sábado, 18 de junho de 2022

A economia mundial e brasileira do Petróleo- Ricardo Bergamini

 A riqueza de uma nação, não é medida pela sua produção de petróleo, mas sim pela sua capacidade tecnológica para a sua exploração (Ricardo Bergamini).

Prezados Senhores

Algumas curiosidades sobre o estudo em pauta:

1 – Não há nenhuma relação direta entre ser produtor e/ou exportador de petróleo, e ser um país rico e próspero: na sua grande maioria os produtores/exportadores são países miseráveis.

2- O maior produtor de petróleo do mundo (Estados Unidos), também é o maior importador. Não exporta um úncio barril de sua produção.

3 – No Brasil, sempre que a Petrobras anuncia novas descobertas de poços, são colocadas de tal forma que fica a imprensão de que somos o “Centro do Universso”, e que resolveremos todos os nossos problemas. Assim sendo, cabe fazer uma comparação com os Estados Unidos, para nos colocarmos no lugar que mercemos:

3.1 – Em 2018, os Estados Unidos foram o maior produtor mundial de petróleo, com volume médio de 15,milhões de barris/dia (16,2% do total mundial). O Brasil se situou na 10ª posição, após o decrés­cimo de 1,4% no volume de petróleo produzido, totalizando 2,milhões de barris/dia (2,8% do total mundial).

3.2 – Em 2018, no ranking de países com maior capacidade de refino, os Estados Unidos se mantiveram na primeira posição, com 18,milhões de barris/dia (18,7% da capacidade mundial). O Brasil continuou em oitavo lugar no ranking, com capacidade de refino de 2,milhões de barris/dia (2,3% da capacidade mundial), a mes­ma registrada no ano de 2017

3.3 – Em 2018, no ranking de países que mais consumiram, os Estados Unidos se mantiveram na primeira posição, com 20,milhões de barris/dia (20,5% do total mundial). O Brasil alcançou o sétimo lugar, com consumo de cerca de 3,milhões de barris/ dia (3,1% do total mundial) - aumento de 1% em relação ao ano de 2017.

3.4 – Em 2018, no ranking global de maiores produtores de gás natural, os Estados Unidos se mantiveram em primeiro lugar, com 831,bilhões de m(21,5% do total mundial) O Brasil se situou na 31ª posição no ranking mundial de produtores de gás natural, com produção de 25,bilhões de m(0,7% do total mundial), após queda de 7,4%.

 

3.5 – Em 2018, no ranking de maiores consumidores de gás natural, os Estados Unidos permaneceram na primeira posição, com 817,bilhões de m(21,2% do total mundial). O Brasil registrou que­da de 4,6%, totalizando 35,bilhões de m(0,9% do total mundial), e ocupou a 27ª posição no ranking de maiores consumidores de gás natural.

 

 

A Utopia do Petróleo

Ricardo Bergamini

 

FONTE: ANUÁRIO ESTATÍSTICO BRASILEIRO DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS 2019

Petróleo

 

1.1 - Reservas

 

Em 2018, as reservas provadas de petróleo no mundo atingiram a marca de 1,trilhão de barris, mantendo-se no mesmo patamar de 2017, com um pequeno aumento de 0,1%.

 

1.2 - Produção

 

Entre os países que fazem parte da Opep que registraram as maiores quedas de produção es­tão Venezuela (-27,8%) e Angola (-8,5%), que foram compensadas pelas altas registradas na produção do Congo (23,6%), da Líbia (8,7%) e da Arábia Saudita (3,3%). 

Enquanto isso, entre os países que não fazem parte da Opep, o Sudão do Sul foi o responsá­vel pelo maior crescimento da produção (17,5%). Outros países que registraram aumento foram os Estados Unidos (16,6%) e Itália (12,9%).

 

Além de ter o segundo maior crescimento, os Estados Unidos permaneceram como o maior produtor mundial de petróleo com volume médio de 15,milhões de barris/dia (16,2% do total mundial). A Arábia Saudita ocupou no­vamente o segundo lugar no ranking, com produção média de 12,milhões de bar­ris/dia (13% do total mundial), um acrésci­mo de 3,3% ante 2017. Em seguida, vieram Rússia (12,1% do total mundial), Canadá (5,5% do total mundial) e Irã (5% do total mundial).

 

O Brasil se situou na 10ª posição, após o decrés­cimo de 1,4% no volume de petróleo produzido, totalizando 2,milhões de barris/dia (2,8% do total mundial). É importante mencionar que no cálculo da produção de petróleo da BP é consi­derada também a produção de Líquido de Gás Natural (LGN). 

1.3 - Consumo

 

Em 2018, o consumo mundial de petróleo tota­lizou 99,milhões de barris/dia, após aumento de 1,5% (1,milhão de barris/dia) em compara­ção com 2017. No ranking de países que mais consumiram petróleo em 2018, as três primeiras posições se mantiveram as mesmas do ano an­terior. Assim, os Estados Unidos, ocupando a primeira posição, consumiram 20,milhões de barris/dia (20,5% do total mundial). Em seguida veio a China, com consumo médio de 13,mi­lhões de barris/dia de petróleo (13,5% do total mundial). Na terceira colocação se manteve a Índia, com 5,milhões de barris/dia (5,2% do total mundial). O Brasil alcançou o sétimo lugar, com consumo de cerca de 3,milhões de barris/ dia (3,1% do total mundial) - aumento de 1% em relação ao ano de 2017.

1.4 - Refino

 

Em 2018, a capacidade efetiva de refino instala­da no mundo teve alta de 1,6% em relação ao ano anterior, chegando a 100,milhões de barris/dia, isto é, 1,milhões barris/dia maior que em 2017

Dentre os países que aumentaram a capaci­dade de refino, a China se destacou com um incremento de 424 mil barris/dia, totalizando 15,milhões de barris/dia. Em seguida, veio a Índia, com um aumento de capacidade de 272 mil barris/dia, somando milhões de barris/dia. 

Em contrapartida, alguns países tiveram diminui­ção na capacidade de refino. As maiores redu­ções ocorreram no Azerbaijão (redução de 85 mil barris/dia), na Argentina (redução de 77 mil bar­ris/dia) e no Egito (redução de 15 mil barris/dia).

