quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Lula teve, em 2003, uma “herança bendita”; agora terá uma verdadeira “herança maldita” - Alexandre Schwartsman (InfoMoney)

 Alexandre Schwartsman

Acredite se quiser

Há quem creia que, caso eleito, Lula repetirá 2003 e escanteará seus economistas, adotando uma política ortodoxa. As condições objetivas para isto, porém, são muito diferentes das observadas há 20 anos, sugerindo que isto seja muito pouco provável


Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

matéria recente da Folha de S. Paulo sobre a escalação do time de economistas assessorando a campanha do ex-presidente Lula talvez ficasse melhor localizada numa possível seção de (reprises de) filmes de terror, mas traz uma questão importante: até que ponto Lula leva a sério as propostas (na falta de melhor termo) de seus (também na falta de melhor termo) economistas?

A experiência de 2003 sugere que muito pouco. Para quem se lembra, o projeto econômico do PT em 2001 propunha uma completa reviravolta da política econômica de então, acabando com o compromisso fiscal e metas para a inflação, para não falar de uma atitude no mínimo ambivalente quanto às dívidas externa e doméstica (afora apoiar o plebiscito sobre o pagamento das dívidas externa e interna, sugeria “um limite de comprometimento das receitas com o pagamento de juros da dívida pública”).

Como se sabe, todavia, ao assumir Lula não apenas manteve o chamado “tripé macroeconômico” (câmbio flutuante, superávits primários e metas para a inflação), como se engajou em reformas na linha de seu antecessor, incluindo a previdência do funcionalismo e aprimoramentos dos mecanismos de crédito (como o consignado e a criação da alienação fiduciária para imóveis).

Mesmo no campo social as transferências focalizadas de renda aos mais pobres, muito criticadas por economistas do partido, foram reunidas no Bolsa-Família, carro-chefe da política social do ex-presidente.

Em outras palavras, quando precisou governar, Lula não hesitou em escantear os economistas de seu partido e trazer quem entendia do riscado, seguindo uma política econômica absolutamente alinhada à de Fernando Henrique, enquanto denunciava, é óbvio, a tal “herança maldita”.

Não é por outro motivo que muita gente (e gente boa, diga-se) acredita que, se eleito em 2022, Lula não teria maiores problemas para executar um novo duplo twist mortal carpado e tomar medidas que recoloquem as contas públicas em ordem, sempre em nome da governabilidade.

Eu, obviamente, não tenho condições de saber o que se passa na cabeça de Lula, apesar de suas declarações recentes a respeito, em particular a afirmação sobre o país não precisar de reformas. Nem isto me interessa; o que pretendo olhar com mais cuidado é a alteração das condições objetivas para a prática do duplo twist mortal carpado.

No caso, a má notícia para quem aposta na capacidade acrobática do ex-presidente é que, ao contrário do legado de 2002, quem tomar posse em 2023 terá que lidar com a verdadeira herança maldita.

Um gráfico simples ajuda a ilustrar a questão. No segundo mandato de Fernando Henrique, o país passou por um ajuste fiscal considerável: embora ancorado mais pelo aumento da tributação do que pela redução de despesas, o superávit primário do setor público (governo federal, estados, municípios e empresas estatais), virtualmente inexistente em 1998, atingiu média de pouco mais de 3% do PIB naquele período, principalmente por força do desempenho do governo federal, cujo resultado saltou de 0,5% para perto de 2% do PIB.

Fonte: BCB

Em contraste, o setor público registrou modesto superávit no ano passado, 0,7% do PIB, enquanto o governo federal apresentou déficit (0,4% do PIB). Para este ano, as perspectivas são de retorno ao déficit, na casa de 0,8% do PIB.

Já a dívida bruta em 2002 equivalia a 65% do PIB (notando que nos referimos aqui à definição usada então, visto que a atual só começou a ser empregada em dezembro de 2006).

No final do ano passado, pelo mesmo conceito de 2002, a dívida superava 92% do PIB; pela definição mais usada hoje, atingiu 80% do PIB e deve encerrar 2022 um pouco acima disto, 84% do PIB, segundo o Prisma Fiscal mais recente.

