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segunda-feira, 8 de julho de 2013

Mario Vargas Llosa, sobre Argentina, Venezuela, socialismo, liberalismo, etc - Revista Epoca

Uma entrevista "velha" de alguns meses, mas que tinha passado despercebida, infelizmente. O que diz o escritor peruano, entretanto, permanece inteiramente atual, o que justifica sua transcrição aqui, mesmo depois de quase três meses.
Paulo Roberto de Almeida

ENTREVISTA - Revista Época, 19/04/2013

Mario Vargas Llosa: "Dilma não deveria apoiar uma fraude eleitoral"

O escritor peruano diz que a eleição de Nicolás Maduro foi roubada, defende o casamento gay e acha que a Argentina merecia alguém melhor que Cristina Kirchner

JOÃO GABRIEL DE LIMA E LUÍS ANTÔNIO GIRON
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PROXIMIDADE Mario Vargas Llosa em São Paulo. “Governos democráticos não devem se tornar cúmplices de governos autoritários” (Foto: Ag. Na Lata/Ed. Globo)
O escritor peruano Mario Vargas Llosa, de 77 anos, ganhador do prêmio Nobel de Literatura de 2010, voltou ao Brasil, depois de três anos, para dar uma palestra no ciclo Fronteiras do Pensamento, em São Paulo. Defensor dos princípios liberais e democráticos, Llosa é hoje um dos raros intelectuais públicos militantes. “Estou esperançoso com o destino da América Latina”, diz. “Pela primeira vez, o continente conta com uma esquerda não autoritária e uma direita genuinamente interessada em democracia.” Uma exceção, segundo ele, é o chavismo na Venezuela – tão absurdo que, em sua opinião, daria um romance. 

Como o livro se chamaria? O autor de A festa do bode, ficção sobre o ditador dominicano Rafael Trujillo, responde, bem-humorado: A festa do passarinho. O presidente venezuelano,Nicolás Maduro, durante a campanha eleitoral, disse em discursos que ouvia a voz de Hugo Chávez no canto dos pássaros. Abrindo várias vezes o sorriso largo que se tornou sua marca, Llosa deu a seguinte entrevista a ÉPOCA. 
ÉPOCA – Como o senhor analisa a eleição na Venezuela, vencida por Nicolás Maduro por uma diferença de pouco mais de 1 ponto percentual?
Mario Vargas Llosa –
 Henrique Capriles ganhou as eleições. O uso da máquina do Estado e de seus meios de comunicação foi tão desproporcional que Nicolás Maduro deveria ter vencido o pleito de forma avassaladora. Não foi assim. Houve praticamente um empate. Isso significa claramente que há uma grande reação do povo venezuelano contra o chavismo, contra o que representa Maduro. Por isso, a possibilidade de fraude é grande. Também por isso, me parece justo fazer a recontagem rigorosa dos votos. Os presidentes da América Latina não deveriam legitimar uma possível fraude eleitoral, indo assistir à entronização de Maduro. Seria um ato de cumplicidade contra o povo venezuelano, que claramente pede a democratização, a abertura, a mudança de política. É um momento importante, talvez fundamental, na história da América Latina.

ÉPOCA – A presidente Dilma Rousseff enviou cumprimentos a Maduro pela vitória, logo que saíram os primeiros resultados das eleições. Isso é uma forma de apoio?
Llosa – 
É um ato de cumplicidade com o que está ocorrendo na Venezuela. É lamentável isso partir de um governo democrático. Dilma não deveria apoiar uma fraude eleitoral. Ela não é o único caso. Todos os que fazem isso me parecem igualmente lamentáveis. Deveria haver maior coerência entre a política internacional e a política nacional por parte dos governos democráticos. Os governos que praticam a política chavista, que querem o socialismo autoritário, entendo que se solidarizem com Maduro. Mas governos que praticam internamente a democracia agem de forma absurda quando se tornam cúmplices de governos autoritários, mesmo que seja para aplacar internamente  seus radicais. Felizmente, alguns mostram independência. É positiva a atitude da OEA (Organização dos Estados Americanos), ao pedir a recontagem de votos. E devo felicitar governos como o da Espanha, que não enviarão ninguém para representar o país na posse de Maduro, enquanto não se esclarecer o que aconteceu de fato nessas eleições. 
"Os países chavistas representam o atraso na América Latina. Os países que progridem são os comprometidos com a democracia"
ÉPOCA – O socialismo fascinou muitos escritores na América Latina. O caso mais conhecido é o colombiano Gabriel García Márquez, que apoiou o regime cubano. No caso da Venezuela de Chávez, não apareceram muitos escritores para apoiar o regime. O que mudou?
Llosa –
 Mudou algo muito importante. É a primeira vez que um governo populista e autoritário conta com a oposição de praticamente toda a classe intelectual. As universidades, que costumavam ser radicais na Venezuela, são praticamente todas antichavistas, estão na vanguarda na luta pela democratização. Não conheço um escritor venezuelano importante que não esteja combatendo em favor da democratização. A única exceção é o romancista Luís Britto Garcia. É um sintoma alentador, porque, no passado, a intelectualidade latino-americana cometeu a insensatez de apoiar regimes como Cuba, a ditatura mais longa que o continente já teve em toda a sua história.
O presidente venezuelano Hugo  Chávez (1954-2013). Para Llosa,  ele é uma exceção no continente (Foto: Lynsey Addario/VII Network/Corbis)
ÉPOCA – O senhor foi um desses intelectuais, não? Quais as razões para esse fascínio por Cuba e Fidel Castro?
Llosa – 
Sim, também faço minha autocrítica. Reconheço que, quando jovem, senti um entusiasmo acrítico com o que acontecia. No fim dos anos 1950, quando a América Latina era um continente de regimes militares e os Estados Unidosapareciam como aliados dos ditadores, Cuba parecia representar a alternativa, o progresso, a democracia, a liberdade. Por outro lado, parecia uma revolução que não tinha sido feita pelo stalinismo e o Partido Comunista, e sim por jovens idealistas, socialistas libertários. Estávamos enganados sobre a Revolução Cubana no início. Havia um contexto que explicava esse entusiasmo. É difícil manter a ilusão 54 anos depois. Cuba é uma ditadura que destruiu o espírito crítico, empobreceu selvagemente o país. O país depende hoje da caridade venezuelana. Ao lado da Coreia do Norte, Cuba representa o maior anacronismo de nosso tempo. Esses regimes não são modelos para ninguém. Vivem o final de seus ciclos, como aconteceu com todos os regimes socialistas autoritários do mundo.
ÉPOCA – Há, hoje, vários intelectuais latino-americanos comprometidos com a causa democrática, inclusive em Cuba.
Llosa – 
Sim, claro. Recentemente conheci duas mulheres extraordinárias. Uma delas é a cubana Yoani Sánchez, uma mulher inteligente, que converteu seu blog num instrumento de protesto e crítica, sob condições dificílimas. A outra é María Corina Machado, uma deputada de oposição venezuelana, mulher de personalidade extraordinária e grande convicção democrática. Ela fez uma palestra na Argentina sobre o que ocorre na Venezuela. Conclama os democratas de todo o continente a se solidarizarem com o povo venezuelano nesta luta tão heroica – que, ademais, é uma luta por todos nós. Se o chavismo continuar a fazer estragos na Venezuela, todos estamos ameaçados na América Latina.
ÉPOCA – O senhor escreveu no romance Conversa na catedral que as toxinas do autoritarismo demoram a sair do corpo de uma nação. Essas toxinas estão finalmente começando a sair do continente, a América Latina?
Llosa – 
Acredito que sim. Se você compara a situação hoje com a de 15, 20 anos atrás, há um progresso considerável. Temos muito mais governos democráticos que autoritários. Acontece agora um fenômeno: a existência de uma esquerda democrática, pela primeira vez, na América Latina. Antigamente, a esquerda era autoritária, acreditava em governos firmes, em políticas intervencionistas, no Estado empresário e lidava mal com a diversidade. Isso está desaparecendo pouco a pouco. A esquerda está se tornando civilizada. Da mesma forma, a direita também ficou democrática, bem diferente da direita golpista, militarista do passado. A nova esquerda e a nova direita estão dando à América Latina um dinamismo, um progresso que justifica o otimismo. Os países que seguem o chavismo são poucos e representam um atraso em relação ao restante dos países latino-americanos. São os países democráticos que progridem, não só em termos econômicos, como também políticos.
ÉPOCA – No Brasil, os quatro pré-candidatos à Presidência são de partidos que se definem como “esquerda”. Por que a direita desapareceu por aqui?
Llosa –
 É um fenômeno bem latino-americano: ninguém quer ser de direita. No máximo, aceita-se ser de centro-esquerda. Mas não importa tanto as etiquetas que os partidos põem, e sim o que fazem. E o que fazem hoje está mais para centro-direita do que para esquerda.
"Vivi na Inglaterra nos anos de Thatcher. Com ela, o país voltou a ter um protagonismo e uma presença internacional extraordinários"
ÉPOCA – Qual sua impressão sobre o legado da primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, cuja morte recente tem rendido homenagens, mas também protestos?
Llosa – 
Vivi na Inglaterra nos anos de Thatcher. Conheço as obras mais positivas dela. Quando ela subiu ao poder, no fim dos anos 1970, a Inglaterra era um país apagado, mergulhado na mediocridade do socialismo. As empresas eram estatizadas. O Estado crescia de uma maneira cancerosa, perdera o nervo criativo e o dinamismo. O país empobrecia e se mediocrizava. A palavra “decadência” exprimia fielmente a realidade inglesa. A transformação promovida por Thatcher foi extraordinária, com as privatizações realizadas com um critério eminentemente social. As empresas foram obrigadas a competir. Acabaram-se os subsídios, o clientelismo, os privilégios. A economia de mercado obviamente trouxe alguns sacrifícios, mas, ao mesmo tempo, gerou um progresso formidável da economia inglesa. Pela primeira vez em muitos anos, a renda per capita da Inglaterra superou a França. A Inglaterra voltou a ter um protagonismo e uma presença internacional extraordinários.
A primeira-ministra inglesa Margaret Thatcher (1925-2013). Llosa faz  um balanço positivo de seu governo (Foto: Terry O’Neill/Hulton Archive/Getty Images)
ÉPOCA – Não há nada a criticar em Thatcher? E o apoio ao ditador chileno Augusto Pinochet?
Llosa –
 O apoio a Pinochet foi lamentável. Ela fez isso para agradecer os serviços que a ditadura chilena prestou à Inglaterra durante a Guerra das Malvinas. Também foram lamentáveis os últimos anos do governo de Thatcher, com os ataques à Europa, numa atitude nacionalista exacerbada. Mas, quando fazemos um balanço dos anos Thatcher, o lado positivo é muito maior.
ÉPOCA – O senhor conheceu Thatcher pessoalmente?
Llosa – 
Encontrei com ela quatro vezes. A primeira foi num jantar promovido por Hugh Thomas, então ministro dela. Durante a conversa, a submetemos a um verdadeiro exame, educado mas severo. No final, quando ela foi embora, um dos presentes, o professor Isaiah Berlin, disse uma frase que resumiu a impressão geral: “Nothing to be ashamed of”. Nada do que possamos nos envergonhar. A segunda vez encontrei-a em seu gabinete em Downing Street. Eu era candidato à Presidência do Peru e lhe perguntei: “Primeira-ministra, se ganhar a eleição, qual seria a decisão mais importante que eu deveria tomar?”. Nunca esqueci a resposta: “Cerque-se de um grupo leal e corajoso. Porque, se você fizer as reformas liberais, a reação será tão feroz que as piores traições virão de seus amigos, não de seus adversários”. E Thatcher sairia do poder não porque a oposição ganhou, e sim por uma traição interna do Partido Conservador, encabeçada por Geoffrey Howe (chefe de gabinete de Thatcher).
ÉPOCA – E os outros dois encontros?
Llosa –
 A terceira vez que a vi foi no México. Ela desmaiara durante uma conferência, estava abatida. Lembro-me do marido dela, Dennis Thatcher, que contraíra uma espécie de horror da América Latina depois daquela excursão. Chamava a todos nós de “mexicanos”. Da última vez que a vi, ela estava já fora do poder. Fui a sua casa acompanhado de cubanos exilados, que queriam convidá-la para fazer uma conferência em Miami. Ela se mostrou simpática e divertida, tomou três uísques. Falou muito, contou piadas. No final, acompanhou a gente até a porta e, como uma menina revolucionária, levantou o braço e disse: “Temos de derrotar Castro!”.
"Os gays sofreram terrivelmente ao longo da história, sobretudo em países machistas como os latinos. A união homossexual é bem-vinda" 
ÉPOCA – O que o senhor pensa do governo argentino?
Llosa –
 A Argentina não merece o governo da senhoraKirchner. É um país que já foi Primeiro Mundo, quando três quartos da Europa pertenciam ao Terceiro Mundo. Foi um país industrial, que teve um sistema educacional fora de série. Foi o primeiro país que acabou com o analfabetismo no mundo – ninguém mais se lembra disso. Como a Argentina pode ter retrocedido dessa maneira? Foi por razões puramente políticas, e isso tem um nome: peronismo. Minha esperança é que venha uma reação das bases. Não há sentido algum a Argentina fazer parte do pelotão dos regimes atrasados, encabeçado por Raúl Castro e Nicolás Maduro. É um anacronismo flagrante, que não faz jus ao país.
A presidente da Argentina, Cristina Kirchner. Ela representa a permanência do peronismo (Foto: AFP)
ÉPOCA – A união civil entre homossexuais tem sido um tema bastante discutido na América Latina. Ela foi aprovada no Uruguai, na Argentina... Llosa – ...e espero que seja aprovada em todos os países da América Latina. É um ato de justiça contra uma minoria perseguida, que sofreu terrivelmente ao longo da história, sobretudo em países machistas como os nossos. Já era hora de haver uma reação positiva para combater esse preconceito absurdo de que são vítimas os homossexuais. Os direitos humanos precisam ser compreendidos na América Latina em toda a sua extensão. O casamento gay é a reparação de uma injustiça. E é bom que figure na agenda política.  
ÉPOCA – O senhor acredita que o papa Francisco, argentino, colaborará com o progresso dos direitos humanos e com as liberdades individuais?
Llosa –
 As primeiras iniciativas do papa têm sido boas. Ele está se aproximando das pessoas e dando mostras de simplicidade e modéstia. Dá a impressão de ser um homem bem-intencionado, consciente de que a Igreja Católica precisa realizar uma política de abertura e modernização. A Igreja tem se tornado anacrônica e assim continuará, se ele não abordar com coragem as reformas necessárias.

