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sábado, 28 de maio de 2011

Um questionario sobre a carreira diplomatica (de 2008, mas talvez ainda valido)

Como sempre, fico usando meu tempo livre (que já é pouco, para ler) respondendo a questões de estudantes. Depois acho que talvez outros queiram conhecer, os candidatos à carreira diplomática, justamente, que devem ser em certo número a ler este blog.
Aqui vai (mas não reli nada em 2011).

Questionário sobre a carreira diplomática
Respostas de Paulo Roberto de Almeida
a questionário submetido por candidato
Respostas preparadas em 25.06.2008

1) Quantos anos vc tinha quando decidiu que queria seguir este caminho?
PRA: Eu tinha 27 anos completos, mas eu fiz o concurso tarde, depois de passar quase sete anos na Europa, estudando, durante o período mais duro da ditadura militar no Brasil, de onde tinha saído no final de 1970, com 21 anos recém completados. Eu não sou critério para o típico candidato à carreira diplomática.

2) Quais foram as suas motivações?
PRA: Na verdade, eu não tinha pensado em ser diplomata anteriormente, tanto porque nos anos anteriores estava mais ocupado tentando derrubar o governo brasileiro, como opositor de esquerda à ditadura militar que eu era (daí o exílio auto-assumido). Fiz o exame quase que por surpresa, simplesmente motivado por um anúncio de concurso direto (isto é, não um vestibular para o Curso Preparatório à Carreira Diplomática, tendo de fazer dois anos de estudo no Instituto Rio Branco, como sempre foi o normal desde 1945). Foram concursos diretos excepcionais, feitos durante alguns anos, depois de medidas de expansão do corpo diplomático brasileiro em meados dos anos 1970.
Uma das motivações minhas foi “testar” a minha “ficha policial”, depois de alguns anos trabalhando contra o governo brasileiro, ainda que com outros nomes: todos os candidatos a carreiras públicas tinham de ser “cleared” pelo Serviço Nacional de Informações. Passei, para surpresa minha. Outra surpresa foi simplesmente dar início a uma nova carreira, com novas perspectivas de vida, depois de uma trajetória de vida e profissional basicamente acadêmica (eu era professor universitário antes de ingressar na carreira).

3) Vc trabalhou durante o período em que esteve estudando para o concurso? No quê?
PRA: Sim, eu estava trabalhando o tempo todo, dando aula em duas faculdades em SP, e praticamente não estudei. Eu estava bem preparado para a maior parte dos exames de ingresso, uma vez que sempre fui um “rato de biblioteca”, com milhares de leituras acumuladas.

4) O que sua família achou da sua decisão?
PRA: Não tinha família própria. Meus pais gostaram da decisão, ainda que não soubessem quase nada sobre a carreira diplomática, vindos de um meio social muito modesto.

5) Vc já tinha filhos?
PRA: Não que eu saiba... Não, não tinha filhos, pois não era casado.

6) O que sua esposa achou?
PRA: Só me casei um ano e meio depois de ter ingressado na carreira diplomática.

7) Ela quis lhe acompanhar desde o início? Deu suporte ao seu sonho e período de estudos?
PRA: Minha esposa é uma nômade nata, sempre teve entusiasmo por viagens, mudanças, andanças contínuas e intensas.

8) Ela trabalha em algo que seja possível lhe acompanhar?
PRA: Ela era economista e de certa forma renunciou à sua carreira para acompanhar todas as mudanças que tivemos, tanto de país, como para cuidar dos filhos, etc. Deixou de ser economista e passou a ser historiadora, fazendo pesquisas em todos os lugares para onde fomos, dedicando-se também, e paralelamente, às artes.

9) Onde vc se orientou para estudar?
PRA: Estudei absolutamente sozinho na pequena e breve preparação para a carreira diplomática. Praticamente, apenas li um livro de Direito Internacional, uma de minhas deficiências, e outros de redação em inglês, a outra deficiência. Apenas isto.

10) Quais materiais usou?
PRA: Livros que eu tinha, outros que consegui, comprando ou emprestando.

11) Como era sua rotina de estudos?
PRA: Nenhuma, apenas lia nas horas vagas.

12) O que fazia para tirar o stress?
PRA: Continuava lendo, algumas obras fora do programa, literatura, sociologia do Brasil, história, etc. Ou seja, eu estou sempre lendo, o tempo todo.

13) Como se alimentava? Fazia exercícios físicos?
PRA: Normalmente. Estava na casa dos meus pais, nessa época, ainda que provisoriamente. Eu tinha praticamente acabado de voltar depois de quase sete anos na Europa e não tinha ainda recursos para viver por minha própria conta.

14) Quanto tempo demorou para vc entrar desde que começou os estudos para o concurso? Quais foram suas maiores dificuldades?
PRA: Três meses. Estudei muito pouco, apenas direito e inglês, como referi acima.

15) Qual o tempo médio de estudo (das pessoas em geral) para entrar?
PRA: Não tenho idéia. Creio que depende de cada um e de sua formação e preparação anterior. Eu sempre fui, como disse, um rato de biblioteca e dominava praticamente o conjunto das matérias, naturalmente, sem jamais ter me preparado anteriormente para esse tipo de concurso.

16) Vc tinha amigos ou conhecidos dentro do Itamarati que lhe forneciam informações ou dicas sobre o concurso?
PRA: Não conhecia absolutamente ninguém, não só no Itamaraty como em Brasília.

17) Quanto influencia o fato de se conhecer alguém lá dentro antes de entrar? O lugar para onde vc é mandado em missões muda de acordo com alguma hierarquia de amizade?
PRA: Não, absolutamente negativo. Os exames de ingresso são totalmente impessoais, não identificados. Ninguém sabe quem está fazendo exame de ingresso, pelo menos nos últimos anos. Até certo tempo atrás (dez anos atrás, talvez), havia uma etapa intermediária composta de uma banca examinadora, supostamente para saber se o candidato tinha mesmo condições ou vocação para ser diplomata. Isso não implicava, porém, em qualquer benefício especial, pois todos os demais exames continuavam não identificados (inclusive um candidato supostamente “apoiado” por alguém de dentro poderia ser teoricamente barrado nos testes psico-técnicos que eram obrigatórios). Uma vez entrado na carreira, pode haver algum tipo de “negociação” para a seleção de algum posto, mas isto tende a ser formalizado de maneira impessoal, também.

18) Como funciona a hierarquia dos diplomatas em função do local para onde são enviados para residir?
PRA: Todos os postos possuem um quadro fixo de diplomatas (geralmente um embaixador, um auxiliar direto, que pode ser um ministro ou conselheiro, dependendo do posto, e depois tantos conselheiros ou secretários em função da dimensão do posto), que está determinado em Portaria e não pode ser mudado arbitrariamente. Ou seja, só se vai para um determinado posto segundo regras muito estritas.

19) Como funciona o mestrado? A pessoa pode escolher assuntos de maior interesse para estudar? Qual é o sistema e horário de estudo?
PRA: Não existe mestrado, estrito senso na carreira diplomática. O próprio curso do Instituto Rio Branco foi equiparado, desde 2002, a um mestrado profissionalizante (tipo C, pelos critérios da Capes), ou seja, o Terceiro Secretário já um “mestre”. No curso da carreira existem duas outras etapas de estudo: como segundo secretário, um Curso de Aperfeiçoamento de Diplomatas, que na verdade é composto de palestras e um conjunto de exames para aferir capacidade intelectual; depois, como Conselheiro, se deve fazer uma tese e defendê-la em banca, o que poderia ser equiparado a um “doutoramento” (embora sem os requerimentos de créditos ou orientação de um doutoramento acadêmico). Não existem horas reservadas a isso, e o estudo deve ser retirado do tempo de lazer pessoal e horas livres.

20) O tempo de estudo é considerado como trabalho?
PRA: Não se aplica, mas um diplomata pode pedir uma licença para “concluir” a sua tese.

21) Quando a pessoa está realizando o mestrado ela só estuda (durante qtas horas?) ou trabalha também (durante quantas horas, e, no quê?)
PRA: Não se aplica. Atualmente, os recém ingressados no curso profissionalizante do Rio Branco estudam pela manha e já trabalham nas divisões pela parte da tarde.

22) E nas missões diplomáticas, ele vai acompanhado por outros diplomatas ou vai só?
PRA: Missão diplomática significa remoção para algum posto: o diplomata é removido individualmente, e parte com sua família apenas. Podem existir coincidências de partidas conjuntas ou simultâneas, mas as remoções são sempre individuais. Uma delegação para alguma reunião especial, ou conferência diplomática, configura uma viagem a serviços, de alguns dias apenas, e podem ocorrer partidas de dois ou mais diplomatas para a mesma reunião (ONU, OMC, etc.).

23) E quanto a moradia? Escola dos filhos? Cursos? Há alguma orientação ou algum tipo de descontos ou posições preferenciais?
PRA: Tudo é administrado pelo próprio diplomática, que tem de encontrar soluções de mercado. Em alguns postos, a embaixada pode dispor de residências próprias. Existe também um auxílio para pagar aluguel, variável segundo os postos, mas nada está previsto para a educação, que fica totalmente no âmbito pessoal.

24) Vc só vai para países onde saiba o idioma?
PRA: Não, não existe nenhuma relação. Este não é o critério para remoção. O diplomata tem de saber inglês e algumas outras línguas preferencialmente, mas os postos são os mais variados possíveis.

25) Como vc faz para equilibrar o tempo entre trabalho/obrigações extras/amigos família?
PRA: Questão puramente pessoal, cada um se organiza como deseja ou pode. A carreira não é diferente da carreira militar, ou pode ser vista como similar a de executivos de empresas internacionais. Existem horas de trabalho, algumas obrigações sociais (recepções, etc.) e o resto depende de cada um. Eu viajo ou leio...

26) Quando vc está morando fora do Brasil, tem passagens gratuitas e algum tempo disponível para vir ao Brasil?
PRA: Não, cada um usa as férias como desejar. Se alguém é chamado a serviço, recebe passagens e diárias, mas isso é determinado por necessidade de serviço, não segundo as preferências ou desejos de cada um.

Respostas preparadas em 25.06.2008

O profissional de RI no setor publico (em 2008): mudou alguma coisa?

Um texto nunca divulgado aqui, sobre o profissional de RI, que alguns preferem chamar de internacionalista. Como sempre, retirado do baú de respostas a interlocutores bilaterais...

A importância do profissional de relações internacionais no setor público
Paulo Roberto de Almeida
Respostas a questionário a Projeto universitário
Brasília, 1 de junho de 2008

1 – O profissional de relações internacionais tem muitas possibilidades para atuação num mercado cada vez mais diversificado. Quais são as áreas de atuação que esse profissional pode exercer na esfera pública além da diplomacia?
PRA: Na esfera do governo federal são várias outras: analista de comércio exterior do MDIC; analista de informações da ABIN; assessorias de relações internacionais dos ministérios setoriais (sobretudo aqueles que possuam grande interface internacional, para cooperação e integração, o que atualmente cobre praticamente quase todos os ministérios); assessores parlamentares do quadro oficial do Legislativo, eventualmente até no Judiciário ou esferas correlatas. Nos governos estaduais e municipais (capitais dos estados, grandes municípios e municípios de fronteira), nas assessorias internacionais que possam existir ou nas secretarias de governo especializadas em temas de cooperação internacional (educação, saúde, etc.).

2 – Qual é a importância de um profissional de relações internacionais na esfera pública?
PRA: Pode ser relevante, na medida em que a rede de acordos internacionais (na esfera regional ou multilateral) é atualmente muito grande, exigindo, portanto, alguma expertise, conhecimento, experiência e vivência em cooperação internacional, que vai muito além do mero conhecimento de línguas. Todas as áreas de especialização técnica se beneficiam de cooperação bilateral (entre países, ou até entre serviços especializados dos países) ou de projetos de cooperação mais ampla, envolvendo vários países e, na maior parte dos casos, organismos intergovernamentais, ONGs e outras entidades com interface internacional (do setor privado, do acadêmico ou centros de pesquisa).
O profissional de RI deve ter competência para lidar com todas essas esferas de maneira a poder definir os melhores instrumentos a serem aplicados em cada caso. Ao mesmo tempo, ele deve saber resguardar as esferas de competência privativa dos setores encarregados de negociações em áreas relevantes de interesse público (geralmente a cargo do MRE, mas também Fazenda, Bacen, MPOG e outras agências públicas).

