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domingo, 5 de junho de 2016

A questao da lideranca regional do Brasil - Paulo Roberto de Almeida (2011)

Mais um desses textos que ficou perdido nas brumas dos inéditos, ou relativamente inédito. Feito para atender à demanda de um estudante para concluir seu trabalho de graduação, ele acabou ficando grande demais, e por isso impublicável nesse formato. Partes do texto podem ter sido aproveitadas em outros trabalhos, divulgados parcialmente ou episodicamente, mas não, certamente, o conjunto, tal como figura aqui. Suprimo o nome do aluno por sequer saber se e como meus argumentos foram efetivamente usados no seu trabalho de conclusão de curso.
A situação evoluiu, certamente, no que se refere ao tema principal, e o Brasil pode ter deixado de liderar, nos anos recentes, para ser liderado por países bolivarianos, o que também certamente veio a término com o fim do governo dos lulopetistas. Em todo caso, vale registrar o que eu pensava sobre a questão em 2011.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5 de junho de 2016.



A questão da liderança regional do Brasil:
um posicionamento analítico-diplomático

Paulo Roberto de Almeida
Entrevista concedida em 19/09/2011,
a estudante de RI de universidade brasileira.
(versão corrigida por PRA, 22/10/2011)

Transcrição de entrevista com Paulo Roberto de Almeida, ministro da carreira diplomática, professor de Economia Política no programa de mestrado e de doutoramento em Direito do UniCeub, realizada pelo aluno Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, da Universidade Xxxxxxxxxxx, em 19 de setembro de 2011, para seu trabalho de conclusão de curso. O tema central é a liderança do Brasil na América do Sul, e as respostas foram dadas a perguntas previamente formuladas pelo entrevistador. A transcrição é feita com base na releitura das perguntas, sistematicamente respondidas pelo entrevistado, uma após a outra, segundo percepções pessoais, sem notas ou sem preparação especial. O que segue é uma correção apenas formal da gravação transcrita, sem acréscimos ou reduções, apenas correções ortográficas ou de construção de frases.
Primeira pergunta: O que é liderança?
Liderança, em meu conceito, é o exercício natural da capacidade de liderar outras pessoas. Ou seja, ser reconhecido como líder por possuir qualidades de diferentes tipos: econômicos, de inovação, de capacidade política, de organização. A liderança é algo não imposto, e sim reconhecido e naturalmente exercido por alguém que tem condições de comandar, de organizar, ou de se fazer seguir. Nesse sentido é algo que pode ser construído naturalmente, por iniciativas próprias, de construção de poder econômico, de liderança política, de abertura de mercados ou até a capacidade de intervenção militar, mas que não é imposto, ou seja, é assumido como algo natural.
Segunda pergunta: E o que diferencia da hegemonia? Ou seja, em que medida a liderança se diferencia da hegemonia?
Precisamente, hegemonia é uma espécie de preeminência ou dominação que corresponde mais aos atributos brutos ou físicos quase, militares, econômicos, tecnológicos de alguém que pode exercer a liderança, mas não necessariamente de forma consensual. Ou seja, a hegemonia se impõe, por vezes de forma brutal, por vezes de forma mais “soft”, de forma mais natural, mas no plano da forma, ela é o contrário da liderança: em lugar de ser reconhecida, ela é aceita ou tolerada, na medida em que outros parceiros, outros países, vizinhos, correspondentes não têm a mesma capacidade de se impor; ainda que não estejam dispostos a reconhecer uma capacidade de liderança, aceitam a hegemonia por ser algo incontornável. É um pouco como a posição da Rússia na Ásia Central, dos Estados Unidos na América do Norte, um pouco como Roma na antiguidade clássica, primeiro no Mediterrâneo, depois em toda a Europa, um pouco como a China na sua imediata vizinhança, seja no Cazaquistão chinês, seja no Tibet, seja no antigo Anam (hoje Vietnã), seja na península coreana. A China se impôs como hegemônica em função de seu poderio próprio, o que não impediu que ela fosse invadida por estrangeiros em determinadas épocas e também fosse dominada por mongóis ou por manchus. Mas, justamente, liderança é algo que é aceito naturalmente e hegemonia é algo que se impõe sobre outros.
Terceira pergunta: Quais são os requisitos para o exercício da liderança?
Enfim, existem requisitos primários que são os de dispor de capacidade, força, recursos, seja para liderar outros países voluntariamente ou não, seja para atrair outros países para o seu próprio centro econômico; grandes mercados, países inovadores, países abertos a imigração, países com muitos recursos financeiros, muita poupança, capazes de investir em outros países ou capazes de receber produtos de outros países, capazes de receber material humano de outros países, podem exercer a liderança com base nesses elementos primários. Mas outros requisitos também existem e eles são mais intangíveis ou são mais contingentes. Por exemplo, a capacidade de organizar: todo espaço econômico e todo espaço político exigem certa ordem, certa estabilidade para que eles funcionem de forma adequada, para que as pessoas se sintam seguras, façam investimentos, transacionem, façam negócios, façam contratos. Tudo isso requer certa estabilidade política, financeira, certa estabilidade democrática, ou pelo menos institucional, isso também é um elemento importante para o exercício da liderança. E uma terceira ordem de fatores importantes para o exercício da liderança é a capacidade de um país, de uma economia, de um líder, ou de um hegemon, enfim, fornecer bens públicos. Bens públicos são aqueles espaços de políticas que precisam ser organizados por uma força, por uma liderança, por uma capacidade impositiva até. Se a gente partir do princípio de que toda ordem política ou de que toda ordem social é baseada em certa medida em regimes coercitivos, ou seja, regimes de manutenção da ordem, de defesa, de segurança, de estabilidade, de paz, proteção contra bandidos, piratas, ladrões, proteção contra invasores, estrangeiros, proteção contra ataques militares, alguém tem de ser capaz de fornecer bens públicos desse tipo. Ou seja, alguém precisa ter capacidade de sanção interna e externa para que haja segurança, estabilidade e tranqüilidade.
Esse bem público não é facilmente entregue; se formos examinar a experiência histórica dos últimos anos, o que que tivemos? Nós tivemos o primeiro choque do petróleo, em 1973, que foi causado por problemas econômicos, a desvinculação do dólar em ouro, em 1971, que por sua vez motivou a queda do dólar e, portanto, perda de renda para os exportadores de petróleo; ocorreu, por outro lado, o conflito no Oriente Médio, entre Israel e países árabes, o que levou os países da OPEP, mais exatamente os países da OPAEP, países da organização dos países árabes exportadores do petróleo, a se organizarem para defender o poder de compra das suas exportações, e portanto elevar o preço do petróleo, e por outro lado punir as potências ocidentais que apoiavam Israel. O primeiro choque do petróleo representou uma imensa transferência de renda dos países importadores de petróleo para os países exportadores e também quebra de contratos, interrupções de fornecimentos.
Países europeus e mesmo Estados Unidos ficaram ameaçados de não ter petróleo. Em um determinado momento os Estados Unidos ameaçaram invadir os campos do petróleo da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes, do Kuwait para eles próprios retirarem o petróleo. Henry Kissinger chegou a planejar uma operação militar, mas foi dissuadido por outros europeus; na verdade, o que se criou foi uma agência internacional de energia, com sede em Paris, destinada a organizar estoques de petróleo. Mas, 20 anos depois, Saddam Hussein invadiu o Kuwait, ameaçando monopolizar parte das fontes de petróleo, não apenas o seu Iraque, um importante produtor e exportador de petróleo, mas também o Kuwait, um importante produtor, mas ameaçando também se apossar dos campos de petróleo da Arábia Saudita, que ficam numa região próxima ao Kuwait. Houve novamente a ameaça de corte de fornecimento de petróleo para os países importadores. Os Estados Unidos assumiram uma posição de liderança, e até de hegemonia, e se instalaram na Arábia Saudita; pode-se dizer que retiraram Saddam Hussein do Kuwait a tapas e restabeleceram certo equilíbrio.
Liderança representa também a capacidade de prover a humanidade de bens públicos, ou seja, de garantir o livre acesso a bens estratégicos como o petróleo. Novamente, quando a Europa ficou convulsionada na ex-Iugoslávia, quando os Balcãs foram fragmentados pela guerra civil, os europeus se mostraram incapazes de resolver o problema do conflito dos Bálcãs, seja na Croácia, seja na Bósnia-Herzegovina, seja depois no Kosovo, mais uma vez se fez apelo aos Estados Unidos para resolver o problema, com bombardeios aéreos contra os sérvios. Algo poderia ter sido feito em Ruanda, para evitar o massacre de 500 mil pessoas. Algo ocorreu na Somália, os Estados Unidos interviram na Somália, como interviram no passado no Líbano, sempre a propósito de guerras civis que não ameaçavam absolutamente em nada a segurança americana, mas havia uma demanda da opinião pública mundial, tanto no caso dos Bálcãs, como no caso da Somália, como no caso do Líbano, demanda para cessar a matança, o que não ocorreu em Ruanda, ou foi feito muito tardiamente.
Nesse sentido, o líder é aquele que consegue prover os demais países de bens públicos. Bens públicos significa, em primeiro lugar, segurança. Quem assegura a tranqüilidade dos mares no estreito das Molucas, no canal do Suez, nas linhas de navegação do Atlântico ou do Pacífico senão as várias frotas americanas espalhadas pelo mundo? Temos hoje um problema de piratas nas costas da Somália, no Mar Vermelho, como já houve um problema de piratas um século e meio atrás, no Mediterrâneo, com os chamados “piratas da Barbária”, nas costas do norte da África, piratas nos sultanatos e em algumas possessões do império otomano no norte da África, na Líbia, na Argélia; países ocidentais tiveram que se organizar, os próprios fuzileiros navais americanos foram ao Mediterrâneo para combater os piratas que ameaçavam os navios comerciais americanos.
Hoje em dia temos o mesmo problema: alguém precisa combater os piratas da Somália que estão assaltando pretoleiros, navios cargueiros, navios de turismo, sequestrando pessoas, etc... Então, alguém precisa ser capaz de exercer a liderança e de entregar esses bens públicos que são a segurança e a tranquilidade dos canais de comércio. Os europeus, os japoneses, os russos, os chineses não parecem ser capazes de fazê-lo. Os Estados Unidos se revelam o único país capaz da tarefa, e isso é liderança. Roma exerceu um papel desse tipo na Antiguidade, ao pacificar a Europa convulsionada por tribos bárbaros e, durante dois ou três séculos, o império romano foi uma região de relativa paz, de estradas seguras, de comércio, de prosperidade; isso continuou até que Roma, por erros fiscais, tributários, econômicos, entrou em decadência e foi, por sua vez, dominada por bárbaros invasores. Ou seja, a liderança sempre é ambígua: ou é algo aceito naturalmente, ou de alguma forma imposto, mas que vai além da simples dominação bruta e se exerce também no sentido de oferecer mercados, acolher imigrantes, entregar bens públicos mundiais que não são fornecidos por outros, pelo chamado sistema internacional. Coincidentemente, não foi a ONU que tirou Saddam Hussein do Kuwait, não é a ONU que consegue eliminar genocídios em determinados países, não é a ONU que consegue parar a matança que ditadores fazem contra a sua própria população, seja na Líbia, seja na Síria; são, sim, países da OTAN, enfim, os líderes militares mundiais, com os EUA à frente.
Quarta pergunta: O Brasil deve buscar exercer uma liderança na América do Sul? Se sim, que tipo de liderança o país deve tentar exercer?
Essa questão, a do Brasil buscar uma liderança na América do Sul, tem sido colocada em diferentes épocas. No que concerne a diplomacia brasileira, que eu conheço melhor, nós diplomatas sempre evitamos pronunciar essa palavra, que é mais ou menos tabu para a diplomacia brasileira; evitamos de sequer mencionar essa expressão, porque a liderança pode ser confundida com hegemonia, justamente.
O Brasil, por boas e más razões, não tem uma boa imagem entre os vizinhos; se tratava de um território pequeno que cresceu: o espaço português na América do Sul era menor do que ele se tornou depois de dois séculos, devido a penetração de portugueses pela América do Sul, na Amazônia, no Sul; o território brasileiro se expandiu e ficou o país mais importante em termos de território da América do Sul, o que causa certas suspeitas nos vizinhos. Nessa época, o Brasil sempre tinha problemas de acesso a suas províncias internas, no século XIX, no Mato Grosso, em Goiás, regiões que só podiam ser acessadas pela bacia do Prata, dada a inexistência de estradas interioranas; era essencial preservar a liberdade de navegação no Prata e, em função disso, o Brasil se meteu em algumas aventuras na região do Prata, no Uruguai, na Argentina, no Paraguai.
Por diferentes motivos, havia uma clara visão portuguesa de fazer o Brasil chegar ao Prata e por foi criada a Colônia do Sacramento, no atual Uruguai; depois Portugal negociou a sua retirada, pelo Tratado de Madri, do que se chamava de banda oriental do rio Uruguai, mas voltou, já com a corte portuguesa no Rio de Janeiro, anexou o Uruguai, na passagem para a independência e o Império, se envolveu em uma guerra contra a Argentina, por causa do Uruguai, que tampouco teve o favor dos países hegemônicos, Inglaterra e França, porque elas também viam com suspeição essa penetração do Brasil no Prata, esse agigantamento, podendo bloquear os acessos; então, o Uruguai foi favorecido, tornando-se um país independente. Mas o Brasil se envolveu em outras querelas no Prata, mais para se defender de uma eventual hegemonia da Argentina, que queria reconstruir o vice-reinado do Prata, do que para ele mesmo impor sua hegemonia nessa região; o Brasil atuou ou se envolveu em conflitos locais, com o objetivo de manter livres as vias de navegação e para impedir uma dominação argentina sobre as duas margens do Uruguai e do Paraná.
Desde essa época, há certa desconfiança dos nossos vizinhos do Prata, certa desconfiança dos nossos vizinhos amazônicos, quanto a nossa projeção amazônica, a exemplo da compra do Acre, um pouco imposta aos bolivianos. Tudo isso deixou a nossa diplomacia muito cautelosa em termos de qualquer pretensão à liderança na América do Sul, conceito que sempre recusamos.
O conceito ressurgiu mais recentemente no governo Lula, equivocadamente, pode-se dizer. Ele foi mobilizado pela ideia de que o Brasil é grande, de que uma liderança popular esquerdista, progressista, que tomou posse no Brasil em 2003, com um discurso sul-americano, ou latino-americanista, ou em favor da união dos povos na América do Sul, um pouco na concepção esquerdista do PT, que é uma concepção equivocada, de afastar os Estados Unidos, como se os EUA representassem uma ameaça real à nossa independência, à nossa soberania, seja na parte econômica, seja na parte comercial, seja na parte militar. Dessa concepção se passou à ideia de influência política do Brasil, que é uma proposta equivocada, ao projeto de se fazer de uma organização sul-americana, que seria obviamente anti-imperial, antiamericana, e que o Brasil seria então o organizador dessa resistência anti-imperialista.
Trata-se de uma concepção equivocada, mas os pequenos países, tipo Uruguai, Paraguai, Equador, talvez Bolívia – vendo nessa disposição do Brasil de se voltar mais enfaticamente, mais acentuadamente para a América do sul, não por via militar, mas por via comercial, econômica, de investimentos, de ajuda, de cooperação – viram aí uma oportunidade de extrair alguns recursos do Brasil, e passaram então a proclamar a liderança brasileira. O primeiro exercício desse tipo foi logo depois da posse de Lula, quando ele viajou para a posse do Lucho Gutiérrez, no Equador, em janeiro de 2003, ocasião na qual o Brasil foi saudado como líder. Considero que Lula se encheu de certa empáfia, um pouco de arrogância também, e acreditou realmente, ou se convenceu, que os países sul-americanos estavam aguardando, ou pedindo uma liderança do Brasil. Talvez fosse o caso dos pequenos, que como disse, faziam uma espécie de chantagem para extrair recursos do Brasil. O próprio presidente equatoriano na época, que depois foi expulso por corrupção, Lucho Gutiérrez, tinha sido estudante da academia militar no Rio de Janeiro, como militar de origem, e gostava do Brasil; foi ele quem proclamou essa liderança do Brasil, junto com outros países pequenos também. O Paraguai, por exemplo, possivelmente estava querendo vantagens econômicas, a Bolívia também, o Uruguai talvez, todos eles se declararam dispostos a apoiar a posição do Brasil, a candidatura do Brasil ao Conselho de Segurança e outras iniciativas brasileiras.
Então, ocorreu uma assunção equivocada, ao meu ver, dessa liderança brasileira na América do sul. Lula traçou todo um projeto diplomático, aliás muito mal desenhado, que foi mais improvisado do que sistematizado, que ele chamou de “diplomacia da generosidade”, ou seja, de desviar importações que o Brasil fazia de outros mercados para a América do sul. Lula chegou até mesmo a conclamar os empresários a importar dos vizinhos, ainda que fosse mais caro, porque seria um favor que o Brasil estaria fazendo a países mais pobres, isso equivocadamente, já que muitos deles têm renda per capita até superior à do Brasil. O Brasil, na verdade, tem mais desigualdades internas, mais pobreza interna, do que muitos desses países.
Lula proclamou uma série de iniciativas sul-americanas, na linha da “generosidade”, com financiamentos no BNDES, investimentos brasileiros, e passou a organizar a América do Sul supostamente para resistir ao império. Em primeiro lugar, organizou uma ofensiva contra a ALCA, como se a ALCA fosse algo absolutamente negativo; os países da região, na verdade, buscavam investimentos americanos, buscavam o mercado americano, e estavam negociando a ALCA. O PT sempre teve uma postura anti-ALCA, posição ideológica, principista, não necessariamente derivada de uma análise econômica, ainda que a ALCA apresentasse, evidentemente, grandes desafios. Mas o Brasil de Lula mobilizou a Argentina e a Venezuela e os três conseguiram implodir a ALCA. O resultado foi que vários desses países buscaram concluir acordos bilaterais de livre comércio com os Estados Unidos, como Colômbia e Peru; outros teriam feito, também, se pudessem. O Equador e a Venezuela certamente estariam nessa mesma dimensão, se não tivessem mudado de orientação, com governos anti-imperialistas, esquerdistas. Os Estados Unidos negociaram vários acordos de livre comércio com países sul-americanos, menos com o Brasil e o MERCOSUL.
O Brasil então propôs a CASA, Comunidade Sul-Americana de Nações, projeto que já era um exercício de liderança sul-americana, mas que não foi muito bem recebido pelos demais: no lançamento da CASA que foi feita em dezembro de 2004, no Peru, em Cusco, nenhum presidente do MERCOSUL compareceu a não ser o próprio Lula. Depois, no decorrer de 2005, quando o Brasil ofereceu o Rio de Janeiro para sediar o secretariado da CASA, a proposta foi recusada pelos outros países sul-americanos; mais adiante, por manobras de Chávez, a CASA até deixou de ter esse nome. Ela virou a Unasul, numa reunião em Isla Margarita, na Venezuela, em 2007. Transformada em Unasul, a sede, ou o seu secretariado, se instalou em Quito, no Equador, um país aliado de Chávez e da política de Chávez.