 

No ranking de países com maior capacidade de refino, as quatro primeiras posições continuam ocupadas pelos mesmos países do ano anterior. Portanto, os Estados Unidos se mantiveram na primeira posição, com 18,milhões de barris/dia (18,7% da capacidade mundial). 

Em sequência vieram China, com 15,milhões de barris/dia (15,6% da capacidade mundial); Rússia, com 6,milhões de barris/dia (6,6% da capacidade mundial), e Índia, com milhões de barris/dia (5% da capacidade mundial). Desta vez, a Coréia do Sul foi o quinto país com maior capacidade de refino, com aproximadamente 3,milhões de barris/dia (3,3% da capacidade mundial). Juntos, estes cinco países responderam por 49,2% da capacidade mundial de refino. 

O Brasil continuou em oitavo lugar no ranking, com capacidade de refino de 2,milhões de barris/dia (2,3% da capacidade mundial), a mes­ma registrada no ano de 2017

1.5 Preços

 

Em 2018, o óleo do tipo Brent teve cotação mé­dia de US$ 71,31/barril no mercado spot, regis­trando novo crescimento acentuado de 31,6% em relação a 2017. Enquanto isso, o petróleo do tipo WTI teve cotação média de US$ 65,20/ barril, após crescimento de 28,4% ante 2017.

 

GAS NATURAL

 

1.6 Reservas

 

Em 2018, as reservas provadas mundiais de gás na­tural somaram 196,trilhões de m3, um crescimen­to de 0,4% em comparação com o ano anterior. 

As reservas dos países-membros da Opep, que concentraram 46,3% do total, tiveram um au­mento de 0,3%, totalizando 91,trilhões de m3. Já as reservas dos outros países somaram 105,trilhões de m3, após crescimento de 0,5% em relação a 2017

No ranking de países com maiores reservas pro­vadas de gás natural, as três primeiras posições foram ocupadas pelos mesmos países do ano anterior. A Rússia liderou novamente com 38,trilhões de m(19,8% do total mundial). Em se­guida, vieram Irã, com 31,trilhões de m(16,2% do total) e Catar, com 24,trilhões de m(12,5% do total mundial). Juntos, esses três países res­ponderam por 48,5% das reservas globais de gás natural.

 

Dentre as regiões, a maior parte das reservas provadas se concentrou no Oriente Médio, so­mando 75,trilhões de m(38,4% do total), com alta de 0,3%. Depois, vieram Europa e Eurásia, com 66,trilhões de m(33,9% do total), após crescimento de 1,2%. 

A região Ásia-Pacífico, com 18,trilhões de m(9,2% do total), registrou queda de 0,6% em suas reservas de gás natural. Em contrapartida, as reservas da África tiveram leve alta de 0,03%, totalizando aproximadamente 14,trilhões de m3, ou 7,3% do total. Já as reservas da América do Norte registraram queda de 0,9%, totalizan­do 13,trilhões de m(7,1% do total). 

Por fim, as Américas Central e do Sul, que se mantiveram no mesmo patamar do ano anterior, totalizaram 8,trilhões de m(4,2% do total). Em 2018, o Brasil ocupou a 32ª colocação do ranking das maiores reservas provadas de gás natural do mundo.

 

1.7 Produção

 

Em 2018, a produção mundial de gás natural al­cançou 3,trilhões de m3, após alta de 5,2% em relação a 2017. Os Estados Unidos registraram o maior crescimento volumétrico na produção anual de gás natural, com alta de 92,bilhões de m3. Outros países, como Rússia (alta de 33,bilhões de m3), Irã (alta de 19,bilhões de m3) e Austrália (alta de 17,bilhões de m3) também obtiveram significativos aumentos de produção. Por outro lado, Holanda (queda de 6,bilhões de m3), Venezuela (queda de 5,bilhões de m3) e Noruega (queda de 2,bilhões de m3) sofreram os maiores declínios em termos volumétricos

 

No ranking global de maiores produtores de gás natural, os Estados Unidos se mantiveram em primeiro lugar, com 831,bilhões de m(21,5% do total mundial), após aumento de 11,5% ante 2017. Em seguida veio a Rússia, com 669,bi­lhões de m(17,3% do total mundial), após alta de 5,3%. O Brasil se situou na 31ª posição no ranking mundial de produtores de gás natural, com produção de 25,bilhões de m(0,7% do total mundial), após queda de 7,4%.

 

1.8 Consumo

 

Em 2018, o consumo global de gás natural apre­sentou aumento de 5,3%, superior à média de crescimento dos últimos 10 anos (2,4%), alcan­çando aproximadamente 3,trilhões de m3.

 

Estados Unidos e China foram os países com maior incremento volumétrico no consumo de, respectivamente, 77,bilhões de m(equivalen­te a 10,5%) e 42,bilhões de m(equivalente a 17,7%). Em contrapartida, a Venezuela experi­mentou a maior queda, isto é, de 5,bilhões de m(equivalente a 13,9%). 

No ranking de maiores consumidores de gás na­tural, os Estados Unidos permaneceram na pri­meira posição, com 817,bilhões de m(21,2% do total mundial), seguidos da Rússia, com 454,bi­lhões de m(11,8% do total mundial), e pela China, com 283 bilhões de m(7,4% do total mundial). Por regiões, a área que compreende Europa e Eurásia continuou como maior consumidora de gás natural, totalizando 1,trilhão de m(29,4% do total), com alta de 1,8%. Em seguida, veio a América do Norte, com trilhão de m(26,6% do total mundial), após alta de 9,3%. 

 

Nas Américas Central e do Sul, a queda do con­sumo foi de 2,46%, atingindo 168,bilhões de m(4,4% do total mundial). O Brasil registrou que­da de 4,6%, totalizando 35,bilhões de m(0,9% do total mundial), e ocupou a 27ª posição no ranking de maiores consumidores de gás natural.