3 – O setor público em geral conhece a necessidade de ter um profissional de relações internacionais e, além disso, sabe de sua importância?
PRA: Na esfera diplomática e setores afins (ou seja, aqueles que estão constantemente em contato com organismos internacionais) certamente, embora nem sempre é o caso em ministérios setoriais que até pouco tempo atrás tinha pequena interface externa no trabalho diário. Mas não é necessariamente o setor público que precisa conscientizar-se da necessidade: ele geralmente emprega os profissionais mais habilitados para o desempenho de funções especializadas, o que nem sempre quer dizer, necessariamente, um profissional de RI: se o BC quer negociar acordos financeiros, ele terá necessidade de técnicos em finanças internacionais, que podem ser antes economistas do que profissionais de RI. Da mesma forma, negociações especializadas em tarifas aduaneiras ou em epidemias de alcance transfronteiriço podem requerer o concurso de técnicos habilitados nessas áreas, não obrigatoriamente o profissional RI.

4 – Existem perspectivas positivas de expansão da área de atuação do profissional de RI no setor público?
PRA: Certamente, na medida em que a globalização é um traço incontornável da nossa época, veio para ficar e se expandir cada vez mais. Presumivelmente, essa tendência vai exigir um número cada vez maior de profissionais de RI, mas não apenas ou não exclusivamente, pois a especialização crescente de determinados temas – como em mudanças climáticas, por exemplo – pode exigir técnicos especializados nesses temas.

5 – O senhor acredita que a maioria dos cursos superiores de RI no Brasil formam um profissional cosmopolita, capaz de atuar em qualquer setor?
PRA: Não, não acredito. Os cursos foram criados apressadamente, para atender a uma demanda difusa, percebida como “importante”, a partir de uma percepção do crescimento da interface internacional em quase todas as esferas da vida pública e privada. Os cursos foram surgindo de maneira empírica e não necessariamente atendem às necessidades seja do setor público, seja do mercado. Acredito que os cursos precisam melhorar muito, ainda, para formarem profissionais habilitados e competentes. Esses cursos constituem uma assemblagem de matérias tradicionais – advindas do direito, da ciência política, da história e da economia – sem necessariamente constituir um corpo coerente de disciplinas voltadas para a formação de um profissional completo ou preparado para enfrentar responsabilidades importantes no cenário internacional.

6 – Como é o trabalho de um profissional de RI que atua em órgãos públicos hoje?
PRA: Basicamente análise de informação e processamento de diferentes insumos que podem servir para a tomada de decisão em sua área de atuação. Para os diplomatas, essas tarefas são acrescidas de responsabilidades negociadoras e de representação, quando trabalhando em embaixadas e missões diplomáticas no exterior. O domínio dos dossiês sobre os quais se têm responsabilidade é essencial para o bom desempenho dessas funções pelos profissionais em RI, funções que são necessariamente variadas em sua diversidade temática e contínuas no seu desenvolvimento cronológico.

7 – Por se tratar de um curso novo, muitas pessoas acreditam que relações internacionais é um curso “complementar” de outros cursos, como administração ou comércio exterior. Tratando-se especificamente do mercado de trabalho, é possível dizer que essas afirmações tem fundamentos?
PRA: Sim, elas têm fundamento – ainda que possam ser parcialmente equivocadas – porque, na verdade, o profissional de RI é um “administrador” de temas diversos, todos situados na interface com o externo, mas que não deixam de ser de “administração” de coisas e de pessoas. O comércio exterior é uma interface importante na vida de qualquer país, na medida em que todas as empresas, hoje em dia, estão confrontadas à concorrência externa e necessitam desenvolver estratégias competitivas que maximizem seus ganhos no mundo e permitam sua sobrevivência no mercado interno. Os cursos de RI não são, obviamente, “complementares” a administração ou comércio exterior, mas eles surgem a posteriori, com um panorama já dominado por esses profissionais que estão no mercado há mais tempo, sendo assim natural que seja assimilados aos primeiros.
A diferenciação se dará aos poucos, na medida em que currículos e oportunidades de mercado forem se consolidando no Brasil. Em todo caso, muitos cursos de RI formarão “administradores de comércio exterior”, o que será sempre necessário...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1 de junho de 2008

Politica Externa e Integracao: um questionario da Argentina (2007)

Mais um que permaneceu obscuro, pelas circunstâncias.
Vejamos se tem algo de útil ainda...

Política externa brasileira e integração sul-americana: um questionário da Argentina
Paulo Roberto de Almeida
Respostas a questionário colocado por estudante argentino de jornalismo.
Brasília, 6 de outubro de 2007

Passo grande parte do meu tempo “livre” – que já se pode imaginar não ser exatamente enorme – tentando responder a perguntas de estudantes, questões de todo o tipo, cor e sabor. São geralmente relativas à carreira diplomática – estudantes que dizem que sempre “tiveram o sonho” de um dia virem a ser diplomatas e que demonstram não estar minimamente preparados para sê-lo –, além de alguns “caras-de-pau” que estão obviamente à procura de alguém que lhes faça o trabalho escolar. Alguns têm a petulância de marcar hora de entrega: “o trabalho é urgente e eu tenho de terminar esta noite”. Suplicam o auxílio generoso de quem imaginam estar à disposição de estudantes desesperados (passavelmente preguiçosos ou, simplesmente, vagabundos).
Sou, em geral, paciente com os legitimamente curiosos – existem, de fato, jovens, ainda secundaristas, que “pretendem”, legitimamente, ser diplomatas – e bem menos leniente com os preguiçosos de nível universitário, que por vezes se deixam, entretanto, se enredar por aquela conversa anticapitalista ou antineoliberal de professores absolutamente incompetentes (e de má fé), que transferem a outros sua incapacidade de “provar” os “malefícios do neoliberalismo para o Brasil”. Geralmente não respondo a esse tipo de pedido de ajuda, mas fico refletindo sobre o quanto a universidade brasileira decaiu em termos relativos e absolutos nos últimos tempos.
Existe, no entanto, uma outra categoria de perguntadores oficiais, que são os jornalistas, alguns ainda estudantes, e que misturam ambas atividades nos seus questionamentos a mim: são mais os jornalistas aprendizes me escrevem, pois os profissionais geralmente telefonam já “em cima” de alguma matéria em curso. Dependendo do teor das perguntas e do próprio interesse que eu possa ter por elas, sou mais ou menos “telegráfico” em minhas respostas, ou então me dedico a elaborar comentários mais substanciosos sobre as questões colocadas.
Transcrevo abaixo um exemplo típico desse tipo de interação por e-mail, um “exchange” que me parece apresentar validade mais ampla do que a simples correspondência bilateral entre um perguntador e o escriba complacente. Fui mais elaborado nas respostas porque se tratava de um estrangeiro, razão pela qual minhas respostas talvez também interessem um círculo mais vasto de pessoas. Neste caso, foi um estudante de jornalismo da Argentina que, em 26 de agosto de 2007, me disse isto: “Le escribo porque estoy haciendo un trabajo para la Universidad sobre América del Sur.” Pois bem, talvez minhas respostas apresentem alguma validade nos planos histórico ou conceitual para outros interessados em questões sul-americanas, motivo pelo qual eu as transcrevo aqui.
Algum desses consultores em administração de tempo e negócios talvez me recomendasse começar a cobrar por assistência gratuita a estudantes carentes. Não creio que é o caso, mas preciso, de verdade, concentrar-me em tarefas mais urgentes. Em todo caso, compartilho algo do que aprendi ao longo de uma carreira de estudos e de muita leitura...

“Si puede responderme unas breves preguntas, me haría un gran favor. Desde ya muchas gracias.”
Questão 1:
¿Cuánto tiene que ver en la actual política exterior de Brasil el Barón de Río Branco?
Todos os “sucessores” do Barão – e todos os chanceleres gostariam de ser vistos como tal – procuram, sempre, colocar sua gestão na linha política do Barão, visto como o “pai fundador” da moderna diplomacia brasileira e como exemplo de equilíbrio e pragmatismo no tratamento dos grandes temas da agenda diplomática brasileira. O Barão converteu-se em modelo paradigmático de como deveria ser um diplomata brasileiro e de como deveria ser orientada a diplomacia prática do Brasil, em função dos seus interesses nacionais.
Neste sentido, o Barão converteu-se, alegoricamente falando, num superlativo conceitual, ou seja, sua imagem é mais importante do que sua contribuição efetiva para o estabelecimento de diretrizes para a diplomacia brasileira, hoje, tanto porque o mundo contemporâneo apresenta outros desafios do aqueles colocados, um século atrás, ao Barão do Rio Branco.
No plano mais geral das grandes diretrizes da diplomacia brasileira, ou sua “filosofia diplomática”, digamos assim, é óbvio que a diplomacia atual conserva uma “filiação genética” com idéias e princípios enunciados pelo Barão. No plano mais prático, porém, é óbvio que os atuais encarregados da diplomacia – e todos os “sucessores” do Barão ao longo do tempo – não vão ficar se perguntando o que faria o Barão em circunstâncias similares, não vão buscar nos registros históricos exemplos de precedentes eventualmente similares que os poderiam guiar no tratamento de uma determinada questão. Parece-me que eles buscam, mais exatamente, atuar em função de critérios essencialmente pragmáticos, submetidos às pressões do momento, ao lobby dos grupos de interesse que se movimentam junto à chancelaria (ou até a presidência da República), ou em função de sua própria “filosofia política”, em torno de uma questão concreta que se refere a interesses de grupos determinados, bem mais, talvez, do que em função dos interesses mais gerais do Brasil como nação.
Alguns princípios gerais, dos tempos do Barão – e não apenas formulados diretamente por ele –, continuam válidos ainda hoje, como podem ser, por exemplo: a busca de excelentes relações políticas e de cooperação ativa com os vizinhos sul-americanos; a manutenção de um equilíbrio nas relações com as grandes potências (Europa e EUA, basicamente); a afirmação da força do direito sobre o direito da força; a busca de soluções eminentemente pacíficas para controvérsias, mas apoiada, se necessário, em forças armadas apropriadas, tudo isso faz parte do que se pode chamar de “legado do Barão” que ainda hoje é observado no universo “mental” e na prática da diplomacia brasileira.
Mas, não creio, pessoalmente, que esses princípios gerais, ainda válidos, repito, constituam um “guia para a ação” em casos concretos que se apresentam, diariamente talvez, na agenda da diplomacia brasileira.
Em resumo, o Barão permanece como uma referência indispensável, quase um “mito” da diplomacia brasileira, mas é preciso relativizar seu papel do ponto de vista de uma agenda concreta de problemas diplomáticos do tempo presente. Sua maior validade, talvez, se situe, precisamente no âmbito sul-americano e nas relações com a Argentina. Cabe, a esse propósito, lembrar que foi o Barão quem propôs a primeira fórmula de um “pacto ABC”, uma associação estreita entre Argentina, Brasil e Chile, toda ela voltada para a cooperação, o desarme dos espíritos (e, talvez, o desarmamento ativo), a intensificação de laços de toda ordem, o que poderia prenunciar os esforços de integração dos tempos presentes.