ÉPOCA – O que teria de mudar na Igreja Católica?
Llosa –
 Duas reformas seriam importantes. A Igreja teria de abolir o celibato clerical, em parte responsável pelos escândalos de pedofilia que tanto dano trouxeram. E teria de dar acesso à mulher a cargos e responsabilidades eclesiásticos. A Igreja mantém uma discriminação antimoderna.
ÉPOCA – Até que ponto ganhar o Prêmio Nobel foi importante para sua vida? Alguns escritores sentiram-se paralisados criativamente com o Nobel, como o irlandês Samuel Beckett. Isso acontece ao senhor, que criticara o prêmio no passado?
Llosa –
 Ganhar o Nobel foi uma grande surpresa. Estava absolutamente seguro de que nunca me dariam o Nobel. Eu tinha feito todo o necessário para não ganhá-lo, com tudo o que defendo e critico. Olha, o Nobel é uma semana de sonho. A gente vai a Estocolmo para receber o prêmio – e vive uma espécie de realidade divertida, belíssima, simpática. Em seguida, essa semana de sonho dá lugar a um ano de pesadelo. Porque a responsabilidade, as obrigações, as indicações, o assédio dos jornalistas, tudo isso é algo enlouquecedor. É preciso lutar para conseguir algum tempo para poder escrever. É terrível. Estou contente, claro, mas ganhar o Nobel envolve realmente uma pressão terrível. Ganhei, estou feliz, como feliz de ter ganhado outros prêmios ao longo de minha vida, mas já estou velho para ficar vaidoso com um prêmio a menos ou a mais. Continuo a fazer meu trabalho, embora com mais dificuldade, porque a pressão é maior. É importante manter as ilusões e os projetos até o último momento. Lutar contra o tempo. Isso mantém o homem vivo, e isso tenho de sobra.

ÉPOCA – No livro A anatomia de um instante, o escritor espanhol Javier Cercas esmiúça um único acontecimento histórico num livro, o golpe militar contra o presidente Adolfo Suárez em 1981. Existe um tema da história atual que, a seu ver, daria um livro?
Llosa –
 Eu escolheria esta transição à democracia que acontece na Venezuela. A rejeição do populismo autoritário terá um enorme significado, não apenas para a Venezuela e os países semivassalos da Venezuela – casos de Nicarágua, Bolívia e Equador –, mas também para toda a América Latina. Isso dará um grande impulso à democracia. É um momento nevrálgico, que merece uma reportagem a respeito, como a de Cercas sobre o golpe na Espanha.

