu ser seu dever ofender-me sob diversos epítetos, no que foi seguido por uma horda de seguidores fanáticos, com aqueles impropérios escatológicos que também se tornaram doravante marca registrada do próprio guru da seita, e por ele aplicados a diversos militares do governo Bolsonaro.
Num sentido inverso ao de Buffon, meu “debate” involuntário com Olavo de Carvalho demonstrou como o “estilo faz o homem”, uma vez que ele ocupou-se de me ofender em seus canais próprios, sempre endossado pelos fundamentalistas de uma nova crença: o fantasma do globalismo, com registrei em nova postagem no Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2018/01/olavo-de-carvalho-o-estilo-faz-o-homem.html). Já enfastiado por esse entrevero surrealista e inútil, dei por encerrado esse exercício desprovido de qualquer charme e interesse num “dossiê” por meio do qual disponibilizei o conjunto dos materiais relativos ao assunto, disposto a não mais voltar ao tema: “Dossiê Globalismo: Brasil Paralelo e seu seguimento”, Academia.edu (http://www.academia.edu/35667769/Dossi%C3%AA_Globalismo_Brasil_Paralelo_e_seu_seguimento). Mas, admito, o assunto é tão aborrecido que não merece atenção.

3. Globalização real e globalismo surreal: da física à metafísica
Venho agora ao objeto principal deste texto: o globalismo e os “anti”. Não creio ser necessário discutir qualquer aspecto real – inclusive porque ele não existe – do chamado “globalismo”, em vários trabalhos considerado um sinônimo virtual do processo de globalização, este sim abundantemente mapeado na literatura acadêmica e jornalística. Na verdade, o globalismo é geralmente considerado nas diatribes dos “anti” como um tipo particular de globalização, aquela produzida sorrateiramente nas fímbrias da governança global e que se destina, na concepção dessa tribo, a retirar soberania dos Estados nacionais e atribuir toda a potestade a uma “ordem global” dotada de características algo similares aos grandes organismos multilaterais da atualidade, dentre eles a ONU. Não é possível discutir aqui o tema da globalização, mas permito-me uma referência a pequeno texto meu, no qual faço uma distinção entre a globalização real, de nível “micro”, e sua vertente “macro”: “Globalização micro e macro: o que é isso?” (blog Diplomatizzando: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2018/01/globalizacao-economica-e-globalizacao.html).
A primeira forma, de caráter individual ou empresarial, considero a verdadeira globalização: impessoal, irrefreável, não administrada por qualquer poder ou Estado organizado, já que correspondendo justamente ao que Adam Smith chamou de “mão invisível”, o trabalho empreendido pelos agentes econômicos diretos visando objetivos privados absolutamente egoístas, mas não coordenados entre si. A segunda forma não deveria, normalmente, corresponder ao conceito de globalização, uma vez que comporta a ação de Estados e de organismos internacionais com vistas a ordenar e controlar esse processo, não administrável por nenhuma força identificada com um objetivo pré-determinado, embora se acredite que ele possa ser objeto de normas e regulamentos instituídos por burocratas nacionais ou internacionais; ou seja, se poderia classificar a forma “macro” da globalização como um esforço de antiglobalização, ou pelo menos de contenção, esforços de controle, por parte de “planejadores sociais” dos efeitos mais evidentes – alguns nefastos para certas categorias sociais – desse processo irrefreável.
Vejamos agora o conceito de “globalismo”, que é praticamente, como já dito, um sinônimo de globalização. Contudo, aos olhos de certos adeptos das teorias da conspiração, ele assume um sentido ideológico, uma vez que costuma despertar reações de cunho soberanista ou nacionalista, que é aquilo eu costumo chamar de “metafísica do antiglobalismo”. Tanto a esquerda quanto a direita alimentaram suas versões respectivas do antiglobalismo. Na visão da esquerda, mais identificada com os franceses de um conhecido movimento anti ou altermundialista, a globalização (ou mundialização) só trouxe desgraças ao mundo: pobreza, desigualdade social, destruição da natureza e dos recursos da biodiversidade, discriminação racial e de gênero, reforço dos “poderes do grande capital” contra os interesses dos trabalhadores (argumento mais utilizado nas denúncias dos sindicatos de países avançados contra a “deslocalização”, ou seja, os investimentos diretos em países periféricos, de baixos salários), enfim um conjunto de efeitos negativos que precisam ser ativamente combatidos pelos movimentos sociais. Estes de fato tentaram, durante vários anos, nas manifestações ruidosas dos anos 1990 e 2000, contra as reuniões das organizações de Bretton Woods (FMI e Banco Mundial), contra as rodadas de negociações do GATT e contra a própria OMC, contra as reuniões do G7, G8, G20 e todas as cúpulas supostamente identificadas com o “capitalismo global”, como as reuniões empresariais anuais do World Economic Forum (em Davos, na Suíça), mas também nos inúmeros convescotes ruidosos reunidos sob a égide do Fórum Social Mundial (um contraponto ao Fórum de Davos), realizados durante vários anos em capitais teoricamente identificadas com suas teses “progressistas” e “por um outro mundo possível”; Porto Alegre (durante muitos anos dominada por governos do PT), Caracas durante a presidência de Hugo Chávez, e outras capitais “alternativas” serviram de cenário para esses convescotes barulhentos, mas pouco efetivos, tanto no plano doutrinal, quando no que se refere a recomendações práticas para governos.