Questão 2:
¿Es posible imaginar que el biocombustible de Brasil se llegue a complementar con el petróleo de Venezuela de una manera armónica?
Não haveria nenhuma objeção de princípio, seja no terreno técnico, seja no campo puramente econômico, para uma oposição entre combustíveis fósseis – como podem ser o petróleo, o carvão, o gás natural – e os chamados biocombustíveis – etanol, biodiesel e formas variadas de combustíveis verdes, ou renováveis. Todos eles podem ser complementares e inclusive serem integrados na mesma matriz energética, como de fato já ocorre no Brasil desde muito tempo, com a complementação da gasolina comum de petróleo por álcool de cana-de-açúcar, ou o puro combustível etanol, mais ainda com os atuais motores flex, que consomem indistintamente um ou outro combustível.
Muita da suposta oposição entre esses combustíveis foi criada de maneira totalmente superficial, e eu diria até de forma irresponsável, por alguns dirigentes políticos que pretendiam “protestar” contra o álcool a partir de milho, o que conduziria, supostamente, ao encarecimento dos produtos alimentares e até, hipoteticamente, à falta de alimentos. Não há, absolutamente, nenhum fundamento científico ou sequer econômico a esse tipo de afirmação, feita de maneira espetacular por Fidel Castro, por exemplo, condenando o álcool americano de milho, afirmação que foi depois repetida por alguns outros dirigentes na região.
Existe, obviamente, uma relação de mercado entre a utilização de fatores de produção e seu preço final, assim como existe uma relação de custo entre os diferentes insumos utilizados para a fabricação de álcool. O álcool de milho, por exemplo, é muito menos “produtivo” do que o equivalente de cana-de-açúcar, necessitando, portanto, de subsídios para ter um preço de mercado compatível com a possível oferta de álcool de cana-de-açúcar.
Tanto não existe oposição entre combustíveis fósseis e renováveis que a Venezuela já está importando etanol brasileiro, a partir da cana-açúcar, em quantidades crescentes.

Questão 3:
¿Es viable la Unión de Naciones Sudamericanas (UNASUR), mediante una futura y más profunda integración de la CAN con el Mercosur?
A integração da CAN com o Mercosul tem a ver, em princípio, com a liberalização comercial recíproca, o que vem sendo feito já, mediante diferentes acordos plurilaterais e bilaterais no âmbito da ALADI ou diretamente entre os países membros e os dois blocos. Não há nenhum impedimento a que essa integração avance a ponto de se constituir, no futuro, um bloco mais coeso, dotado eventualmente de uma tarifa externa comum, o que a rigor transformaria a região numa zona de livre comércio unificada e numa união aduaneira em consolidação.
Já a Unasur se constitui num projeto mais vasto de consulta e coordenação política, podendo avançar em outras áreas, como a integração física – obras de infra-estrutura para transportes, comunicações, energia, hidrovias –, para políticas coordenadas e integradas em outras áreas – como segurança, luta contra o narcotráfico, cooperação na preservação e exploração sustentável dos recursos da biodiversidade sul-americana – até para uma eventual moeda comum, se for o caso, no futuro.
As bases disso já foram lançadas na primeira reunião de chefes de Estado da América do Sul, a convite do então presidente Fernando Henrique Cardoso, em Brasília, em agosto e setembro de 2000. Depois disso, houve nova reunião de cúpula no Equador, em 2002, e finalmente a constituição da CASA, Comunidade Sul-Americana de Nações, em Cuzco, no Peru, em dezembro de 2004. A CASA fez uma reunião em Brasília, em 2006, e foi transformada em Unasul, na reunião de Isla Margarita, Venezuela, em janeiro de 2007.
Se ela é viável ou não, isso depende da capacidade dos países sul-americanos em transformar em realidade declarações presidenciais que até agora têm sido mais retóricas do que efetivas. O processo continua...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1 de setembro de 2007
Revisto: 6 de outubro de 2007

Universidade brasileira em 2007: mudou desde entao? - talvez, para pior...

Mais um do baú, que talvez tenha algumas ideias ainda válidas...

Presença da universidade no desenvolvimento brasileiro: uma perspectiva histórica
Contribuição de Paulo Roberto de Almeida
para a reunião preparatória ao simpósio:
Presença da Universidade no Desenvolvimento Brasileiro
(São Paulo: 3 de abril de 2007)
Feito em Brasília, 2 de abril de 2007

Introdução:
Atendendo ao convite da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária e do Centro Interunidade de História da Ciência, ambos da USP, que promoverão o simpósio “Presença da Universidade no Desenvolvimento Brasileiro: uma perspectiva histórica”, em 2 e 3 de julho de 2007, apresento minhas reflexões sobre o papel da universidade no desenvolvimento nacional. Estamos aqui falando essencialmente da universidade pública e isto precisa ficar muito claro.
Os principais problemas da educação e do desenvolvimento nacional estão bem mais fora do que dentro da universidade pública, que funciona razoavelmente bem para os padrões falhos dos países em desenvolvimento. Mas, ela funciona cada vez mais mal para os padrões exigentes do estilo de desenvolvimento interdependente que temos hoje no âmbito do capitalismo global. Ela é autista, avessa à reforma, à competição e aos critérios de eficiência e se julga no direito de usufruir de recursos públicos sem prestar a devida conta à sociedade. Caminha para a decadência, ainda que a passos lentos, aliás, como o Brasil, em seu conjunto; pior, ela não está atenta a isso.
Tenho nítida consciência de que meus comentários, julgamentos e avaliações, tanto quanto minhas propostas e sugestões, serão recebidos com ceticismo, quando não com desconforto, pois que situando-se em posição crítica, ou possuindo espírito controverso, ao que normalmente se espera de um membro da academia, o que eu não sou, possuindo, portanto, alguma independência de opinião em relação aos assuntos interna corporis. Por fim, alerto, preliminarmente, que a maior parte de minhas críticas e sugestões se dirigem a objetivos fora da universidade – mas aos quais ela não pode ficar alheia –, uma vez que estamos falando da contribuição da universidade para o desenvolvimento nacional, não para o seu próprio desenvolvimento.

1. Consulta às origens: a universidade como formadora de mestres
O papel primordial da universidade sempre foi o da formação de mestres e pesquisadores, algo que no Brasil teve início tardiamente pela formação de quadros de elite para o Estado, sem que tivessem sido desenvolvidas as atividades formadoras básicas nos dois ciclos precedentes. Quando a universidade se instalou, ela o fez de forma superestrutural, cuidando basicamente do terceiro ciclo, sem olhar para os dois ciclos anteriores. Creio que o descomprometimento com os dois ciclos iniciais de estudo ainda continua a marcar a atitude geral da academia em relação ao problema educacional brasileiro, em que pese a atuação de alguns dos seus mestres renomados e atuantes nos diversos processos de reforma do ensino básico. A universidade brasileira deveria, a meu aviso, voltar bem mais os olhos para a realidade educacional brasileira como um todo.

2. O alheamento da universidade brasileira de sua função básica
Quer seja no que se refere à formação de quadros para os ciclos precedentes, quer seja no retorno à sociedade de suas atividades de pesquisa, financiadas com recursos da sociedade, a universidade brasileira tem deixado a desejar ao longo de sua existência consolidada. Embora a maior parte dos cursos “científicos” e “tecnológicos” isolados – que depois vieram a integrar a universidade – tenha se constituído tendo em vista o provimento de soluções e respostas práticas aos problemas colocados pelo mundo da agricultura e da indústria, a atenção prioritária da universidade esteve mais concentrada na própria universidade, não necessariamente numa agenda percebida de problemas nacionais básicos.
Pode-se argumentar que formação de professores nunca foi pensada como sendo a função básica da universidade brasileira, mas caberia aí reconhecer um desvio de origem, não um plano de trabalho que possua legitimidade social. O viés superestrutural fica mais uma vez evidente. Quanto à pesquisa, parece evidente, igualmente, seu alheamento do setor produtivo, ao lado de outros comportamentos ainda mais nefastos, como uma persistente cultura antipatentária e uma renitente, embora decrescente, postura antimercado.

3. Nem só de big science vive a universidade e nem sempre é disso que precisa o país
Se pensarmos em três nomes que parecem caracterizar a consciência aguda dos problemas brasileiros, José Bonifácio, Joaquim Nabuco e Monteiro Lobato, veremos que suas agendas respectivas de transformação do país – elevação dos padrões da mão-de-obra, via cessação do tráfico e da escravidão, promoção de uma colonização comprometida com a qualificação técnica da agricultura e da indústria e melhoria dos padrões educacionais e de saneamento da maioria da população – foram superficialmente integradas à agenda de trabalho das universidades. Mesmo intelectuais obcecados com a superação do atraso nacional, como Caio Prado Jr., por exemplo, tiveram em certa medida de exercer suas atividades à margem ou no alheamento da universidade.
Todos eles, de certa forma, não estavam pensando em converter o Brasil num êmulo dos principais países desenvolvidos em suas épocas respectivas, mas apenas em estabelecer as condições de base pelas quais esses países se tornaram desenvolvidos em mérito próprio.

4. Back to basics: para evitar o afundamento completo da educação brasileira
A educação brasileira vem sendo “afundada” devido a uma combinação involuntária de fatores perversos que ultrapassam a capacidade da universidade de corrigi-los, mas aos quais ela não deveria estar alheia, uma vez que a degradação do ensino básico vem se refletindo cada vez mais na mediocrização da graduação universitária, com possível contaminação dos cursos de pós.
Quando a universidade não se posiciona claramente contra deformações evidentes dos ciclos anteriores, ela contribui para essa deterioração geral dos padrões de ensino e pesquisa. Ao não reagir claramente contra regimes de cotas, contra a politização demagógica do primeiro ciclo e a corporativização do segundo – como refletidos, por exemplo, no ensino obrigatório de estudos afrobrasileiros e de espanhol e na reserva de mercado abusiva que se pretende dar a sociólogos desempregados e a filósofos em disponibilidade –, a universidade sanciona a tendência declinante da educação pré-graduada e com isso compromete a qualidade dos seus próprios cursos.

5. Uma “cadeia de montagem” de professores de português, matemáticas e ciências básicas
Se por milagre de uma combinação de políticas macroeconômicas virtuosas e de políticas setoriais focadas em externalidades positivas o Brasil despertasse para um ciclo de crescimento sustentado, o setor produtivo não poderia contar com quadros competentes na tarefa de elevar os padrões de produtividade a níveis de excelência. A carência educacional naquelas áreas que deveriam constituir o núcleo básico do ensino fundamental e médio é de tal forma gritante que seria impossível não pedir que a universidade se interesse pelo assunto.
O futuro do Brasil está sendo comprometido pelo “afundamento” dos fundamentos. Seria relevante que a universidade se interessasse por isto também: língua pátria, raciocínio matemático e conhecimentos científicos elementares fazem parte do funil vergonhoso que hoje restringe a população universitária a uma fração mínima da população total.

6. Competência, competição, administração técnica, avaliação independente e objetiva
A despeito de certos progressos, a universidade pública continua resistindo à meritocracia, à competição e à eficiência. Ela concede estabilidade no ponto de entrada, não como retribuição por serviços prestados ao longo do tempo, aferidos de modo objetivo. Ela premia a dedicação exclusiva, como ela se fosse o critério definidor da excelência na pesquisa, ou como se ela fosse de fato exclusiva. Ela tende a coibir a “osmose” com o setor privado, mas parece fechar os olhos à promiscuidade com grupos político-partidários ou com movimentos ditos sociais. Ela pretende à autonomia operacional, mas gostaria de dispor de orçamentos elásticos, cujo aprovisionamento fosse assegurado de maneira automática pelos poderes públicos. Ela aspira à eficiência na gestão, mas insiste em escolher os seus próprios dirigentes, numa espécie de conluio democratista que conspira contra a própria idéia de eficiência e de administração por resultados. Ela diz privilegiar o mérito e a competência individual, mas acaba deslizando para um socialismo de guilda, quando não resvalando num corporativismo exacerbado.
Com todos os desvios acumulados aoo longo dos anos, a universidade pública tornou-se parte do problema do desenvolvimento nacional, sem necessariamente apresentar-se como parte da solução desse problema. O problema básico do país não se situa na universidade pública, e sim no ciclo universal de ensino, mas ela não tem feito o suficiente para diagnosticar encaminhá-lo de forma satisfatória. Ela poderia dizer, por exemplo, que o sistema nacional de ensino requer um pouco menos de pedagogos no MEC e mais administradores nas escolas, sensatos, dotados de idéias simples como boa gestão e fixação de metas para os resultados escolares.