ÉPOCA – Não poderia ser um romance, como A festa do bode, que o senhor escreveu sobre a República Dominicana?
Llosa –
 Poderia, só que o título seria A festa do passarinho

Celso Amorim: a petite histoire diplomatica contado do seu proprio ponto de vista

Ex-chefe do Itamaraty revela detalhes de seus contatos com representantes estrangeiros em tensas negociações
FILLIPE MAURO
Revista Época, 1/07/2013

Celso Amorim: 
Breves narrativas diplomáticas 
(Benvirá, 168 páginas, R$ 27)

No final de 2003, as difíceis negociações da Alca (Acordo de livre comércio das Américas) passavam por um raro momento de tranquilidade. A ideia de por fim às barreiras alfandegárias do continente ganhava um rumo mais equilibrado. Restava apenas negociar o funcionamento de um sistema de solução de conflitos sobre patentes. Em novembro, a delicada questão levou diplomatas da região à charmosa cidade de Lansdowne, nos Estados Unidos. Brasileiros e americanos ficaram responsáveis por redigir um texto que conciliasse os sócios do projeto. O então ministro das Relações Exteriores brasileiro, Celso Amorim, não aprovou a versão final. Mesmo assim, o representante americano, Robert Zoellick, fez aquela versão circular entre os demais ministros. Amorim aborreceu-se e pediu uma revisão imediata, rejeitada por Zoellick. Irritado, Amorim levantou-se bruscamente, bateu com as mãos na mesa e decretou o fim das negociações.  
Episódios como esse são narrados por Celso Amorim em seu novo livro, Breves narrativas diplomáticas (Benvirá, 168 páginas, R$ 27). Amorim, hoje ministro da Defesa, recuperou de suas cadernetas os momentos de tensão que presenciou ao longo do primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O livro revela a astúcia de autoridades estrangeiras e recorda conflitos existentes entre os próprios membros do governo Lula. “Ninguém é santo em uma negociação”, disse Amorim a ÉPOCA. A seu ver, as discussões em torno da Alca não prosperaram porque estavam “tortas”. “Tudo muito pesado para o Brasil e muito leve para os Estados Unidos.”
Ao longo da narrativa, Robert Zoellick é colocado como alguém engenhoso e astuto. Durante a Rodada Doha, da OMC, essas características teriam se acentuado ainda mais. Amorim afirma que o representante do comércio americano chegou a praticar “malandragens” no encontro. Zoellick tentava criar isenções para a agricultura americana, que já era, em parte, subsidiada pelo governo. Na visão de Amorim, houve momentos em que Zoellick chegou a ser “agressivo” e “rude”. Ele e Pascal Lamy, então chefe da OMC, criaram um padrão de comportamento “contundente” que ficou conhecido comoThe Bob and Pascal Show (O show de Bob e Pascal). Em meio às negociações, a chanceler japonesa levantou questionamentos a essa forma impaciente de conduzir a Rodada Doha. Zoellick respondeu que compreendia a oposição de países como Brasil, índia e Austrália, e acrescentou: “Mas o Japão... o Japão é um mero estorvo”. 
Zoellick não era a única pedra no sapato de Amorim. O chanceler afirma que sofreu oposição de ministros do governo Lula e até mesmo de seus colegas mais leais dentro do Itamaraty. Assim que assumiu o cargo, Amorim teve de se reunir com os então ministros Antonio Palocci, da Fazenda, Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento, e Roberto Rodrigues, da Agricultura. Os três se opunham à ideia de menos engajamento com o projeto da Alca. Sob a liderança de Palocci, os ministérios econômicos insistiam que o governo apresentasse o quanto antes uma oferta de participação no novo bloco alfandegário. Ao lado de Amorim estava apenas seu secretário-geral, Samuel Pinheiro Guimarães. Clodoaldo Hugueney, hoje embaixador do Brasil na China e, à época, subsecretário para temas econômicos, acompanhou a posição de Palocci. Amorim diz que Hugueney, seu “compadre”, agravou seu isolamento ainda que fosse seu assessor.
Foi essa mesma falta de inocência nas negociações diplomáticas que dificultou a formação dos Amigos da Venezuela. O grupo de países foi idealizado por Lula no final de 2002, quando uma greve geral eclodiu na Venezuela e levou às ruas até mesmo militares que pediam a renúncia do presidente Hugo Chávez. As discussões foram tão difíceis que, ao serem concluídas, Amorim as chamou de “uma vitória diplomática”. A ideia era reunir líderes latino-americanos que apoiassem o diálogo e a conciliação para evitar a escalada da violência na Venezuela. Mas Chávez esperava algo diferente. Queria que, acima de tudo, seu governo fosse apoiado. “Chávez via os ‘Amigos da Venezuela’ como seus amigos e nós não achávamos que isso traria progresso”, afirma Amorim. 

Com a morte de Chávez, no início de 2013, e a suspeita eleição de seu vice, Nicolás Maduro, surgiu o temor entre países sul-americanos de que a Venezuela sofreria com uma nova crise institucional. Como a vantagem de Maduro sobre seu principal adversário, Henrique Capriles, foi de apenas 1,5 ponto percentual, as tensões entre oposicionistas e chavistas voltaram a se agravar. Amorim não acredita que as cenas de violência de 2003 voltarão a ocorrer. “Maduro não é uma pessoa difícil de se negociar e já houve uma tentativa de golpe na Venezuela, que fracassou.” Em 1994, quando Amorim ainda era chanceler do governo de Itamar Franco, presenciou uma cena que prenunciou o que foi a frustrada tentativa de tirar Chávez do poder. Ele e seu “compadre”, o embaixador Clodoaldo Hugueney, almoçaram com um grupo de empresários em Caracas e foram servidos com coquetéis e caipirinhas. O álcool subiu as veias, e os protocolos típicos dos encontros diplomáticos se amoleceram. Os empresários começaram a propor conspirações contra o então presidente, Rafael Caldera, político de centro que antecedeu Chávez. “Graças a Deus não me lembro do nome dessas pessoas”, diz Amorim.

Antes mesmo de assumir o Ministério das Relações Exteriores, Celso Amorim já era próximo do então secretário-geral da ONU, Kofi Annan. Os dois se aproximaram na década de 1990, quando o Brasil presidiu o Conselho de Segurança das Nações Unidas e coordenou os painéis sobre o arsenal militar do regime de Saddam Hussein, no Iraque. Foi um período de intensa convivência, que Amorim classifica em seu livro como um caso de “quase cumplicidade”. Anos depois dos painéis do Iraque, que ganharam o nome de The Amorim Panels (Os painéis de Amorim), os dois voltaram a conversar. Trocaram opiniões sobre temas diversos, entre eles a guerra civil síria. Um desses encontros ocorreu em Genebra, após uma visita ao Líbano. Os dois concordaram na ocasião que uma solução para a questão síria só será possível se incluir o maior número possível de países da região. “Se países como Arábia Saudita, Irã e Turquia não fizerem parte da solução, um dia farão parte do conflito. Enquanto foi facilitador da ONU, talvez Kofi Annan não tenha conseguido ser mais explícito. Mas era nisso que eu e ele pensávamos.
>> Mario Vargas Llosa: "Dilma não deveria apoiar uma fraude eleitoral" 

Hannah Arendt: Eichmann in Jerusalem, a debate over a report and a movie


Misreading ‘Eichmann in Jerusalem’



The movie “Hannah Arendt,” which opened in New York in May, has unleashed emotional commentary that mirrors the fierce debate Arendt herself ignited over half a century ago, when she covered the trial of the notorious war criminal Adolf Eichmann. One of the pre-eminent political thinkers of the 20th century, Arendt, who died in 1975 at the age of 69, was a Jew arrested by the German police in 1933, forced into exile and later imprisoned in an internment camp. She escaped and fled to the United States in 1941, where she wrote the seminal books “The Origins of Totalitarianism” and “The Human Condition.”
It is easy to cite the ‘banality of evil.’ It is much more difficult to make sense of what Arendt actually meant.
When Arendt heard that Eichmann was to be put on trial, she knew she had to attend. It would be, she wrote, her last opportunity to see a major Nazi “in the flesh.” Writing in The New Yorker, she expressed shock that Eichmann was not a monster, but “terribly and terrifyingly normal.” Her reports for the magazine were compiled into a book, “Eichmann in Jerusalem: A Report on the Banality of Evil,” published in 1963.