A autoproclamada liderança do Brasil na América do Sul rendeu talvez alguns poucos benefícios entre os países menores, mas os países maiores resistiram, Colômbia, Argentina, Venezuela, certamente, porque não gostariam de ver o Brasil como sendo o grande hegemon na América do Sul. Se algum tipo de liderança devesse  ser exercido pelo Brasil na América do Sul, seria justamente uma liderança de tipo benigno. Em que sentido? O Brasil é um grande mercado, uma grande economia, pode ser, sim, o centro de um espaço econômico e oferecer os seus mercados aos produtos dos países vizinhos. O Brasil poderia ser aquilo que a Inglaterra foi, durante certo momento, no século XIX, praticar o chamado livre cambismo universal, ou seja, abrir os seus mercados aos países vizinhos sem qualquer tipo de defesa tarifária, de barreira, tarifas altas ou proteção; ele não faz e não pode fazer isso porque o MERCOSUL constitui uma união aduaneira, o que impede o Brasil de, livremente, conceder esse tipo de benefício aos países vizinhos.
Em todo caso, essa seria um tipo de liderança que o Brasil poderia tentar exercer. Se o Brasil quiser ser líder, ele deveria prover alguns bens públicos. Vejamos: quais são, basicamente, os problemas da América do Sul? Infraestrutura, logística, problemas similares. O Brasil deveria ser o grande investidor na região nesse tipo de empreendimento, vinculações físicas, o que o presidente Fernando Henrique Cardoso tentou fazer com a criação da IIRSA, a Iniciativa de Integração da América do Sul, em 2000. Esse projeto ficou parado no governo Lula, porque Lula recusava todas as coisas que tinham sido feitas no governo Fernando Henrique Cardoso. Na verdade, ele aproveitou os mesmos projetos com outros nomes, com outros rótulos, mas as mesmas políticas. A IIRSA ficou parada durante muito tempo, todos os projetos de ligação física ficaram parados durante muito tempo e, mesmo assim, o Brasil é um país que não tem recursos sequer para investimentos públicos em seu próprio território, quanto mais para investimento físico em outros países. Isso deveria ser feito em cooperação com o BID, com o Banco Mundial, com a CAF (Corporación Andina de Fomento), com o Fonplata, com investimentos privados. Mas tanto o Brasil, quanto os países latino-americanos, ou mais especificamente os sul-americanos, não conseguem se organizar, justamente para oferecer um ambiente seguro de negócios para os investimentos privados e para grandes projetos de infraestrutura financiados em regime de consórcio. Isso ocorre seja porque os projetos não são elaborados concretamente, seja porque os países têm diferentes regimes de concessão de serviços públicos, seja porque têm monopólios, problemas burocráticos de organização, e nada se faz.
Por outro lado, além dos problemas de ligações físicas, quais são os grandes problemas da América do sul? Segurança! Não tanto contra ameaças externas, que não existem, mas sim ameaças internas. O continente tem problemas de narcoguerrilha –aqui basicamente na Colômbia, vinculado a um problema de narcotráfico – e de uma extensa criminalidade, também vinculada ao tráfico ou a práticas criminosas, problemas de contrabando de armas, de pessoas, lavagem de dinheiro, muita corrupção e fronteiras porosas onde se faz todo tipo de pequenos e grandes tráficos. Ou seja, se o Brasil quisesse exercer algum tipo de liderança ele deveria ajudar a Colômbia a combater um grupo absolutamente nefasto identificado como terrorista pelo governo colombiano e pelo governo americano. Trata-se de uma guerrilha anacrônica, já que ninguém mais pensa, hoje em dia, em instaurar o socialismo, do tipo soviético, do tipo chinês ou cubano na América do sul, um grupo que surgiu no contexto nos anos 60 e se perpetua até hoje na industria de seqüestros e, sobretudo, no narcotráfico, ou seja, um bando de criminosos comuns, um problema que deveria ter uma solução política ou militar.
Como o PT é um partido vinculado a esse tipo de movimento guerrilheiro, esquerdista, de liberação nacional ou de contestação ao capitalismo, ao imperialismo, e como as FARCs faziam parte do “Fórum de São Paulo”, liderado pelo PT, o Brasil deixou justamente de oferecer uma liderança do tipo positiva para se oferecer como intermediário num tipo de conflito no qual se considerava a as FARCs como parte legítima. O assessor especial da Presidência para assuntos internacionais chegou a oferecer os bons serviços do Brasil para mediar o conflito entre o governo colombiano e as FARC, no que foi imediatamente rebatido pelo governo colombiano, que afirmou que não estava pedindo nenhuma mediação, que se tratava de um grupo ilegal, de criminosos, traficantes, terroristas, que eram contra uma democracia legítima, que tinha eleições a cada 4 anos, se alternavam os partidos no poder e que o grupo das FARC estava à margem da lei, da legalidade; não era, portanto, o caso de mediar nenhum conflito, porque não se reconhecia o status de grupo combatente, mas sim que eles deviam se render e passar a um tipo de luta política que outros grupos guerrilheiros na América fizeram, como em El Salvador. Então, o Brasil deixou de exercer uma liderança que era justamente para acabar com o foco de narcotráfico, que prejudica o Brasil, inclusive.
O mesmo problema ocorre em relação à Bolívia, em virtude de uma identificação errada da diplomacia brasileira liderada pelo PT com respeito a partidos políticos. Em primeiro lugar há uma interferência nos assuntos internos dos outros países. O fato de Lula, por exemplo, nas eleições presidenciais de 2003, na Argentina, quando Lula decidiu apoiar Nestor Kirchner, e ignorar os demais candidatos; uma postura errada, já que nenhum governo tem o direito de intervir nas questões internas de outros países. Imaginemos que ganhasse uma outra liderança, como é que ficaria a postura do Brasil? Ao ter apoiado um dos candidatos e não ter se mantido neutro como seria a postura correta – e Lula apoiou Kirchner na Argentina –, Lula correu um grande risco; ganhou, certo, mas se não tivesse ganho Kirchner, seria muito ruim: como teriam ficado as relações do Brasil com a Argentina. Da mesma forma, Lula apoiou Evo Morales na Bolívia, quando não deveria ter apoiado; ganhou novamente, tudo bem, mas poderia ter perdido, e o Brasil ficaria mal com um governo de outra vertente política. Apoiou o Chávez, várias vezes, na Venezuela, mais uma vez não deveria ter apoiado, não deveria sequer ter interferido nos conflitos internos da Venezuela, e sim defendido a democracia assim como a Carta Democrática da OEA.
Lula teve uma sorte extraordinária, mas de toda forma é errado tentar exercer esse tipo de liderança que distingue partidos porque um é progressista, um é de esquerda, eu apoio, o outro é de direita, eu não apoio, então saúda as lideranças de esquerda quando isso é absolutamente equivocado no plano diplomático, de um Estado responsável. Então, isso não é exercer liderança, isso é exercer partidarismo, preferências ideológicas, preferências políticas, absolutamente contrárias a qualquer tipo de liderança, que deve ser neutra nas disputas políticas internas de quaisquer países. Portanto, o tipo de liderança que o Brasil deveria exercer é justamente aquele que ele não exerceu, ou que exerceu mal, durante toda a gestão de Lula, que se refere às posições políticas internas dos países vizinhos. Hoje, esse tipo de postura, felizmente, está sendo superado, parcialmente ao menos.
Quinta pergunta: O Brasil possui os requisitos necessários para exercer uma liderança na América do sul? Quais as potencialidades e as limitações de uma liderança brasileira?
O que significa exatamente “requisitos necessários para exercer uma liderança”? Como já dito, é preciso, em primeiro lugar, se ter um país que seja admirado e que os outros desejem imitar. Por que? Porque teve sucesso, construiu uma economia pujante, tem uma sociedade próspera, uma institucionalidade estável e democrática, respeitadora dos direitos humanos, e isso é um pouco do que as democracias europeias construíram ao longo do tempo, com algum sofrimento, algumas guerras, algumas crises, guerras civis e outras, mas construíram sociedades caracterizadas pela tolerância religiosa, pela estabilidade democrática, pela prosperidade econômica, pelo bem estar, com bons indicadores de desenvolvimento humano. Ou seja, países assim, exercem simpatia, exercem atração; todos os pobres do mundo querem emigrar para esses países.
Então, a primeira condição para exercer uma liderança é ser admirado, querer ser imitado porque se obteve sucesso. Ninguém quer imitar um fracasso, ninguém quer seguir um modelo africano de guerra civil, isso seria uma incongruência. Por outro lado, por mais que se admire o crescimento da China, ninguém quer ser uma ditadura autocrática como a China; todos querem viver num país livre, em que você possa ler o que você quiser, votar em quem quiser, ter direito de opinião, direito de religião, liberdade de movimento. Isso é algo que é construído pelo próprio país e passa então a ser admirado e imitado por outros.
O Brasil, pode-se dizer que teve sucesso em algumas áreas de desenvolvimento econômico e social, mas não muito, é um país caracterizado por muita miséria, por desigualdade, por muita corrupção, por muita violência, muita delinqüência. Não são atributos, digamos, que as pessoas queiram imitar, ou são atributos justamente que as pessoas querem evitar. Ninguém quer morar em um país em que você pode ser assaltado à noite ou em plena luz do dia, em que você pode ser morto por um bandido na sua casa ou na rua, em que você vê o seu dinheiro de impostos arrecadado duramente ser dilapidado em roubalheiras, em corrupção, ninguém quer ter baixo crescimento, ou seja, progredir muito lentamente, todo mundo quer ficar rico, todo mundo quer ter renda, todo mundo quer viajar, todo mundo quer comprar bens. E o Brasil não é exatamente um país exemplar nesse plano. Ainda que ele tenha construído uma economia industrial, o Brasil tem muita miséria, muita corrupção. Em primeiro lugar, o Brasil precisaria ter vencido as próprias mazelas, os próprios problemas para então ter condições de exercer liderança.
Em segundo lugar, muito se repete uma frase um pouco ambígua, mas se diz que o Brasil não tem excedentes de poder, pode até ter mais do que outros países, mas não tem, assim, excessos. Excedentes de poder querer dizer o que? Tendo resolvido todos os teus problemas internos, pelo menos o básico, o essencial, e tendo certo nível de prosperidade média, você passa a ter condições, recursos, capacitação para transmitir um pouco daquilo que você fez de bem para outros países, seja em financiamento, em cooperação, em investimento, ao aceitar imigrantes em seu próprio país, como bolsistas, ou como imigrante mesmo; você pode também investir em outros países, dar bons exemplos, sobretudo, ter disponibilidade de recursos para ajudar outros países em caso de catástrofes. Quando se tem uma catástrofe em qualquer lugar do mundo, um tsunami, terremoto, seca, inundação, guerra civil, você vê países chegando com aviões, homens, comida, remédios, tendas, e tudo mais para ajudar. A capacidade do Brasil de fazer tudo isso é muito pequena, não temos capacidade de projeção externa para fazer “bondades internacionais”, muito menos do que os europeus, americanos, que os japoneses têm. Por que? Porque são sociedades prósperas. Então, o excedente de poder significa ter, em primeiro lugar, capacidade econômica.
Em terceiro lugar, existe aquilo que se chama de capacidade de impor a paz. Não é só manter a paz quando todo mundo já se matou em uma guerra civil e chega a ONU para colocar forças de interposição, de peacekeeping. É também impor a paz, ou seja, quando está havendo um conflito, poder interromper antes que se matem todos; isso o Brasil tem muito pouca capacidade de exercer. Ou seja, é basicamente ter duas coisas: soldado e talão de cheque. Ter soldado e ter talão de cheque para, seja exercer o bem público que se chama segurança, pacificação, ordem, estabilidade, combate ao crime, violência; seja talão de cheque para pagar cooperação, investimentos que se possa fazer.
Desse ponto de vista, o Brasil ainda não tem todos os requisitos necessários, inclusive porque ele não faz para o seu próprio povo, quando tem inundação, desastres ambientais etc. No Brasil, o Estado é incapaz de assegurar uma assistência rápida, e quando existe alguma assistência você vê o dinheiro sendo desviado. Não é exatamente um modelo de eficiência, de organização para exercer uma liderança.
A segunda parte dessa quinta pergunta refere-se às potencialidades e as limitações de uma liderança brasileira. Sendo um grande país, quase a metade da América do Sul em termos de população e território, mesmo com todas as desigualdades, injustiças e desequilíbrios existentes, o Brasil é um grande mercado, pela massa crítica, assim como a China. Mesmo se esta tem um décimo da renda per capita americana, é um enorme mercado, é a segunda economia mundial, então há um certo peso derivado da massa atômica, digamos assim, que faz com que o país tenha potencialidade, tenha condições de exercer liderança. Então o mercado brasileiro, sendo grande, ele acomoda fornecimento de outros países. Se formos considerar o Brasil em relação ao Uruguai, o que é o Uruguai senão um bairro de São Paulo? 4 milhões de habitantes, ou menos, cabem em uma parte da cidade de São Paulo. O que isto quer dizer? Uma fábrica brasileira com a produção de um dia abastece o Uruguai praticamente durante todo o ano, enquanto que a produção de um ano do Uruguai não conseguiria, por mais que desejasse, abastecer o Brasil. Então, essa desproporção faz com que seja fácil ao Brasil se abrir a países menores, mesmo países médios, oferecer uma parte do seu mercado, o que ele não faz por um protecionismo inerente à mentalidade brasileira.
O Brasil não é um país tão atrasado no plano material, ele é até relativamente desenvolvido, mas é um país atrasado no plano mental. As pessoas, as lideranças políticas, e mesmo certos economistas e empresários do Brasil são muito mercantilistas: são a favor da exportação, mas são contra a importação, acham que se deve proteger o mercado interno. A começar por esse absurdo que está na Constituição, que abriga um artigo 219 que define o mercado interno como fazendo parte do patrimônio nacional; isso é uma bobagem monumental: mercado é uma coisa abstrata, mercado são milhares de relações que se passam cada vez que uma pessoa faz uma compra, faz uma venda, vende a sua mão de obra e compra um objeto, isso é mercado. Mercado ser considerado um patrimônio é uma bobagem monumental. Isso reflete muito essa mentalidade mercantilista que distingue o mercado interno do mercado externo e considera uma ameaça a entrada de produtos concorrentes do exterior. Esse atraso mental está plenamente confirmado pelas políticas recentes, relativas à indústria automotiva; o ministro da área econômica fala em “concorrência predatória do exterior” o que é uma bobagem monumental.
Então, o país não tem condições de exercer liderança nenhuma reclamando da “concorrência predatória do exterior” porque, no sentido inverso, se pode ter outros países reclamando da “concorrência predatória” de produtos brasileiros em seus mercados, se por acaso eles entrarem mais barato nesses países. É inacreditável como essa mentalidade ainda se exerce no Brasil. Então, as potencialidades materiais são enormes, mas as limitações são basicamente de ordem mental na incapacidade de conceder um sistema aberto, cooperativo, de livre comércio, de integração real com os outros países, no livre jogo da economia, em vez de perseguir o mercantilismo e o protecionismo mais tacanho, mais mesquinho, que muitas vezes se exerce aqui.
Sexta pergunta: por vezes o brasil é descrito como Soft Power country. Na região o país busca exercer uma soft leadership?
Existe muito equívoco quanto a essa questão do soft power, ou soft leadership. Por um lado, isso quer dizer que países que são admirados, seguidos, ou que lideram naturalmente não podem ser apenas hard power, ou seja, se impor pela força bruta. Eles teriam também que exercer liderança intelectual, a disposição de se abrir, de acolher os estrangeiros, abrir os seus mercados. Tudo isso é válido, mas é um pouco para dizer que os EUA não são apenas hegemônicos, mas também são também admirados pelos seus produtos: iPod, iPhone, McDonalds, pelos filmes de Hollywood, pela música, por tudo aquilo que a cultura americana representa, para o mal ou para o bem, seja de merchandising e de marketing, seja de consumo de qualidade, o soft power são esses bens intangíveis, que fazem com que um país seja admirado pelas suas qualidades, e não temido pela sua capacidade de se impor brutalmente.
Esse tipo de conceito não se aplica ao Brasil. E se fosse aplicado, seria muito equivocado. Muita gente diz que o soft power por parte do Brasil é, em parte, uma frustração, pelo fato do país não poder ser hegemônico. Países que são poderosos, são poderosos, ponto, e não precisam pedir desculpas a ninguém para serem poderosos. Quem não tem poder costuma recorrer ao Direito Internacional, à solidariedade, à legalidade. Então, como não se tem poder, então tudo fica no diálogo, ao tentar dizer: “Não à força, sim ao direito, aos tratados, à cooperação, o diálogo, a solução pacífica”. Tudo bem, a solução pacífica é muito boa, o diálogo é muito bom, a democracia é muito boa. Mas em alguns casos você tem que ser malvado. Frente a um ditador como Saddam Hussein, frente a déspotas como os do Khmer Rouge, no Camboja, o massacre dos sérvios nos Balcãs, na Bósnia, ou no Kosovo; o massacre dos Tutsis pelos Hutus em Ruanda, o massacre da população na Somália por senhores da guerra; ou a morte de pessoas manifestando pacificamente na Líbia ou na Síria.
Tudo isso é muito complicado, e às vezes não se resolvem problemas apenas com palavras; se tem que chegar lá e baixar o cacete no ditador, como se fez na Líbia, para garantir a vida das pessoas, ainda que isso traga desgaste de algum tipo. O soft power então funciona quando você tem um regime reconhecido por todos, de estabilidade; então, em lugar de se impor pela força, a imposição se dá pelo exemplo, pela capacidade de fazer o bem, como fazem os canadeneses, os escandinavos, que são bondosos com todo o mundo, mas isso funciona até certo limite.
O Brasil pode talvez ser descrito como soft power porque talvez ele não tenha um exército capaz de impor a sua vontade sobre o resto da região. Se ele pudesse, talvez ele pudesse dizer para a Colômbia: “Olha, nós vamos resolver o problema da FARC, acabando com as zonas liberadas pela guerrilha e colocar ordem no país”. A Colômbia voltará a ser um país tranquilo, inclusive porque está afetando o Brasil pelo tráfico de armas, tráfico de cocaína, lavagem de dinheiro etc. Como ele não pode fazer isso por não ter capacidade, então ele fica no diálogo, soluções de negociação, etc. Então ele é um soft power às vezes porque não pode ser outra coisa.
Digamos que, claramente, é muito melhor ser soft power do que ser um hard power. Ninguém gosta do grandalhão, que na escola bate nos pequenos. Você prefere que todos sejam amigos, iguais e façam as coisas de forma consensual. Tudo bem, nem sempre é possível fazer isso e as vezes você precisa ser um hard power também. Se o Brasil busca exercer uma soft leadership, certamente, já que a gente não tem condições de fazer outra coisa, a gente fica proclamando a cooperação, o diálogo, as transferências de recursos para países menores, a diplomacia da generosidade etc.
Mas na verdade o que você deve fazer é estimular os negócios. Ninguém gosta de receber esmola, ou de receber bondade. Você gosta é de ter uma relação de igual para igual, mesmo um sendo pequeno e outro sendo grande. Relação de igual para igual é ter oportunidades iguais ou ter chances de disputar um mercado com base no seu próprio mérito, na sua própria capacidade. Então, na verdade, o Brasil deveria - como já disse várias vezes – abrir os seus mercados e buscar exercer um papel positivo na formação de um ambiente favorável aos negócios no país, que é investimentos em logística, infraestrutura física, abertura de mercados, democracia, cooperação, tudo isso.