Como as piores desgraças da globalização não se manifestaram de forma tão evidente quanto o pretendido pelos adeptos do altermundialismo – e como, ao contrário, diversos países da periferia, especialmente na Ásia Pacífico, progrediram de modo espetacular, arrancando milhões de pessoas de uma miséria ancestral para leva-las a uma situação de pobreza aceitável, e até de moderada prosperidade –, esse movimento foi perdendo força, de modo que o antiglobalismo de esquerda deixou de ter aquele charme muito pouco discreto que ele exibia nos anos 1990 e 2000, para se prolongar apenas em pequenos núcleos de irredutíveis anticapitalistas, mais evidentes na academia do que nos movimentos políticos reais.
O que mais contribuiu para provar o fracasso prático dos antiglobalizadores – objeto de muitos artigos meus e até de um livro já referido Globalizando: ensaios sobre a globalização e a antiglobalização, reunindo o essencial do que escrevi sobre eles – e a consequente progressiva perda de influência desses “anti” de esquerda nos tempos mais recentes? Algo muito evidente: o mundo deixou de ser caracterizado pela “Grande Divergência” – o processo de aumento das disparidades de renda entre países avançados e economias periféricas, grosso modo entre a segunda revolução industrial e os anos 1980 do século XX – para adentrar no que parece ser uma “Convergência Parcial”, pelo menos envolvendo aqueles países e regiões que se inseriram de modo mais assertivo no processo de globalização capitalista. A diminuição das desigualdades entre os países não impediu, porém, um aumento (temporário?) das desigualdades dentro dos países, o que abriu uma janela de oportunidade para um economista socialista (francês, of course) que pretendeu navegar sobre glórias passadas de Karl Marx: o magnum opus de Thomas Piketty, O Capital no Século XXI, opera um mau diagnóstico sobre as origens da nova concentração de renda (considerada em sua forma unicamente financeira) e prescrições ainda piores para a superação dessa desigualdade, pela taxação dos ricos obviamente.
Estudos econométricos de um outro economista, o catalão Xavier Sala-i-Martin, professor na Columbia University, demonstraram amplamente que a desigualdade – evidente em diversos indicadores de distribuição de renda, especialmente no coeficiente de Gini – diminuiu sensivelmente a partir da terceira “onda” da globalização a partir dos anos 1980, que corresponde aproximadamente à volta da China à divisão mundial do trabalho com as reformas de Deng Xiaoping, seguida pouco depois por igual adesão por parte da Índia aos princípios mais elementares da economia de mercado, da qual ela se tinha afastado desde seu entusiasmo pelo planejamento estatal ainda nos anos 1950. A implosão final da União Soviética, em 1991, e a transição de praticamente todos os países socialistas ao velho e duro capitalismo de modo mais ou menos rápido terminou por encerrar o culto beato que mantinham acadêmicos e sindicalistas ao estatismo e à “soberania econômica nacional”, inclusive porque a volta à prosperidade de alguns desses países congelados na estagnação socialista foi real e espetacular (sobretudo na Europa).
Na América Latina, sempre alimentada por velhas teorias e doutrinas ditas “desenvolvimentistas” com muita influência nas academias e, portanto, entre as elites econômicas igualmente, os resultados foram bastante contraditórios, inclusive porque o fracasso da “década perdida” (a crise da dívida externa nos anos 1980) não foi seguido por reformas realmente profundas na maior parte dos países. Poucos dentre eles aderiram ao novo “cânone” liberal, supostamente simbolizado na regras do “Consenso de Washington”, de modo que a conversão a economias livres de mercado foi apenas parcial – em parte no México, moderadamente na Colômbia, mais decisivamente no Chile, e tardiamente no Peru –, ao passo que grandes economias, como Argentina, Brasil e também a Venezuela, experimentaram um pouco de “neoliberalismo”, mas tornaram a recorrer a velhas receitas do estatismo e do populismo econômico, mais uma vez guiadas por demagogos de esquerda (os Kirchner, na Argentina; Lula, no Brasil; Hugo Chávez na Venezuela). De forma não surpreendente, aqueles quatro países da franja do Pacífico se engajaram mais resolutamente na globalização, e passaram a experimentar taxas de crescimento mais robustas, ao passo que os demais estagnavam, quando não recuavam no caminho da prosperidade e da inserção na economia global.