7. O estatismo está estrangulando a economia, with a little help from the university...
Independentemente do fomento à pesquisa, dos fundos setoriais e de todas as demandas por financiamento público às suas atividades, a universidade possui entranhado em seu DNA um estatismo secular e renitente, o que seria compreensível em vista o papel cumprido no passado em favor do desenvolvimento nacional pelo Estado brasileiro, se essa característica não tivesse, hoje, efeitos nefastos sobre o crescimento econômico.
Vários estudos empíricos já demonstraram a existência de uma correlação negativa entre os níveis de gastos governamentais e a taxa de crescimento econômico. As evidências são tão aplastantes que o tema não merece maiores desenvolvimentos a não ser a remissão à bibliografia pertinente. Bastaria agregar que a universidade, com as poucas exceções de alguns departamentos de economia, também tem falhado em demonstrar que o Estado brasileiro converteu-se de antigo promotor em atual obstrutor, de fato, do processo de desenvolvimento, aspecto geralmente negligenciado na maior parte dos estudos acadêmicos.
Das quatro condições gerais que podem facilitar, estimular ou permitir a manutenção de um ritmo de crescimento sustentado, base inquestionável de um processo de desenvolvimento econômico e social, com transformação tecnológica e redistribuição social de seus benefícios – que são, respectivamente, (a) uma macroeconomia estável; (b) uma microeconomia competitiva; (c) alta qualidade dos recursos humanos e (d) abertura ao comércio exterior e aos investimentos diretos estrangeiros –, a universidade pode atuar diretamente no bom desempenho das tarefas de formação e aperfeiçoamento dos recursos humanos, e secundariamente em todos os demais fatores. Não me parece que ela o venha fazendo de modo consistente, pelo menos não no ritmo e com a intensidade desejados.

Nunca é tarde para que a universidade retifique algumas tendências ao autismo acadêmico e participe de modo mais afirmado dos diagnósticos e soluções aos mais graves problemas brasileiros de desenvolvimento. Ela já o fez no passado, pelo menos de modo parcial, e pode certamente voltar a dar sua contribuição na presente fase de impasses e de lento estrangulamento do processo de crescimento econômico. Esperemos que ela o faça, para o seu próprio bem...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2 de abril de 2007

Mercosul em 2007: quatro anos depois mudou alguma coisa?

O texto abaixo, como no caso dos demais retirados do baú de esquecidos depois de muito tempo, foi escrito para responder a algumas perguntas de jornalista.
Como sempre, escrevo demais, e só se aproveita uma pequeníssima parte do que escrevi, permanecendo todo o resto inédito.
Como acredito que sempre existem ensinamentos a serem retirados de experiências importantes, como essa do Mercosul, e como acredito ter algo de relevante a dizer, retiro o pobrezinho do baú de esquecidos para divulgá-lo aqui para um público mais amplo...

Mercosul Revisitado
Paulo Roberto de Almeida
Questões colocadas por jornalista
Brasília, 30 de março de 2007

1) Em sua resenha do livro "Mercosul quinze anos" (São Paulo: Memorial da América Latina-Imprensa Oficial do Estado, 2007), o Sr. compara o Mercosul a um “aborrecente”. Caso ele esteja de fato condenado a ser um eterno adolescente, quais seriam as implicações para o Brasil no contexto de pai-fundador?
PRA: O Mercosul foi concebido com base numa declarada intenção política dos dirigentes máximos, os presidentes dos países membros, de aprofundar os laços de interdependência recíproca e de caminhar no sentido de ser estabelecido um espaço econômico comum, sem que talvez se levasse em conta as dificuldades de um processo de integração em meio às crises hiperinflacionárias e aos programas de estabilização macroeconômica que esses países enfrentaram desde os anos 1980 até o início da presente década.
Tanto na fase bilateral (1986-1990), Brasil-Argentina, quando o processo foi mais afirmadamente “dirigista” (com administração quantitativa do comércio bilateral e com protocolos setoriais negociados entre os dois países), como no âmbito do Mercosul (a partir de 1991), quando a orientação era bem mais livre-cambista, o Mercosul foi concebido para alcançar objetivos muito ambiciosos, que ainda não puderam ser cumpridos em função das dificuldades naturais dos processos de integração e também da instabilidade macroeconômica enfrentada por alguns de seus membros.
Nesse sentido, ele ainda precisa “crescer” bem mais e aprofundar os compromissos internos de desgravação e abertura recíproca e os projetos externos de maior inserção econômica e competitividade mundial. O Brasil, que se sente realmente responsável pelos destinos do Mercosul, atua por vezes de forma descoordenada, no plano interno, e de maneira contraditória aos objetivos integracionistas, uma vez que as diferentes burocracias setoriais – proteção ao consumidor, Receita Federal, órgãos normativos diversos etc. – nem sempre se pautam por essa perspectiva ao adotarem ou implementarem diferentes medidas de âmbito interno que podem eventualmente impactar de modo negativo a construção ou o reforço do Mercosul.

2) O Sr. elaborou sete teses sobre o processo de dificuldades que enfrenta o Mercosul. Em uma delas - Mimetismo indevido e foco em supostas assimetrias – e também em sua resenha no livro citado acima, o Sr. mostra que o Brasil é considerado (por quem?) de maneira equivocada como um país não-assimétrico ou “então o assimétrico absoluto, portanto encarregado de redimir os males existentes”. Tal redenção dos males existentes significa que o Brasil tem de contribuir com 70% dos US$ 100 milhões de obrigações não-reembolsáveis do Focem (Fundo de Correção de Assimetrias), mas só se beneficia com 10% dos projetos a serem financiados, majoritariamente voltados para o Paraguai e Uruguai (que aportam 3% do capital)? Por quê? Até quando?
PRA: Acredito que os demais sócios do Mercosul consideram que o Brasil, por ser o país mais avançado industrialmente, e também o maior em volume absoluto e relativo – maior massa territorial, maiores mercados em vista da população, maior volume de comércio interno e externo ao Mercosul, capacitação tecnológica etc. – deveria ser o país a “conceder” maiores vantagens aos demais, sem necessariamente exigir reciprocidade. Pode-se até imaginar que nosso país, em vista dessa dotação favorável de fatores primários, deva, efetivamente, fazer o maior esforço para concretizar a integração, mas esta é uma suposição política, não uma conclusão derivada dos dados da realidade. De todos os países, nossos indicadores sociais só conseguem ser melhores do que os do Paraguai, e em termos de assimetrias internas – desigualdades sociais e desequilíbrios regionais –, nosso país é certamente o campeão.
Por outro lado, as chamadas “assimetrias estruturais” decorrem de fatores muito poderosos, que atuam em nível de mercado, não sendo necessariamente corrigidas por iniciativas governamentais que atuam na superfície dos problemas. A experiência histórica indica que problemas econômicos estruturais são mais facilmente corrigidos quando se atua em sentido coincidente com os mercados do que tentando corrigir supostas “falhas de mercado” que expressam competitividades derivadas de especializações adquiridas ao longo do tempo, muito difíceis de serem alteradas por pequenos programas de financiamentos governamentais.

3) Talvez já terá respondido esta nas questões acima. Do contrário, quais os principais prós e contras para o Brasil como integrante do Mercosul?
PRA: Existem muitos argumentos a favor do Mercosul: ampliação dos mercados, economias de escala, modernização tecnológica derivada da competição ampliada, maior inserção econômica internacional – uma vez que a integração é uma espécie de mini-globalização – e outros elementos mais vinculados à cooperação política, cultural, tecnológica etc. Todos eles recomendam e determinam a abertura econômica e a liberalização comercial recíproca, a construção de empresas sólidas para atuar no plano mundial, a atração de investimentos externos, a futura conversibilidade das moedas nacionais (e até a eventual adoção de uma moeda única, num mercado verdadeiramente unificado), enfim, são inúmeros os elementos positivos num processo de integração. O Brasil certamente se beneficiou do Mercosul na última década e meia, com ampliação significativa do comércio regional e expansão de suas empresas para os países vizinhos.
Quanto aos possíveis elementos menos positivos, poderiam ser citados: o desvio de comércio – ao dar preferência a produtos vizinhos, eventualmente de menor qualidade e até mais caros do que os de terceiros países, mas protegidos pela eliminação da tarifa –, o desvio de investimentos – que pode não obedecer a critérios unicamente econômicos – e outros elementos ligados a uma possível introversão do processo – quando os países visam mais os mercados recíprocos, num jogo limitado à própria região, do que os terceiros mercados, mundiais. Eles podem ser minimizados, se os países membros adotam políticas comerciais e industriais de abertura e de inserção na economia mundial, mas há sempre o risco de comportamentos predatórios no próprio bloco de integração.
A solução para alguns desses problemas está num firme decisão política de se ater às regras do jogo, consolidando-as, se necessário, num arcabouço jurídico capaz de garantir essas regras contra comportamentos protecionistas dos membros, eventualmente por via de um tribunal autônomo de solução de controvérsias (entre países e também de acesso às empresas e particulares).
Um possível problema, para um país como o Brasil, é a perda de soberania – sobre as políticas econômicas e setoriais, por exemplo – que todo processo de integração implica, em última instância. Quando se decide caminhar para a integração é preciso saber aceitar essa perda de soberania, pois se trata de uma limitação à capacidade nacional de adotar regras em benefício dos agentes econômicos e sociais do próprio país. A dimensão integracionista passa a estar integrada ao processo decisório e de formulação e implementação de políticas nacionais.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 30 de março de 2007

Irlanda e China em 2006 e agora...

Sempre na hora da saudade, e recuperando inéditos que tinham ficado para trás muito tempo.
Como antes, ver o que permanece válido e o que já se tornou perempto...

Irlanda e China como exemplos de desenvolvimento tecnológico
Paulo Roberto de Almeida
Respostas a questões colocadas por jornalista em 4 dezembro 2006
Brasília, 5 dezembro 2006

PERGUNTAS
- Nome, função de quem responde e breve resume
Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor universitário, doutor em ciências sociais e mestre em planejamento econômico. Ingressou na carreira diplomática em 1977 e exerceu funções em postos do exterior, como embaixadas em Washington e Paris e delegações em Genebra em Montevidéu.

- Desde quando esses países investem em inovação tecnológica?
China
A China tem uma longa tradição científica, que ficou em segundo plano na longa trajetória de declínio econômico a partir do século XVIII. Depois de dois séculos de conflitos internos e guerras contra inimigos regionais, ela voltou a se ocupar da capacitação de seus cientistas e engenheiros. Se o “grande salto para a frente”, dos anos 1958-1962, foi um desastre incomensurável em termos de avanço industrial – com milhões de mortos de fome, literalmente, devido à desorganização da produção agrícola e o desvio de recursos e energias humanas para a confeção de aço em siderúrgicas artesanais – os preparativos para a primeira explosão nuclear, ocorrida em 1964, revelam uma certa capacitação científica e tecnológica.
A despeito de atrasos enormes no desenvolvimento da tecnologia de aplicação industrial, devido à obsolescência do sistema comunista de incentivos, o regime chinês deu importância para a formação educacional do povo e para a formação de mão-de-obra especializada. Mas, o salto decisivo se dá mesmo a partir do abandono das “teorias” econômicas marxistas por Deng Xiao-ping, a partir do final dos anos 1970, e da reinserção da China na economia mundial, da qual ela ficou afastada durante boa parte do século XX. Essa reinserção se dá, numa primeira etapa através da delimitação de ZPEs, zonas de processamento de exportações, funcionando como enclaves e regimes tributário e fiscal privilegiados em algumas regiões da costa – sobretudo meridional – em favor de investimentos diretos estrangeiros. Numa segunda etapa, esse modelo se dissemina por várias regiões, com ampliação constante de seu escopo e abrangência geográfica.
O investimento em C&T torna-se sistemático e direcionado a partir daí, como necessidade de se alcançar os níveis ostentados pelos países mais avançados.