The poet Robert Lowell proclaimed Arendt’s portrayal of Eichmann a “masterpiece,” a “terrifying expressionist invention applied with a force no imitator could rival.” Others excoriated Arendt as a self-hating Jew. Lionel Abel charged that Eichmann “comes off so much better in her book than do his victims.” Nearly every major literary and philosophical figure in New York chose sides in what the writer Irving Howe called a “civil war” among New York intellectuals — a war, he later predicted, that might “die down, simmer,” but will perennially “erupt again.” So it has.
This time, a new critical consensus is emerging, one that at first glimpse might seem to resolve the debates of a half century ago. This new consensus holds that Arendt was right in her general claim that many evildoers are normal people but was wrong about Eichmann in particular. As Christopher R. Browning summed it up recently in The New York Review of Books, “Arendt grasped an important concept but not the right example.”
Hannah Arendt in her Manhattan apartment, 1972.
Tyrone Dukes/The New York TimesHannah Arendt in her Manhattan apartment, 1972.
The many responses to the film — a feature by the German directorMargarethe von Trotta — have restated this conventional wisdom in some form.
In the German weekly Der Spiegel, Elke Schmitter argued that new evidence shows Eichmann’s “performance in Jerusalem was a successful deception” — that Arendt apparently missed the true Eichmann, a fanatical anti-Semite. In a review in The New Republic, Saul Austerlitzwrote that Arendt’s “book makes for good philosophy, but shoddy history.” David Owen, a professor of social and political philosophy at the University of Southampton, recently faulted the movie for not grasping that “while Arendt’s thesis concerning the banality of evil is a fundamental insight for moral philosophy, she is almost certainly wrong about Eichmann.” In an essay in the Times in May, Fred Kaplan wrote that “Arendt misread Eichmann, but she did hit on something broader about how ordinary people become brutal killers.”
Behind this consensus is new scholarship on Eichmann’s writings and reflections from the 1950s, when he was living among a fraternity of former Nazis in Argentina, before Israeli agents captured him and spirited him out of the country and to Israel. Eichmann’s writings include an unpublished memoir, “The Others Spoke, Now Will I Speak,” and an interview conducted over many months with a Nazi journalist and war criminal, Willem Sassen, which were not released until long after the trial. Eichmann’s justification of his actions to Sassen is considered more genuine than his testimony before judges in Jerusalem. In recent decades, scholars have argued that the Sassen interviews show that Arendt was simply wrong in her judgment of Eichmann because she did not have all the facts.
These facts, however, are not new. An excerpt from the Sassen interviews was published in Life magazine in 1960. Arendt read them and even wrote that “whether writing his memoirs in Argentina or in Jerusalem,” Eichmann always sounded and spoke the same. “The longer one listened to him, the more obvious it became that his inability to speak was closely connected with an inability to think, namely, to think from the standpoint of someone else.” His evil acts were motivated by thoughtlessness that was neither stupidity nor bureaucratic obedience, but a staggering inability to see the world beyond Nazi clichés.
In his 2006 book “Becoming Eichmann,” the historian David Cesaranifinds common ground with Arendt, writing, “as much as we may want Eichmann to be a psychotic individual and thus unlike us, he was not.” But Cesarani also uses the latest documents to argue what so many of Arendt’s detractors have expressed: “It is a myth that Eichmann unthinkingly followed orders, as Hannah Arendt argued.” Similarly, in her 2011 book “The Eichmann Trial,” the historian Deborah E. Lipstadt claims that Eichmann’s newly discovered memoir “reveals the degree to which Arendt was wrong about Eichmann. It is permeated with expressions of support for and full comprehension of Nazi ideology. He was no clerk.”
The problem with this conclusion is that Arendt never wrote that Eichmann simply followed orders. She never portrayed him, in Cesarani’s words, as a “dull-witted clerk or a robotic bureaucrat.” Indeed she rejected the idea that Eichmann was simply following orders. She emphasized that Eichmann took enormous pride in his initiative in deporting Jews and also in his willingness to disobey orders to do so, especially Himmler’s clear orders — offered in 1944 in the hope of leniency amid impending defeat — to “take good care of the Jews, act as their nursemaid.” In direct disobedience, Eichmann organized death marches of Hungarian Jews; as Arendt writes, he “sabotaged” Himmler’s orders. As the war ground to an end, as Arendt saw, Eichmann, against Himmler, remained loyal to Hitler’s idea of the Nazi movement and did “his best to make the Final Solution final.”
When Eichmann agreed at trial that he would have killed his own father if ordered to —but only if his father actually had been a traitor. Arendt pointed to this condition to show that Eichmann acted not simply from orders but also from conviction. To say that Arendt denied that Eichmann was a committed Nazi or that she saw Eichmann as a “clerk” is false.
The widespread misperception that Arendt saw Eichmann as merely following orders emerged largely from a conflation of her conclusions with those of Stanley Milgram, the Yale psychologist who conducted a series of controversial experiments in the early 1960s. Milgram was inspired by the Eichmann trial to ask test subjects to assist researchers in training students by administering what they thought were potentially lethal shocks to students who answered incorrectly. The test subjects largely did as they were instructed. Milgram invoked Arendt when he concluded that his experiments showed most people would follow orders to do things they thought wrong. But Arendt rejected the “naïve belief that temptation and coercion are really the same thing,” and with it Milgram’s claim that obedience carried with it no responsibility. Instead, Arendt insisted, “obedience and support are the same.” That is why she argued that Eichmann should be put to death.
Adolf Eichmann in the Jerusalem courtroom where he was tried in 1961 for war crimes committed during World War II.
Associated PressAdolf Eichmann in the Jerusalem courtroom where he was tried in 1961 for war crimes committed during World War II.
The insight of “Eichmann in Jerusalem” is not that Eichmann was just following orders, but that Eichmann was a “joiner.” In his own words, Eichmann feared “to live a leaderless and difficult individual life,” in which “I would receive no directives from anybody.” Arendt insisted that Eichmann’s professed fidelity to the Nazi cause “did not mean merely to stress the extent to which he was under orders, and ready to obey them; he meant to show what an ‘idealist’ he had always been.” An “idealist,” as she used the word, is an ideologue, someone who will sacrifice his own moral convictions when they come in conflict with the “idea” of the movement that gives life meaning. Evil was transformed from a Satanic temptation into a test of self-sacrifice, and Eichmann justified the evil he knowingly committed as a heroic burden demanded by his idealism.
The best treatment of Eichmann’s writing in Argentina is by the German scholar Bettina Stangneth. In her 2011 book “Eichmann vor Jerusalem” (not available in English), Stangneth showed that Sassen was a Holocaust denier who attempted to get Eichmann to deny the Holocaust, which Eichmann did not. On the contrary, Eichmann boasted of his accomplishments, worried that he hadn’t done enough, and justified his role. Stangneth also revealed that Eichmann dreamed of returning to Germany and putting himself on trial, even drafting an open letter to the West German chancellor Konrad Adenauer to propose just that. His hope was that the royalties from his book, written with Sassen, would support his family for what he imagined would be a short stay in jail.
Stangneth concludes that Eichmann’s manifest anti-Semitism was based neither on religious hatred nor a conspiratorial belief in Jewish world domination. He denied the “blood libel” (the false accusation that Jews had killed Christian children and used their blood in rituals) and rejected as a forgery the “Protocols of the Elders of Zion,” the notorious anti-Semitic tract (and a czarist forgery). Eichmann justified genocide and the extermination of the Jews by appealing to the “fatherland morality that beat within him.” He spoke of the “necessity of a total war” and relied on his oath to Hitler and the Nazi flag, a bond he calls “the highest duty.” Eichmann was an anti-Semite because Nazism was incomprehensible without anti-Semitism.
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Arendt famously insists Eichmann “had no motives at all” and that he “never realized what he was doing.” But she did not mean that he wasn’t aware of the Holocaust or the Final Solution. She knew that once the Führer decided on physical liquidation, Eichmann embraced that decision. What she meant was that he acted thoughtlessly and dutifully, not as a robotic bureaucrat, but as part of a movement, as someone convinced that he was sacrificing an easy morality for a higher good.
“What stuck in the minds” of men like Eichmann, Arendt wrote, was not a rational or coherent ideology. It was “simply the notion of being involved in something historic, grandiose, unique.” Eichmann described how difficult it was for him to participate in the Final Solution, but took pride in having done so. He added: “if I had known then the horrors that would later happen to the Germans, it would have been easier for me to watch the Jewish executions. At heart I am a very sensitive man.” In a terrifying act of self-deception, Eichmann believed his inhuman acts were marks of virtue.
Though von Trotta’s film is not a documentary, it does incorporate archival footage of the trial. The director has said that the footage was essential because it let the viewer encounter Eichmann directly. The movie cuts to Arendt, played by Barbara Sukowa, and captures the shock on her face, as Eichmann utters cliché after cliché. It makes visible how and why Arendt concluded that evil in the modern world is done neither by monsters nor by bureaucrats, but by joiners.
That evil, Arendt argued, originates in the neediness of lonely, alienated bourgeois people who live lives so devoid of higher meaning that they give themselves fully to movements. It is the meaning Eichmann finds as part of the Nazi movement that leads him to do anything and sacrifice everything. Such joiners are not stupid; they are not robots. But they are thoughtless in the sense that they abandon their independence, their capacity to think for themselves, and instead commit themselves absolutely to the fictional truth of the movement. It is futile to reason with them. They inhabit an echo chamber, having no interest in learning what others believe. It is this thoughtless commitment that permits idealists to imagine themselves as heroes and makes them willing to employ technological implements of violence in the name of saving the world.
Perhaps Arendt has been so violently misunderstood because her thinking is both provocative and demanding. Her blessing, and her curse was a facility for quotable aphorisms that, like Nietzsche’s, require whole books to reveal their unconventional meaning. It is easy to cite the “banality of evil.” It is much more difficult to make sense of what Arendt actually meant.
At a time when confidence in American institutions is at an all-time low, Arendt’s insistence that we see Eichmann as a terrifyingly normal “déclassé son of a solid middle-class family” who was radicalized by an idealistic anti-state movement should resonate even more urgently today. That is ever more reason to free Arendt’s book, once again, from the tyranny of the conventional wisdom.

Roger Berkowitz
Roger Berkowitz is associate professor of political studies and human rights, and academic director of the Hannah Arendt Center for Politics and the Humanities, at Bard College.