4. Do lado da direita: todo globalismo será castigado, mesmo sem doutrina
Tudo indica, portanto, que o antiglobalismo de esquerda perdeu relevância, mantendo-se apenas em poucos nichos acadêmicos, eventualmente influentes em alguns movimentos políticos e sociais, mas desprovidos de maiores evidências capazes de sustentar uma nova escalada ascensional ao poder, como talvez tenha sido o caso localmente em certos países. Abriu-se então uma janela de oportunidade para o antiglobalismo de direita, de certa forma alimentado pelo efeitos da globalização em países avançados, nos quais as velhas indústrias da segunda revolução industrial deixaram de representar parte relevante do PIB, para abrir espaço às novas economias de serviço, apoiadas bem mais no oferecimento de bens intangíveis do que na produção de manufaturados (que foi deslocada para os países periféricos, ou “emergentes”, em grande parte na Ásia). Ao mesmo tempo, o fracasso econômico de algumas grandes regiões, assoladas por guerras civis, como na África e no Oriente Médio, ou pelo velho populismo como na América Latina, realimentou novos fluxos migratórios, alguns espetaculares, como resultado de guerras prolongadas e afundamento econômico em Estados falidos. O fato desses novos imigrantes acudirem aos borbotões e de forma frequentemente ilegal às portas de países avançados da Europa e da América do Norte despertou – ao lado de alguns ataques espetaculares de terroristas islâmicos no próprio coração dessas velhas metrópoles coloniais, ou imperialistas –, como seria de se esperar, reações xenófobas, e até racistas, por parte das populações brancas, cristãs, e relativamente afluentes nesses países. O fato de que a ONU e suas agências especializadas tendem a assumir uma postura política tendencialmente favorável ao fenômeno migratório, e pragmaticamente assistencialista no tocante ao acolhimento de refugiados econômicos e de catástrofes humanitárias, também contribuiu para a formação de uma reação negativa, por parte das populações dos países “assediados”, o que alimentou o crescimento e o reforço político de partidos e movimentos de direita, excludentes por definição, nacionalistas em sua essência, e manifestamente “antiglobalistas” no que tange à expansão contínua do multilateralismo ao longo dos primeiros setenta anos da ONU e seus órgãos assessórios.
Não existe uma “doutrina” unificada do antiglobalismo, pela simples razão de que as situações nacionais são substancialmente diversas, tanto em termos de “pressões” advindas de fluxos migratórios “não-cristãos”, quanto como resultado de trajetórias políticas nacionais bastante diferentes entre si, mesmo numa Europa supostamente “comunitária”, exibindo algumas políticas comuns de “segurança” ou de política externa, como o “espaço Schengen”, por exemplo, compreendendo, em teoria, 26 dos 28 países membros da União Europeia. Nos Estados Unidos, já pressionados por algumas dezenas de milhões de imigrantes ilegais, a maior parte latino-americanos, a situação política também se modificou sensivelmente a partir da eleição de Donald Trump, e sua assunção à presidência em janeiro de 2017; deliberadamente contrário às políticas de imigração já relativamente restritivas da administração anterior, o novo presidente começou uma ofensiva anti-imigratória simbolizada na construção de um muro na fronteira com o México, até o momento ainda não materializado por inteiro.
No plano mais global das ideias políticas é certo que o multilateralismo, em vigor durante mais de meio século sob a égide da ONU, e dos grandes empreendimentos comunitários ao estilo da EU, encontram-se temporariamente sob os ataques dos novos movimentos de direita, com seus diversos componentes políticos, étnicos, religiosos e culturais, que assumiram algum poder em diversos desses países “assediados”, com a perspectiva de que alguma associação mais flexível entre esses diversos movimentos se manifeste de forma mais ruidosa no plano político-eleitoral, sobretudo na Europa. Os casos mais evidentes se referem à Itália, à Hungria e à Polônia, não por acaso sob a vigilância das instâncias comunitárias que examinam atentamente a evolução de suas políticas nacionais nos terrenos da democracia política, das liberdades de expressão e do respeito aos direitos humanos. Talvez também não por acaso são os países escolhidos como novos “aliados políticos” do novo governo brasileiro, assumidamente de direita e partidário de uma pouco explicada adesão a valores “judaico-cristãos” que estavam, pelo menos aparentemente, esquecidos nas últimas décadas em nosso país.