Nesse contexto, considerando que a taxa real de juros se situa em torno de 5% ao ano para o horizonte de 12 a 24 meses (passado o presente aperto monetário), enquanto as perspectivas para crescimento sustentado (não falamos aqui do crescimento pífio de 2022) do país se encontram na casa de 2% ao ano (segundo o relatório Focus), conclui-se que, para estabilizar a dívida seria necessário produzir um superávit primário de 2,5% do PIB [=84% x (5%-2%)].

Embora seja até inferior ao registrado no primeiro governo Lula, 3,5% do PIB, requereria um aperto fiscal muito maior: precisaríamos sair de -0,8% para +2,5% do PIB, ou seja, mais de 3 pontos percentuais do PIB, algo em torno de R$ 350 bilhões.

Dito de outra forma, independentemente dos possíveis desejos acrobáticos de Lula, as condições meteorológicas para piruetas não são as de 2003.

Não basta mais deixar o carro rodar nas mesmas condições que vinha rodando (e se aproveitar, como ocorreu, do aumento de PIS-Cofins em 2003 e 2004) para manter a estabilidade.

Quem quiser produzir o ajuste fiscal requerido para recolocar a sustentabilidade da dívida pública nos eixos vai ter que gramar um bocado, enfrentando, de quebra, um Congresso Nacional muito mais fragmentado do que há 20 anos e uma população muito mais impaciente do que naquele momento.

Isto dito, apesar de o gasto federal (já deduzido o impacto da Covid no ano passado) ser bem mais alto do que o vigente em 2002 (18,5-19,0% do PIB contra 16% do PIB), a margem de manobra em termos de redução de gastos é muito menor.

Não há dados para 2002, mas os gastos obrigatórios – que representavam algo como 87% da despesa federal em 2007-2011 – hoje chegam a 92% do total.

Sem reformas, que de resto só produzirão efeitos em prazos mais longos, o caminho que sobra é o da elevação da carga tributária, cujas resistências são mais do que conhecidas.

Não por acaso, aliás, o ex-presidente faz uma exceção à sua ojeriza por reformas, defendendo mudanças tributárias, cujo sentido deixa claro: “está faltando que os ricos paguem sobre lucro e sobre dividendo. Aí quem sabe a gente vai arrecadar o suficiente para pagar as políticas públicas que o Brasil tanto precisa”.

Acredite se quiser.

George Kennan sobre a expansão exagerada e inconsequente da OTAN nos anos 1990

From:

This Is Putin’s War. But America and NATO Aren’t Innocent Bystanders.

Thomas L. Friedman

The New York Times – 22/02/2022

 George Kennan, the architect of America’s successful containment of the Soviet Union, joined the State Department in 1926 and served as U.S. ambassador to Moscow in 1952 (declared “personna non grata” by Stalin himself).

 Kennan was arguably America’s greatest expert on Russia. Though 94 at the time and frail of voice, he was sharp of mind when I (Tom Friedman) asked for his opinion of NATO expansion. I am going to share Kennan’s whole answer:

 

“I think it is the beginning of a new cold war. I think the Russians will gradually react quite adversely and it will affect their policies. I think it is a tragic mistake. There was no reason for this whatsoever. No one was threatening anybody else. This expansion would make the founding fathers of this country turn overnate debate was. I was particularly bothered by the references to Russia as a country dying to attack Western Europe.

“Don’t people understand? Our differences in the Cold War were with the Soviet Communist regime. And now we are turning our backs on the very people who mounted the greatest bloodless revolution in history to remove that Soviet regime. And Russia’s democracy is as far advanced, if not farther, as any of these countries we’ve just signed up to defend from Russia. Of course there is going to be a bad reaction from Russia, and then [the NATO expanders] will say that we always told you that is how the Russians are — but this is just wrong.”

It’s EXACTLY what has happened.”




A incrível atualidade destas recomendações familiares de 4.500 anos atrás - um escriba do antigo Egito

 

Ancient Egyptian Vizier to His Son

The Maxims of Ptahhotep (circa 2350 BC)

Khaled Serafy
Feb 21 · 8 min read
Statue of Nikare as a scribe, circa. 2420–2389 BC, from Saqqara, Egypt. Metropolitan Museum of Art, CC0, via Wikimedia Commons.