Irlanda
A Irlanda sempre foi um dos países mais atrasados da Europa, até meados do século XX, praticamente, quando ela começa a se inserir no “mainstream europeu”. Mas, mesmo tendo ingressado na então Comunidade Econômica Européia, no início dos anos 1970, a Irlanda continuou desfrutando de uma precária base educacional, científica e tecnológica. Foi necessário uma decisão nacional, consensual, em favor da educação e da reforma econômica para que a formação de quadros capacitados para a indústria moderna começasse realmente, no início e em meados dos anos 1980.

- Como esse processo começou?
Na China, a base dessa mudança foi o reconhecimento de que o país estava completamente defasado tecnologicamente em relação ao Ocidente e que ele deveria tentar colmatar a brecha abrindo-se a esses investimentos, inclusive da Hong-Kong capitalista. Na verdade, muito dos investimentos feitos eram da diáspora chinesa, classe empreendedora espalhada por todo o sudeste asiático, sendo que as multinacionais passaram a afluir com mais intensidade a partir do final dos anos 1980, quando as mudanças políticas na China confirmaram um novo padrão de relacionamento com o capital estrangeiro.
A inovação tecnológica na China é, assim, a combinação de IDE – que realiza transferências diretas e indiretas de tecnologia – e capacitação própria, sob a forma de engenheiros e técnicos formados pelas escolas médias e superiores e pelos laboratórios nacionais especializados. O grande esforço chinês foi o de aumentar gradativamente a qualidade do seu ensino em todos os níveis, enviando inclusive milhares de estudantes para pós-graduação no exterior.
Na Irlanda, houve uma espécie de “pacto nacional” a favor da educação, pari passu à introdução de importantes reformas macroeconômicas, sobretudo na área fiscal, tributária e setoriais (industrial e comercial). Basicamente o que se fez foi reduzir impostos sobre os lucros das empresas e sobre o trabalho, abaixar substancialmente todas as tarifas alfandegárias, logo equiparadas às da CEE-UE, e conceder tratamento fiscal privilegiado para o capital estrangeiro desejoso de trabalhar na Irlanda.

- Quais as estratégias usadas pelo governo desses 4 países para garantir o suprimento de engenheiros necessários para a modernização tecnológica no país?
China
Um aspecto relevante da modernização tecnológica da China tem a ver com os processo de cópia, imitação e adaptação (muitas vezes ilegais) de produtos e processos proprietários estrangeiros, como ocorre em todos os casos de modernização e de industrialização rápidos. A China copia todo e qualquer produto que tenha sucesso, e portanto mercado, que seja suscetível de produção em massa. Mas, para que isso ocorra, é preciso dispor de um número razoável de engenheiros capacitados, prontos a fazerem engenharia reversa, a fragmentar processos produtivos estrangeiros em tarefas suscetíveis de serem imitados com sucesso, e a introduzir pequenas inovações incrementais que garantam uma produtividade superior em relação ao estado da arte naquele setor ou ramo industrial.
Deve-se levar em conta, também, as vantagens comparativas da China em termos de mão-de-obra e seu custo de “produção”: um engenheiro chinês sempre será mais barato que seu contraparte ou equivalente no Ocidente desenvolvido, mas relativamente bem pago para os padrões locais, o que garantiu um suprimento adequado para as indústrias que estavam sendo criadas.

Irlanda
Com base em incentivos fiscais, para as empresas e para atividades inteiras – produção para exportação, por exemplo – a Irlanda conseguiu integrar a “produção” de engenheiros com os programas de treinamento das próprias empresas (nacionais e estrangeiras), que passaram a pagar pelo menos a metade dos impostos que elas eram obrigadas a pagar no resto da CEE-UE.

- Como foi feito o investimento para a promoção do ensino de ciências exatas nas escolas e universidades?
- Foram criados mais cursos de engenharia?
Desconheço detalhes desse processo, mas entendo que ele foi intenso e contínuo, tanto na China quanto na Irlanda. A Irlanda se abriu bem mais a técnicos estrangeiros, que passaram a trabalhar em seu próprio território – em especial a partir de investimentos feitos por irlandeses emigrados nos EUA décadas antes --, beneficiando-se, inclusive, da utilização da língua inglesa como base inquestionável de seu sucesso na integração com os mercados externos. A China passou a formar expressivo número de engenheiros e técnicos industriais nas suas escolas técnicas e universidades. Os laboratórios nacionais mobilizam números expressivos de trabalhadores especializados.

- Quais os resultados já obtidos nesses países ?
China
A China integrou-se definitivamente aos circuitos mundiais de produção manufatureira e integra-se também, cada vez mais, às correntes de produção científica e tecnológica. A partir das cópias não autorizadas, ela já está fabricando produtos inovadores dotados de suas próprias marcas, o que lhe permitirá evitar o pagamento de royalties pela cessão de know-how estrangeiro.

Irlanda
A Irlanda tornou-se um “tigre celta”, como muitas vezes se disse, na verdade uma plataforma de exportações extremamente competitiva, com base em isenções amplas de impostos e benefícios fiscais não contemplados pelos demais países membros da CEE-UE.

- Gostaria de acrescentar algo que não perguntamos?
Não creio que as experiências da Irlanda ou da China possam ser reproduzidas pelo Brasil, uma vez que elas se baseiam num coquetel único e historicamente original de transformações produtivas e inserção nas correntes de comércio internacional, mobilizado por cada um desses países segundo circunstâncias específicas a cada um deles.
Independentemente de outros aspectos, sobretudo os educacionais, a Irlanda poderia ser equiparada a uma imensa Suframa, isto é, um território aberto ao investimento estrangeiro, dispondo de um regime fiscal privilegiado, praticamente sem travas nas conexões comerciais externas. Esse modelo dificilmente poderia ser generalizado para o conjunto do Brasil.
Da mesma forma, a China representa um caso único de vantagens comparativas absolutas no terreno da mão-de-obra, o que atrai as companhias estrangeiras que necessitam obter maiores ganhos de competitividade com base nesse fator trabalho. Esse sistema tampouco pode ser reproduzido no Brasil, que dispõe de uma legislação trabalhista “francesa”, com inúmeras garantias aos trabalhadores e que seriam incompatíveis com o modelo chinês de “exploração” da mão-de-obra.
Mas, o que deve ser registrado como ensinamento para o Brasil é a importância de se ter a economia nacional intimamente conectada com os circuitos de bens, serviços, know-how e aportes tecnológicos estrangeiros, o que se obtém via comércio internacional. Abertura ao comércio e aos investimentos estrangeiros são essenciais para assegurar patamares mais elevados de capacitação tecnológica. Similarmente, uma boa base educacional é extremamente relevante na mobilização da mão-de-obra para servir a essas indústrias conectadas com o exterior.
Finalmente, regimes fiscais favoráveis, mas essencialmente carga tributária modesta, ademais de câmbio competitivo e estabilidade das regras macroeconômicas e setoriais ajudam enormemente na tarefa de atrair e reter investimentos estrangeiros. A Irlanda e a China foram muito mais dependentes do capital estrangeiro no passado do que elas o são atualmente, já tendo adquirido capacitação própria em vários setores, o que torna esses dois países em participantes plenos do jogo da interdependência capitalista que caracteriza atualmente a globalização.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5 dezembro 2006

Uma reflexão pessoal sobre as relações entre Estado e governo (em 2006 e agora)

Como no caso das postagens anteriores, se trata de uma recuperação de escritos do final de 2006, mas que contem ainda muita coisa válida, aliás permanente...

Uma reflexão pessoal sobre as relações entre Estado e governo
(que também pode ser lida como uma declaração de princípios)

Paulo Roberto de Almeida
(pralmeida@mac.com; www.pralmeida.org)
Em 2 de dezembro de 2006

As relações entre funcionários de carreira do Estado e os governos em vigor são sempre delicadas, uma vez que governos costumam solicitar adesões imediatas, em geral incondicionais, ao passo que Estados são entidades impessoais, aparentemente desprovidas de vontade própria, ainda que pautando-se por normas constitucionais mais ou menos permanentes. Os governos passam, o Estado fica, mas ele pode ser transformado pelo governo em vigor, se este último imprime uma ação de transformação estrutural das condições existentes ao início de seu mandato.
Funcionários de Estado devem ater-se, antes de mais nada, às normas constitucionais, tendo como diretrizes adicionais as leis gerais e os estatutos particulares que regem sua categoria ou profissão. Geralmente, mas nem sempre, os governos respeitam os estatutos próprios e os princípios que devem enquadrar as diferentes categorias de servidores do Estado, estabelecendo determinações que incidem mais sobre a conjuntura do que sobre a estrutura. Em alguns casos, governos pretendem não apenas transformar estruturalmente o Estado e a sociedade, mas também os regulamentos e as formas de atuação do Estado.
Desde que respaldado nas normas constitucionais em vigor e na vontade legítima da sociedade, tal como expressa pela via democrática das eleições, essa vontade transformista pode concorrer para a melhoria das condições de bem-estar da sociedade, pois se supõe que o governo encarna aquilo que em linguagem rousseauniana se chamaria “vontade geral”. A “vontade geral” é, contudo, algo tão difícil de ser definido quanto o chamado “interesse nacional”, suscetível de receber diferentes interpretações, tantas são as correntes políticas, os grupos sociais, os partidos em disputa pelo poder e outras configurações sociais que gravitam em torno do poder. Sim, antes de qualquer outra coisa, “vontade geral” e “interesse nacional” são basicamente definidos por quem detém o poder, não necessariamente em conclaves abertos ao conjunto da sociedade.
O moderno Estado democrático deveria ostentar um sistema de freios e contrapesos que impeça – ou pelo menos dificulte – sua manipulação por minorias partidárias que pretendem agir com base em “interesses peculiares” ou com base na “vontade particular” do grupo que ocasionalmente ocupa o governo. Tais são os papéis respectivos do parlamento e dos tribunais constitucionais, segundo o velho sistema do “equilíbrio de poderes”, ou segundo o moderno sistema – de inspiração anglo-saxã – dos checks and balances, que transformam toda vontade de alteração institucional um delicado jogo de pressões e contra-pressões. Há que se atentar, também, para a necessária continuidade da ação do Estado, que poderia ficar comprometida caso a ação de um grupo detendo o poder temporariamente – isto é, exercendo o governo de forma legítima – busque alterar radicalmente políticas e orientações estabelecidas através de consensos anteriormente alcançados.
Pode-se dizer que as democracias modernas funcionam quase sempre segundo essa visão gradualista, qual seja, a de uma custosa negociação entre os grupos políticos representados no parlamento, seguida de uma lenta implementação das decisões alcançadas. A construção de consensos é tipica dos regimes parlamentaristas, baseados numa maioria mais ampla do corpo político e social, mas é menos típica nos regimes puramente presidencialistas, onde tendem a se desenvolver comportamentos cesaristas ou bonapartistas (isto é, com um apelo direto às massas). Neste caso, o carisma do líder político pode resultar num canal de comunicação direta deste com os eleitores, por cima e acima dos demais poderes, que encontram dificuldades para participar do processo decisório em bases rotineiras.
Tal tipo de situação também pode colocar desafios não convencionais aos funcionários de Estado, que podem ser chamados a implementar decisões que resultem, não de um processo gradual de consensus building, mas de uma decisão solitária do líder cesarista. Velhas normas e antigas tradições podem ser contestadas ou postas à prova nesse novo roteiro, o que coloca esses funcionários ante o dilema de aderir simplesmente à vontade do governo ou buscar respaldo nas formas mais convencionais de atuação do Estado.
Não há uma resposta simples a esse dilema, pois ele implica em que o funcionário possa aferir se o processo decisório que conduziu a uma determinada tomada de decisão política está seguindo os canais institucionais consagrados ou se os novos procedimentos estão atropelando as normas e procedimentos do Estado. Em geral, a resposta é dada pela linha de menor resistência, que passa pela afirmação dos conhecidos princípios da hierarquia e da disciplina. Do funcionário de Estado se pede obediência aos ditames do governo, não necessariamente uma reflexão pessoal sobre os fundamentos da ação do governo. Esta última atitude é própria dos agentes políticos, não dos funcionários de carreira, aos se requer obediência e aquiescências às ordens e determinações superiores. A rigor, do funcionário não se pede reflexão, mas acatamento de decisão já tomada.
Quando o próprio funcionário é convertido em agente político, pode surgir algum conflito de consciência entre a antiga forma de procedimento coletivo – as burocracias estatais são sempre construções coletivas – e as novas condições de trabalho, que impõem adesão incontida e total ao poder do qual emana o seu novo cargo. Dele se espera, então, equilíbrio e ponderação na forma de conduzir sua ação.
Em que condições, nessas circunstâncias, pode o funcionário de Estado continuar a exibir independência de pensamento – e uma certa faculdade na propositura de novos cursos de ação – quando a autoridade legítima requer adesão pura e simples a decisões emanadas de uma fonte cesarista de poder? Não há respostas teóricas a esta questão, que exige uma reflexão de ordem essencialmente prática, em função das relações sociais, modos de atuação e poder de barganha respectivos dos agentes de Estado e de governo envolvidos num determinado processo decisório.
Minha própria ordem de prioridades tenderia a colocar esse processo decisório numa escala de preferências que vem da Nação, passa pelo Estado e desemboca no governo, mas tendo também a reconhecer que os dois primeiros conceitos – assim como os de “vontade geral” e de “interesse nacional” – são suficientemente vagos e arbitrários para abrigar todo tipo de postura em face de determinações governamentais. Em última instância tende a prevalecer o bom senso e uma certa capacidade de avaliação racional dos custos de oportunidade envolvidos em cada uma das decisões governamentais com que o funcionário de Estado possa ser confrontado.
Quero crer que a construção de um Estado “racional-legal” e a consolidação de uma democracia efetiva no Brasil já avançaram o suficiente como para permitir que funcionários de Estado como o que aqui escreve possa contribuir, de forma mais ou menos institucionalizada, para a tomada de decisões em sua esfera de atuação, independentemente de posturas mais ou menos marcadas pela vontade momentânea de alguma autoridade governamental. Ou estarei enganado?