5. Teorias conspiratórias sobre o globalismo: déjà vu, all over again
Mais até que no âmbito das políticas nacionais em matéria educacional ou de direitos humanos – que praticamente não existem ou são suficientemente confusas para desafiar qualquer interpretação a respeito –, é no âmbito da política externa que se tem manifestado a mais espetacular inversão de tendências das últimas décadas, ou, mais exatamente, desde sempre, ao se ter evidências fáticas, ainda que igualmente confusas, sobre o antiglobalismo notório da nova administração diplomática brasileira. Ela está a cargo de um funcionário pouco experiente no exercício de funções de alta chefia, muito devotado às ideias da “nova direita” europeia – na verdade, de extrema direita –, e especialmente submisso aos eflúvios antiglobalistas expelidos pelo já referido “sofista da Virgínia”, que não possui nenhum discurso articulado sobre o fenômeno.
Ainda que Olavo de Carvalho não possua nenhum estudo academicamente respeitável sobre o pretenso fenômeno do globalismo, não há dúvida de que ele está na origem da formação de um pequeno grupo de discípulos, organizados em forma de seita antiglobalista, seguidores de suas diatribes – na verdade, reproduzindo tendências já presentes na nova direita americana – contra a globalização e o suposto globalismo. De fato, sem produzir qualquer conhecimento original, na completa ausência de pesquisas baseadas em fontes credíveis, ele vocaliza suspeitas há muito disseminadas em certos meios esotéricos, e as transmite a seus “discípulos” propensos a acreditar na ação obscura de determinados grupos supostamente influentes na sociedade. Completamente desprovidos de fundamentação empírica, reproduzindo verdadeiros absurdos do ponto de vista da história econômica, os poucos escritos e afirmações esparsas de Olavo de Carvalho a propósito desse globalismo fantasmagórico não apresenta nenhum dos requerimentos básicos para eventual submissão a algum journal peer-reviewed.
Sua reação epidérmica, próxima da indigência sub-intelectual, se parece muito com as teorias conspiratórias de alguns grupos, eventualmente conectados em rede, já detectados em algumas obras de especialistas acadêmicos, dentre eles o historiador escocês (radicado nos EUA), Niall Ferguson, em especial em um livro recente: The Square and the Tower: Networks and Power, from the Freemasons to Facebook (Londres: Penguin Books, 2018), aqui transcrito:
A suspeita cresce [entre os deslocados do mercado de trabalho] de que o mundo é controlado por redes poderosas e exclusivas: os banqueiros, o Establishment, o Sistema, os Judeus, os Maçons, os Illuminati. Quase tudo o que se escreve nessa linha é lixo. Mas seria improvável que as teorias da conspiração fossem tão persistentes se redes desse tipo não existissem.
O problema com os teóricos da conspiração é que, como deslocados ressentidos, eles invariavelmente não compreendem e deformam os meios pelos quais as redes operam. Em especial, eles tendem a acreditar que redes de elites controlam, disfarçadamente, mas facilmente, as estruturas formais de poder. Minha pesquisa – assim como minha experiência – sugere que esse não é o caso. Ao contrário, redes informais frequentemente exibem uma relação altamente ambivalente com respeito às instituições estabelecidas, e em muitos casos mesmo uma relação hostil. (tradução livre do prefácio: “O historiador em rede”)

Mas, o historiador britânico também alerta logo em seguida: “Frequentemente, grandes mudanças na história são o resultado de grupos informalmente organizados de pessoas, parcamente documentados.” Ele também indica, imediatamente, dois nos quais é formalmente envolvido, o World Economic Forum e encontros do grupo Bilderberg, este último frequentemente citado nas diatribes antiglobalistas de Olavo de Carvalho. A despeito de pertencer a muitos outros grupos e redes, na Grã-Bretanha e nos EUA, Niall Ferguson confessa candidamente que não tem “quase nenhum poder” (idem). No entanto, alguns dos exemplos examinados em seu livro chegaram a ter essa ilusão de conseguir mudar o mundo, começando, no século XVIII, pela Illuminatenorden, a Ordem dos Iluminados, na qual circularam intelectuais como Goethe e Herder. Seu fundador a chamava de Liga dos Perfeitabilistas – Bund der Perfektibilisten –, cujo objetivo era assegurar a “vitória da virtude e da sabedoria sobre a estupidez e a malícia” (Cap. 1: “The Mystery of the Illuminati”). Alcançando os Estados Unidos depois da revolução francesa, os Illuminati podem ter estado na origem do “estilo paranoico na política americana”, segundo o historiador Richard Hofstader; eles também teriam tido um papel na fundação da John Birch Society, a mais anticomunista das associações políticas americanas, assim como certa influência na obra do maior conservador cristão do país, Pat Robertson, autor do livro New World Order (1991), uma das possíveis bases do pensamento antiglobalista de Olavo de Carvalho.
Em meu debate involuntário com Olavo de Carvalho fui “presenteado” com a descrição completa do “alto comando” que, segundo essa teoria conspiratória, manda soberanamente nos destinos do mundo, já tendo colocado na teia do globalismo as mais influentes associações e os mais ricos magnatas cooptados para esse projeto sinistro. Ele me citou os Bilderbergers, os Rockefellers e os Rothschilds, além da Fabian Society e uma cesta inteira de think tanks e ONGs, todos eles engajados na consolidação da Ordem Global, inclusive por meio da ONU. Niall Ferguson resume de forma magnífica essa “teoria da conspiração” numa das passagens mais representativas de seu livro – sobre as redes que circulam em volta do poder –, ilustrando aliás seus parágrafos sobre a coalizão dos Illuminati contemporâneos com um quadro apropriado, que já reproduzimos abaixo, seguido de seu texto-síntese sobre a “conspiração para dominar o mundo”:


Um painel bastante representativo descreve os Illuminati como uma ‘elite super rica do Poder com a ambição de criar uma sociedade escrava’:
Os Illuminati possuem todos os bancos internacionais, as companhias de petróleo, as mais poderosas empresas da indústria e do comércio, eles se infiltram na política e na educação e eles dominam quase todos os governos – ou pelo menos controlam-nos. Eles possuem até mesmo Hollywood e a indústria da música... [O]s Illuminati comandam também a indústria do comércio de drogas... Os principais candidatos à Presidência são cuidadosamente escolhidos dentre as linhas ocultas de sangue de treze famílias de Illuminati... O maior objetivo é o de criar um Governo Único Mundial, com seus membros no topo para dominar o mundo na direção da escravidão e da ditadura... Eles querem criar uma ‘ameaça externa’, uma falsa Invasão Extraterrestre [a fake Alien Invasion], de forma a que os países deste mundo se declarem dispostos a se unir num Único.
A versão padrão da teoria da conspiração vincula aos Illuminati a família Rothschild, a Távola Redonda, o Grupo Bilderberg e a Comissão Trilateral – sem esquecer o administrador de fundos de risco, doador político e filantropista George Soros. (Cp. 1 de Ferguson, ““The Mystery of the Illuminati”, in: The Square and the Tower, p. 3)

6. A contrafação dos neo-Illuminati no Brasil: globalismo, climatismo, marxismo
Aqueles dispostos a assistir à “entrevista-diálogo” que mantive com Olavo de Carvalho em dezembro de 2017 ouvirão de sua própria voz as mesmas referências a esse sinistro projeto conspiratório globalista, com o desfilar nominativo daqueles mesmos personagens suspeitos de financiar dezenas de organizações – inclusive várias de esquerda, uma vez que se sabe que Soros é um “homem de esquerda” – com a meta de instaurar um governo mundial. O representante en titre do antiglobalismo no Brasil se exerce com toda a sua arrogância autosapiente neste vídeo gravado pela equipe do Brasil Paralelo, disponível no Canal YouTube (link: https://youtu.be/6Q_Amtnq34g).
Segundo os neo-Illuminati e seus representantes no Brasil qualquer projeto que tenda a retirar poderes dos Estados soberanos para colocá-los nas mãos de burocratas não eleitos está irremediavelmente contaminado pela ideia globalista, e deve, portanto, ser rejeitado in limine.  Encontra-se nessa situação, obviamente, o projeto comunitário da União Europeia, aliás desde sua origem no Tratado de Paris (1951) e nos tratados de Roma de 1957 e todas as suas derivações posteriores, até o de Maastricht, que criou a União Europeia em 1993, e que inclusive tentou instituir uma espécie de “governo central”, com presidente e constituição escrita. Para ser fiel a esse credo soberanista, os novos responsáveis pela política externa do Brasil deveriam, presumivelmente, recusar não só o acordo de liberalização comercial Mercosul-União Europeia, como o próprio princípio do Mercosul, cujo tratado constitutivo – assinado em Assunção, em 1991 – prevê o coroamento do atual processo de consolidação da união aduaneira por meio de um mercado comum, como no precedente europeu de 1957. O nome oficial do bloco, aliás, é “Mercado Comum do Sul”, aparentemente uma insustentável renúncia de soberania, na visão dos antiglobalistas.
O fato de que todo e qualquer tratado internacional, seja ele bilateral, regional ou multilateral, implique necessariamente uma renúncia de soberania por parte dos Estados signatários – no sentido em que eles concordam em fazer e deixar de fazer certas coisas de comum acordo, se comprometendo, portanto, a não aplicar medidas unilaterais nas áreas cobertas pelo tratado – deveria fazer com que os antiglobalistas convictos recusem a essência mesma da diplomacia, que é justamente a arte de estabelecer convivência e cooperação entre Estados, num exercício de autolimitação de seus poderes soberanos. O extremo nacionalismo, como já observado em algumas trajetórias históricas, termina por resultar na autarquia, isto é, a tentativa de se libertar de qualquer dependência com respeito a fornecedores estrangeiros, amigos ou inimigos. Exemplos conhecidos na era moderna compreendem a União Soviética – “socialismo num só país” –, a economia nazista na Alemanha sob Hitler e o próprio Brasil, em diversos períodos sob dominação militar (na era Vargas e sob a ditadura militar, 1964-85), quando também se praticou uma espécie de “stalinismo industrial”, com indústrias verticalmente integradas e basicamente dedicadas a se abastecer e a fornecer produtos para o mercado interno.
Os principais inimigos dos antiglobalistas brasileiros são, sem qualquer ordem pré-determinada, os adeptos do marxismo cultural, do aquecimento global (chamado de climatismo), do comercialismo (ou seja, o comércio sem alma), do multilateralismo, do universalismo e, evidentemente, do globalismo. Todos eles passaram a ser combatidos, em nome da pureza na adesão ao novo credo oficial, muito próximo das mesmas posturas já exibidas pela nova direita europeia e pelo presidente Trump, objeto dos maiores elogios do novo chanceler ao ser considerado o “salvador do Ocidente”, em especial em sua vertente “judaico-cristã”. Ao lado dessas ameaças, persistem diversos outros equívocos teorizados especialmente para o caso do Itamaraty pelo encarregado da diplomacia bolsonarista: o nominalismo, o tematismo, o isolamento do Itamaraty da sociedade brasileira e das demais políticas públicas, e uma suposta indiferença dos diplomatas no tocante aos valores profundos do povo brasileiro, que seria conservador por excelência e, ipso facto, partidário de todas essas posturas quase que naturalmente.
Trata-se de uma agenda demolidora, stricto et lato sensi, pois para colocar o Itamaraty no mesmo diapasão que vigorou no Império até a gestão do Barão do Rio Branco – uma vez que todo o período posterior, até o governo Bolsonaro, é considerado um desvio em relação aos verdadeiros valores da sociedade brasileira –, é preciso desmantelar, literalmente, os padrões culturais e ideológicos seguidos durante esse largo período intermediário, quando a política externa e a diplomacia distanciaram-se da real identidade do povo brasileiro, praticando o terceiro-mundismo, o antiamericanismo e o anti-ocidentalismo.
Suprema ironia: todo esse combate contra as más ideias – de fato, a destruição da inteligência no Itamaraty – tem como justificativa a luta contra as ideologias. Soit!