América do Sul
Sétima pergunta: Há objetivos em comum que justifiquem uma liderança na região:
Certamente, a América do Sul não é diferente de qualquer outro povo, de qualquer outro lugar quanto a aspirações e desejos. Quais são essas aspirações? Em primeiro lugar, viver em paz, sem guerra sem ameaça, viver em segurança. Em segundo lugar, prosperidade, ou seja crescimento econômico, aumento da renda, disponibilidade de bens. Em terceiro lugar, mas sem uma ordem específica, liberdade: liberdade de movimento, liberdade de opinião, de expressão, democracia, transparência, não corrupção. Governos accountables, como dizem os americanos; governos responsáveis e que prestam contas aos seus cidadãos. Eu acho que toda pessoa sensata deseja isso.
Mas a América Latina, em geral, e a América do Sul não são isso. Se trata de uma região com muita corrupção, com muita desigualdade, com muita pobreza, muita miséria, muita violência urbana, pouco desenvolvimento, pouca infraestrutura física, imensos problemas, baixa educação. Ou seja, a América Latina ainda é, em grande medida, subdesenvolvida. O primeiro objetivo da América Latina seria se tornar um continente mais rico, com países mais ricos do que eles são. Não é por causa da exploração por potências coloniais, coisa que já acabou há duzentos anos, ou pela exploração de imperialismos atuais nos últimos cem ou cento e cinquenta anos, que a América Latina é subdesenvolvida. Não! Ela é subdesenvolvida por deficiências próprias, porque o imperialismo pode ou não existir, mas pelo menos na sua versão americana ele vem fazer negócios. O imperialismo norte-americano é um imperialismo dos investimentos, do comércio, da abertura de mercado, dos negócios basicamente, que em teoria beneficia todo mundo. Os EUA não tem nenhum interesse em manter a América do Sul pobre, porque seria justamente o contrário do que o capitalismo pretende. O capitalismo quer consumidores, para ter consumidores tem que ter renda, para ter renda, precisa ter economias prósperas. Então é uma grande bobagem essas teorias do Eduardo Galeano e outras falam das “veias abertas da América Latina”, que nós somos pobres porque eles nos exploraram e eles são ricos porque nós somos pobres. Tudo isso isso é uma bobagem monumental.
Então o objetivo comum seriam este: trazer prosperidade a todos. Como é que se traz prosperidade? Bem, olhando o mundo, e vendo os países que hoje são ricos, mas que já foram pobres no passado – economias agrículas do passado que se tornaram economias industriais e economias avançadas, sociedades do conhecimento – você tem algumas receitas: baixa capacidade de extração fiscal do Estado, iniciativa privada, liberdade de contratos, garantias de propriedade, judiciário funcionando, Estados menos corruptos, e sobretudo competição.
Se ouso resumir os requerimentos para um sucesso na vida econômica eles são muito simples. Eles são uma macroeconomia estável, de baixa extração fiscal, de responsabilidade orçamentária, inflação reduzida e controlada, moeda estável defendendo seu poder de compra, liberdade de iniciativas por um lado. Em segundo lugar, uma microeconomia competitiva, ou seja, empresas que competem entre si, e não monopolios estatais ou até monopolios privados setoriais, carteis. A competição é o melhor regime possível, porque você consegue fornecer bens mais baratos e de melhor qualidade para as pessoas. Na ausência de competição você tem as porcarias que sempre tivemos aqui no Brasil. A ausência de telefone, ausência de transporte, comunicação, coisas caras e de má qualidade. A terceira condição é ter instituições de governança de qualidade. Um judiciário que funcione, não que demore 8 anos para entregar um laudo ou uma decisão. Um Estado eficiente que não seja invasivo, mas que funcione, o que não é bem o caso atualmente; saúde, educação, infraestrutura funcionando, o que também não é o caso do Brasil. O quarto requerimento é ter alta qualidade de recursos humanos, o que depende de educação de qualidade, o que também é uma falha tremenda na América do Sul. E quinta, a abertura ao comércio internacional, aos investimentos que atraem alta tecnologia, atrai know how, e faz com que você se desenvolva no plano da capacitação tecnológica mundial.
Tudo isso deveriam ser objetivos dos países da América do Sul, e não são porque temos lideranças falhas, pessoas de baixa educação acabam elegendo demagogos, populistas, salvacionistas e visionários que prometem mundos e fundos e acabam dilapidando recursos públicos em políticas erradas e processos inflacionários, um Estado muito invasivo, o que provoca fuga de capitais, inflação, e ai você não tem desenvolvimento e prosperidade. Então o objetivo principal, em primeiro lugar, seria esse: dispor de regimes estáveis, economicamente e politicamente, com a prosperidade pela via da iniciativa privada, porque se fosse para construir pela via da iniciativa estatal, eu acho que a experiência dos 70 anos do socialismo mostrou que não é o caminho. Se o controle estatal fosse sinômico de prosperidade, os países socialistas seriam hoje potências incomensuráveis, e não a miséria que foram e que por isso mesmo impludiram em ineficiência e em total descalabro econômico.
Eu acredito que esses objetivos deveriam se privilegiados por todas as pessoas sensatas na região, e ainda não é o caso. Temos lideranças que ainda estão construindo o socialismo do século XXI, que na verdade é uma bobagem monumental, que é uma estatização absolutamente irracional da atividade privada que só redunda em perdas, fuga de capitais, evasão de pessoas e de recursos humanos etc. Então eu acho que esses objetivos deveriam ser de todos os sul-americanos. Infelizmente não são. O continente ainda é muito atrasado mentalmente, como eu digo.
Oitava pergunta: As divergências políticas dos governos sul-americanos dificultam o surgimento de uma liderança regional? De que forma o Brasil deve lidar com isso?
Bom, eu não acredito que isso seja uma colocação válida. Não é a divergência política entre os governos que dificulta o surgimento de uma liderança regional. Em primeiro lugar porque os países podem ter, e têm, divergências políticas. A Europa é um exemplo de um mosaico de povos que tem governos de esquerda, de direita e de centro, nos mais diferentes cantos da Europa; no entanto, existe um projeto unificador. Mas mesmo que não houvesse uma União Européia, que a Europa não fosse um continente com um projeto político comum, poderia ser uma região de paz – o que ela não foi até a Segunda Guerra Mundial – se os governos fossem tolerantes entre si. Mas na verdade houve momentos de paz na Europa. No século XIX, pelo menos, quase não houve guerras na Europa, a não ser em algums momentos determinados, e por desejo justamente de impor uma liderança alemã, combatida pelos franceses e ingleses.
De forma similar, no caso da América do Sul, divergência política sempre haverá. As sociedades humanas são divididas em linhas religiosas, linhas políticas, linhas econômicas e crenças diversas. Alguns acreditam mais no Estado, outros acreditam mais na iniciativa privada; outros acham que a distribuição de renda tem que ser feita pelo mercado, outros acham que tem que ser feita pelo Estado. Isso vai estar conosco durante muito tempo, então haverá espaço para divergências políticas.
Mas isso, na verdade, não quer dizer dificuldade para o surgimento de uma liderança regional. Liderança, como eu digo, se exerce naturalmente. Se um país é prospero, pujante, grande, estável o suficiente para causar admiração e querer ser imitado, e se acima disso ele tiver recursos para fazer “bondades”, investimentos, abrir seus mercados, e prover seus vizinhos de bens públicos, como segurança e estabilidade, ele será uma liderança regional. O Brasil talvez consiga fazer isso no futuro. E poderá fazê-lo independentemente de divergências políticas entre os governos. Alguns poderão ser mais estatizantes, alguns poderão ser mais liberais, mas a liderança depende de um conjunto de requisitos que não tem tanto a ver com divergências superficiais, mas tem a ver com requerimentos mais tangíveis, mais estruturais de uma economia.
Então, de que forma o Brasil deve lidar com isso? Sendo um país que, em primeiro lugar, resolva os seus próprios problemas internos e que consiga ter os chamados excedentes de poder, para que consiga fazer com os outros aquilo que ele gostaria de fazer para si mesmo. Ou seja, um povo próspero, alimentado, bem vestido, provisto de bens, com boa educação, instituições estáveis, e fazer com que toda a região seja assim. Seria muito melhor. A Europa certamente é um lugar muito melhor para se morar, hoje em dia, e nas últimas cinco décadas, do que nos séculos de guerra; melhor, em todo caso, do que a África atualmente. Não são os europeus que estão emigrando para a África. São os africanos que estão migrando para a Europa e para os Estados Unidos. Alguma razão deve haver. O Brasil já atrai muitos imigrantes, mas poderia atrair muito mais se ele fosse ainda mais próspero, como são Europa e EUA. Talvez ele venha a ser um dia, se ele resolver seus próprios problemas.