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2 de dezembro de 2006

Os BRICS, antes de existirem os BRICS (texto de novembro de 2006)

Claro, já se falava dos Brics desde 2001, ou 2002, logo em seguida a que o criador da sigla, um economista do Goldman Sachs, popularizou o acrônimo (que se destinava a oportunidades de ganhos em mercados financeiros, esclareçamos bem este ponto).
Mas eles não existiam como projeto diplomático, uma realidade que só começa a surgir em 2007 e 2008, para se concretizar em 2009.
Em todo caso, cabe apenas verificar o que mudou e o que se mantem nesta análise dos Brics antes dos Brics...

O papel dos BRICs na economia mundial
(corrigindo alguns equívocos de compreensão)
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 26 novembro 2006

Os BRICs
Muito se tem falado sobre os BRICs, um suposto grupo de países emergentes dinâmicos, composto pelo Brasil, Rússia, Índia e China, com perspectivas relevantes na futura economia mundial. Em vista, porém, das baixas taxas de crescimento econômico do Brasil, vários jornalistas têm retirado o Brasil desse grupo, convertendo-o em RICs, apenas.
A verdade, entretanto, é que esse BRIC não existe. Trata-se de uma construção arbitrária, que não se sustenta em nenhum arranjo político-diplomático, em nenhuma configuração efetiva internacional. É um exercício puramente intelectual de um banco de investimentos, o Goldman Sachs, que criou essa figura, sem justificativa em si, a não ser pelo peso específico de cada um desses países.
Com efeito, na maior parte do tempo, os supostos BRICs não interagem entre si, não atuam de forma coordenada para fins desse exercício feito pelo banco, que é a emergência econômica, como massa atômica específica, de cada um desses países na economia mundial. Ou seja, eles terão inevitavelmente um grande peso, inclusive o Brasil, que é pouco dinâmico, mas cada um por sua própria conta.
A rigor, há também a Indonésia, que está um pouco diminuída hoje, mas que vai voltar a crescer e emergir, não apenas na região da Ásia Pacífico. Há ainda a África do Sul, o México, todos grandes países que, somados à China, à Índia e ao Brasil, conformariam um G-11 ou G-13 da economia mundial.
Isso é relevante, em termos de coordenação da agenda econômica mundial, mas não há nenhum exercício político-diplomático de coordenação entre BRICs, ou RICs. Cada um tem uma forma específica de inserção na economia mundial. Cada um tem interesses nacionais, que não são necessariamente divergentes, mas não são coincidentes.
Não existe, sobretudo, para fins de qualquer classificação diplomática com respeito ao possível alinhamento desses BRICs na política mundial, uma natural identificação dos supostos integrantes desse grupo com os demais países em desenvolvimento ou com alguma diplomacia do Sul. Para todos os efeitos de inserção na economia mundial, a Rússia, a Índia e a China fazem parte do hemisfério norte, assim como, do ponto de vista estritamente político, a Rússia integra plenamente as estruturas de dominação e controle típicos dos países do hemisfério norte.
A Rússia é relevante por seu poderio atômico. Não foi incorporada ao G-7 por ser uma economia de mercado, o que obviamente ela não era, mas porque poderia causar problemas. Ela não faz parte do G-7 econômico, mas do G-8 político, que adota resoluções um pouco inócuas. A Rússia não conta economicamente, a não ser por sua energia. Como ela é importante no equilíbrio geopolítico asiático e europeu e no plano energético mundial, ela faz parte desses esquemas de coordenação. Mas o processo de reformas internas deve ser intensificado para que ela possa ser plenamente incorporada à OMC e à OCDE.
Tampouco existe, para fins de comércio internacional, um realinhamento radical dos fluxos, ainda que seja previsível e até natural um crescimento mais intenso dos intercâmbios entre os próprios países do Sul. A “nova geografia comercial”, que se anuncia como relevante para o Sul, na verdade já existe: são os emergentes asiáticos exportando para o Norte desenvolvido – Estados Unidos e Europa – ou para outros países em desenvolvimento de sua própria esfera geográfica, como é o caso da China e sua imensa esfera de intercâmbios na própria Ásia Pacífico.

A China e a Índia
Para todos os efeitos imagináveis, o destino econômico da China está intimamente ligado ao dos Estados Unidos. Os americanos dependem da transferência de recursos asiáticos para continuar sustentando a sua avidez de consumo. A China depende enormemente da capacidade comercial deficitária americana, ou seja, que os Estados Unidos continuem comprando dela. Do catálogo do Wal Mart, 80% ou mais é chinês ou pode ser feito na China.
A China exerce hoje um papel deflacionista extremamente importante na economia mundial. Assim como a Inglaterra no século 19 ofereceu mercadorias baratas a todo o mundo, a China desempenha hoje esse papel. É importante porque permite que mesmo os trabalhadores desempregados pela concorrência chinesa nos mercados de manufaturados da Europa e dos EUA continuem a consumir produtos, a partir de suas bonificações-desemprego, que de outra forma não estaria ao seu alcance, se fossem fabricados aos preços da Europa e dos EUA.
A Índia também está intimamente integrada aos Estados Unidos, pelas redes de engenheiros, pelos seus executivos que trabalham na Califórnia ou na Costa Leste, que vão alimentar a nova economia da inteligência e do conhecimento. A China é basicamente um laboratório, um ateliê ou uma fábrica. A Índia é basicamente um escritório de concepção e desenho. Os indianos desenham aquilo que lhes foi encomendado desde o Vale do Silício, podendo inclusive agregar algo mais.
Mas o que é desenhado na Califórnia também o é por engenheiros indianos. Há uma simbiose completa entre concepção e desenho americano, ou ocidental, e a nova Índia, que está emergindo paulatinamente e vai ser uma potência em software e em conhecimento também.
Trata-se, obviamente, de uma “pequena Índia”, pois se está falando da incorporação de uma parte apenas da imensa população da Índia na economia de mercado. A exclusão social da maior parte dos indianos dessa economia dinâmica pode até representar algum fator de pressão interna contra as reformas e uma maior inserção na globalização, mas esse é um fator interno que tem de ser resolvido na política indiana. O fato é que a Índia vai continuar com milhões de miseráveis durante muito tempo, assim como a China.
O que esse dois países já fizeram, em termos de crescimento econômico, é propriamente extraordinário. A China tirou 200 ou 300 milhões de camponeses de uma miséria abjeta para uma pobreza aceitável, e os transformou em operários. A Índia também tirou algumas centenas de milhares de pessoas da miséria. Mas a miséria indiana ainda é monumental, e vai continuar pelas décadas futuras. Mas isso não importa para a economia mundial, e sim os grandes fluxos transnacionais de comércio, bens, serviços.
Os analistas ocidentais e, sobretudo, os políticos americanos argumentam que, no caso da China, isso foi obtido ao custo de um câmbio artificialmente baixo e de salários baixos, até para o poder de compra chinês. Entretanto, esses são fatores conjunturais. A China tem uma boa manipulação de sua política econômica, inclusive para efeitos cambiais e comerciais. Tem uma boa manipulação da sua agenda financeira – reservas, investimentos externos. Mas tudo isso é superestrutura, é espuma.
O mais importante, todavia, é o papel da China como produtora de bens correntes no mundo globalizado. Para fazer isso, ela simplesmente se inseriu na divisão internacional do trabalho. Quando acabou o socialismo, no fim dos anos 80, o impacto da incorporação dos ex-socialistas na economia mundial não foi muito grande, porque esses países eram pouco competitivos - tinham uma participação ridícula no comércio de bens e de tecnologia internacional - e inexistentes no plano financeiro. O impacto econômico da inserção do ex-bloco socialista no PIB mundial foi de 10% ou 15%, se tanto. Agora, o impacto da incorporação do exército industrial de reserva ex-socialista na divisão mundial do trabalho provavelmente supera um quarto da mão-de-obra total do mundo.
Tudo isso é muito relevante no plano da alocação de investimentos para fins de produção, montagem de produtos, enfim, tudo o que requer mão-de-obra. A China, também, em algum momento, vai ficar um pouco cara, e aí outros países vão ser incorporados. No que se refere ao setor industrial, a China manterá a sua preeminência mundial nas próximas décadas.
De certa forma, ela está repetindo a história japonesa de copiar para depois criar. Mas, não se trata de equiparar a China a um novo Japão. A história é sempre diferente. A China produz mais engenheiros do que qualquer país do mundo. Quem produz patentes, inovação tecnológica, são engenheiros. A China vai construir um poder econômico nos seus próprios termos, que não necessariamente vai se dar no vácuo ou na decadência ocidental, e sim em extrema osmose com o Ocidente.
As teses de hegemonias, declínios e substituição de impérios não são muito válidas hoje, porque não se tem mais uma economia baseada apenas nas matérias-primas ou na força bruta das máquinas. Como a economia é do conhecimento, tudo isso tende a se disseminar. Quem está perdendo, na verdade, são os operários americanos e ocidentais. Mas as empresas ocidentais vão continuar tão fortes quanto antes, inclusive utilizando mão-de-obra chinesa, claro, para o que for necessário.