BNDES: seu desmantelamento na gestao companheira

Patrimônio do BNDES recua 38% com dividendos ao governo e perda na Bolsa

Lu Aiko Otta
O Estado de S.Paulo07 de julho de 2013 

Em dois anos, patrimônio líquido do banco caiu de R$ 75,6 bilhões para R$ 46,8 bilhões, o que, segundo economistas, pode ter impacto no mercado de crédito


BRASÍLIA - Na contramão do mercado, o patrimônio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) encolheu 38% entre março de 2011 e março de 2013, enquanto a média de cinco grandes bancos públicos e privados registrou crescimento de 25%. É o que mostra levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
Para os economistas José Roberto Afonso e Gabriel Leal de Barros, ambos do Ibre, essa é uma clara evidência de que o governo está enfraquecendo os bancos públicos, principalmente o BNDES, com sua política de recolher dividendos antecipados. Essa é a tese que eles defendem no estudo Receitas de Dividendos, Atipicidades e (Des) Capitalização.
"O governo fala em capitalização, mas na verdade o que está acontecendo é descapitalização", frisou Afonso. "O Tesouro sacou reserva de lucro acumulado sem um aumento de capital compatível com o crescimento do crédito." Outra causa para esse desempenho são as "violentas" perdas sofridas pelo banco com ações de Petrobrás, Embratel e Vale, por exemplo. Para ele, essa perda de fôlego pode ter consequências negativas no mercado de crédito.
Questionado, o BNDES apontou as perdas no mercado acionário como a principal causa para a redução do patrimônio. "O impacto negativo dessa oscilação no patrimônio líquido do BNDES foi de R$ 23 bilhões, quase o dobro do que foi pago em dividendos líquidos de aumento de capital no mesmo período", diz o banco. "Portanto, é equivocado atribuir a redução do patrimônio líquido, majoritariamente, à distribuição de dividendos nos anos citados."
Queda. De acordo com o levantamento, o patrimônio líquido do BNDES caiu de R$ 75,602 bilhões em março de 2011 para R$ 46,799 bilhões em março passado, uma redução de 38%. No mesmo período, o Itaú Unibanco registrou aumento de 17% em seu patrimônio e o Bradesco, de 35%. O patrimônio líquido do Banco do Brasil teve expansão de 19%.
O patrimônio menor diminui a capacidade de o banco emprestar. As instituições brasileiras precisam seguir regras internacionais de prudência na concessão de crédito. Elas seguem o Acordo de Basileia, cuja norma básica é que, para cada R$ 100 emprestados pelo banco, ele precisa ter um patrimônio de pelo menos R$ 11. Nesse exemplo, o banco teria um Índice de Basileia de 11%.
No caso do BNDES, esse índice recuou de 21,9% em março de 2011 para 14,5% em março deste ano. "Eu não questiono o índice, que ainda está acima do mínimo permitido, mas a trajetória", observa Afonso. Foi uma queda de 34% em apenas dois anos.
De acordo com informações da área econômica, o índice do BNDES caiu ainda mais. Não foi por acaso que o governo editou, no início de junho, a Medida Provisória 618, que autoriza o Tesouro a aumentar o capital da instituição em R$ 15 bilhões. A explicação oficial é exatamente de que o dinheiro será injetado para melhorar o Índice de Basileia do banco.
Um eventual estreitamento na possibilidade do BNDES de emprestar afetaria a principal aposta do governo para "virar" o humor na economia: o programa de concessões em infraestrutura.
Apenas em rodovias e ferrovias, o investimento previsto é de R$ 133 bilhões, dos quais R$ 79,5 bilhões ocorreriam nos próximos cinco anos. A promessa é que o banco de desenvolvimento financiará 70% dos empreendimentos - ou o equivalente a R$ 93,1 bilhões.

domingo, 7 de julho de 2013

Egito: os dilemas de El Baradei (WP)

Three reasons Mohamed ElBaradei is an odd choice to be Egypt’s new prime minister
By Max Fisher
The Washington Post, July 6, 2013

Mohamed ElBaradei, the 71-year-old Nobel Peace Prize winner, former head of the United Nations’ nuclear agency and Egyptian opposition figure has just added a new line to his resume: He’s been appointed the interim prime minister of Egypt. ElBaradei is in some ways a good choice: He’s well-known, internationally respected, old enough that he’s perhaps more likely to cede power willingly, and seen as too much of a statesman to indulge in the self-serving power grabs that have marked the tenures of past Egyptian leaders. And ElBaradei is likely to do well with international institutions such as the IMF, which now-deposed president Mohamed Morsi had rebuffed.

In other ways, though, the decision to appoint ElBaradei and his decision to accept the post are strange choices for Egypt at this moment. Here are a few.

(1) Little natural constituency, likely to alienate key groups

Egypt has more than a few serious problems right now, sadly, but one of the biggest is its political divisions, which are so wide and bitter that any single leader or group would struggle to govern. Maybe ElBaradei can unite the country, but he is not ideally situated for the task.

This is a moment when the Muslim Brotherhood and other Islamists, who are not few in Egypt, are probably asking themselves whether they should even bother participating in this government or just dedicate themselves to undoing it. ElBaradei is seen as associated with Egypt’s relatively small population of well-off, well-educated, secular, liberal urbanites - or, worse, associated with Westerners. When I looked for a photo to illustrate this post, the first one that popped up showed ElBaradei smiling alongside Angelina Jolie, on stage at the Berlin International Film Festival.

ElBaradei is almost perfectly positioned to further enrage and alienate Islamists, who are popular among Egypt’s many rural and low-income communities. While he had a warm relationship with the group before the revolution, making common cause with it against then-President Mubarak, he is so much the opposite of everything the Muslim Brotherhood stood for while Morsi was in power that the group could see him as anti-Brotherhood choice.

Shadi Hamid, who follows Egyptian politics for the Brookings Institution, told USA Today that ElBaradei and the Brotherhood are now “arch enemies of sorts.” And it’s not just Islamists. Hamid wrote on Twitter that ElBaradei “was the man pro-army nationalists seemed to hate most not too long ago.”

(2) Has not proved to be a charismatic or populist leader

This also gets to the challenge of uniting Egypt, an urgent and difficult task for the country’s post-Morsi government. ElBaradei, for all his considerable credibility, seems most comfortable giving interviews to reporters or posting to Twitter, not speaking before crowds.

On Jan. 30, 2011, as protests against Mubarak’s government gained steam, ElBaradei landed at a still-idealist Tahrir Square. The protest movement was then the closest it would be to matching his vision; his name was already floating around as a possible leader for this leaderless movement. The crowds should have been putty in his hands. But his visit was strangely brief and disappointingly uninspiring, an opportunity lost for ElBaradei. It will only be more difficult now for him to champion the movement, and these are the people who should be his natural base.

(3) Compromising his democratic ideals

Even if the military coup that deposed Morsi and dissolved the constitution ends up being a good thing for Egypt’s democracy in the long term, it’s hard to think of anything more anti-democratic than a coup. ElBaradei, whatever his faults, has remained so untarnished in the two-and-a-half difficult years since Mubarak’s fall in large part because of his adherence to the democratic idealism of those first revolutionary days. In January 2012, he quit Egypt’s first post-Mubarak presidential race, announcing, “My conscience does not permit me to run for the presidency or any other official position unless it is within a democratic framework.”

Yet, strangely enough, as the military stepped in to remove Morsi on July 3, ElBaradei was there on Egyptian state TV, implicitly blessing the anti-democratic act that has now installed him in power. Maybe, from ElBaradei’s perspective, the coup was inevitable or necessary and that shouldn’t force him to turn down the prime ministerial appointment just for the sake of consistency. But it’s a sad bit of irony that, by taking the job, ElBaradei sacrifices some of the democratic credibility that got him there in the first place.

A erosao do BNDES - Editorial Folha

BNDES fragilizado
Editorial Folha de São Paulo, 06/07/2013

Há décadas o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social tem papel essencial no financiamento de investimentos de longo prazo. Para preservar essa função, é importante que o BNDES se mantenha disciplinado e bem capitalizado --o que vem se perdendo.

Em 2011, a cada R$ 100 emprestados, o BNDES tinha R$ 20,6 em patrimônio. No ano passado, essa proporção caiu para R$ 15,4. Embora próxima da média dos bancos privados e acima do piso definido pelo Banco Central (R$ 11), ela preocupa por sinalizar a rápida redução do colchão patrimonial.

As razões para tal mudança são conhecidas: pressa em expandir o crédito e algumas práticas contábeis duvidosas que fragilizam o balanço da instituição.

Historicamente, os empréstimos do banco são alimentados principalmente por recursos captados pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e retenção de lucros. O crescimento do crédito sempre foi ancorado nessas contas, que tendem a aumentar gradualmente.

Nos últimos anos, o governo, a fim de acelerar a economia, mudou os critérios. Cresceram os aportes do Tesouro, que emite papéis de dívida pública e os repassa ao BNDES. Inflado o balanço, sua capacidade de emprestar aumenta.

A manobra traria ainda benefícios ao governo: com maiores lucros contábeis, o banco pagaria mais dividendos ao Tesouro. Assim, melhoraria o superavit primário (soma de receitas e despesas do governo antes de pagar juros), aparentando controle fiscal.

Desde 2009, o BNDES recebeu mais de R$ 300 bilhões por essa via e pôde emprestar mais --os desembolsos foram de R$ 91 bilhões em 2008 para R$ 156 bilhões em 2012.

Mas a impressão de vigor é em parte ilusória. Verifica-se erosão da qualidade do capital do banco e piora dos indicadores de solidez.

O governo tem forçado o BNDES a absorver ações de estatais como capital --cerca de 40% do total já seria formado por esses papéis, cujos preços têm derretido na Bolsa.