 

ROYALTIES

 

1.9 - DISTRIBUIÇÕES DE ROYALTIES

 

A participação especial, prevista no inciso III do art. 45 da Lei no 9.478, de 1997, constitui compensação financeira extraordinária devida pelos concessionários de exploração e produção de petróleo ou gás natural, nos casos de grande volume de produção ou de grande rentabilidade, conforme os critérios definidos no Decreto no 2.705/1998.

 

Em 2018, o recolhimento da participação es­pecial foi 95,4% superior à de 2017, atingindo R$ 29,6 bilhões. Deste valor, conforme defini­do pela lei, couberam R$ 11,8 bilhões aos esta­dos produtores ou confrontantes; R$ 3 bilhões aos municípios produtores ou confrontan­tes; R$ 2,2 bilhões ao Ministério de Minas e Energia; R$ 551 milhões ao Ministério do Meio Ambiente; e R$ 12 bilhões ao Fundo Social.

 

Os principais estados beneficiários foram: Rio de Janeiro (R$ 9,1 bilhões – 30,8% do valor total e 77% do total destinado aos estados); São Paulo (R$ 1,6 bilhão – 5,3% do valor total e 13,4% do valor destinado aos estados), e Espírito Santo (R$ 1,1 bilhão – 3,7% do valor total e 9,2% do valor destinado aos estados).

 

Entre os municípios beneficiários, destaca­ram-se Maricá-RJ (R$ 898,8 milhões); Niterói- RJ (R$ 791,2 milhões); Ilhabela-SP (R$ 394,1 milhões); e Campos dos Goytacazes-RJ (R$ 243,8 milhões).

 

Estudo completo clique abaixo 

https://www.gov.br/anp/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/anuario-estatistico/anuario-estatistico-2021

Ricardo Bergamini

www.ricardobergamini.com.br

ricardobergamini@ricardobergamini.com.br

ricardobergamini25@gmail.com

Latin America’s vicious circle is a warning to the West - The Economist special survey, June 16, 2022

 

How democracies decay

Latin America’s vicious circle is a warning to the West

Economic stagnation, popular frustration and polarised politics are reinforcing one another

The Economist, June 16, 2022


When they vote in a presidential run-off election this weekend Colombians face a grim choice between two ill-qualified populists. On the left, Gustavo Petro has still not wholly shaken off his long-standing sympathy for Hugo Chávez, the caudillo who destroyed Venezuela’s economy and its democracy. On the right, Rodolfo Hernández is a bullying former mayor with no team and not much of a programme beyond expelling “the thieves”, as he calls the political class. This line-up reflects voters’ deep scorn for Colombia’s mainstream politicians, even though the country has done relatively well over the past 20 years. It is the kind of polarised choice that has become worryingly familiar in Latin American elections. In a region that was discontented even before the pandemic, there no longer seem to be many takers for the moderation, compromise and gradual reform needed to become prosperous and peaceful.

That matters not just to Latin America, but to the world. Despite everything, the region remains largely democratic and should be a natural ally of the West. It can play a vital role, too, in helping solve other global problems, from climate change to food security. It is home not only to the fast-diminishing Amazon rainforest and much of the world’s fresh water but also to a wealth of commodities needed for green energy, such as lithium and copper. It is a big food exporter and could provide more.

Not so long ago, Latin America was on a roll. A commodity boom brought healthy economic growth and provided politicians with the money to experiment with innovative social policies, such as conditional cash-transfer programmes. That, in turn, helped bring about big falls in poverty, reducing the extreme income inequality long associated with the region. The middle classes grew. That helped underpin political stability. Democratic governments generally respected human rights, even if the rule of law was weak. Growing prosperity and more responsive and effective politicians appeared to be reinforcing one another. The future was bright.

Now that virtuous circle has been replaced by a vicious one. Latin America is stuck in a worrying development trap, as our special report this week explains. Its economies have suffered a decade of stagnation or slow growth. Its people, especially the young, who are more educated than their parents, have become frustrated by their lack of opportunity. They have turned this anger against their politicians, who are widely seen as corrupt and self-serving. The politicians, for their part, have been unable to agree on the reforms needed to make Latin America’s economies more efficient. The region’s productivity gap with developed countries has widened since the 1980s. With too many monopolies and not enough innovation, Latin America is falling short in the 21st-century economy. 

These challenges are becoming more acute. The impact of the pandemic, especially long school closures, will increase inequality. Governments need to spend more on health care and education, but the cost of servicing debt is rising. The region thus needs to raise more tax, but in ways that do not undermine investment. Chile and its young left-wing president, Gabriel Boric, seemed to offer the chance of a new social contract along those lines. Instead his fledgling government is hostage to a constitutional convention shot through with the familiar Latin American vices of Utopianism and over-regulation.

The consolidation of democracy used to be seen as a one-way street. But Latin America shows that democracies can easily decay—and that is a warning for democrats everywhere. Its politics are now marked not just by polarisation but also by fragmentation and the extreme weakness of political parties, making stable governing majorities hard to assemble (see Bello). This downward spiral is accelerated by the malign influence of social media and the import of identity politics from the north. Technocrats are discredited and jobs in government are increasingly seen, on both the left and the right, as perks to be doled out rather than crucial responsibilities to be reserved for capable administrators. Organised crime, already a big factor in the region’s epidemic of violence, is starting to taint its politics, too.

Many of these are ills of the democratic world in general, but they are particularly acute and dangerous in Latin America. Most Latin Americans still want democracy, albeit a better version than they have. But there is a growing audience for those advocating the supposedly effective hand of autocracy. Venezuela and Nicaragua have become left-wing dictatorships like Cuba. In El Salvador, Nayib Bukele has centralised power and locked up some 40,000 people in a draconian war on gangs. He is the region’s most popular president. The leaders of its two biggest countries, Jair Bolsonaro of Brazil and Andrés Manuel López Obrador of Mexico, are contemptuous of checks and balances. Mr Bolsonaro will seek a second term at an election in October. It is cold comfort that he is likely to lose to Luiz Inácio Lula da Silva, a former president whose governments were linked to corruption and who lacks new ideas.