Le Monde: numa das frentes de guerra do conflito na Ucrânia

 

Avec les soldats ukrainiens sur la ligne de front : « Il faut que l’opinion publique occidentale se réveille »

Alors que la Russie ne cache plus sa présence militaire au Donbass, les unités ukrainiennes ont pour consigne de ne pas répondre aux provocations ennemies et de se camper dans une posture strictement défensive. 
Par Emmanuel Grynszpan (envoyé spécial à Pisky, près de Donetsk, en Ukraine)
Aujourd’hui à 05h45, mis à jour à 05h46.Lecture 5 min.
Article réservé aux abonnés
Le major Pavlo Yurtchuk, commandant du bataillon « Sarmat », à Pisky, en Ukraine, le 22 février 2022.
Le major Pavlo Yurtchuk, commandant du bataillon « Sarmat », à Pisky, en Ukraine, le 22 février 2022. LORENZO MELONI POUR « LE MONDE »

Les traces de huit années de guerre sont visibles où que porte le regard. A Pisky, dix kilomètres au nord ouest de Donetsk, pas une maison, pas un bâtiment qui ne soit défiguré par les projectiles tirés par les forces prorusses. Ce tableau lugubre peint par d’incessants duels d’artillerie pourrait bientôt tourner au paysage apocalyptique, alors que les militaires ukrainiens se préparent à une offensive russe de grande envergure.

Pisky se trouve à moins d’un kilomètre de l’aéroport ravagé de Donetsk, où sont positionnées les premières positions prorusses, et désormais russes tout court. Depuis mardi, la Russie ne cache plus désormais sa présence militaire sur le territoire ukrainien.

« Je pense que la Russie va lancer une offensive afin d’occuper la totalité des régions de Donetsk et de Louhansk, voire au-delà, indiquait, mardi, au Monde le major Pavlo Yurtchuk, commandant du 21ebataillon d’infanterie motorisée “Sarmat”, déployé à Pisky. Mes soldats et moi pensons qu’on ne masse pas une force contre une frontière pour ne rien faire. J’ignore exactement quelle règle internationale régit cette situation, mais je suis certain qu’il est illégal de concentrer une telle quantité de troupes aux frontières d’un pays auquel vous n’avez pas officiellement déclaré la guerre. »

(…)


terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Fato novo no cenário internacional: o acordo Rússia-China - Rubens Barbosa (OESP)

Devo dizer que discordo com vários dos argumentos expostos neste artigo, sobretudo em relação ao BRICS, mas não vou desenvolver minha posição aqui, pois me tomaria algum espaço. Já expus minha visão das relações exteriores do Brasil, de sua política externa e de sua diplomacia em diversas obras minhas, a mais recente sendo Apogeu e Demolição da Política Externa: itinerários da diplomacia brasileira (Curitiba: Appris, 2021), à qual remeto para desenvolvimentos nessa área

Paulo Roberto de Almeida

 

FATO NOVO NO CENÁRIO INTERNACIONAL 

 

Rubens  Barbosa

O Estado de S. Paulo, 22/02/2022


No meio da crise entre a Rússia e a Ucrânia, no início de fevereiro, depois de encontro Putin-Xi Jinping, os governos da Rússia e da China divulgaram longo comunicado que constitui um fato novo na ordem internacional e no desenvolvimento sustentável global. Nesse contexto, ressaltam a emergência de uma nova era, que deveria ser consolidada, evitando-se o estímulo à divisão da comunidade internacional. 

Na visão da segunda maior potência global (China) e do segundo pais com maior capacidade nuclear (Rússia), a ordem internacional passa por profundas transformações, tornou-se multipolar, com a redistribuição de poder no mundo, o que justificaria uma interação e uma interdependência entre os países, e não o incitamento às contradições e ações unilaterais. Por isso, pedem o reconhecimento dessa nova fase, cuja principal referência seriam as Nações Unidas e o Conselho de Segurança da ONU. 