Não há sinais de que a estratégia esteja no caminho certo. Nesta semana, o Tesouro injetou mais R$ 15 bilhões no banco para manter o ritmo de expansão de crédito, algo temerário a esta altura.

Por seu turno, a prática de emprestar grandes montantes a pretensos campeões nacionais tem se mostrado pouco eficaz.

Finalmente, seguem fragilizadas as próprias contas do governo, cuja saúde depende cada vez mais dos dividendos pagos pelo BNDES e por outras estatais.

Governo vende pele de urso antes...

Dinheiro dos royalties no cofre só em 2020

A proposta apresentada pela presidente Dilma de usar os recursos arrecadados com os royalties do petróleo para turbinar os investimentos na educação — o projeto aprovado esta semana, no Congresso, também destina 25% do montante para a área da saúde — pode demorar a surtir efeitos práticos para a maioria dos municípios.

Apesar do grande volume arrecadado com a extração, e da expectativa de aumento da produção em novas áreas, a regra atual mantém cerca de 80% da riqueza nos estados produtores, casos do Rio de Janeiro, do Espírito Santo e de São Paulo, em menor escala.

Apenas os contratos futuros representarão rendas extras para se investir na educação e na saúde nas outras unidades da Federação, pois a discussão sobre o mérito da lei aprovada, que torna a divisão mais equilibrada, está parada no Supremo Tribunal Federal (STF).

(da coluna diária do jornalista gaúcho Políbio Braga, 6/07/2013)

A real agenda de problemas do Brasil real - Editorial O Globo

A agenda de problemas reais
Editorial O Globo, 06/07/2013

Enquanto o debate é alimentado por uma espécie de factoide — o plebiscito da reforma política —, a vida real segue o curso, e problemas muito concretos vão se avolumando.

O próprio governo parece ter caído na armadilha da invenção diversionista da “constituinte exclusiva” — origem do plebiscito, ao se constatar a ilegalidade da ideia —, lançada como suposta medida de atendimento às manifestações de rua, mas cujo objetivo primordial é afastar o Planalto do centro da crise e transferir responsabilidades para o Congresso. Que há problemas de representatividade política, não se discute. Resumir o mau momento do Brasil a isto é exagero.

Impossível prever até quando o truque funcionará. Até porque as dificuldades econômicas aumentam e tendem a funcionar cada vez mais como amplificador da voz das ruas. A inflação de junho, divulgada ontem, medida pelo IPCA, foi de 0,26%, abaixo da de maio (0,37%). Mas, como em junho do ano passado havia ficado quase estável (0,08%), o IPCA anualizado novamente ultrapassou o teto superior da meta de inflação (6,5%), fechando em 6,7%.

Há grandes possibilidades de o índice recuar até o final do ano. A curto prazo, até como reflexo do corte de tarifas, forçado pelas manifestações. Mas num setor-chave para o bolso da população, o de serviços, a inflação continua a rodar na velocidade de 8% ao ano.

Mesmo assim, e apesar do discurso do governo — um dos pactos propostos pela presidente Dilma trata do tema —, a política fiscal continua expansionista, aumentando a temperatura do consumo, fator de pressão sobre os preços.

Mantém-se o uso irresponsável da “contabilidade criativa”, para injetar recursos de endividamento público em bancos públicos, como BNDES e CEF, a fim de o dinheiro voltar sob o disfarce de dividendos e embonecar o superávit primário, como se houvesse uma austeridade que na realidade inexiste.

Chegou-se à situação escalafobética de a Caixa pagar mais dividendos à União do que teve de lucro (R$ 7,7 bilhões contra R$ 6,1 bilhões). Tanto é que começa a cair em descrédito mesmo a nova meta, mais baixa, de 2,3% do PIB de superávit. Enquanto aumenta a expectativa de efetivo rebaixamento da classificação do país em agências de avaliação de risco.

O jogo de espelhos para melhorar números também chegou à balança comercial, encerrada no primeiro semestre com um déficit de US$ 3 bilhões, o pior resultado em 18 anos. E isso porque ajudou nos números a contabilização de US$ 1,5 bilhão de uma exportação fictícia de três plataformas da Petrobras. Elas apenas foram registradas em subsidiária no exterior. A operação é legal, mas só faz aumentar a desconfiança crescente na administração da economia num momento como este. Inflação elevada, economia em desaquecimento — a indústria retrocedeu 2% de abril para maio — e empresário pouco motivado.

As manobras políticas deveriam ceder espaço na agenda do Planalto para questões mais relevantes relacionadas a esta conjuntura.

Brasilia, capital de extraterrestres; o Plebiscito de Veja

Sobra até para a política externa. Veja quais são as dez perguntas de Veja.
Paulo Roberto de Almeida

Veja condena perguntas de Dilma. Leia quais são as 10 perguntas de Veja.

Plebiscito de Veja
O conjunto de questões reflete inquietações do dia a dia dos brasileiros, com o objetivo de demonstrar o despropósito de convocar plebiscito para debater e resolver impasses que qualquer governo e qualquer parlamento civilizado já deveriam ter resolvido.

1) Os brasileiros trabalham cinco meses do ano só para pagar impostos e agora o governo quer que paguemos também todas as campanhas eleitorais dos políticos. Você concorda?
2) Se bem gasto, o dinheiro dos impostos seria mais do que suficiente para prover de educação, saúde e segurança os brasileiros. No entanto, a população tem de pagar uma segunda vez por escolas privadas, médicos e seguranças. Você concorda?
3) Você concorda em proibir o uso de jatinhos da FAB por políticos e, com o dinheiro economizado, investir na melhoria do transporte coletivo urbano e na saúde?
4) Aos 16 anos, um(a) brasileiro(a) já pode votar e se casar. Caso ele(a) cometa crimes bárbaros, deve ser julgado(a) como se fosse uma criança?
5) Você concorda que Brasília deveria abandonar a galáxia distante onde vive e voltar para o Brasil?
6) Você concorda que deveria acabar a alegação de "réu primário" uma vez que isso beneficia quem mata pela primeira vez, mesmo que de maneira cruel e sem chance para a vítima?
7) Você aceita ceder aos caciques dos partidos políticos seu direito de escolher o candidato em quem votar?
8) Você concorda que deveriam ser fechadas as embaixadas brasileiras na Coreia do Norte, Cuba, Azerbaijão, Mali, Timor-Leste, Guiné Equatorial, São Cristóvão e Névis, Santa Lúcia, Botsuana, Nepal, Barbados e em outros países sem a menor expressão, e o dinheiro gasto com elas investido nos hospitais públicos no Brasil?
9) Você concorda que quem recebe dinheiro do governo federal poderia ter o direito de se declarar impedido de votar por óbvio conflito de interesses?
10) O governo tem 39 ministérios e nenhum deles resolveu sequer um problema relevante do Brasil. Você fecharia a maioria deles?

Desgraca pouca e' bobagem: as agruras do Brasil

A fervura da presidente
Editorial O Estado de São Paulo, 06/07/2013

A governante em fim de mandato, já diziam os velhos políticos, nem cafezinho é servido. A presidente Dilma Rousseff tem ainda um ano e meio de mandato pela frente, a copa do Planalto continua às suas ordens, mas a cada dia fica mais evidente o processo de fervura a que está sendo submetida. Não admira. Chacoalhando na ribanceira das pesquisas de opinião, conseguiu ser a um só tempo oportunista e estabanada ao tentar desviar as atenções gerais do descalabro dos serviços públicos, denunciado nas ruas a plenos pulmões, apresentando-se, para recuperar a popularidade perdida, como padroeira de uma redentora reforma política mediante plebiscito - como se essa fosse a demanda central das manifestações que espocaram por todo o País.

Agindo de novo como a dona da verdade que imagina ser, ignorou o vice-presidente e jurista Michel Temer, para não falar dos líderes da base aliada, e jogou na mesa o curinga de uma consulta popular para a convocação de uma Constituinte apartada do Congresso com a exclusiva incumbência de reescrever as regras do sistema político e eleitoral. O lance, que a seu juízo decerto parecia genial, sucumbiu em menos de 24 horas, ao ficar escancarada a sua ilegalidade. Dilma não se deu por achada: alegou, descaradamente, que o que propusera não era bem isso e voltou à carga com a feitiçaria de outro plebiscito para obrigar os políticos a fazer a reforma a tempo de entrar em vigor já nas eleições de 2014. E, para mostrar quem é que manda, enviou ao Congresso cinco "sugestões" de mudança, como se nunca antes elas tivessem sido cogitadas por deputados e senadores.

O açodamento, combinado com a soberba, a cegou para os obstáculos que fariam a mágica desandar. Antes de mais nada, não previu que a Justiça Eleitoral exigiria 70 dias de prazo, a contar da aprovação do teor do plebiscito no Legislativo, para providenciar a sua realização. Nem que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), respaldado pelos titulares dos 27 tribunais regionais, alertasse que não pode autorizar consultas sobre temas a que o eleitorado não pode responder ou acerca dos quais não esteja suficientemente esclarecido. Na primeira categoria está a Constituição, insuscetível de ser alterada nas urnas. O prazo estipulado pelo TSE caiu do céu para os presidentes peemedebistas da Câmara e do Senado e as respectivas lideranças nas duas Casas, que se opõem ao plebiscito, ainda que alguns o tenham endossado da boca para fora.