The risk is not just that democracies devolve into dictatorships, but that Latin America drifts away from the orbit of the West. In much of the region, China is now the main trade partner and is investing in infrastructure. Some of the region’s left-wing governments seem keen to return to the non-alignment of the cold-war era. Five of the region’s presidents, including Mr López Obrador, chose to boycott this month’s Summit of the Americas in Los Angeles. The United States—and Europe—could do more to engage Latin America, through trade, investment and technology. But Latin America in turn needs to recognise that it has much to gain from rebuilding closer ties, and that its role in a world dominated by China would be that of a neo-colony.


Stopping the rot

The temptation in the region will be to ignore the economic and political malaise and simply surf the new commodity boom triggered by the war in Ukraine. That would be a mistake. There are no short cuts. Latin Americans need to rebuild their democracies from the ground up. If the region does not rediscover a vocation for politics as a public service and relearn the habit of forging a consensus, its fate will get only worse. ■

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This article appeared in the Leaders section of the print edition under the headline "How democracies decay"


Revista InterAção: número especial sobre as eleições brasileiras: apelo a contribuições - Prof. Dr. José Renato Ferraz da Silveira

Convite para colaboração com a Revista InterAção: 

Prezados colegas: 

Convido a comunidade epistêmica de Relações Internacionais a produzir artigos, ensaios e resenhas sobre as eleições brasileiras em outubro para a Revista InterAção (2357-7975). 


 Há profecias tímidas, hesitantes, sombrias, decepcionantes e do gênero “mais da mesma coisa”. Profecias otimistas, realistas e pessimistas. 

As profecias se proliferam. 

Lembro que Chesterton dizia que a história só tinha uma lei: sempre acontece o que ninguém previu. 

Muitos “profetas” para pouparem-se diante da humilhação dos grandes desmentidos preferem pensar pequeno, prever coisas normais, medíocres, pois se arriscam menos. 

No entanto, este século XXI nos premia com um novo mal estar (que se repete na História da Humanidade como um ciclo recorrente): o temor diante de um mundo novo e ameaçador. 

Pois bem, a mediocridade e a falta de inspiração dominam os governos nacionais em diversas partes do mundo. 

E há questionamentos: a democracia liberal está ameaçada? A democracia representativa? Precisamos inovar na democracia participativa? E a democracia de opinião? Qual o futuro do Brasil nas eleições de outubro? O que desejamos? O que ansiamos? O que queremos? 

Neste sentido, a Revista InterAção conta com contribuições nacionais e internacionais sob a forma de artigos, ensaios e resenhas nesta edição em especial

Receberemos artigos, ensaios e resenhas até 24/08.

Data: 10/06/2022 – 24/08/2022

Prof. Dr. José Renato Ferraz da Silveira


sexta-feira, 17 de junho de 2022

Desalento - Paulo Roberto de Almeida

 Desalento

Não creio que o Brasil consiga escapar da mediocridade atual — que é política, econômica, cultural, educacional e diplomática — em menos de duas gerações. 

Não, não sou pessimista.

Estou apenas registrando o que vejo a partir das respectivas “elites” que integram esses setores. 

Alguém vê estadistas em cada uma delas?

A miséria do debate eleitoral — se algum debate existe — confirma que eu estou absolutamente certo na constatação.

Alguém já assistiu a tamanha mediocridade num período pré-eleitoral?

Alguém já viu uma sociedade tão perdida em seu próprio presente que sequer consegue imaginar e projetar como será o seu futuro imediato, quanto mais o longínquo ou o de médio prazo?

OK, tem os argentinos, mas eles não contam.

Não conseguimos nem nos entender sobre o nosso próprio passado. Nem o STF: está sempre revisando, e alterando, jurisprudências passadas, por vezes até a doutrina. Quer mais mediocridade do que isso? Pode ser um problema mental, mas também a contaminação da corte pela mediocridade ambiente, que a tudo invade e a tudo contamina.

Depois das sete pragas do Egito, o Brasil inventou, frutificou e disseminou uma oitava: a praga da mediocridade. Ela é indissociável de nossa paisagem humana.

Repito: não estou sendo muito pessimista, apenas constatando o que vejo.

Portanto, não esperem muito destas próximas eleições: cuidem bem de si próprios, da família, invistam nos netos: pode ser que em duas gerações o Brasil melhore. Por enquanto está bravo!


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 17/06/2022

O passado determina o nosso presente? - Oliveira Vianna e Paulo Roberto de Almeida

 O passado determina o nosso presente?

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com; pralmeida@me.com)

Notas sobre uma afirmação de Oliveira Vianna em seu primeiro livro.

 

 

Oliveira Vianna, nas “Palavras de Prefácio”, escritas em novembro de 1918 para o seu primeiro livro, Populações Meridionais do Brasil (publicado apenas em 1920, mas objeto de outras edições posteriores), escreveu o seguinte: 

Empreendi desde então [ele se referia a um episódio de “rememoração” do passado por habitantes do interior do Rio de Janeiro, alguns anos antes] uma obra, árida às vezes, às vezes cheia de inefável encanto: investigar na poeira do nosso passado os germes de nossas ideias atuais, os primeiros albores da nossa psique nacional [ele estava imbuído de certa “psicologização” da história e da política]. O passado vive em nós, latente, obscuro nas células do nosso subconsciente. Ele é que nos dirige ainda hoje com a sua influência invisível, mas inelutável e fatal. (p. 923, da edição organizada por Silviano Santiago e reproduzida no vol. I de: Intérpretes do Brasil. 2ª. edição; Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 2002). 

 

Ele se referia ao fato de que a história do Brasil era ainda muito curta, quatro séculos em algumas regiões, em outras sequer três, quando comparada à dos europeus e asiáticos, por exemplo, e que haveria “reflexos históricos dos períodos iniciais” dos quais “ainda se deve ressentir muito vivamente o nosso povo em sua organização social e na sua mentalidade coletiva.” (idem). 