O documento afirma que os dois países decidiram formar uma inédita aliança política, militar, energética, tecnológica sem limites, sem nenhuma área proibida de cooperação. Rússia e China demandam uma nova forma de relação entre as potências mundiais, baseada em respeito mútuo, coexistência pacífica e cooperação benéfica para todos. O lado chinês apoiou as propostas apresentadas pela Rússia para criar um sistema de garantias de segurança de longo prazo na Europa, legalmente obrigatório. Integridade territorial e soberania emergem como conceitos basilares, junto com a necessidade de segurança em áreas adjacentes, o que significa a não expansão militar da OTAN para os países que fazem fronteira com a Rússia e a não entrada da Ucrânia na OTAN, mas também o respeito ao princípio de Uma Única China, em relação a Taiwan e a crítica ao acordo militar na região Indo-Pacífico. 

Essa nova visão de mundo não implica na destruição e refundação da ordem global, como estabelecida depois de 1945, mas com Rússia e China mais ativas dentro do sistema vigente. 

Nesse sentido: 

 - Coincidem com a defesa da paz, da cooperação, do desenvolvimento sustentável, inclusive no Ártico, do meio ambiente, dos avanços tecnológicos e respostas aos desafios da segurança internacional.  

- Defendem a democracia e os direitos humanos como aplicados por eles e rejeitam o uso desses princípios, segundo critérios ocidentais para exercer pressão em outros países. 

- Notam, no tocante ao desarmamento, que a denúncia pelos EUA de importantes acordos de controle de armamentos teve um forte impacto negativo no tocante à segurança e à estabilidade internacional e regional. A saída dos EUA do Tratado sobre a Eliminação de Mísseis de Médio e de Pequeno Alcance, enquanto Washington desenvolve pesquisa para aperfeiçoamento desses mesmos mísseis e tem intenção de enviá-los para regiões da Ásia-Pacífico e Europa são preocupantes. Demonstram preocupação com o avanço de planos para desenvolver sistemas globais de defesa de mísseis e instalá-los em várias regiões do mundo, junto com armas nucleares de alta precisão para evitar ataques e outros objetivos estratégicos.  

- Reforçam a importância do uso pacífico do espaço exterior e demandam um papel central para o Comitê da ONU sobre Usos Pacíficos do Espaço Exterior para promover a cooperação, manutenção o desenvolvimento de legislação internacional sobre o espaço e a regulamentação do campo das atividades espaciais para evitar que o espaço exterior se torne um campo de confrontação armada e reiteram sua intenção de evitar o armamentismo e uma corrida armamentista no espaço. 

- Apoiam e consideram pilares da paz e segurança a preservação da Convenção de Armas Químicas e a Convenção sobre a proibição do desenvolvimento, produção e estocagem de armas bacteriológicas e tóxicas e demandam sua destruição. 

- A Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, prejudicada pela pandemia, deveria ser reativada para que a nova fase do desenvolvimento global seja definida pelo equilíbrio, harmonia e inclusão.  

O documento faz expressiva referência ao BRICS. Rússia e China afirmam que apoiam o aprofundamento da parceria estratégica com o BRICS, com a promoção e a expansão de cooperação em três áreas: política, segurança, economia e finanças e apoio humanitário. Nesse particular, pretendem encorajar a interação entre os membros do grupo nos campos da saúde pública, economia digital, ciência, inovação e tecnologia, incluindo inteligência artificial, além da crescente coordenação entre os países membros do BRICS nas plataformas internacionais. O grupo vai fortalecer o formato de convites para outros países participarem como convidados como um mecanismo efetivo de diálogo com associações e organizações de integração regional de países em desenvolvimento e países com mercados emergentes

É muito cedo para arriscar prognósticos sobre seu impacto, mas a aliança estratégica, sem limites entre a China e a Rússia, pelo peso político e econômico desses países, poderá ser um marco na geopolítica global, por deixar explícita a visão do fim da hegemonia dos EUA e a afirmação de um mundo multipolar alternativo. O Brasil não vai poder deixar de se posicionar face a essa nova realidade, sobretudo em função da referência ao papel do BRICS.  

 

 

Rubens Barbosa, presidente do IRICE e membro da Academia Paulista de Letras. 