Nona pergunta: Uma liderança brasileira na região teria legitimidade? Como os países sul-americanos enxergam essa pretensão?
Sim e não! Nenhum país deveria colocar a liderança como meta própria. Ninguém é lider porque quer. As pessoas são lideres porque podem ser líderes, e também porque os outros aceitam a sua liderança. Se voltam para o líder e perguntam: “Qual é a sua opinião? Qual é a sua proposta? Qual é a sua solução para um determinado problema?”. Então a legitimidade não é algo de que se dispõe porque se tem vontade, e sim porque se pode. Você tem uma liderança legítima quando você é solicitado pelos outros a fazer algo que eles mesmos não podem fazer. Segurança, estabilidade, crescimento, investimento, bens públicos, etc. Então, a liderança brasileira teria legitimidade quando ela fosse construida naturalmente e não autodefinida, ou estabelecida pelo próprio Brasil.
Como os países sul-americanos enxergam essa pretensão? Eu diria que muito mal. Pelo menos enquanto o Brasil for visto como um país que quer tirar vantagem de seu tamanho. Então, penetrar nos países sul-americanos para obter lucro e exercer dominação, será muito mal visto. Quando os países naturalmente tiverem vontade de vir ao Brasil, de importar produtos brasileiros, ou de “consumir o Brasil” – como hoje você “consume” a Disney World, os filmes de Hollywood, ou Nova York, Califórnia ou Flórida –, então os países sul-americanos verão essa pretensão brasileira à liderança muito naturalmente. Hoje em dia são, os turistas sul-americanos que vão aos EUA, porque gostam de passear num país seguro, com menos criminalidade, em ordem, limpinho, com coisas boas a oferecer, com produtos baratos. Acredito que quando o Brasil for mais parecido com os EUA, ele será um pouco mais bem visto pelos sul-americanos do que ele é hoje, em função de um passado imperial ou hegemônico que não deixou muito boas lembranças.