Reunidos com o vice (e presidente licenciado do PMDB) Michel Temer e uma trinca de ministros, líderes de oito partidos aliados reiteraram que não seria possível aprovar os termos do plebiscito, justificar na TV posições a favor ou contra cada um deles, efetuar a consulta e transformar em lei os seus resultados, tudo antes de 5 de outubro, quando devem estar definidas as normas da eleição cujo primeiro turno se realizará na mesma data de 2014. Temer, cuja lealdade primeira é com o PMDB e que não há de ter digerido a marginalização a que a presidente o submeteu no episódio da Constituinte, disse que "não havendo condições temporais (sic) para fazer a consulta", é preciso aceitar o "inexorável" - reforma política só para as eleições subsequentes. O que se seguiu foi uma patética demonstração de que Dilma só faz correr atrás dos prejuízos para a sua autoridade que ela mesma se encarrega de causar.

A presidente pediu a Temer que voltasse atrás, e ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que reforçasse o recuo. Eles divulgaram notas ladinas, repetindo que o "ideal" continua sendo um plebiscito para valer em 2014. O episódio apenas acentua a solidão política de Dilma, enquanto o seu mentor se vê obrigado a negar a toda hora que tenha parte com o "volta, Lula". O coro cresce na razão direta das "barbeiragens" da sua escolhida, como ele teria qualificado a ideia da Constituinte exclusiva. Ontem, a colunista Dora Kramer, do Estado, revelou que a presidente desabafou com um político: "Ninguém me defende". Informado, o titular do Senado, Renan Calheiros, retrucou: "Ela tentou jogar a crise no colo do Congresso". É de lembrar o clássico Ninguém me ama, de Antônio Maria: "… E quem me abraça não me quer bem".

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Inesgotável criatividade
Editorial(OESP)

Desde que, em desastrada tentativa de responder aos clamores dos brasileiros que saíram às ruas, a presidente Dilma Rousseff propôs um "pacto pela responsabilidade fiscal", entre outras tantas medidas desnecessárias ou inviáveis, sabia-se que tudo não passava de uma cortina de fumaça para tentar encobrir a irresponsabilidade da atual política fiscal. Mas se havia algo de que o governo não precisava diante da notória corrosão de sua credibilidade era ele próprio confirmar a falácia da proposta da presidente.

Mesmo pressionado para que pratique o que cobra de outros, o governo acaba de publicar um decreto que lhe permitirá distorcer ainda mais suas demonstrações contábeis, apropriando-se de mais dinheiro vivo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), na forma de dividendos, em troca de títulos da dívida pública. Manobra semelhante está sendo feita com a Caixa Econômica Federal (CEF), que recebeu aporte de R$ 8 bilhões em títulos públicos - justificado como cobertura de risco de inadimplência e de subsídios com os empréstimos concedidos pelo programa Minha Casa Melhor - e, assim, poderá repassar dinheiro vivo ao Tesouro, também como dividendos. Ainda que legais, esses atos demonstram continuado descaso com a responsabilidade fiscal.

De nada adianta o Ministério da Fazenda anunciar um corte adicional de R$ 15 bilhões no Orçamento, insuficiente para compensar o crescimento de outras despesas, se, ao mesmo tempo, aumenta artificialmente sua receita. Pois não passa de simples artifício contábil - mais um entre tantos de que o governo já lançou mão nos últimos meses - a pequena mudança no estatuto social do BNDES que permite o pagamento antecipado de dividendos ao Tesouro.

Publicado em edição extra do Diário Oficial da União, o decreto que permite esse pagamento torna ainda mais nebulosas as contas do governo e pode ter consequências duradouras sobre a higidez financeira da instituição. Ele inclui novas reservas de lucro para aumento de capital da instituição entre os recursos que geram dividendos complementares, antes que essas reservas tenham atingido os limites definidos em lei. Além disso, permite que, a qualquer tempo, os saldos dessas reservas "sejam distribuídos a título de dividendos", desde que sejam compensados por instrumento que possa ser utilizado como capital para o cumprimento das normas bancárias.

Ou seja, de um lado, o governo se apropria de mais dinheiro vivo, que engorda suas receitas e o ajuda no cumprimento da meta de superávit primário, e, de outro, dá à instituição papéis que, embora façam crescer a dívida bruta, não são contabilizados entre as despesas.

Por meio da "contabilidade criativa" que transformou no padrão de sua política fiscal, o governo vem usando cada vez mais as instituições financeiras como fonte de receita artificial, sem levar em conta o real desempenho dessas instituições. No ano passado, por exemplo, embora tenha contabilizado lucro de R$ 8,2 bilhões, o BNDES pagou R$ 10,6 bilhões em dividendos. A CEF, com lucro de R$ 6,1 bilhões, pagou R$ 7,7 bilhões em dividendos.

O pagamento de dividendos nesse montante pelos dois bancos foi um dos truques contábeis que o governo utilizou em 2012 para alcançar a meta de superávit primário (a economia feita para o pagamento dos juros). Portarias do Ministério da Fazenda editadas no último dia útil de 2012, mas só publicadas no início deste ano, permitiram, além da apropriação antecipada de dividendos do BNDES, a troca de ações da Petrobrás que compunham o Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilização por títulos da dívida pública, no total de R$ 8,84 bilhões. Outras manobras envolveram o desconto, da coluna de despesas, de gastos com o PAC.

No exame crítico das contas de 2012 do governo Dilma, o Tribunal de Contas da União chegou a lembrar o que ocorre na Argentina, onde os dados econômicos do governo perderam totalmente a credibilidade.

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A presidente se afunda enganando a si mesma

ROLF KUNTZ - O Estado de S.Paulo

Mentir para os outros pode ser pecado. Pode também ser crime, em algumas circunstâncias. Mentir para si mesmo é insânia. Os brasileiros, têm, portanto, mais um sério motivo para se inquietar. O governo, tudo parece indicar, mente para si mesmo e continuará mentindo para se isolar da realidade. É muito difícil explicar de outra forma a reação da presidente Dilma Rousseff e de sua equipe às manifestações de rua e ao tsunami de más notícias. O governo tentou, mas como deslocar os problemas para o Congresso, quando até fontes oficiais continuam despejando informações assustadoras sobre a economia? Até os aliados, a começar pelo vice-presidente Michel Temer, têm resistido à manobra, Mesmo sem essa resistência, a situação desastrosa do País continuaria atraindo as atenções.

O Banco Central (BC), uma das fontes oficiais, diminuiu de 3,1% para 2,7% o crescimento econômico projetado para o ano, além de reduzir de US$ 15 bilhões para US$ 7 bilhões o saldo comercial estimado. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) reestimou de 3,2% para 2% a expansão do produto interno bruto (PIB). Na semana passada estava em 2,4% a mediana das projeções do mercado financeiro. Não só as bolas de cristal mostram cenários tenebrosos. Os dados já conhecidos alimentam no dia a dia as previsões negativas.

Um bom exemplo: a produção industrial caiu 2% de abril para maio, depois de modesta recuperação nos meses anteriores, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O saldo comercial do trimestre foi um déficit de US$ 3 bilhões, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento. Mas o número seria bem pior sem as exportações fictícias de plataformas de petróleo no valor de US$ 2,4 bilhões.

A inflação continua elevada e especialistas apontam um resultado próximo de 6% até o fim do ano. A desinflação dos alimentos acabou e o custo das matérias-primas poderá em breve pressionar de novo os preços ao consumidor.

Em junho, o índice oficial de inflação, o IPCA, calculado pelo IBGE, perdeu impulso e subiu 0,26%, principalmente por causa da menor pressão dos preços dos alimentos. Mas no atacado os preços agrícolas aumentaram 1,46%, depois de recuarem 0,75% em maio, de acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Também no atacado a alta dos preços industriais chegou a 0,62%. Ainda em junho, o índice de commodities do BC, o IC-Br, subiu 5,34%, com variação de 5,72% para agropecuária, 4,3% para metais e 4,39% para energia.

O repasse desses aumentos ao varejo dependerá de fatores como o nível de emprego, a renda e a disposição dos consumidores, a possibilidade de substituição de bens, as condições do crédito e, naturalmente, a situação das contas públicas. Os consumidores andam mais ressabiados e cautelosos. Mas o emprego permanece elevado, os salários ainda acumulam ganhos reais, embora menores que os dos últimos anos, o crédito ainda aumenta e a política fiscal permanece, como afirma o pessoal do BC, "expansionista".

Nas ruas, manifestantes protestaram contra as tarifas e a qualidade do transporte urbano e cobraram melhores padrões de serviços essenciais, como educação e assistência à saúde. Diante dessas pressões a presidente propôs um plebiscito fora de hora, sobre temas políticos, e convocou os ministros para exigir maior empenho na execução de seus programas - os mesmos programas condenados nas ruas pela baixíssima qualidade de seus resultados.