Bolívia: nacionalização dos hidrocarburos em 2006; Minha postura sobre questões colocadas - Paulo Roberto de Almeida

 Em 2006, recebi muitos questionamentos e dúvidas de amigos e conhecidos sobre a decisão da Bolívia, tentando justificar a POSIÇÃO INDEFENSÁVEL do governo Lula na questão. Respondi à maior parte delas bilateralmente, mas postei, em 10 de maio de 2006, minhas respostas a algumas dessas questões, como se pode verificar na postagem abaixo de meu blog "Textos PRA":

quarta-feira, maio 10, 2006

http://textospra.blogspot.com/2006/05/79-ainda-o-problema-boliviano.html

79) Ainda o problema boliviano... 

(...)

Vou tentar responder às suas questões, que creio interessam a todo mundo, no Brasil, ainda que elas não tenham sido bem formuladas.

 

MD: (1) Para começar a entender as posições bolivianas: Preço do barril do petróleo no mercado internacional: US$ 75; Quanto a Petrobrás estava pagando pelo gás boliviano: US$ 35 (em equivalente ao barril de petróleo) Diferença (75-35): US$40


PRA: Esse tipo de comparação não faz o menor sentido, pois compara o preço no mercado spot de uma commodity, sendo oferecida regularmente e livremente no mercado internacional, com o preço de uma "mercadoria", que está enterrada na Bolívia, que precisa ser retirada por alguém, oferecida e comprada, ou seja, não se trata de uma commodity oferecida livremente num mercado aberto.

O gás boliviano só "existe" por força de acordos governamentais Brasil-Bolívia, e de investimentos maciços da Petrobrás. Se isso não for colocado na equação, não se pode discutir mais nada. Seria como se oferecêssemos hipotéticas "fabulosas reservas de ouro" para quem quiser vir ao Brasil prospectar por sua própria conta e depois quiséssemos fixar o preço internacional do ouro como critério de referência para cobrar do extrator.

Ou seja, esse alinhamento de preços NÃO FAZ QUALQUER SENTIDO.

 

MD: Cinco pontos interessantes para a abordagem do problema:

(a) o que faria você, se fosse o presidente da Bolívia, em termos da renegociação do preço do gás nos contratos com a Petrobrás (e outras

empresas)?


PRA: Eu diria ao meu ministro de energia ou de hidrocarbonetos para ir discutir com a Petrobrás a questão dos preços de referência, com base na valorização do preço da energia. Isso seria a única postura correta a ser adotada, ou seja, exigir da Petrobrás um sobrepreço, em função de novas ocorrências no mercado internacional de energia. A Petrobrás poderia aceitar algum reajuste (o que aliás já deve estar previsto nos contratos), ou então dizer o seguinte: a esses valores pedidos, eu prefiro explorar o meu gás da Amazônia ou de Santos, e vamos então negociar um término programado da exploração na Bolívia.

 

(b) como é que uma empresa como a Petrobrás, que chega a dominar quase a metade do PIB boliviano, se mete em uma aventura destas sem sequer realizar um seguro de risco político? Pode?


PRA: Não há risco político para esse tipo de negócio, pois seria difícil estimar e seria de toda forma muito caro. A única forma de diminuir a insegurança seria através de um APPI, um acordo de promoção e de proteção recíproca de investimentos, coisa que o Brasil assinou (o então ministro de Itamar, Celso Amorim) com 15 países desenvolvidos, com o Mercosul e outros países em desenvolvimento (inclusive Cuba, a pedido dela, suplicando por investimentos brasileiros na ilha), mas que o PT na oposição e agora no governo jamais aceitou, por ingenuidade ou estupidez, e agora estamos pagando o preço pela imprevidência.

 

(c) eventuais perdas da Petrobrás devem ser debitadas à irresponsabilidade do Evo Morales ou à irresponsabilidade e imprevidência da diretoria da Petrobrás?


PRA: De responsabilidade total da Bolívia. A Petrobrás relutou muito em se engajar nesse negócio, que só saiu por decisão política dos governos anteriores de realizar essa integração física energética, que diga-se de passagem, faz todo o sentido geopolítico, econômico e técnico. Só a loucura dos homens poderia atrapalhar. Na AL, a lei de Murphy funciona perfeitamente...