Décima pergunta: Como o discurso integracionista se relaciona com a aspiração de liderança brasileira?
Eu diria que o discurso integracionista não deveria ser correlacionado, ou colocado no mesmo plano que a aspiração brasileira à liderança. Quando dois ou mais países decidem se integrar, ou seja, derrubar fronteiras e barreiras, e outras barreiras não fronteriças, mas a regulação econômica em geral, decidem integrar suas economias, eles o fazem com vistas a vantagens recíprocas, equivalentes, mútuas. Ou seja, o país se integra porque acha que estará melhor com ganhos de escala, com economias de escala, com mercados ampliados, com mais competição, como ocorre num processo de integração, por uma redução de custos etc. Então, isso é bom para todos.
Dificilmente um processo de integração se faz por imposição, como ocorreria se um grande país dissesse para um pequeno : “Vamos nos integrar”. O pequeno pode até querer se integrar ao grande para ter vantagens, ter investimentos e tecnologia. Mas não é algo que você possa correlacionar com liderança. O próprio processo de integração europeu, que é único, exclusivo, original, absolutamente irrepetível, é um processo que se deu ao cabo de muitos conflitos. Praticamente, ocorreram três grandes conflitos entre a França e a Alemanha - 1870, 1914 e 1939 – até que os países se cansaram de se massacrar, de invadir, e resolveram se unir. Mas precisou de lideranças políticas esclarecidas, como Jean Monnet, Robert Schumann, e outros para propor essa integração que foi vista como boa para as duas partes. E na verdade, quando a integração foi feita, ela não foi feita com nenhuma liderança de um país sobre o outro, mas sim com igualdade. Eles começaram integrando a produção de carvão e do aço no primeiro tratado de Paris, em 1951. A CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço) significou a desnacionalização dos dois fatores mais elementares da guerra, a produção de armas – que se faz com aço e com carvão – e os dois países aceitaram que a produção de carvão e aço fugisse ao controle dos governos nacionais e ficasse entregue a uma alta autoridade, supranacional, desnacionalizada; isso, portanto evitaria a triste repetição dos eventos passados, as guerras. Com isso se começou a construir a integração europeia, sem nenhuma liderança de um país sobre o outro, ao menos nos dois grandes. França e Alemanha foram consideradas iguais, como Brasil e a Argentina na América do Sul, sem mesmo haver guerra por aqui. Os pequenos países se uniram a um processo igualitário, mas ainda assim com diferenças. É claro que França e Alemanha exercem a liderança do processo europeu, mas um não exerce a liderança sobre o outro. Eles tem que se colocar de acordo para que o processo avance.
Acho que algo similar vai ocorrer e deve ocorrer na América do Sul. Brasil e Argentina, se quiserem construir uma integração factível, eficiente e bem sucedida, devem evitar qualquer pretensão à liderança, e discutir reciprocamente, com total igualdade, quais são as melhores soluções para os seus países. Acho que a liderança não se casa bem com o processo de integração.

Décima primeira questão: As ambições brasileiras em temas globais têm remetido a América do Sul a um segundo plano em suas prioridades?
Talvez. O Brasil via a América do Sul como um espaço próprio de crescimento, mas por acaso a América do Sul andou dando uns trambolhões no passado recente, com exceção de Chile e Colômbia; outros países tiveram enormes problemas. A Argentina vem crescendo agora, mas na verdade está se recuperando de uma terrível crise no início da década passada e não se pode dizer que Bolívia, Venezuela, Equador, e mesmo Paraguai sejam exemplos de dinamismo e pujança. Então digamos que o Brasil cresceu, com todos seus problemas ainda remanescentes e persistentes. Foi um país que realmente deu um salto em termos de PIB, comércio, por ter corrigido as suas mazelas passadas. Muito do progresso atual é devido ao que se fez anteriormente.
O governo Lula navegou no crescimento econômico mundial e navegou na estabilidade econômica construida anteriormente, porque se dependesse da política econômica do PT, antes, o Brasil teria ido, talvez, pelo mesmo caminho da Venezuela ou da Argentina da crise, de descalabro econômico etc. Houve uma estabilidade brasileira, tivemos crescimento, a América Latina se tornou menos importante nesse processo, e o Brasil, então, passou a projetar suas aspirações no cenário mundial. O que é natural devido ao peso econômico.
Algo semelhantes ocorre com a China, apesar de ser muito pobre e ter uma renda percapita ainda modesta. Mas, como país, como massa atômica, a China tem um enorme peso econômico. O Brasil também tem peso relativo. Sexta, sétima ou oitava economia mundial, isso faz alguma diferença em termos de PIB, ainda que em termos de mercado é um mercado limitado com uma renda per capita ainda pequena. Mas certamente O Brasil se destacou da América do Sul. Basta dizer que, na construção da integração, o Mercosul passou a representar um importante mercado para o Brasil. O Mercosul saiu de 4% do comércio exterior brasileiro para 14% ou 15%. No entanto, nos últimos anos, como a América Latina, a Argentina entrou em crise, outros países estagnaram, o Brasil cresceu muito mais para fora do que para dentro da região. Então o Mercosul teve seu peso diminuído na pauta exportadora brasileira.
Ou seja, nós não dependemos do Mercosul como a Argentina depende do Brasil. Se o Brasil entrar em crise, a Argentina vai sofrer, enquanto que se o Mercosul entrar em crise, o Brasil sofrerá relativamente menos. Ainda que a gente exporte muita manufatura para a América do Sul, mais do que commodities, ainda assim o peso é menor e a gente consegue diversificar para outras regiões. O Brasil tem uma estrutura do comércio exterior muito mais diversificada do que a América do Sul. Então naturalmente ele foi levado a temas globais, em energia, em questões financeiras, questões de meio ambiente. Tudo isso tem dado um certo peso ao Brasil.
Claro que isso teve muita transpiração também. O presidente Lula saiu pelo mundo fazendo até mais do que deveria. Abrindo embaixada em países africanos e perdoando dívida de países africanos, praticando a “diplomacia da generosidade”, gastando muito dinheiro no Haiti, na África e outros lugares, até mais do que deveria. O fato é que o Brasil ainda tem muitos problemas internos, mas, enfim, ele passou a aparecer no cenário mundial.
Eu não diria que a América do Sul foi remetida a segundo plano nas prioridades brasileiras. Continua a ser uma prioridade, mas a agenda da América do Sul é uma agenda muito modesta, senão medíocre. Qual é a agenda? Tráfico de drogas, corrupção, problemas de infraestrutua que deviam ter sido resolvidos há muitos anos, imigrantes ilegais, e toda a confusão de lideranças que não se entendem, toda essa movimentação em torno da integração sul-americana. Na verdade, existe muita retórica vazia, porque se há algo que não avançou na América Latina ,nos últimos dez anos, foi a integração. Eu vejo o continente com muitas prioridades divergentes, governos com objetivos muito diferentes entre si, menos focados na integração.
Se tivesse havido integração real, teríamos muito mais comércio intraregional e muito mais intensidade de vínculos físicos, ligações físicas, intercâmbios energéticos do que existe. Se você ver a estrutura do comércio exterior dos países, na região e para fora dela, e comparar isso com a parte do comércio preferencial - ALADI, Mercosul – em relação ao comércio global, você vai ver que os dados são absolutamente medíocres. Por que isso? A Europa, que é um grande comerciante global, faz 60% a 70% das trocas dentro da sua região. E nós aqui no Mercosul não fazemos mais do que 15% das trocas. Ou seja, 85% das nossas trocas são externas. Então significa que a integração não é grande coisa. Existe uma enorme diferença entre a União Européia e o Nafta, que têm muito comércio intraregional – o Nafta tem mais de 50%, a Europa 70% – e essas regiões tipo Mercosul, Aladi, ou a SADC, ou a SAFTA, ou a ASEAN.
Então não há muita convergência integracionista na América do Sul. Ao contrário, nos últimos dez anos as divergências se aprofundaram. Não é por outra razão que tanto o Chile, quanto a Colômbia e o Peru fizeram acordos de livre comércio com os EUA. Os EUA finalmente aceitaram fazer porque são países que, de outra forma, poderiam ir para a economia da droga, no caso da Colômbia e do Peru. O Chile é uma pequena economia, então não faz muita diferença: eles tem muito mais vantagens de ter um relacionamento consolidado com os EUA do que os EUA com eles. O que os EUA teriam a ganhar, por exemplo, no Uruguai? Quase nada. No sentido oposto, o Uruguai teria nos EUA um enorme mercado, e é por isso mesmo que o Uruguai queria ter um acordo de livre comércio ou intensificar os vínculos com os EUA, no que foi impedido pelo Brasil e pelo Mercosul. Então, existem, sim, muitas divergências políticas entre os governos sul-americanos. O problema é que não se tem uma convergência de opinião para construir uma América do Sul sólida e perseguir o mesmo tipo de crescimento que a Ásia teve nos últimos 30 ou 40 anos.

EUA
Décima segunda - Qual a percepção dos EUA sobre a América do Sul? A região é uma área prioritária da política externa do país?
Não, claramente não. Passou do México, onde os americanos vão de vez em quando para algumas férias em Acapulco ou agora em Cancun, ou para algumas ilhazinhas do Caribe – depois que Cuba acabou, depois que Fidel Castro tomou o poder eles sairam de Havana, dos cabarés –, eles ignoram solenemente a América do Sul. A América do Sul para eles é terra de imigrante ilegal, de cocaína, de ditadores. Enfim, eles não tem nenhuma percepção concreta. A América do Sul não é absolutamente prioritária na política externa dos EUA. A prioridade dos EUA desde sempre foi a Europa e o mundo norte atlântico. Depois, com o surgimento da URSS, era justamente o equilibrio estratégico no plano da Eurásia, da Europa central, da Ásia Pacífico. Essas eram as prioridades americanas. E era também uma prioridade a sobrevivência do capitalismo, da democracia, das liberdades, frente a um império soviético agressivo, dizendo que ia enterrar o capitalismo.
Os EUA venceram a Guerra Fria, tanto militarmente, economicamente e tecnologicamente. Mas as áreas prioritárias dos EUA ainda são essas zonas mais relevantes no plano dos negócios, dos investimentos e da tecnologia dos intercâmbios, que é o mundo atlântico até agora. Isso está se deslocando para o Pacífico norte por conta do crescimento econômico. Nos últimos cinco séculos o mundo dominante foi o mundo euro-atlântico. É onde estão as riquezas, o comércio, as finanças, a tecnologia, o conhecimento etc. E de onde viam os perigos militares, por conta do comunismo: desafios hegemônicos na Europa. Essas eram, são e vão continuar sendo as prioridades americanas. E também, do ponto de vista de não proliferação nuclear, existem as potências nucleares que estão localizadas na Europa e na Ásia.
A América Latina é, portanto, absolutamente irrelevante para os EUA. Só se torna relevante quando apresenta algum problema ou algum perigo. E quando foi isso? Foi quando teve foguete soviético em Cuba e quando um bando de traficantes ameaça a segurança americana no plano da família, das drogas etc. É uma zona excêntrica aos interesses geopolíticos mundiais, que estão claramente no plano da Eurásia. No plano da economia, tampouco é. A América Latina é modesta, ela é exportadora de commodities, tem alguma energia, claro, petróleo e gás, mas isso existe também em outras regiões. Então se a América Latina parasse de fornecer isso, ou se o Brasil parasse, poderia haver uns tremores em alguns mercados de commodities, mas não seria um drama mundial. Os grandes mercados de produtos sofisticados estão no hemisfério norte.
No plano econômico mundial, há hoje um claro deslocamento de placas tectônicas econômicas que se movem do mundo euro-atlântico para o mundo do Pacífico norte, na verdade até um pouco do Pacífico sul. Mas na verdade é o mundo da Califórnia, é o mundo da China, Japão, Coréia, Taiwan e de Cingapura mas alguns tigres por ali espalhados. Ou seja, economias pequenas ou grandes que estão integradas no comércio mundial de produtos manufaturados, que importam commodities tanto da África quanto da América Latina – e commodities vêm também do próprio EUA, da Austrália, do Canadá, produtos agrículas, minerais etc. Mas o que é relevante não são as commodities, isto é um componente do comércio internacional há séculos, mas sim a tecnologia. E isso não é produzido na América Latina. Quando ela produzir produtos absolutamente essenciais e necessários, ela pode se tornar relevante. Por enquanto não é. Existem também algumas relevâncias absolutamente estranhas em outras regiõs: algumas ditaduras petrolíferas, países miseráveis e corruptos, que são importantes porque tem petróleo, que é um produto estratégico. Mas, no fundo, são países não muito frequentáveis.