E o Brasil nesse processo?
O Brasil vai continuar sendo um grande fornecedor de commodities, o que é bom, e um grande fornecedor de energias renováveis, o que é excelente. Mas o Brasil é hoje, reconhecidamente, um país de lento crescimento, a despeito de ser um país moderno.
O fato é que todos os nossos problemas são made in Brazil. Nenhum deles tem algo a ver com a globalização. Nada do que é externo é estratégico para os problemas brasileiros atuais. São deficiências próprias: previdenciárias, educacionais, organizacionais, corrupção, gastos públicos. A globalização até ajudaria na tarefa de reforma. Mas como o Brasil é um pouco avestruz, introvertido, recusa a competição externa e novos acordos comerciais com países desenvolvidos, sua indução à reforma vai ser bem mais lenta. Tanto o Mercosul como os acordos hemisféricos são menos importantes para o Brasil, enquanto acesso a mercados, do que enquanto estabilização econômica e indução à reforma, à competição e à inovação. Como o Brasil continua relativamente introvertido, o processo de reformas vai ser muito lento. Não é que não haja consenso entre as elites quanto a uma agenda de reformas. Não há sequer consciência de que a reforma é necessária, nos planos tributário, fiscal e educacional.
Na globalização, o papel da educação é extremamente relevante. Com a baixa qualidade atual do seu ensino fundamental, o Brasil simplesmente não pode pensar em se inserir na economia mundial de forma competitiva. Achamos que nossos problemas econômicos são graves, por causa da falta de uma agenda de reformas. No plano educacional, é pior do que possamos imaginar, e tendente à deterioração. A situação é muito pior do que as estatísticas revelam. Não é apenas do ponto de vista organizacional e de investimentos, mas no plano mental, de preparação dos professores. Temos enormes problemas pela frente, que não serão resolvidos facilmente.
Não se deve ser muito otimista quanto às possibilidades do Brasil de concorrer numa economia globalizada, na medida em que sua situação educacional é pavorosa. O Brasil não está preparado para capacitar a mão-de-obra, no plano puramente industrial, nem para enfrentar as exigências da modernidade, da inovação tecnológica. No plano científico, existe muita capacidade: os cientistas brasileiros são tão bons ou até melhores que os estrangeiros. Mas a vinculação do sistema científico com o tecnológico é muito precária. Não há um sistema inovador autogerado. É tudo muito induzido pelo Estado.
O Estado brasileiro deixou de ser uma solução e passou a ser um problema enorme. Um estudo com países da OCDE para o período 1960 a 1996 mostra que o ritmo de crescimento está correlacionado à carga fiscal. Países com carga fiscal de até 25% do PIB tiveram crescimento anual de 6,6%; aqueles com carga fiscal superior a 60% do PIB, de apenas 1,6%. Isso ocorre porque simplesmente não existem recursos para o investimento. A despoupança estatal é um fator extremamente negativo. E, no plano tributário, a incidência sobre o lucro e o trabalho é fator de desemprego, informalidade e não-crescimento.
Pode-se mencionar aqui o caso da Irlanda. Trata-se de um país que saiu do perfil europeu típico de alta imposição fiscal e enveredou pelo caminho da eficiência, da baixa tributação sobre os lucros e sobre o trabalho. Em menos de uma geração, em aproximadamente 17 anos, ela saltou de metade da renda per capita européia para acima da média. A China impressiona porque é grande. Mas a Irlanda, em termos de transformação estrutural, é um caso único na história econômica mundial.
O Brasil poderia parar de olhar tanto para a China e para a Índia e verificar o que fizeram, por exemplo, Irlanda e Chile, em termos de reforma econômica e inserção no processo de globalização. Para todos os efeitos, não importa muito o tamanho dos países e sim a qualidade de suas políticas econômicas.

Para maiores esclarecimentos quanto à natureza dessas políticas econômicas, remeto a meu artigo “Uma verdade inconveniente (ou sobre a impossibilidade de o Brasil crescer 5% ao ano)”, disponível no  no blog Diplomatizzando (https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2006/11/637-uma-verdade-inconveniente_11.html).

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 26 novembro 2006

Uma visao do Brasil, da Argentina, dos EUA, no final de 2006

Mais um material que tinha permanecido inédito, por razões óbvias, desde 2006, mas em relação ao qual não existe mais motivo para eximi-lo de uma avaliação a posteriori, para ver se minha visão das relações bilaterais e de alguns problemas da agenda política interna e externa estava correta, ou necessitando de ajustes.
Acho que muito se mantem...modestamente

Política externa e política interna no Brasil
Uma visão para a Argentina

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de novembro de 2006
Respostas a perguntas colocadas por jornalista argentino

1) Com três dos maiores Estados do país (SP, MG, RS) governados pelo opositor PSDB e um cenário de negociação permanente no Congresso – onde a base governista é obrigada a construir alianças –, qual será a margem de atuação política do segundo governo Lula?
Paulo Roberto de Almeida: Independentemente das maiorias políticas que governam os estados federados, os governadores sempre são obrigados a encontrar um modus vivendi com o governo federal, em vista do enorme poder econômico da União na repartição das receitas tributárias, na definição de grandes projetos de obras públics, no encaminhamento, enfim, de uma miríade de questões econômicas que não teriam solução se os respeonsáveis políticos, tanto pelo lado dos estados, como pelo lado da União (ou seja, executivo federal), não se entendem. Nenhum governador, enquanto administrador, pode-se permitir viver em luta política contra o governo federal, isso seria extremamente prejudicial aos interesses do seu estado e dos seus cidadãos e simplesmente contra-producente no plano das suas responsabilidades governativas. Agora, enquanto líderes políticos ou dirigentes partidários, eles poderão vocalizar suas preferências por determinadas políticas – macroeconômicas ou setoriais – que se distinguem daquelas seguindas pelo governo federal, ou até manifestar, concretamente, oposição às medidas gerais adotadas pelo governo central. Mas isso faz parte do jogo político, e não vai ser diferente agora, no segundo mandato de Lula, do que já foi em épocas passadas ou ocasiões anteriores.

2) Qual será o vínculo entre a diplomacia do governo Lula e o projeto “bolivariano” do governo Chávez, que já enfrentou – por exemplo – dificuldades com o Brasil por causa do seu apóio à nacionalização dos hidrocarburos na Bolívia?
Paulo Roberto de Almeida: Não vejo nenhum tipo de vínculo entre a atual diplomacia brasileira, extremamente profissional, e qualquer outro projeto político continental, que se expresse por meio de “rótulos” ou simbologias, a não ser o desejo comum de desenvolver a região em bases próprias, em promover a prosperidade da América do Sul de forma mais homogênea, e contribuir, assim, para a constituição de um espaço econômico integrado, com exploração conjunta dos recursos existentes, com base em interesses comuns, definidos de maneira objetiva. A diplomacia brasileira é conhecida historicamente – e assim reconhecida no plano internacional – por seu pragmatismo e objetividade. Não creio que essas características imanentes da diplomacia brasileira venham a mudar.

3) No contexto do Mercosul, quais são as perspetivas da relação com a Argentina no segundo mandato do Lula, em especial a partir da entrada em vigência do Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC) que tenta resolver as assimetrias entre as duas economias?
Paulo Roberto de Almeida: O Mercosul continua a ser o projeto estratégico que ele sempre foi, desde o início de sua concepção e implementação, inclusive, como se deve recordar, numa base puramente bilateral Brasil-Argentina. O MAC não tem tanto a ver com o Mercosul, pois se trata de um instrumento bilateral ou até unilateral, e sim com algumas dificuldades relativas ao comércio de bens no plano industrial, dificuldades essas derivadas da baixa competividade sistêmica das indústrias argentinas. Elas precisam se reconverter, se modernizar, enfim, se qualificarem competitivamente para que esse tipo de mecanismo, que em si mesmo é redutor do comércio, possa ser abandonado numa etapa de maior equilíbrio dos intercâmbios globais, de redução de assimetrias e de vantagens mútuas plenamente asseguradas pela intensificação da integração. As assimetrias não serão resolvidas pelo MAC, que apenas permite um espaço de acomodação temporária, e sim pelos investimentos produtivos na própria Argentina. O Brasil já passou por fases de readaptação industrial e de adequação aos novos requerimentos da competição global, o que eventualmente se traduziu em perdas de empregos setoriais, mas, ao fim e ao cabo, as indústrias brasileiras se tornaram mais modernas e eficientes.

4) Qual será o perfil da política económica do ministro Guido Mantega, se a comparamos com a atuação do ex ministro Palocci? Haverá mudanças neste setor da administração?
Paulo Roberto de Almeida: Como disse o próprio presidente Lula, não existe política econômica do ministro Guido Mantega, assim como não existia política econômica do ministro Palocci. Há, e deve continuar a haver, uma política econômica do governo, que é a do presidente Lula. Não creio, pessoalmente, que venhamos a incorrer em inflexões significativas em termos de escolhas básicas: responsabilidade fiscal, metas de inflação, flutuação cambial, superávit primário, abertura moderada à globalização, promoção dos esforços de integração na América do Sul, acordos comerciais com outros países em desenvolvimento, tudo isso deve continuar, nos mesmos moldes existentes, com algum reforço nos mecanismos indutores de maior crescimento.
Se houver mudanças, elas podem ser induzidas por dois fatores: alguma deterioração no quadro econômico mundial – que tem sido extremamente benéfico do ponto de vista brasileiro – e uma eventual deterioração no quadro fiscal brasileiro, atualmente pressionado por um grande volume de gastos estatais e poucos limites para a expansão das receitas e despesas, em virtude da inapetência da população, e dos empresários, por mais impostos. As escolhas, e elas podem ser dolorosas, em certos casos, terão de ser feitas pelo presidente.

5) Como definiria o senhor o vínculo do governo Lula com os Estados Unidos e como poderá evoluir nos próximos dois anos de administração republicana em Washington?
Paulo Roberto de Almeida: As relações poderiam ser designadas por uma única expressão: corretas. Existem concordâncias e divergências, nos planos multilateral, regional ou bilateral, entre os EUA e o Brasil, como é normal com qualquer país, parceiros mais ou menos chegados a Washington. Não será diferente com o Brasil. Existem perspectivas de cooperação na área energética, que me parecem extremamente promissoras.
A administração em Washington não será inteiramente republicana, pois ela terá de conviver com a maioria congressual democrática no Congresso, mas não creio que isso represente maiores diferenças do ponto de vista do Brasil. O grande temor brasileiro é por um recrudescimento do já exagerado protecionismo e subvencionismo agrícola dos EUA, mas isso não é característica republicana ou democrática. Creio que os lobbies protecionistas e subvencionistas são atuantes em ambos os partidos. Em outros termos, não deve haver grandes mudanças na agenda bilateral.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de novembro de 2006

Sendo profeta em negociacoes internacionais no final de 2006

Depois das eleições de outubro de 2006, um jornalista me contatou para que eu explicitasse minha visão sobre as negociações internacionais de interesse do Brasil em 2007, nestes termos:

Caro Paulo Roberto,
estou preparando uma reportagem para o jornal XXXXX sobre cenários das negociações internacionais do Brasil em 2007 e gostaria de ouvi-lo. Trata-se de um caderno especial, a ser publicado em meados de novembro, em que vários especialistas serão ouvidos sobre vários aspectos da economia. Escreverei sobre comércio internacional...


Seguem abaixo as perguntas e minhas respostas, apenas para registrar algo que ficou provavelmente inédito, e que caberia agora, apenas verificar quanto eu acertei ou errei. Na verdade, vários dossiês permanecem inconclusos...
Paulo Roberto de Almeida

Negociações Internacionais em 2007
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1 novembro 2006

1) o que se pode esperar das negociações em 2007?
Nada de muito entusiasmante, apenas mais do mesmo, ou seja: pequenas acomodações marginais nos grandes parceiros comerciais que continuarão a arrastar os pés em matéria de novos compromissos de liberalização essencialmente por razões de ordem interna. Os economistas sensatos são a favor do livre-comércio; políticos sensatos dizem que são a favor do livre-comércio mas continuarão praticando o protecionismo.