Não tenho essa impressão de que o passado possui, com tanta força quanto ele pretende, uma “influência invisível, mas inelutável e fatal”, pois que se as estruturas sociais são, por certo, herdadas do passado, a “mentalidade coletiva”, como ele também se refere, influenciado pelas novas teorias psicológicas do início do século XX, pode ser alterada no espaço de uma geração, ou menos, sob o impacto de eventos significativos na vida de uma nação, sobretudo na esfera política, mais do que na econômica, que é mais lenta a se mover, como dizia Fernando Braudel. O próprio Brasil é uma prova de que a “mentalidade coletiva” pode ser alterada num piscar de olhos, como ocorreu com o domínio lulopetista da maioria do povo brasileiro – triunfante durante a primeira década deste século –, que soçobrou num antipetismo virulento e imprevisível, em 2018. Talvez estejamos contemplando agora o reverso do inverso, em quatro anos, voltando ao culto do antigo chefe alijado da política por processos e acusações de corrupção, mas que se apresta a empolgar o povo novamente. Será que o passado determina assim tão poderosamente o nosso presente?

Num certo sentido sim, pois que é impossível escapar da memória recente nas reações epidérmicas ou mais profundas que agitam os eleitores, a população em geral, e que podem influenciar o curso da política nacional durante vários anos, senão décadas. Vargas, por exemplo, foi um líder supostamente liberal, que depois virou um ditador astuto, para finalmente voltar como “pai dos pobres” e redentor das massas trabalhadoras. Sua imagem e sua obra – toda ela enfeixada em um quarto de século em meados do século XX – continuaram a marcar o Brasil praticamente até a atualidade, pois que o lulopetismo reivindica sua herança – mas apenas a “trabalhista”, não a da ditadura do Estado Novo –, para sublinhar a importância do Estado na construção de uma sociedade mais igualitária, mais voltada para os mais pobres. Da mesma forma, os lulopetistas criaram a imagem da “herança maldita”, que teria sido, supostamente, o período, nos anos 1990, marcado por reformas de cunho liberalizante e globalizante, que eles reverteram no puro estilo do nacionalismo desenvolvimentista que vicejou nos anos 1950 e que, paradoxalmente, também alimentou o projeto tecnocrático-modernizante da ditadura militar, dos anos 1960 aos 80. 

Surpreendentemente, depois de tantas políticas sociais promovidas pelos dois períodos de socialdemocracia – tanto o do PSDB, quanto o do PT, a despeito de alegado caráter “socialista” deste último –, o Brasil se entregou como nunca tinha feito anteriormente a um governo declaradamente de direita, quando no passado, imperial ou republicano, os governos eram apenas conservadores ou claramente oligárquicos, em todo caso centristas. Essa direita-extrema, que na verdade não possui doutrina, nem organização, parece atrair largos extratos da população, da qual se diz que é moderna nas tendências, mas conservadora nos costumes. Estamos em face de uma disputa, em outubro de 2022, que vai determinar se continuaremos a ser dominados pela extrema-direita – que é na verdade confusa e muito improvisada – ou se voltaremos aos tempos do nacionalismo desenvolvimentista dos tempos do lulopetismo (agora temperado por um suposto apelo ao centrismo). Este é o passado recente, mas não tenho certeza de que ele tenha impregnado “mentalidade coletiva” ao ponto de moldar nossas instituições políticas e sociais.  

Cabe observar o curso dos eventos, nos próximos meses, para a partir daí tentar refazer essa tal mentalidade, e saber se ela possui realmente essa fatalidade passadista de que falava Oliveira Vianna em seu primeiro livro sobre as populações meridionais (nunca completado por estudo semelhante quanto às populações do Nordeste ou do interior do país, nos confins da Amazônia). O Brasil é constituído realmente de um só povo? Grande questão, a ser elucidada em estudos de sociologia e de antropologia. Voltaremos ao assunto.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4174: 17 junho 2022, 2 p.


Memórias intelectuais? Já está em tempo, ao que parece - Paulo Roberto de Almeida

 No início deste ano ainda pandêmico de 2022 eu transcrevi neste blog (já nem me lembrava mais) um texto que escrevi em 2009, do qual tampouco me lembrava. Trata-se uma espécie de prefácio ou apresentação a futuras memórias intelectuais que ainda não comecei a escrever, a despeito de dois ou três relatos, falando dos livros que permearam minha vida, no longo percurso da infância e juventude, até a idade adulta e mais além.

Em todo caso, transcrevo novamente esse texto, como forma de não só recordar-me dessa "obrigação pessoal", mas também de incitar-me, definitivamente a empreender seriamente o esforço de resumir uma vida toda ela dedicada à leitura, aos estudos, à reflexão e escrita variada, com publicações representando menos de 10% do que escrevi ao longo das últimas décadas. 

Um leitor (anônimo) escreveu nesta postagem, de que só vim a tomar conhecimento agora, em 17/06/2022:

Anônimo deixou um novo comentário na sua postagem " Memórias Intelectuais: Uma biografia das ideias que permearam a minha vida - Paulo Roberto de Almeida":

"Parabéns pelo trabalho. As ideias são como carvão que movimentam a locomotiva do mundo.
Sempre novas vão surgindo a dispor das antigas." 


Pois bem, vamos nos dedicar a essas memórias...

Paulo Roberto de Almeida



quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Memórias Intelectuais: Uma biografia das ideias que permearam a minha vida - Paulo Roberto de Almeida

 Memórias Intelectuais

Uma biografia das ideias que permearam a minha vida

 

Paulo Roberto de Almeida

Concepção e primeira redação em 18.10.2009

(numa dessas noites de insônia)

Revisão resumida: 22.12.2009

Postado nesta versão no blog DiplomataZ (1/01/2010;

link: http://diplomataz.blogspot.com/2010/01/29-memorias-intelectuais.html).

 

 

Uma pequena introdução que se poderia chamar de metodológica 

Comecei a conceber a redação destas “memórias intelectuais” numa dessas noites de insônia que me acontecem frequentemente. Não que eu seja um insone ou que tenha dificuldades para dormir, ao contrário: como estou sempre lendo, ou escrevendo, no limite de minhas possibilidades físicas, quando vou dormir já estou dormindo em pé, ou sentado em frente ao computador, não sendo raro que eu cochile quase em cima do teclado, abatido pelo cansaço do dia, das muitas leituras, da fadiga visual em face da tela, da falta de sono enfim. Quando vou para a cama, portanto, caio como uma pedra e durma apenas o suficiente, pois necessariamente tenho de acordar antes de ter feito o ciclo completo de sono, antes de gozar daquele sono reparador que todos os médicos recomendam, seja porque tenho de trabalhar, seja porque tenho de dar aulas, o que para mim não é exatamente o mesmo que um trabalho, e sim o equivalente de um hobby, uma atividade que assumo voluntariamente, mais por prazer do que por necessidade.