Décima terceira: A presença dos Estados Unidos no continente obstaculiza a aspiração de liderança do Brasil? Como influencia o comportamento dos países sul-americanos?
Eu diria que não há uma contradição entre a presença dos EUA no continente e a aspiração de liderança do Brasil. No caso os EUA estão presentes na América Latina e na América do Sul nos últimos cem anos, quando eles se tornaram a economia dominante, quando eles se tornaram exportadores de capitais, investidores diretos, grandes importadores de commodities, financeadores de bens tangíveis e intangíveis. Todo mundo quer capitais americanos, os mercados americanos. Alguns até buscam a segurança dos EUA. A Colômbia não teria condição de combater um grupo nefasto que são as FARC se não fosse pela ajuda americana.
Tudo isso não deveria obstaculizar a liderança do Brasil, se a liderança do Brasil tem objetivos convergentes com essa presença americana. E a presença americana se dá em função do que? De negócios basicamente. É uma presença de negócios. Os esquerdistas podem ver a presença como hegemônica, de dominação imperialista, militar, de exploração... Mas tudo isso é bobagem, os americanos estão aqui para ficar ricos. Nada impede que os brasileiros também fiquem ricos fazendo negócios com os EUA. Ou seja, se há uma convergência de interesses nessa presença recíproca, ela beneficia as duas partes.
Liderança não quer dizer que seja bom ou mau em função dessa presença. A liderança tem muitos significados. Pode ser uma liderança não desejada. A URSS tinha uma “liderança” na Europa central e oriental absolutamente indesejada para aqueles povos, porque era uma presença ditadorial, maciça, contra as liberdades, a democracia, a autodeterminação desses povos. Ela invadiu a Polônia, Checoslováquia, exercia sua dominação sobre metade da Alemanha. Quando houve condições para sair dessa “liderança”, na verdade hegemonia, todo mundo achou bom. Recuperaram a independência.
Não sei que tipo de liderança o Brasil quer ter no continente, mas se for uma liderança de tipo americano, poderá ser mau visto pelos esquerdistas, mas poderá ser bem visto pelos homens de negócio, pelas pessoas que querem prosperidade. Se o Brasil é mais rico, mais forte, economicamente mais dominante do que seus próprios países, os vizinhos o verão com bons olhos. E não é por outra razão que você tem trabalhadores peruanos, bolivianos em fábricas em São Paulo. Porque eles vem se beneficiar de algo que eles não teriam nos seus países, que é oportunidade de emprego, renda, e poder ficar um pouco rico.
Como isso influencia o comportamento dos países sul-americano? Eu diria que depende. Alguns verão com bons olhos. Quando houve o fim do império soviético e o fim do socialismo, todo mundo quis entrar na Europa comunitária, porque é vista com bons olhos. Dinheiro alemão, dinheiro francês, ajuda, investimentos... Então é isso. Quando o Brasil puder ser algo semelhante a isso, ele vai poder ser muito bem visto.

Décima quarta e décima quinta : Como os EUA enxergaram a aspiração de liderança do Brasil na região ao longo do governo Lula? E atualmente?
Não se trata apenas do governo Lula. Já na época dos governos Clinton e FHC, os EUA queriam, sim, o Brasil mais envolvido na América do Sul. Clinton, pessoalmente a FHC, chegou a fazer propostas ao Brasil para exercer uma liderança benigna na América do Sul, para resolver os problemas das drogas no Peru, na Colômbia, das FARC, segurança, integração. O Brasil não se decidiu favoravelmente porque não tinha e não tem condições: não tem capitais, não tem condições logísticas para exercer esse tipo de liderança. Então o Brasil se eximiu de fazer.
O governo Lula, por sua vez, assumiu com tonalidades anti-imperialistas, ainda que não de forma totalmente declarada, mas evidentemente era anti-imperialista, contrário à presença americana na região. Várias vezes protestou quanto à presença de tropas americanas na Colômbia, ou em outras regiões. Se orgulha de ter implodido a ALCA. Então, certamente, o Brasil quer afastar os EUA da região. Pelo menos o governo Lula quis fazer. Todos os movimentos foram feitos nesse sentido. Tanto a CASA quanto a Unasul, ou a CALC agora, é para ter algo sul-americano, ou exclusivamente latino-americano, sem a presença americana, que é vista como nefasta ou prejudicial.
Isso é uma bobagem monumental, mas enfim: as pessoas do PT e outras lideranças esquerdistas acreditam nesse tipo de bobagem. Hoje eu acho que há uma diminuição desses ardores anti-imperialistas no Brasil, e há também um certo cansaço americano, que já tem imensos problemas e menos recursos para fazer aquilo que eles faziam no passado, que era ser generoso, distribuir recursos etc. Eles têm que resolver seus problemas internos, e com isso, abrem espaço para o Brasil exercer sua liderança; que, aliás, será muito bem vista pelos americanos se entrar nesse molde americano, que é o molde dos negócios, investimentos, abertura de mercado, regras muito claras para as empresas deles.
A liderança do Brasil é bem vinda pelos EUA? Certamente, se a liderança do Brasil se exercer nesse sentido de propiciar novos negócios e integração, estabilidade política e econômica, será muito bem vinda, e eu não vejo como os americanos poderiam ser contrários a esse tipo de liderança. Ainda que esse termo liderança seja muito capcioso, muito mal interpretado e muito suspeito para ser usado em termos diplomáticos.

Décima sexta pergunta:  O Brasil exerceu uma liderança na América do Sul ao longo do governo Lula? E atualmente o Brasil exerce ou não uma liderança?
Possivelmente sim. Exerceu, sim, uma liderança porque o governo Lula tomou várias iniciativas que foram finalmente aceitas pelos sul-americanos. Primeiro a CASA, depois a Unasul, a CALC, o FOCEM, a diplomacia da generosidade, investimentos etc. Tudo bem, isso é bom que se faça. Havia certa vontade de que alguém desempenhasse essas funções.
Isso foi bom para o Brasil? Provavelmente foi e é. Propiciou negócios para as empresas brasileiras e isso é bom. Se isso foi bem visto pelos sul-americanos, ou não? Às vezes existem esses acusações de “imperialismo brasileiro” justamente porque pessoas que não tem tanto sucesso são um pouco ressentidas, buscam bodes espiatórios ou as razões do seu fracasso em face da preminência de outros. Muitos sul-americanos têm raiva dos EUA, porque os americanos foram bem sucedidos, são ricos e dominantes, e até arrogantes, e a gente continua pobre, miserável, com corrupção e outros desequilíbrios enormes. Então há uma certa inveja, e um certo despeito. Daí à tendência de atribuir os seus males a outrem é muito fácil. Isso está muito evidente nessas explicações idiotas, tipo Eduardo Galeano, “As Veias Abertas da América Latina”, e tem muita gente que acredita nisso. Pode ser que isso se exerça contra o Brasil em algum momento, e talvez já esteja se exercendo no Paraguai, Bolívia etc.
Se o Brasil exerce ou não uma liderança? Isso deveria ser uma palavra tabu para a diplomacia brasileira, e se por acaso a gente for aceito como líder natural, será uma boa coisa, e será talvez pelos nossas boas qualidades, pela nossa simpatia, pelos nossos méritos, pelos nossos mercados, pela nossa capacidade de cooperar do que propriamente pela imposição de um projeto brasileiro para a região. É muito melhor fazer as coisas consensualmente em cooperação do que impositivamente.

Brasília, n. 2332: 22 de outubro de 2011.

Diplomacia brasileira: consensos e dissensos - Paulo Roberto de Almeida (2009)

Este texto nunca foi publicado. Redescobri-o por acaso, ao percorrer, e ao atualizar, uma lista de trabalhos publicados e inéditos sobre a diplomacia lulopetista, ou melhor, sobre a diplomacia brasileira na era Lula.
Como antigamente só havia essa diplomacia que recolhia o assentimento de mais de 90% (provavelmente) da comunidade acadêmica, ele talvez não fizesse muito sentido.
Como agora se retorna a uma diplomacia mais profissional do que partidária, talvez o artigo faça sentido, mas cabe registrar que ele é de 2009.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5 de junho de 2016


Diplomacia brasileira: consensos e dissensos

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7 maio 2009.

A leitura, mesmo superficial, das matérias publicadas recentemente sobre a diplomacia brasileira revela algo talvez inédito nos anais da política externa: ela deixou de beneficiar-se do tradicional consenso a que estava habituada para enfrentar críticas. Com efeito, mesmo nas fases nas quais a política externa exibiu elementos de ruptura – como a ‘política externa independente’ de Jânio Quadros e João Goulart (1961-64) ou o ‘pragmatismo responsável’ de Ernesto Geisel e do chanceler Azeredo da Silveira (1974-79) –, ela parecia recolher a aprovação da opinião pública, que julgava as inflexões necessárias ou bem-vindas.
Não parece ser o caso agora, quando setores da opinião pública – empresários, jornalistas, diplomatas aposentados – manifestam-se contra a diplomacia, acusando-a de ser partidária, ideológica ou de estar em descompasso com os interesses nacionais. Em contraste, no seio da esquerda e entre segmentos da academia ela goza de virtual consenso, o que não ocorre, por exemplo, com a política econômica, acusada, nesses mesmos meios, de ser ‘neoliberal’. Iniciada sob promessas de mudanças na forma e no estilo, assim como em sua substância, a diplomacia de Lula – que guarda conexões com as posições internacionais do PT – é calorosamente defendida por simpatizantes na academia e na imprensa, assim como vem sendo atacada, com o mesmo ardor, por analistas de opiniões divergentes.

Apoiadores e críticos da política externa
No grupo dos apoiadores figuram acadêmicos e jornalistas que sempre foram solidários com o PT, quando não integram suas fileiras. Existem também aqueles que, sem dar apoio direto, a encaram positivamente, no que ela representaria de defesa dos interesses nacionais, em face, por exemplo, de pressões dos Estados Unidos para a integração hemisférica ou em relação a regimes tidos como progressistas na América Latina. De fato, em nenhum outro campo da ação do governo – certamente não na política econômica – é possível detectar tal unidade de propósitos e tal identidade ‘filosófica’ entre, de um lado, o que sempre postulou o PT, em seus posicionamentos sobre as relações internacionais do Brasil, e, de outro lado, como se comporta, fala e age o governo Lula em sua política externa.
O outro grupo abriga os que se mantêm em postura independente ou que têm assumido uma atitude crítica em relação a essa política, ademais dos que poderiam ser classificados como oposicionistas declarados. Alguns analistas do meio acadêmico se opõem à política externa, não por qualquer predisposição oposicionista, mas por julgá-la em seu próprio mérito e concluir que ela rompe tradições diplomáticas. Os mais críticos julgam que a política externa atual não logra alcançar, ao contrário do que é proclamado, os objetivos pretendidos, sacrificando posições de princípio e os interesses nacionais.
Os apoiadores benevolentes consideram a política externa de Lula adequada e necessária ao Brasil, que deveria afirmar-se de forma soberana nos contextos regional e mundial, possuir um projeto nacional de desenvolvimento e contribuir para reduzir o arbítrio imperial e o unilateralismo ainda presentes no cenário internacional. Trata-se de um grupo expressivo, tendo em vista a conhecida dominação da academia pelo pensamento de esquerda, pelo menos na área das humanidades.
Os opositores declarados, por sua vez, consideram essa política uma emanação tardia do terceiro-mundismo dos anos 1960-80, exacerbada pela adesão equivocada a regimes autoritários e marcada pelo anti-imperialismo infantil. Eles criticam a retórica terceiro-mundista, contrária à globalização, que, aliás, seria bem vista na China e na Índia, dois ‘parceiros estratégicos’. As iniciativas tomadas representariam ilusões de mudança nas ‘relações de força’ ou da ‘geografia comercial’ do mundo; os fracassos nas negociações comerciais adviriam do próprio estilo de atuação, classificado por alguns de ‘ativismo inconseqüente’.