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 21 de maio de 2019

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Manuais dos concursos para a carreira diplomatica: disponíveis

Manual do Candidato para o CACD
(Todas as matérias)
03/06/2018

O que é o manual do candidato do CACD?
Manual do Candidato é o nome dado a cada um dos livros editados pela Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) que funcionam como material base na preparação para o Concurso de Admissão à Carreira Diplomática (CACD).
É bastante comum que os manuais da FUNAG sejam o primeiro contato que o candidato tem com o universo do CACD. Por esse motivo é tão comum que as primeiras dúvidas emanem justamente dos manuais.
Nesse post eu vou discutir exatamente isso: como utilizar os manuais do candidato e quais cuidados tomar nesse início de jornada rumo à carreira diplomática.
Os pontos fortes dos manuais do candidato
O primeiro aspecto a se considerar: os manuais do candidato são grátis.
Segundo aspecto: os manuais são editados pela Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG), uma fundação pública vinculada ao Ministério das Relações Internacionais. Isso garante que os materiais disponibilizados por ela seguem um certo critério de qualidade.
Outra grande vantagem dos manuais é que eles abordam praticamente todos os pontos do edital do CACD.  Apesar de essa abordagem ser demasiadamente artificial, ela permite que o estudante se familiarize com conceitos dos quais jamais ouviu falar.
Não é possível afirmar categoricamente que os manuais cubram o conteúdo por inteiro, pois eles não são lançados anualmente, enquanto o edital tende a sofrer pequenas alterações de um ano para o outro.
O que eu quero dizer é o seguinte: ao utilizar o Manual do Candidato de Economia (publicado em 2016), por exemplo, você não encontrará capítulos sobre os assuntos inseridos no edital após aquele ano.
Mais uma enorme vantagem dos manuais é o fato de eles possibilitarem ao candidato avaliar com maior precisão a magnitude do desafio que é o CACD. Para alguns, basta imprimir os manuais e empilhá-los em cima de uma mesa para perceber que o caminho não é nada fácil.
É importante lembrar que esses manuais apenas arranham a superfície do conteúdo. Portanto, se você achar que a soma desses livros já representa uma carga de leitura significativa, não queira nem imaginar quantos outros livros você terá de ler até conseguir sua aprovação.

Os pontos fracos dos manuais do candidato
Para os desavisados (não é o seu caso porque você está aqui no Atualidades Concursos), os manuais do candidato são perigosos, pois iludem os candidatos menos experientes.
É extremamente comum que as pessoas que irão tentar o CACD pela primeira vez acreditem que a leitura atenta dos manuais será o suficiente, pelo menos, para que façam uma boa prova.
Isso não acontece.
Quero que fique bem claro: além de serem absolutamente insuficientes para a sua aprovação, os manuais não são capazes nem mesmo de garantir uma boa nota para aqueles que os estudam com afinco.
Não estou me referindo especificamente à qualidade dos livros, mas a realidade é que o volume de informações daquelas páginas está simplesmente aquém do necessário.