Ocorre, porém, que, em algumas ocasiões, eu não consigo pregar o sono de imediato, seja porque minha cabeça fervilha com novas ideias adquiridas ao sabor das leituras cotidianas, seja porque algum outro problema perturbou o meu sono, apenas algumas horas depois de tê-lo iniciado.  

 

Pois aqui estou eu, tentando dar início a uma nova obra que vai, provavelmente, ocupar outras noites de insônia ao longo dos próximos meses e anos à frente, na redação paulatina, gradual, lenta e necessariamente interrompida do que eu chamei de “memórias intelectuais”, que nada mais são, como indica o subtítulo, do que uma história das ideias que permearam a minha vida. Por que isso? Por que esse título e não uma simples biografia ou memórias de vida, como todo mundo faz? Já explico.

Como qualquer leitor contumaz, também li muitas histórias de vida: grandes e pequenas biografias, autobiografias, relatos de vidas de homens (e mulheres) famosos, extratos de aventuras fabulosas (algumas verdadeiras, outras semi-inventadas), notas pessoais, currículos, enfim, uma variedade de escritos pessoais que sempre me interessaram mais pelo lado das ideias do que propriamente pelos feitos ou eventos. Sou assim, fascinado pelas ideias e pelos processos mentais, mais até do que pelos feitos e acontecidos. Interesso-me particularmente pelas reflexões e elaborações mentais dos homens (e mulheres, para não deixar de ser politicamente correto) que representaram alguma importância na história da humanidade. Lembro-me de ter lido, ainda em minha infância ou primeira adolescência, diversas biografias de grandes homens (e algumas mulheres) de autores como Hendryk Van Loon, Stefan Zweig, Monteiro Lobato (este mais um adaptador, do que um verdadeiro biógrafo) e vários outros autores. 

Nunca imaginei, pelo menos até alguns anos atrás, escrever minha própria biografia, e continuo achando que não tenho nada de particularmente interessante a dizer em matéria de relato de vida: a minha não foi suficientemente relevante no plano nacional, ou interessante no plano individual, para merecer uma biografia no sentido clássico, inclusive porque não sou um homem de grandes realizações práticas ou de qualquer impacto na vida nacional. Tampouco prestei depoimentos, até o presente momento, nem jamais mantive diários ou anotações regulares quanto a minhas atividades e ocupações. Sou, sim, um homem de leituras e de anotações, mas isso de livros, basicamente, o que faço de forma totalmente desorganizada e anárquica – o que parece redundante, mas não é – sem qualquer preocupação com o ordenamento sistemático dessas notas ou seu alinhamento cronológico. Simplesmente, me interesso por tanta coisa, e leio tantos livros diferentes, que sempre me foi impossível manter uma linearidade nas anotações de maneira a sustentar qualquer relato ordenado sobre a minha vida, se ela fosse relevante, ou sobre as minhas ideias, se por acaso eu tivesse um punhado delas representativa de alguma grande “filosofia” particular, o que obviamente não é o caso. Meu anarquismo literário e redacional nunca me permitiu manter notas organizadas o suficiente para escrever o que se chama classicamente de biografia, ainda que de simples ideias. 

Por que, então, me permito chamar estas minhas anotações de “Memórias Intelectuais”, um título aparentemente prometedor e, ao mesmo tempo, enganador? Não sou um intelectual, pelo menos não oficialmente: não me reconheço como tal, e não creio que eu seja conhecido como tal. Sou simplesmente um homem de leituras e de escritos, os mais diversos, tocando um pouco em todas as áreas das humanidades, o que faço mais de metido do que de sabido. O adjetivo “intelectuais” apegado ao substantivo memórias quer dizer simplesmente que este meu relato não é de vida, propriamente, nem de eventos ou de processos reais que aconteceram comigo, mas sim de elaborações mentais, de ideias, como aliás confirmado pelo subtítulo, como já escrevi acima. Ou seja, eu pretendo, sobretudo, tratar das ideias que eu defendi, que eu “frequentei”, que permearam a minha vida ao longo de cinco ou seis décadas (dependendo de quando se deve começar a contar minha vida “intelectual”). 

Não são todas ideias minhas, está claro, e sim ideias que movem o mundo, como já disse, a propósito de um livro seu, o historiador Felipe Fernandez Armesto (ver o seu Ideas That Changed the World, publicado em 2003, um livro que já resenhei, em sua edição brasileira). São, especialmente, ideias que movimentaram o meu mundo, ou que pelo menos influenciaram a minha formação, o meu pensamento, e algumas das minhas ações (sim, também as houve, e as relato aqui, conforme apropriado, mas sem muita ênfase, preferindo ficar mesmo no terreno das ideias). Não sei se sou um homem de ideias, mas sou, sim, um homem que viveu com ideias, para ideias e em função de ideias, embora (pelo menos acredito) sempre com um sentido prático, isto é, sempre com a intenção de colocá-las em “funcionamento”, ainda que poucas tenham de verdade “funcionado”. Isso nunca me deixou frustrado, ao contrário, pois eu atribuo às ideias as mais importantes transformações do mundo, ainda que nem todas tenham tido esse poder. Vale uma pequena elaboração a esse respeito, o que faço agora, à maneira de parênteses. 

 

O mundo, na concepção marxista e materialista – à qual eu aderi, voluntária e conscientemente, por boa parte de minha juventude e da vida adulta – é movido por forças materiais, por processos objetivos, que emergem do entrechoque de interesses sociais (de classe, obviamente) e do confronto entre relações sociais, algumas decadentes, outras, as vencedoras, avançadas, ou correspondendo a uma etapa superior das forças produtivas. No máximo os homens são prisioneiros de ideias do passado, segundo a fórmula de Marx no Dezoito Brumário. Keynes também disse algo semelhante, a respeito de ser a geração atual (qualquer uma) prisioneira de economistas mortos, o que se aplica perfeitamente ao seu próprio caso e à geração atual, ainda presa às suas ideias dos anos 1930, ou seja, de duas gerações passadas. 