Consensos ilusórios
Na verdade, se os militantes apoiadores da política externa oficial conservam velhos postulados da esquerda – o nacionalismo estatizante, o anti-imperialismo, a desconfiança em relação ao capital estrangeiro, a oposição ao livre-comércio e à globalização, ademais de, para muitos, ainda, uma continuada adesão ao socialismo –, o núcleo dirigente prefere inserir o Brasil na globalização, se não no discurso, ao menos na prática.
O governo investiu em novas posturas, representadas pela multiplicação de iniciativas em diversas frentes de atuação. As mudanças foram bem acolhidas nas bases do governo e recolheu apoio dos aliados, ao passo que os críticos preconizam o abandono da retórica ‘terceiro-mundista’. À medida, porém, que reveses foram sendo registrados em certas frentes, como nas relações com os vizinhos, a condescendência com as ‘novas roupas’ da diplomacia foi dando lugar a críticas acerbas quanto a seus resultados efetivos.
Os elementos inovadores da política externa do governo Lula não deveriam, talvez, ser buscados no discurso ou na atuação diplomática, mas sim no próprio fato de que, pela primeira vez na história, o discurso e a prática nessa área já não mais recolhem um consenso presumido. A rigor, não se trata de novidade na trajetória da diplomacia brasileira: nos primeiros anos da independência elevaram-se fortes críticas na Assembléia contra a diplomacia secreta de Pedro I; da mesma forma, na primeira década da República fizeram-se protestos contra os diplomatas republicanos, julgados inexperientes e ‘improvisados’.
A diplomacia do segundo Vargas, nos anos 1950, e a já citada ‘política externa independente’ foram alvos de ataques no Congresso e nos grandes jornais. O alegado consenso, assim, talvez tenha sido mais ilusório do que real. Em todo caso, o pior debate é sempre melhor do que o silêncio obsequioso.

Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira, doutor em ciências sociais e autor do livro O Estudo das Relações Internacionais do Brasil (2006).

Lord Acton and the Idea of Liberty - Gertrude Himmelfarb (Acton Institute)

Lord Acton and the Idea of Liberty



The opening words of Lord Acton’s first lecture on the History of Freedom in 1877 set the theme: “Liberty, next to religion, has been the motive of good deeds and the common pretext of crime, from the sowing of the seed at Athens, 2,460 years ago, until the ripened harvest was gathered by men of our race.” In the course of time, constitutions were perverted, charters became obsolete, parliaments abdicated and peoples erred, but the idea of liberty survived. That idea is “the unity, the only unity, of the history of the world, and the one principle of a philosophy of history.”
Whatever institutions or forms of government have been devised through the ages, the idea of liberty has remained constant: the right of each man to consult his conscience without reference to authorities or majorities, custom or opinion. The security of conscience enjoyed by the individual has its parallel in the security of minorities within the State; in both cases liberty is the safeguard of religion.
In the history of antiquity, Acton found confirmation of two of his favorite theories, that liberty is ancient and despotism modern, and that the history of liberty is in large measure the history of religion. The government of the Israelites, the first demonstration of political liberty, was a voluntary federation of self-governing tribes and families. When monarchy was finally instituted, it was only after much resistance, and the prophets kept alive the idea of equality before the law and the subservience of all before God. Acton wrote: “Thus the example of the Hebrew nation laid down the parallel lines on which all freedom has been won – the doctrine of national tradition and the doctrine of the higher law; the principle that a constitution grows from a root, by process of development, and not of essential change; and the principle that all political authorities must be tested and reformed according to a code which was not made by man.”
The first of the many disasters to befall liberty occurred when Babylonia conquered Judah and freedom under divine authority made way for absolutism under human authorities. From the degradation of tyranny, inequality and oppression, the world was rescued by the most gifted of ancient cities, Athens. Solon inaugurated a revolution in philosophy and politics when he introduced the idea of popular election, “the idea that a man ought to have a voice in selecting those to whose rectitude and wisdom he is compelled to trust his fortune, his family and his life.” Government by consent replaced government by force, and those who ruled were made responsible to those who obeyed. It was then discovered that political power, once concentrated in the interest of good order, could be distributed at no risk to order and at great gain to liberty.
This process of democratization was hastened by Pericles. With popular religion disintegrating, morality liberating itself from mythology, and a growing skepticism of moral authority, the people became the effective arbiters of good and evil. In consideration of this, Pericles installed them in the seat of power. All the props that artificially bolstered up property and wealth were destroyed, and it was a duty as well as a right for Athenians to participate in public affairs. Government became a matter of persuasion and rhetoric the instrument of popular rule, so that the “ascendancy of the mind” was established together with the ascendancy of the people.
In the zeal for the popular interest, however, there was no provision for the unpopular, and the minority soon found itself at the mercy of the majority. The people, now sovereign, felt themselves bound by no rules of right or wrong, no criteria except expediency, no force outside of themselves. They conducted wars in the marketplace and lost them, exploited their dependencies, plundered the rich, and crowned their guilt with the martyrdom of Socrates. The experiment of Athens taught that democracy, the rule of the most numerous and most powerful class, was an evil of the same nature as monarchical absolutism and required restraints of the same sort: institutions to protect it against itself and a permanent source of law to prevent arbitrary revolutions of opinion.
Men learned for the first time what later history was to confirm again and again. Acton:
It is bad to be oppressed by a minority, but it is worse to be oppressed by a majority. For there is a reserve of latent power in the masses which, if it is called into play, the minority can seldom resist. But from the absolute will of an entire people there is no appeal, no redemption, no refuge but treason.
The Roman Republic experienced the same problems as Greece. Aristocratic governments alternated with democratic ones, until Caesar, supported by an army flushed with victories and a populace seduced by his generosity, converted the republic into a monarchy. In spite of the fact that the empire was an “ill-disguised and odious despotism,” it made an important contribution to liberty. As Frederick the Great, though a despot, could promote the freedom of religion and speech, and the Bonapartes, though tyrants, could win the love of the people, so the Roman Empire aroused genuine loyalty because it satisfied deep needs.
The poor fared better than they had under the Republic and the rich better than under the Triumvirate, the provinces acquired citizenship, slavery was mitigated, religious toleration was instituted, a primitive law of nations was devised, and the law of property was perfected. But what was given to liberty with one hand was taken away with the other when the people, by a voluntary act of delegation, transferred its sovereignty to the emperor and supported his tyranny because they thought of it as their own.
In terms of institutions and legislation, Greece and Rome had an imperfect conception of freedom. They knew how to manipulate power, but not how to achieve liberty. “The vice of the classic State was that it was both Church and State in one. Morality was undistinguished from religion and politics from morals; and in religion, morality, and politics there was only one legislator and one authority,” Acton wrote. The citizen was subject to the State as the slave was to his master, and nothing was deemed sacred apart from the public welfare.
But where their institutions failed, their philosophy succeeded. At a time when their governments were most absolute, their theories called for a mixed constitution. They saw that any single principle of government standing alone, whether monarchy, aristocracy or democracy, was apt to be carried to excess, and that only in a distribution and balance of powers was liberty secure. All the philosophers of antiquity displayed the same theoretical boldness and practical timidity.  Socrates urged men to submit all questions to the judgment of reason and conscience, and to ignore the verdict of authority, majority or custom. Yet he would not sanction resistance. “He emancipated men for thought, but not for action” and he fell victim to the old superstition of the State.
Plato taught the supremacy of a divine law “written in the mind of God” and Aristotle applied it, in the form of the doctrine of a mixed constitution, to practical government. But neither Plato nor Aristotle dared to conceive of liberty as justice rather than as expediency. Plato “perverted” the divine law when he limited it to the citizens of Greece, refusing it to the slave and the stranger. Aristotle perverted it by putting good government higher than liberty. They did not see that liberty was not a means to a higher political end but was itself the highest end, that “it is not for the sake of a good public administration that it is required, but for security in the pursuit of the highest objects of civil society and of private life.”
The Stoics pushed the theory of liberty one step forward with the doctrine of a law of Nature that was superior to the law of nations and the will of the people. “The great question,” they taught, “is to discover, not what governments prescribe, but what they ought to prescribe; for no prescription is valid against the conscience of mankind.” And the conscience of mankind knows no distinctions between Greek and barbarian, rich and poor, slave and master. Men are equal in rights as in duties, and human legislation can neither detract from the one nor add to the other. Thus the Stoics “redeemed democracy from the narrowness, the want of principle and of sympathy, which are its reproach among the Greeks.” Augustine testified to their wisdom when he remarked, after quoting Seneca, “What more could a Christian say than this Pagan has said?”
The Christian had, indeed, little more to say. There was hardly a truth in politics or ethics that had not already been enunciated before the new dispensation was revealed. It was left for Christianity, however, to animate the old truths, to make real the metaphysical barrier which philosophy had erected in the way of absolutism. The only thing Socrates could do in the way of a protest against tyranny was to die for his convictions. The Stoics could only advise the wise man to hold aloof from politics and keep faith with the unwritten law in his heart. But when Christ said, “Render unto Caesar the things that are Caesar’s, and unto God the things that are God’s,” he gave to the State a legitimacy it had never before enjoyed, and set bounds to it that it had never yet acknowledged. And he not only delivered the precept but he also forged the instruments to execute it. To limit the power of the State ceased to be the hope of patient, ineffectual philosophers and became the perpetual charge of a universal Church.

This article was excerpted from Gertrude Himmelfarb’s Lord Acton: A Study in Conscience and Politics. The book, originally published in 1952, is available in a new 2015 edition from the Acton Book Shop.
Source: http://www.acton.org/pub/commentary/2015/11/10/lord-acton-idea-liberty

Grato ao amigo Paulo Kramer pela remessa deste artigo.

Cronicas do cerrado central: o interino escreve para a afastada - Paulo Miranda

Do em exercício para a licenciada
Paulo Miranda
4/06/2016

Dilmiúcha,

Já não disponho de tempo para compor a sequência à Anônima Intimidade, que te fez sonhar acordada. Mas vê bem: ao cabo deste meu breve interinato, somado a dois mandatos de quatro anos, voltarei com toda carga. Até lá, Michelzinho já estará ingressando na vida política, a recatada, bela e do lar já terá domada sua volúpia da paixão, e mergulharei então nesse meu divino ofício da escrita. E tenho a plena convicção de que o imortal Ribamar me acolherá de braços abertos no Petit Trianon. Um dos Quarenta, enfim.

Demais, já tenho a segurança do bom e fiel Machado de que me apoiará nas publicações. Indagou-me até se me apeteceria mais a broxura, ou a capa dura. Que opinião tens a respeito? Aliás, nada duvido se, no curso deste licenciamento não estiveres compondo obras de cunha, de cunho, corrijo-me, plutôt scientifique do naipe de Mulier Sapiens, ou
de Estocagem do Vento. Poderíamos, de cambulhada, habilitarmo-nos a um duplo Nobel, respectivamente, na Literatura e nas Ciências.

Acabei de ver a transmissão esportiva de Los Angeles e não posso dizer que fiquei satisfeito com o nosso esquadrão, em sua estréia na Copa América. Terei que poupar o Dunga, que é de seu time, e que deve estar se sentindo injustiçado por não ter folga como os demais. Estou pensando em inovar, e que fique em off entre nós, até eu fazer o
anúncio oficial: vou escalar Renata Fan. É uma maneira de reparar uma inadvertência de minha parte de não termos uma mulher na frente de batalha. Como estás agora mais inclinada a ir ao Rio Grande do Sul do que alhures, peço-te que a sonde informalmente. E a resposta pode vir pelo fiel Bessias.

Fico feliz que tenhas gostado de minha medidas inicais de Governo. Começamos com aquela bela vitória da meta fiscal, reparamos a defasagem dos salários do funcionalismo e, com os 14.400 novos cargos a serem criados, damos um Ypon no fantasma do desemprego.

Outra novidade, também em off: estou cogitando seriamente reabilitar o Machado com uma Pasta Ministerial. Sua eficiência no levantamento de fundos e na sua distribuição aos mais necessitados é algo fenomenal. E que discrição...Pena que seja tão reservado, pouco se expondo ao público.

Aliás, por falar em exposição, o que me falta confirmar para minha aparição na abertura dos Jogos Olímpicos agora é tão-somente um novo e impactante complet, que é terno, em francês. O rigor sartorial, bem sabes, é minha desabrida paixão.

Vou recolher-me neste instante, tendo como livro de cabeceira o dilema entre o Alquimista de Paulo Coelho e uns contos do Count Dracula. Sabendo que tens tido alguns problemas no abastecimento do Alvorada, te aguardamos para o desjejum no Jaburu.