Os manuais do candidato são confiáveis?
Sim, são confiáveis. Mas há ressalvas.
Os manuais lançados recentemente são bastante superiores àqueles que a FUNAG disponibilizava há apenas alguns anos. Atualmente é possível dizer que a Fundação Alexandre de Gusmão foi altamente cautelosa na seleção dos professores que criaram cada um dos manuais.
O melhor exemplo disso é o Manual do Candidato de História do Brasil, que em 2016 foi completamente reescrito pelo extremamente competente professor João Daniel.
Dito isso, é essencial tomar cuidado com o conteúdo de alguns manuais devido à natureza de algumas disciplinas.
Mais uma vez, deixe-me explicar:
Matérias como Geografia e Política Internacional sofrem mudanças, literalmente, todos os dias. Não seria razoável esperar que os manuais dessas matérias refletissem essas mudanças diárias. Por isso que o serviço aqui do Atualidades Concursos é útil, você precisa manter-se atualizado de maneira autônoma.
Já que estamos conversando sobre isso, aproveita e se registra na Plataforma de Estudos de Atualidades aqui embaixo:
Voltando aos manuais de Geografia e de Política Internacional: o fato de eles estarem desatualizados não significa que não tenham utilidade. Alguns conceitos geográficos além de doutrinas de política internacional são imutáveis, você pode estudá-los tranquilamente pelos manuais.

Os manuais do candidato são atualizados?
Eles são relativamente atualizados, com as claras exceções das disciplinas de Geografia e de Política Internacional.
Isso quer dizer que as demais matérias estão em dia?
Não!
Quando você baixar os manuais, que eu disponibilizei logo abaixo, vai perceber que cada um deles tem sua própria data de publicação. Uns são mais recentes, outros menos.
Você precisa ficar atento ao fato de que, manuais editados há dois anos obviamente não irão refletir pequenas alterações que ocorreram desde a data de publicação até o dia da sua prova.
Isso é uma questão de bom senso.
Esse é um dos motivos pelos quais os candidatos evitam utilizar os manuais quando precisam redigir um recurso que questione o gabarito da banca. Nesses casos é sempre mais produtivo utilizar a bibliografia recomendada de cada matéria.
Por falar nisso, aqui está a lista das bibliografias que eu selecionei para cada uma das matérias:

Vale a pena ler os manuais do candidato na íntegra?
Depende.
Apesar de os manuais não serem a melhor fonte de informações para o CACD, para aqueles que não podem fazer um investimento substancial na preparação para a prova, os manuais são uma boa indicação. Além de serem grátis, permitem que o candidato tenha o primeiro contato com as disciplinas.
Se você tem condições financeiras para comprar os livros das bibliografias mencionadas acima, utilize os manuais apenas como material de apoio. Eles são ótimos instrumentos para preenchimento de lacunas no aprendizado.
Contanto que você não utilize os manuais do candidato da FUNAG como seu principal meio de estudo, sinta-se livre para utilizá-los como preferir.
Lembre-se: o tempo é o seu bem mais precioso. Você encontrará dezenas de livros no seu caminho até o Itamaraty. É importante discernir quais precisam ser lidos e quais precisam ser ignorados.

Caso você precise de mais dicas, leia esse post: Como começar a estudar para o CACD.
Esse outro também ajuda bastante: 30 Dicas e Segredos do CACD

Manuais do Candidato para o CACD:


Manual do Candidato de Português:
Esse manual está absolutamente desatualizado. Além de anacrônico, ele é absolutamente inútil para a sua preparação. Não vou nem disponibilizar o download.


Conclusão
Em um mundo ideal, você teria tempo o suficiente para ler todos os livros na sua preparação para o CACD. Infelizmente, a realidade não é essa.
Uma das características comuns aos aprovados é a capacidade de priorizar as leituras mais importantes e ignorar aquelas que são supérfluas.
É fundamental que você tenha pragmatismo durante toda a sua jornada. Não custa lembrar que essa era uma das facetas mais notórias do Barão do Rio Branco.
Utilize os manuais do candidato para o CACD como uma ferramenta, mas não se deixe escravizar por esses livros. Há leituras muito mais importantes que essas.
Bons estudos e inscreva-se na Plataforma de Estudo de Atualidades:


Nova direita europeia: a contra-revolucao cultural - Eric-Andre MARTIN (IFRI)

Vers une « contre-révolution culturelle » en Europe centrale ?

La crise migratoire en Europe a servi de catalyseur aux mouvements populistes des pays du Groupe de Višegrad (V4) depuis 2015 pour parvenir au pouvoir ou renforcer leur assise. Ils ont développé un discours anti-européen, dénonçant les défis à la souveraineté que constituent les décisions de Bruxelles.