As ideias são algo importante, e coisas vivas, no entanto. São elas que dão sentido à nossa existência consciente, são elas que guiam as nossas ações, são elas que nos impelem a novas aventuras do espírito ou empreendimentos práticos, são elas, finalmente, que sustentam a defesa de alguns princípios e valores que julgamos relevantes, seja para a “economia política” de nosso comportamento, seja para a elaboração de algum julgamento moral sobre nossas próprias ações e as dos outros. Ideas do matter, dizem os ingleses, ou americanos, whoever... As ideias têm importância, e elas tiveram uma tremenda importância em minha vida, toda ela feita de leituras, reflexões, escritos e debates em torno de ideias, todas elas, as minhas, ou seja, as que eu adquiri com leituras ou pessoas mais espertas, as emprestadas ocasionalmente, as dos outros, com as quais eu poderia concordar, ou não, assim como ideias que eu já defendi e que depois vim a recusar, até mesmo rejeitar, e que passei a combater, como foi o caso com boa parte de minha formação intelectual marxista da primeira juventude (depois explico como foi isso). 

Não tenho nenhum problema em aceitar, confessar, reconhecer essa mudança de ideias, de percepções, de atitudes em minha vida juvenil e adulta, posto que a vida é um processo continuo de incorporação de novas ideias, de sua submissão aos testes da lógica formal e da realidade, e da sua sustentação ou rejeição em função dos resultados desses “testes”, que nada mais são do que experiências de vida, novos aprendizados, incorporação de conhecimentos, aceitação de novos princípios e fundamentos para a ação social. Repito aqui o que Keynes parece ter dito, uma vez, a um interlocutor que o acusava de ter mudado frequentemente de ideias: “sim, eu mudo de ideias cada vez que muda a realidade; e você, o que faz?”

 

Este livro, portanto, não se ocupa apenas de minhas ideias, ainda que seja difícil distinguir o que é meu e o que pertence aos seus autores originais, na minha incorporação particular, individual, das ideias que li ou ouvi ao longo de uma vida extremamente bem recheada de leituras e de palestras, a que assisti ou de que participei, interagindo com membros da mesa ou com o público inquisidor (sim, sempre acreditei que aprendemos muito com nossos interlocutores, mesmo os que nos contestam, como ocorre ocasionalmente com alguns alunos e mais frequentemente com outros debatedores). São ideias que “estavam no ar”, que eu peguei, usei, transformei, reelaborei, introduzi em novas ideias que eu mesmo possa ter elaborado e que sai por aí, distribuindo à vontade, em meus escritos, aulas e palestras. Fiz isso durante toda a minha vida adulta, seja na profissão diplomática, seja nas lides acadêmicas, assumidas em caráter voluntário e em tempo parcial durante quase todo o tempo em que fui diplomata de carreira. 

Sim, sou daqueles que acreditam e defendem ideias próprias, mesmo trabalhando numa corporação de ofício, a casta dos diplomatas, que tem algo de Vaticano em sua maneira de ser e em sua forma de proceder. Na veneranda Casa que foi minha durante várias décadas, um funcionário subalterno é suposto acatar ideias dos superiores, quando não defendê-las, como se fossem suas. Consoante meu espírito anarquista e libertário, eu nunca fiz isso, jamais; sinceramente não me lembro de ter alguma vez acatado, em sã consciência ideias “superiores” apenas porque elas emanavam dos semideuses que nos governavam, quando eu era secretário: conselheiros, ministros, embaixadores. Sempre formulei alguma observação, seja para assinalar minha concordância (quando eu efetivamente concordava com o que estava sendo exposto), seja para argumentar em algum outro sentido (quando eu tinha alguma objeção de princípio ou alguma observação tópica a fazer a respeito do assunto em pauta). Nunca fui daqueles que quando parte para o trabalho deixa o cérebro em casa, ou deposita a sua capacidade de reflexão na portaria, ao adentrar no serviço: sempre levei comigo minha disposição a pensar com minha própria cabeça e a levantar elementos factuais ou argumentos opinativos, sempre quando o tema tratado me parecia padecer de alguma inconsistência formal ou de deficiência substantiva. Nunca tive qualquer hesitação em contestar chefes ou outros superiores em reuniões de trabalho, acumulando com isso (pelo menos suspeito) sólidas inimizades ao longo da carreira (não de minha iniciativa, mas provavelmente da parte dessas personalidades contestadas, que provavelmente nunca toleraram a arrogância desse mero secretario ou conselheiro que ousava discordar de suas brilhantes ideias e propostas). 

Sou assim, e não me escuso de sê-lo, pois acredito que devemos ser, publicamente, como somos na intimidade, ou seja, nos comportar exatamente como comandam nossos instintos, modo de ser, vocação inata. Eu nasci para ser um leitor, um “absorvedor” e um processador de ideias, e tendo a expressar as minhas, conforme julgo apropriado ou oportuno. Se os demais, os superiores, não concordam com elas, não me importo minimamente, pois considero que num mundo de ideias, como o que vivemos, devemos sempre lutar para que as boas ideias prevaleçam sobre as más, ou inadequadas. Não sou, nem me considero, um “salvador” da humanidade, pelas ideias ou pelas ações, mas considero, sim, que a humanidade pode e deve avançar pela defesa das boas ideias, pela sua prevalência sobre as más, ou negativas, pela promoção das soluções “corretas” aos enormes problemas da humanidade, de pobreza, de desigualdade, de injustiça, de infelicidade. Sim, também tenho esse lado um pouco milenarista ou messiânico de pretender “melhorar” a humanidade pela ação consciente dos homens de bem, dos cientistas, dos engenheiros, dos humanistas, que buscam algo mais na vida do que o simples prazer pessoal ou a satisfação individual. Considero-me comprometido com uma causa superior, que é, em primeiro lugar, a elevação espiritual, ou “mental”, da humanidade, base indispensável para sua elevação material, ou para a busca incessante de melhores padrões de vida para o maior número. 