Os ministros da área econômica estavam prontos, como sempre, para esse tipo de jogo. Afinal, continuam prometendo mais do mesmo - uma péssima gestão das finanças públicas, mal disfarçada com novos lances de contabilidade criativa, já famosa até na imprensa estrangeira. A quem pensam enganar? Só podem enganar a si mesmos, é claro, porque até os muito trouxas acabam percebendo, embora com algum atraso, os sinais do desarranjo.

A presidente, dizem fontes de Brasília, está isolada. De certa forma, sempre esteve. Desde o começo de seu mandato cercou-se de assessores incapazes - por incompetência ou por falta de coragem - de ajudá-la a examinar os fatos e a planejar as ações de governo com base em diagnósticos realistas.

A maior parte de sua política administrativa e econômica é mero desdobramento da herança deixada por Luiz Inácio Lula da Silva. Nenhuma alteração essencial ocorreu na diplomacia econômica. Na prática, as prioridades têm sido as mesmas. O País continua amarrado ao mundo estreito e medíocre do Mercosul. Enquanto isso, negociam-se novas alianças e novas perspectivas de comércio e integração econômica são abertas em quase todas as regiões, incluída a América Latina. A Aliança do Pacífico é um bom exemplo.

A administração continua tão ineficiente quanto na fase do antecessor, quando o Brasil foi arrastado pela prosperidade mundial e o País pareceu tornar-se uma potência de peso. A grande novidade, naquele período, foi a rápida incorporação de massas ao mercado consumidor. Como nada se fez para modernizar o País e fortalecer sua capacidade produtiva, a mágica da expansão do mercado se esgotou. A dramática perda de produtividade geral da economia deixou o País desarmado para enfrentar a concorrência estrangeira.

Os resultados são evidentes nas contas externas, mesmo com algum disfarce. Aparentemente sem perceber esses fatos, a presidente insistiu numa política baseada principalmente no estímulo ao consumo. O resultado foi uma combinação de piora das contas fiscais, erosão do balanço de pagamentos, inflação sempre alta e indústria estagnada. Na administração federal, direta e indireta. aparelhamento e loteamento continuam predominando. Vai-se consertar tudo isso com um plebiscito improvisado?

sábado, 6 de julho de 2013

Eixo China/Russia contra os EUA - Leslie Gelb (NYT)

OPINION
A New Anti-American Axis?
By LESLIE H. GELB and DIMITRI K. SIMES
The New York Times, July 6, 2013

On his first foreign trip as president of China, Xi Jinping was welcomed to Russia by President Vladimir V. Putin in March.

THE flight of the leaker Edward J. Snowden from Hong Kong to Moscow last month would not have been possible without the cooperation of Russia and China. The two countries’ behavior in the Snowden affair demonstrates their growing assertiveness and their willingness to take action at America’s expense.

Beyond their protection of Mr. Snowden, Chinese-Russian policies toward Syria have paralyzed the United Nations Security Council for two years, preventing joint international action. Chinese hacking of American companies and Russia’s cyberattacks against its neighbors have also caused concern in Washington. While Moscow and Beijing have generally supported international efforts to end Iran’s nuclear weapons program, they clearly were not prepared to go as far as Washington was, and any coordinated shift in their approach could instantly gut America’s policy on the issue and endanger its security and energy interests. To punctuate the new potential for cooperation, China is now carrying out its largest ever joint naval exercises — with Russia.

Russia and China appear to have decided that, to better advance their own interests, they need to knock Washington down a peg or two. Neither probably wants to kick off a new cold war, let alone hot conflicts, and their actions in the case of Mr. Snowden show it. China allowed him into Hong Kong, but gently nudged his departure, while Russia, after some provocative rhetoric, seems to have now softened its tone.

Still, both countries are seeking greater diplomatic clout that they apparently reckon they can acquire only by constraining the United States. And in world affairs, there’s no better way to flex one’s muscles than to visibly diminish the strongest power.

This new approach appears based in part on a sense of their growing strength relative to America and their increasing emphasis on differences over issues like Syria. Both Moscow and Beijing oppose the principle of international action to interfere in a country’s sovereign affairs, much less overthrow a government, as happened in Libya in 2011. After all, that principle could always backfire on them.

They also don’t like watching the West take action against leaders friendly to them, like President Bashar al-Assad of Syria. As this sense of common interests becomes entrenched, increasing Russian-Chinese cooperation could pose grave risks for America and the world.

Their conduct suggests that they see less cost in challenging the United States and fewer rewards for acting as a partner. These calculations stem from two dangerous perceptions.

First, they see American decline and decadence. In their view, the United States is on the wrong side of history, holding on to ties with Europe and parts of Asia, while losing economic leverage and moral authority in the rest of the world. American disengagement from Iraq and Afghanistan without victory contributes to a related impression that America’s unquestioned military superiority isn’t worth much in terms of achieving policy objectives on the ground.

Second, many Russian and Chinese elites consider American foreign policy objectives fundamentally hostile to their vital interests. Neither group views American democracy promotion as reflecting any genuine commitment to freedom; instead, both perceive it as a selective crusade to undermine governments that are hostile to the United States or too powerful for its comfort.

Meanwhile, Russian and Chinese leaders make clear that Washington’s support for their neighbors in practically every dispute involving Beijing or Moscow is less a matter of respect for international law than a form of dual containment that seeks to curtail the regional and global influence of these two major powers.

American backing for Georgia and the former Soviet republics of Central Asia bothers Russia. Likewise, China views American support for Vietnam and the Philippines in their maritime disputes with Beijing as a menace.

No wonder Xi Jinping of China made his first international trip as China’s president to Moscow, where he told his counterpart, Vladimir V. Putin, that Beijing and Moscow should “resolutely support each other in efforts to protect national sovereignty, security and development interests” and promised to “closely coordinate” on regional and international issues. Mr. Putin reciprocated by saying that “the strategic partnership between us is of great importance on both a bilateral and global scale.” While the two leaders’ words may have generated more of an impression of collusion than was necessary, it’s safe to assume they knew exactly the message they were sending.

POLICY makers in Washington must carefully assess the growing chumminess between China and Russia and what it means for America. To ignore it would be foolish.

Yes, China and Russia continue to be divided by a history of mutual distrust as well as by conflicting economic interests and Chinese territorial ambitions. China’s concerns about North Korea exceed Russia’s, and Moscow’s stake in Syria is greater than Beijing’s. And in Central Asia, the two nations are outright competitors. Moreover, China is a rising superpower and Russia is fighting to stay in the big leagues, which gives them different perspectives on world affairs.

That said, both countries share a strong interest in maintaining partnerships with the United States and the European Union, their main trading partners and the custodians of the international financial system, in which each has a major stake. These are powerful reasons for staying on good working terms with Washington, but the United States should not assume that they will halt the new anti-American tack in Beijing and Moscow. That would be a dangerous misreading of history.

Before World War I, many assumed that mutual economic entanglement and the huge costs of war would prevent conflict among key European powers. On the eve of World War II, Communist Russia and Nazi Germany seemed the unlikeliest of allies, until the two-year-long nonaggression treaty known as the Molotov-Ribbentrop pact left Europe in ruins and many millions dead.

President Obama should see China and Russia as neither enemies nor friends, but as significant powers with their own interests, as the Snowden affair showed. Initially, Mr. Obama railed publicly and ineffectually at both, urging them to extradite Mr. Snowden. Only when he softened his public stance and hardened his private line did Beijing and Moscow begin to see the advantages of avoiding further confrontation.

Washington needs to understand that most security threats around the world — from Syria to Iran to North Korea — can’t be managed safely and successfully without Russia’s and China’s cooperation. With respect to Syria, this approach would mean appreciating Moscow’s historical connection to the country’s Alawite leaders as well as Russia’s concern over the fate of Syria’s Christians, especially Orthodox Christians. In dealing with Beijing, it would mean strongly protecting American trade interests while understanding that Chinese leaders face real obstacles in tackling their own domestic economic problems.

To gain the respect of Russia and China, the White House must first demonstrate that American leadership is essential to solving key world problems, including those vital to China and Russia. America can’t be seen as passive.

Relations with Russia and China deserve to be given priority, but the United States mustn’t be afraid to stand firm in some cases or, in others, to partner with these two authoritarian but ultimately pragmatic powers. To do otherwise would be a folly of historic proportions.

Leslie H. Gelb, a former columnist, editor and correspondent for The New York Times, is president emeritus of the Council on Foreign Relations. Dimitri K. Simes is president of the Center for the National Interest and publisher of its magazine, The National Interest.

O Aspone do Aspone companheiro: enfim descoberto

Governo petista de Dilma encontrou até o cargo de chefe de gabinete do chefe de gabinete na estrutura organizacional da Presidência

A má gestão dos governos do PT não se refletem apenas no alto grau de empreguismo da companheirada e tampouco na falta de conhecimento, talento, aptidão e disposição para o trabalho dos nomeados, porque ainda pior é a falta de pudor e o histrionismo dos novos protagonistas da era lulo-petista.

Aí ao lado, você pode examinar um exemplo da falta de senso do ridículo da atual administração federal, que chega ao paroxismo de encontrar o inédito cargo de chefe de gabinete do chefe de gabinete.

Clique ao lado para ver melhor.
(da coluna diária do jornalista Políbio Braga, 5/07/2013)