 

(d) qual o setor da Petrobrás que é responsável pelo acompanhamento dos riscos políticos das operações externas? Como foi a atuação deste setor na previsão da crise?


PRA: Não importa esse tipo de julgamento, quando você tem garantias políticas dadas por acordos governamentais feitas entre dois países soberanos. O mínimo que se pode esperar é que contratos sejam honrados, e que acordos sejam respeitados. Não foi isso que tivemos da parte da Bolívia e a responsabilidade é inteiramente dela.

 

(e) em que se diferencia o posicionamento do marxista-candomblerista Sérgio Gabrielli com relação à Bolívia do de um petroleiro texano associado ao clã Bush?


PRA: Pergunta totalmente sem sentido, que não possui o mínimo de lógica argumentativa. A Petrobrás, infelizmente, não é uma empresa livre para atuar como empresa. A Vale do Rio Doce, que se libertou das amarras do Estado, atua como empresa, o que é sua função "social". A Petrobrás não tem a mesma sorte, precisando atender a critérios políticos que por vezes não têm o menor sentido econômico, comercial ou mesmo técnico. Lamento por ela...

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Paulo Roberto de Almeida



Nacionalização os hidrocarburos pela Bolívia em 2006: o que dizia o embaixador Rubens Ricupero

 Resumo aqui a postura do embaixador Rubens Ricupero sobre a questão da nacionalização dos hidrocarburos pelo Morales, da Bolívia, em 2006. Não preciso dizer que confirmo e ratifico cada um dos argumentos, que podem ser conferidos nesta postagem que eu fiz na ocasião: 

79) Ainda o problema boliviano... 

quarta-feira, maio 10, 2006

http://textospra.blogspot.com/2006/05/79-ainda-o-problema-boliviano.html


(...)

16 PONTOS PRINCIPAIS DAS OBSERVAÇÕES CRÍTICAS DO EMBAIXADOR RICUPERO COM RELAÇÃO AO POSICIONAMENTO DO ITAMARATY
1. Nunca negociamos sob uma posição de força.
2. Nunca pautamos a política externa por razões ideológicas.
3. Nunca fomos frouxos ou mostramos falta de firmeza.
4. É um absurdo considerar que a Bolívia está defendendo sua soberania nacional.
5. Na realidade, houve expropriação de ativos e rompimento de acordos internacionais negociados entre Estados.
6. Não se trata, portanto, de apenas uma questão empresarial em jogo, não é apenas um prejuízo para a Petrobrás, pois esta empresa realizou investimentos sob a égide de acordos internacionais firmados entre ambos os Estados.
7. Estão sendo ofendidos, assim, os interesses nacionais, e não apenas os da Petrobrás.
8. A Petrobrás está na Bolívia em condições diferentes de outras empresas petrolíferas, pois fundamentou suas iniciativas numa série de acordos negociados logo depois da Guerra do Chaco entre ambos os Estados.
9. Com base nesses acordos, o Brasil construiu um gasoduto de 3.000 km, ao custo de US$ 8,0 bilhões.
10. Governo brasileiro tem de deixar clara sua revolta e mostrar a indisposição para aceitar desaforos, pois foram violados compromissos internacionais.
11. Porém, o Governo brasileiro se mostrou simpático à iniciativa de Evo Morales, ao comparar a decisão boliviana à nossa campanha do " Petróleo é nosso". Nada mais enviesado ideologicamente e estúpido.
12. O gás natural é da Bolívia, mas lá uma empresa estatal, que já havia vendido todos os seus ativos à Petrobrás, tomou tudo de volta e mais os investimentos adicionais, ocupando as instalações com tropas militares.
13. Não se pode aceitar negociar quando o outro lado está numa posição de força.
14. Quando se rasga um contrato, se perde a razão.
15. É aberrante a participação de Hugo Chávez nas negociações em curso em Puerto Iguazu.
16. Nunca nos distanciamos tanto de nossa tradição diplomática.

Rubens Ricupero, maio de 2006

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...