Talvez seja esse o legado de meu passado socialista ou marxista: pretender “melhorar” a humanidade, ainda que eu tenha há muito desistido de qualquer projeto de “engenharia social”, ou seja, a pretensão de mudar os homens para mudar a sociedade, como ocorreu na triste história do socialismo real ao longo do século 20. O “homem novo” deve ser simplesmente construído em nível individual, pela educação de qualidade, livre, diversificada, totalmente liberta de qualquer crença fundamentalista – como o marxismo esclerosado, por exemplo – e não imposto por qualquer programa de “reeducação social” mediante projetos autoritários de transformação social, como os conhecidos nessa triste experiência político-messiânica. Dessas ideias eu creio que me libertei, a partir da juventude tardia e da entrada na etapa adulta de minha vida, ainda que eu não tenha conseguido me libertar dessa ideia básica de pretender promover o “bem comum” e a “felicidade dos povos” (mas, aqui e agora, sem qualquer sentido autoritário ou mandatório). De todas as minhas visitas e experiências no socialismo real – o que poucos intelectuais do mundo capitalista realmente fizeram – retirei a certeza de que o sistema criado pelo partido de vanguarda trouxe mais infelicidade do que bem-estar aos povos que pretendeu transformar, e nem sempre num sentido meramente material, de disposição de bens correntes; no mais das vezes, a miséria moral e a degradação dos indivíduos foram bem mais relevantes do que a penúria de bens e serviços. 

 

Creio que os parágrafos acima já oferecem um resumo do que são as ideias que pretendo discutir neste ensaio de biografia intelectual, basicamente uma história das ideias para consumo próprio, uma espécie de balanço de uma vida de leituras, de reflexões e de escritos, que foi tudo o que me foi dado fazer ao longo de uma carreira diplomática e acadêmica sem muitas emoções ou grandes acontecimentos. Talvez as poucas ideias aqui contidas possam servir de motivo de reflexão aos mais jovens, aqueles que como eu começam ou começaram a sua vida cheios de entusiasmo juvenil por grandes projetos de transformação do Brasil e do mundo. Eu fiz a minha parte, tentei, sim, transformar o Brasil – nem sempre no bom sentido, confesso, como quando pretendia fazer do país uma economia socialista, seguindo o exemplo cubano – e tentei, depois, ajudar na transformação do mundo, seja como diplomata, seja como professor, seja ainda como autor de alguns escritos que podem ter influenciado a formação de alguns poucos jovens que tiveram contato com esses escritos.

Uma coisa é certa: ainda que eu possa ter errado algumas (ou muitas) vezes, eu sempre tentei ser honesto comigo mesmo e com as ideias que estavam à minha disposição, ou seja, ao usá-las de modo racional e sempre visando ao bem comum. A honestidade intelectual não é apenas uma virtude, para mim, mas uma necessidade imperiosa, uma condição inseparável de minha personalidade e disposição de vida. Nunca consegui defender ideias nas quais não acreditava, nunca fui hipócrita no trabalho diplomático ou acadêmico, sempre defendi (e expressei) o que pensava, mesmo ao risco de prejuízos materiais ou morais. Nunca me escondi atrás de “falsas ideias”, apenas para contentar um superior ou sugerir uma ilusória concordância intelectual com quem quer que seja na academia, e por isso mesmo devo ter granjeado inimizades e criado alguns problemas para mim mesmo, aqui e acolá. Isso nunca me importou: sempre preferi estar em paz com minha consciência, do que ganhar algum favor de um superior por submissão a ideias que não defendo ou que rejeito. Nunca fui carreirista, numa ou noutra “profissão”, aliás, nunca me classifiquei apenas como diplomata ou como acadêmico; sempre disse que eu era diplomata, ou professor, mas em meus escritos e palestras eu me apresentei sempre como sociólogo ou “doutor em ciências sociais”, conforme o caso, o que são títulos, não condições profissionais. Acho que nunca escrevi como diplomata – ou seja, a langue de bois, ou o bullshit, típicos da profissão e da linguagem diplomática – e tampouco me comportei como acadêmico, ou seja, apenas um pesquisador ou professor de uma instituição de ensino e pesquisa.

Sempre fui um ser livre, tanto quanto me permitiram minha condição de servidor público e de contratado de uma instituição de ensino, ou seja, cumprindo minhas obrigações mínimas, mas me reservando o direito de pensar com minha própria cabeça e de expressar o que me ia na cabeça, por vezes de forma algo agressiva, reconheço. Mas é porque o meu entusiasmo pelas ideias, meu cuidado em recolhê-las dos livros e colocá-las à disposição dos demais, meu empenho em “ensinar” aos outros as “boas ideias” são tais que em algumas (ou várias) ocasiões eu acabei me chocando com ideias antigas, conservadoras, inadequadas, incorretas, francamente equivocadas. Isso seria porque minhas ideias eram melhores do que as dos outros? Talvez, e aqui confesso algum orgulho de estar um pouco à frente de meus contemporâneos, exclusivamente em função de minha obsessão pela informação, pelo conhecimento, pela argumentação lógica e bem fundamentada. Sim, eu me impaciento com a lentidão de algumas pessoas (talvez a maioria) em perceber a realidade, que está ali, à disposição de quem quer ver, bastando se informar corretamente – mas a maioria das pessoas lê pouco e se informa de maneira deficiente – e refletir com base em preceitos mínimos da lógica formal e da argumentação bem sustentada. Não tenho culpa se sempre tive mais informações do que a média de meus colegas de trabalho e de academia: isso foi alcançado ao custo de muito sacrifício, de muitas noites de leitura, de muito esforço em buscar e apreender os dados da realidade. Como estou fazendo agora mesmo, neste momento de reflexão e de registro de minhas memórias intelectuais. Mas, encerro no momento, pois já são 9h25 de uma manhã de domingo, e eu vou dormir um pouco antes de retomar minhas leituras e lides acadêmicas um pouco mais tarde. Boa noite (ou bom dia).

 

Brasília, residência da SQS 213, 18/10/2009

Início: 6h37 da manhã; interrupção: 9h25.

Revisão: 22/12/2009

 

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