2) que acordos podem avançar?
Serviços tem grandes chances de acomodar compromissos mais amplos de abertura, como provavelmente tarifas industriais, mas aqui há muito pouco a ser feito pelos países mais avançados, cabendo aos emergentes fazer a sua parte. Não acredito que agricultura conhecerá avanços dramáticos nem os compromissos em investimentos.

3) de que países o Brasil tende a se aproximar? que mercados podem ser conquistados?
O Brasil vai buscar alianças em todas as frentes para avançar setorialmente segundo a natureza dos temas em discussão. Os mercados mais dinâmicos estão aparentemente, fora do alcance da indústria brasileira, que são os eletrônicos de massa, com a possível exceção dos celulares (mas a tecnologia é estrangeira). Continuaremos perdendo mercado para a China em bens manufaturados correntes e, cada vez mais, em têxteis e calçados. Teríamos de fazer um grande esforço em direção de mercados desenvolvidos, onde as possibilidades são ainda significativas. Mercados do sul tendem a ser mais erráticos ou apresentar limitações no que se refere a linhas de crédito.

4) e a Rodada Doha, qual será o seu encaminhamento em 2007? a estagnação/obstáculos da Rodada podem tirar o fôlego das demais negociações?
A Rodada Doha será retomada, pois nenhum país pretende ser responsabilizado pela sua derrocada. Provavelmente se repartirá de um texto inicial –projeto de acordo – a ser oferecido pelo Diretor Geral Pascal Lamy, que no começo será rejeitado por todos, mas que mais adiante, depois de algumas tergiversações, será aceito como base negociadora em sua fase final.

5) alguma perspectiva de avanços das negociações comerciais brasileiras nas Américas?
Dificilmente se irá além de acordos limitados do Mercosul com alguns países, criando pouco comércio e restringindo o acolhimento de fluxos maiores de investimento direto estrangeiro. A Alca ainda não foi enterrada, mas parece mortinha da Silva, pelo menos a julgar pelas declarações de alguns dirigentes.

6) como já se projeta a vitória de Lula, de que forma imagina o seu segundo mandato em termos de política comercial? Haverá pressões para mudanças/correções de rumo, sobretudo por parte do empresariado brasileiro?
O empresariado continuará pressionando para que se alcancem compromissos mais abrangentes, mas ele mesmo está dividido entre um setor que deseja sinceramente a abertura, por se julgar competitivo, e outro que reluta em abaixar alguns poucos pontos nas alíquotas tarifárias. O agronegócio apreciaria, particularmente, que o governo avançasse bem mais, o que de certa forma este vem fazendo, mas apenas no que se refere a nossas posições ofensivas no capítulo agrícola.

SOBRE O FATOR CHINA:
1) quais as projeções para a economia chinesa em 2007?

Um pouco mais do mesmo: alto crescimento, baixa inflação, acúmulo de reservas monetárias. Mas, a China ainda enfrenta imensos problemas sociais: uma população que precisa ser absorvida rapidamente na economia mercantil, poluição urbana e compromentimento de alguns recursos naturais. Sobre tudo isso, se projetam os indicadores de concentração de renda, um dos maiores do mundo. A China continuará financiando a prodigalidade americana por produtos chineses.

2) quais as chances das medidas de controle de crescimento terem efeito e em que isso pode nos ajudar ou prejudicar?
As medidas para “frear” o crescimento chinês apresentam caráter quase simbólico – que aliás redundariam em uma diminuição de meio ponto, se tanto, na taxa de crescimento do PIB e sobrtetudo das exportações. A China só pode ser “controlada” por uma freada brusca na economia americana ou por problemas advindos de seus próprios desequilíbrios – como por exemplo os créditos podres do setor bancário – mas aparentemente essas fragilidades estão sendo corrigidas aos poucos.

Sugestões para uma administração sintonizada com os novos tempos

Este pequeno trabalho tinha sido escrito a propósito da transição presidencial anterior, que na verdade foi uma continuidade, ou seja, permaneceu no poder o mesmo incumbente (aliás, a política não mudou nada, contrariamente aos desejos expressos aqui abaixo.
Como a nova presidente parece que está tendo algumas dificuldades políticas, quem sabe ele não tomaria inspiração em algumas coisas simples que seria preciso fazer?
Paulo Roberto de Almeida

Sugestões para uma administração sintonizada com os novos tempos
Paulo Roberto de Almeida
(Brasília, 30 outubro 2006)

Concluída mais uma etapa do itinerário democrático – a quinta eleição direta para presidente desde a volta da democracia e o sétimo escrutínio, contando os dois turnos –, é hora de pensar em uma governança responsável, comprometida com o bem comum e o desenvolvimento do país. Como se constatou nos debates do segundo turno, propostas partidárias são menos relevantes do que compromissos assumidos pelos candidatos, o que nos leva à conclusão de que políticas governamentais são bem mais o reflexo do jogo entre o líder e as principais forças políticas do Congresso do que necessariamente o reflexo de documentos partidários preparados pelas suas equipes de campanha.
Na eleição de 2002, as propostas da “Carta ao Povo brasileiro” se distanciaram das posturas tradicionais do partido de origem. Em lugar de ruptura, respeito aos contratos; em lugar de magia econômica, responsabilidade fiscal; em lugar de denúncia do FMI, acomodação ao programa de ajuda; enfim, uma reviravolta que a muitos pareceu tática, mas que se revelou estratégica para a vitória e o governo ulterior.
Agora, uma nova vitória recomenda a adoção de propostas que devem contemplar, não posições partidárias, mas sim amplos interesses nacionais. O que se segue é um exercício propositivo e consistente com a vontade de mudanças, não tanto no estilo e no conteúdo da política econômica seguida nos últimos anos, mas sim em relação a velhas idéias e agendas ultrapassadas.

1. A orientação não é socialista, e sim reformista
A economia de mercado é a melhor forma de atender às necessidades básicas da população e o Estado deve concentrar-se no essencial, como segurança, educação, saúde e infra-estrutura, ademais de regras gerais para o bom funcionamento da economia de mercado (competição, estabilidade de políticas, abertura à inovação). As instituições regulatórias devem continuar sendo reforçadas para que a economia de mercado promova os interesses do maior número de cidadãos.

2. A política econômica continua responsável e pró-mercado
Da forma como ele atua, hoje, no Brasil, o Estado transformou-se, de equalizador de chances, no principal obstáculo a um processo sustentado de crescimento, uma vez que ele é um “despoupador” dos recursos privados, inviabilizando investimentos e mantendo uma maioria de cidadãos e empresas na informalidade. Quatro diretrizes são relevantes nesse âmbito: (a) macroeconomia estável: responsabilidade fiscal e combate à inflação, um imposto que atinge os pobres; (b) microeconomia aberta: competitição, abertura ao empreendimento privado e bom ambiente para os negócios; (c) investimento maciço na qualidade dos recursos humanos, começando pelo ciclo básico e pelo ensino profissional: o critério relevante é a produtividade do trabalho, o que depende da educação; (d) abertura ao comércio e aos investimentos internacionais: a interdependência econômica é a que melhor se ajusta aos nossos padrões de economia integrada nos fluxos mais dinâmicos da globalização contemporânea.

3. Reforma no modo de ação do Estado
O fazer política, no Brasil, tornou-se um modo de vida, quando não uma atividade rendosa. Os meios parecem ter se substituído aos fins e quase toda a máquina pública, em especial o legislativo e o judiciário, converteram-se em redomas privilegiadas de altos salários e de baixa produtividade. A reforma política contemplará a redução dos gastos e a mudança na representação política para um sistema distrital misto.

4. A opção não é por um Estado mínimo e sim por um Estado que funcione
Uma reforma administrativa deve propor a extinção de ministérios e a atribuição de diversas funções a agências reguladoras. As PPPs constituem um paliativo e por isso se deve retomar a privatização de alguns órgãos públicos que são fontes de ineficiência e de corrupção, em vários setores. A estabilidade no serviço público poderia ser revista.

5. Contra a derrama fiscal: redução de impostos
Uma reforma econômica ampla trará diminuição da carga tributária e redução das despesas correntes do Estado. O Brasil já ultrapassou limites razoáveis de carga fiscal e isto se traduz no “desinvestimento” estatal e na baixa poupança e investimento. Uma série de reformas microeconômicas criará um ambiente favorável ao investimento produtivo, ao lucro e para diminuir a sonegação e a evasão tributárias.

6. Uma nova classe trabalhadora, livre da mão pesada do Estado
Para proteger os interesses daqueles que ainda não estão incorporados ao mercado formal de trabalho, se propõe uma reforma trabalhista, com flexibilização da legislação laboral, dando maior espaço às negociações diretas entre as partes, a eliminação do imposto sindical e a extinção da Justiça do Trabalho, que é uma fonte de criação de conflitos, substituindo seus pesados procedimentos pela via arbitral.

7. O Brasil é globalizado e favorável à globalização
O Brasil se posiciona resolutamente em favor da globalização, que tem retirado milhões de chineses e indianos de uma miséria ancestral.

8. No plano externo, a defesa exclusiva dos interesses nacionais
No contexto internacional, posições de princípio e “aliados estratégicos” devem ser avaliados em função dos interesses nacionais, não como resultado de afinidades ideológicas. Determinados objetivos, como a integração regional, não devem ser vistos como um fim em si mesmo, mas como um meio para se atingir objetivos nacionalmente desejáveis, que são o progresso e a prosperidade da nação. A liderança, por sua vez, decorre do acúmulo de substrato material – financeiro e tecnológico, sobretudo – para o cumprimento de missões externas que sejam solicitadas pelos vizinhos ou pela comunidade internacional, e não deriva da vontade unilateral de proclamá-la.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 30 outubro 2006

Acredito em algumas coisas muito simples...

Este ainda é de tempos atrás, mais precisamente quando esta República que nós temos (a única, mas não imutável) atravessava mais uma dessas crises recorrentes, acarretada, então como agora, por corrupção da grossa, malversação de dinheiro público, tráfico de influência, enfim, todo tipo de crime de colarinho branco que vocês podem imaginar, e que geralmente passam impunes (então como agora, não tenham dúvida disso).
Como eu não posso fazer literalmente nada, a não ser votar e protestar -- não sou procurador, não sou policial, não sou sequer funcionário direto desses antros de corrupção e mau-caratismo, só posso fazer o que faço: escrever.
Fica aqui o meu protesto, então como agora...

Acredito...
Paulo Roberto de Almeida
(Brasília, 25 de setembro de 2006)

Em algumas verdades simples, muito simples:

Que a palavra do homem é uma só,
que todos têm o dever social e individual da verdade, que ela é única e imutável.
que devemos, sim, assumir, nossas responsabilidades pelos cargos que ocupamos,
que não podemos descarregar sobre outros o peso dessas responsabilidades,
que devemos sempre procurar saber o que acontece, em nossa casa ou trabalho,
que não devemos jactar-nos indevidamente por grandes ou pequenas realizações,
que sempre nos beneficiamos do legado dos antepassados, sobretudo em conhecimento,
que nenhuma obra social possui paternidade única e exclusiva, sendo mais bem coletiva,
que a tentativa de excluir antecessores ou auxiliares é antipática e contraproducente,
que devemos zelar pelo dinheiro público,
que temos o dever de pensar nas próximas gerações, não na situação imediata,
que vaidade é uma coisa muito feia, além de ridícula,
que sensação de poder pode perturbar a capacidade de raciocínio,
que poder concentrado desequilibra o processo decisório,
que ouvir apenas elogios embota o senso da realidade,
que o convívio exclusivo com áulicos perturba a faculdade de julgamento,
que, enfim, não comandamos ao julgamento da história.

Eu também aprendi, que os resultados são sempre mais importantes do que as intenções, mas que os fins não justificam os meios...

Acredito, para terminar, que coisas simples assim podem ser partilhadas com outros...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25 de setembro de 2006