Éric-André MARTIN


La fronde qu’ils ont conduite contre les décisions du Conseil européen relatives à la relocalisation des demandeurs d’asile, mais plus encore le refus de la Pologne et de la Hongrie d’accepter la moindre demande sur leur territoire, a ouvert une crise de gouvernance au sein de l’Union européenne (UE).
La Pologne et la Hongrie ont franchi un pas supplémentaire dans leur critique radicale du système en vigueur dans l’UE, à travers le concept d’ordre illibéral. Jaroslaw Kaczynski et Viktor Orban sont allés jusqu’à appeler à une « contre-révolution culturelle » en Europe lors du sommet de Krynica en 2016. Les élections au Parlement européen de 2019 sont considérées par les dirigeants des deux pays comme une opportunité de modifier l’orientation du projet européen.

Les symptômes d’un malaise spécifique à cette région

Le discours des dirigeants du V4 sur l’UE s’est inversé depuis la transition, comme le résume à lui seul le parcours de Viktor Orban qui est passé du statut de promoteur de la transition démocratique à celui de l’ordre illibéral. Le retour de cet « Occident kidnappé » dans le concert européen, loué par Milan Kundera, s’était en effet effectué dans le cadre d’un processus de transition, gage de la restauration d’un ordre libéral et du passage à l’économie de marché, qui s’est conclu par l’adhésion de ces États à l’UE en 2004.
La transition vers l’économie de marché et la dynamique de rattrapage économique de ces pays constituent un succès réel auquel la solidarité européenne, à travers les transferts opérés par les fonds structurels, a contribué. L’opposition sur la question des valeurs et du modèle de société est en revanche patente. La lutte engagée en Pologne et en Hongrie contre certaines institutions indépendantes du pouvoir, telles que la justice, les médias ou les organisations non gouvernementales (ONG), constitue une menace pour l’État de droit, incompatible avec les principes et valeurs de l’UE. C’est la raison pour laquelle la procédure de l’article 7 a été engagée contre la Pologne et la Hongrie, et que la Cour de Justice de l’UE a été saisie sur certains aspects de la réforme de la justice en Pologne.
Pour mieux affirmer leur indépendance, les pays du V4 se prévalent de soutiens à l’extérieur de l’UE. Le président Trump a rompu l’embargo sur les contacts à haut niveau avec le gouvernement Orban, mis en place par son prédécesseur, et réservé son premier voyage en Europe à la Pologne, apportant ainsi son soutien à l’Initiative des Trois mers[1]. La Russie voit dans le soutien qu’elle apporte à Viktor Orban un moyen de contrer l’influence de l’UE. La Chine étend également son influence à travers son initiative « 16 + 1 » et qualifie le V4 de « force la plus dynamique en Europe ».

Crise, rupture, divorce ?

Si l’on excepte la question de l’immigration, les pays de Višegrad ne constituent pas un groupe aux intérêts convergents. La Slovaquie et la République tchèque n’ont pas adopté la logique d’escalade empruntée par leurs partenaires et ont pris quelque distance avec leur rhétorique anti-européenne.
S’agissant des procédures engagées contre la Pologne et la Hongrie, l’UE s’est construite sur les principes de solidarité, de dialogue et de coopération. Quel sera le résultat de la procédure de l’article 7, surtout si l’UE n’est pas en mesure de sanctionner effectivement ces deux États ? Cette division Est-Ouest de l’Europe est-elle en définitive une crise de plus, comme l’UE en a connu beaucoup à travers son histoire, ou le point de départ d’une divergence fondamentale ?
Avec l’intégration des pays d’Europe centrale et orientale (PECO), l’Europe a une chance unique de surmonter sa division historique, autour d’un projet fondé sur l’ouverture et l’échange. Cela lui permet d’engager un dialogue avec sa périphérie, des Balkans aux pays du Partenariat oriental jusqu’à la Russie. Un échec sur ce point ouvrirait la voie à un repli identitaire et au retour du jeu des puissances, qui marquerait la fin du projet européen historique.
L’UE doit surmonter le hiatus entre la conception contractuelle et libérale de la nation à l’Ouest, et la conception ethnoculturelle à l’Est[2]. Les PECO doivent participer aux grands débats européens et comprendre que non seulement l’approfondissement de l’Europe ne se fait pas contre eux, mais qu’ils auraient beaucoup à perdre en se marginalisant. Les sociétés civiles, majoritairement favorables à l’UE, doivent être sollicitées autour de ces questions, si l’on souhaite une réponse à la hauteur des enjeux.
[1]. L’Initiative des Trois mers est une plate-forme de coopération entre 12 pays d’Europe centrale lancée en 2016. Lire D. Richard, « Europe centrale : l’Initiative des Trois mers », Politique étrangère, vol. 83, n° 2, été 2018, p. 103–115.
[2]. C. Delsol, « Pourquoi les peuples d’Europe centrale refusent nos leçons de morale », Le Figaro, 22 février 2018, disponible sur : www.lefigaro.fr.
Éric-André MARTIN, chargé de mission auprès du directeur de l’Ifri.
Pour aller plus loin, retrouvez l’étude collective de l’Ifri : Élections européennes 2019 : les grands débats. Thomas GOMART, (dir.) , Marc HECKER, (dir.), février 2019.

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