Ósculos, Mi

sábado, 4 de junho de 2016

O Livro Vermelho da Herança Maldita do PT - Reinaldo Azevedo

Não, ainda não foi feito, é hora de fazer, mas ninguém ainda se apresentou para fazer.
Acho que vou ter de acelerar o meu livro sobre os "Crimes Econômicos do Lulopetismo"...
Paulo Roberto de Almeida 

Por onde se começa a medir a herança maldita de Dilma Rousseff e do PT? Pela queda de 0,3% do PIB no primeiro trimestre, restando o consolo de que as expectativas eram ainda piores? Pela queda de 5,4% quando a gente compara os números com igual período do ano passado? Pela queda de 1,7% no consumo em relação ao trimestre anterior e de estúpidos 6,3% quando cotejado com o ano anterior?

Por onde se começa a medir a herança maldita de Dilma? Pela décima queda trimestral consecutiva nos investimentos, agora de 2,7%? Pelo PIB da indústria, o setor que gera os melhores empregos, que já cai há oito trimestres? Na comparação com os últimos três meses do ano passado, a mergulhada foi de 1,7% — com igual período do ano passado, de estúpidos 7,3%.

Mesmo o agronegócio, que, durante um bom tempo, salvou literal e metaforicamente a lavoura, sentiu os efeitos do desastre na economia: queda de 0,3% na comparação com o semestre anterior e de 3,7% com os primeiros três meses de 2015.

Quando vemos Dilma por aí a falar, cheia de razão, que ela precisa defender as conquistas do seu governo e dos governos petistas, cumpre perguntar se ela tem mesmo do que se orgulhar. Ah, sim: o maior de todos os flagelos para os pobres mostra a sua fuça: a taxa de desemprego está em 10,9%.

Numa solenidade nesta quarta, em que deu posse a cinco presidências de órgãos federais, Temer chamou de oportunistas aqueles que tentam atribuir a seu governo os desastres com os quais ele se confronta.

Falou com um pouco mais de dureza do que de hábito, mas, entendo, ainda com excesso de lhaneza. Que ele não se engane: querem comer o seu fígado. Será preciso bater mais pesado.

Volto a uma questão: este governo precisa fazer com urgência o Livro Vermelho da Herança Maldita do PT. Antes que os companheiros mobilizem os seus mistificadores para inventar que a crise, afinal de contas, é obra de… Temer.

O presidente tem de se lembrar de que, no poder, Lula tentou roubar do PSDB até a bandeira da estabilização da economia.

Afinal de contas, eles são também ladrões da verdade.

Operacao Lava jato: chegou a hora da fase "Rapa Tudo", ou seja, todos em cana...

Bem, com essas últimas (não derradeiras, certamente) revelações, delações, desgravações, vazamentos, liberação de audios, whatever, acho que já chegou a hora daquela fase que eu já chamei de "Rapa Tudo" da Lava Jato, aquela que vai levar para a cadeia todos os meliantes que já podem ser encarcerados, e mandar indiciar aqueles altos bandidos que ainda possuem essa excrescência que se chama foro privilegiado.
O Brasil só vai chegar a ser um país normal quando o presidente, ou presidenta (como quiserem) for levado de camburão para a cadeia, como cabe a um meliante de alta periculosidade. Os que estão aí desviaram, roubaram, saquearam centenas de bilhões do povo brasileiro, direta e indiretamente; eles alimentaram o mais formidável espetáculo de corrupção jamais conhecido em todo o mundo, talvez não com a desfaçatez de alguns ditadores africanos, mas com muito mais efetividade e em muito maior volume.
Paulo Roberto de Almeida

Delações da Odebrecht citarão 13 governadores e 36 senadores, diz Veja
O GLOBO, 4/06/2016

SÃO PAULO — Reportagem da revista “Veja” deste final de semana afirma que as delações premiadas do empresário Marcelo Odebrecht e de altos funcionários da empreiteira deverão citar pelo menos treze governadores e 36 senadores como beneficiários de propinas nas campanhas eleitorais de 2010 e 2014. De acordo com a publicação, a Odebrecht distribuiu, à margem da lei, cerca de R$ 100 milhões em recursos aos candidatos. Segundo a revista, Marcelo Odebrecht decidiu fazer o acordo de delação depois de todas as tentativas de livrá-lo da prisão.

A revista revela também que o ex-presidente da OAS, José Adelmário Pinheiro, o Léo Pinheiro, também dirá em sua delação premiada que pagou as reformas do sítio em Atibaia a pedido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o tríplex no Guarujá realmente pertencia ao ex-presidente e que Aécio recebia 5% de propina das obras da Cidade Administrativa, em Minas Gerais, através de um emissário. Outros beneficiários citados pelo empresário são o atual ministro da Secretaria de Govern, Geddel Vieira; o senador Romero Jucá; o presidente do Senado, Renan Calheiros; e o deputado Eduardo Cunha, todos do PMDB. A revista lembra também que, depois de resistir, Pinheiro decidiu fazer acordo de delação premiada numa tentativa de reduzir sua pena de 16 anos.

ODEBRECHT DEVE CONFIRMAR PROPINA PARA CAMPANHA

Segundo a revista, a presidente afastada Dilma Rousseff será o principal alvo das revelações de Marcelo Odebrecht. O empresário — que está preso desde junho do ano passado e foi condenado a 19 anos de prisão por lavagem de dinheiro e associação criminosa — confirmará aos investigadores da Operação Lava-Jato que a reeleição de Dilma foi financiada com propina depositada em contas no exterior, diz “Veja”.

De acordo com “Veja”, a Lava-Jato já rastreou o repasse de US$ 3 milhões da empreiteira para uma conta na Suíça do marqueteiro João Santana, responsável pelas três últimas campanhas presidenciais do PT. A investigação também descobriu que outros R$ 22,5 milhões foram pagos a Santana em dinheiro vivo. O pagamento aconteceu, de acordo com a revista, entre outubro de 2014, quando Dilma conquistou o segundo mandato, e maio de 2015.

Segundo a revista, Odebrecht dirá que os detalhes do financiamento eleitoral foram combinados com Giles Azevedo, ex-chefe de gabinete da presidente afastada. O ex-secretário particular da petista, Anderson Dornelles, também será citado por Marcelo Odebrecht. Segundo a revista, Dornelles pediu um ajuda financeira, e repasses mensais de R$ 50 mil teriam sido feitos a "um laranja", Douglas Franzoni, sócio de Dornelles, para serem entregues a ele.

Conforme O GLOBO mostrou na edição deste sábado, Dorneles foi citado como destinatário do recebimento de dinheiro da construtora. Numa das situações descritas pelos executivos da Odebrecht, Dornelles teria pedido o dinheiro diretamente à construtora. Em outro momento, executivos também falaram que a própria presidente teria pedido ajuda para Dornelles. As afirmações foram feitas na fase preliminar da negociação da delação premiada e ainda terão que ser detalhada nos anexos da colaboração, a serem entregues pelos advogados da Odebrecht até o fim do mês.

Em reportagem neste sábado, O GLOBO mostrou que executivos da Odebrecht relataram na negociação de suas delações premiadas que a empreiteira pagou despesas pessoais da presidente afastada, Dilma Rousseff, que permitiram a ela cuidar da própria imagem. Entre as despesas está o cachê do cabeleireiro Celso Kamura, conforme revelado na sexta-feira pelo colunista do GLOBO Merval Pereira. Investigadores da Lava-Jato tratam com cautela a informação, porque não há certeza de que a construtora vai incluir ou detalhar a informação nas próximas fases do processo de colaboração.

Na negociação, os diretores da Odebrecht afirmaram que valores relacionados à imagem da presidente foram repassados ao marqueteiro João Santana, que se responsabilizou pelo pagamento dos profissionais e serviços contratados. Mônica Moura, mulher de João Santana, já afirmou nas negociações de sua delação premiada que o casal recebeu pagamentos da Odebrecht por caixa dois (recursos não contabilizados pela campanha). Kamura disse que os serviços foram pagos pela própria presidente e pela agência Pólis, de propriedade de João Santana.

50 FUNCIONÁRIOS DEVEM COLABORAR

Pelo menos 50 altos funcionários da Odebrecht devem fechar acordos de delação premiada, diz “Veja”. Eles fornecerão detalhes do pagamento de propina aos governadores e senadores. Ainda segundo a revista, o presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves, também será citado por ter recebido recursos “por fora” para sua campanha presidencial, exatamente como Dilma.
De acordo com a revista, a delação de Marcelo Odebrecht listará também, entre os beneficiários de seu “caixa clandestino”, o senador Romero Jucá (PMDB-RR). Jucá era remunerado, segundo a publicação, por acolher emendas de interesse da Odebrecht em seus relatórios sobre os principais projetos em tramitação no Senado. Dois ministros de Temer também serão citados: Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) e Henrique Eduardo Alves (Turismo).

OUTRO LADO

Procurado, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) afirmou que “rechaça de forma veemente mais essa tentativa de vinculá-lo e a seu governo em Minas a supostas delações ainda não ocorridas” e que, “se as citações a seu nome ocorreram, são absolutamente descabidas”. Por meio de nota, Aécio diz ainda que a obra citada foi feita por um conjunto de empresas com qualificação para realizá-la, acompanhada pelo Ministério Público, pelo Tribunal de Contas do Estado e por empresa independente contratada para fiscalizá-la.

“Ao final da obra, pedidos de reajustes apresentados por empresas participantes foram negados pelo órgão governamental responsável. O que demonstra que não houve qualquer tipo de favorecimento a quem quer que fosse”, disse o senador em nota.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que não recebeu vantagens. "O senador reitera que jamais recebeu vantagens de quem quer que seja. As relações do senador jamais ultrapassaram os limites institucionais", afirmou por meio de sua assessoria.

A assessoria de Romero Jucá (PMDB-RR) negou que o senador tenha recebido quaisquer recursos financeiros ilegais da OAS. "O senador Romero Jucá desconhece a delação do senhor Leonardo Pinheiro (sic), mas nega que tenha recebido quaisquer recursos financeiros ilegais da OAS", escreveu.

O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro (Kakay), disse, em nome dos senadores Romero Jucá, José Sarney e Edison Lobão, que a reportagem da revista “Veja” se baseia em “vazamento de um anexo” e que a delação propriamente dita ainda não existe.

— Estamos vivendo um momento em que a delação tem um foro de verdade e nós discordamos dessa premissa, até conhecer o tema da delação. Estão distribuindo o vazamento de um anexo, algo surreal. Não tem delação, mas uma pretensa delação — disse o advogado.

O ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), disse que todas as doações recebidas pela campanha foram de acordo com a lei e registradas nos tribunais eleitorais. "Todas as doações recebidas pela campanha de Henrique Alves foram de acordo com a lei, registradas nos tribunais eleitorais, absolutamente transparentes", afirmou, segundo sua assessoria.
Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) disse não estar surpreso com o conteúdo da citação porque todas as vezes em que se dirigiu a Emílio Odebrecht e Léo Pinheiro foi para solicitar recursos de campanha. Ele negou ter feito caixa 2.

Em nota divulgada neste sábado, o Instituto Lula não comentou as informações trazidas pela reportagem, mas criticou os autores e a revista “Veja” pelo que chamou de “publicação sistemática de mentiras, calúnias e difamações contra Lula”.

Dilma, Eduardo Cunha, Anderson Dornelles, Douglas Franzoni e Giles Azevedo foram procurados, mas ainda não responderam o contato da reportagem.

Leia mais: http://extra.globo.com/noticias/brasil/delacoes-da-odebrecht-citarao-13-governadores-36-senadores-diz-veja-19443427.html#ixzz4AerX5dT6

Teorias de relacoes internacionais, blocos comerciais - Paulo Roberto de Almeida


Teorias de relações internacionais, blocos comerciais
Mais algumas questões colocadas por estudantes...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4 junho 2016, n. 2990.

Na continuidade do exercício anterior, figuram aqui mais algumas das questões colocadas quase um ano atrás, em relação a preocupações tipicamente estudantes, ou seja, teorias (sempre esses bizarros animais universitários, até mesmo científicos) e problemas do mundo real, como comércio, investimentos, vida prática...

Questões colocadas:
As [suas] posições econômicas (...) não poderiam ter ficado mais claras, mas gostaríamos de saber como [você] se enquadraria, por exemplo, nas teorias de relações internacionais. A [sua] aproximação (...) é realista, neo-realista (ou realismo estrutural), liberal ou construtivista? Pode parecer irônico, mas, pelo que eu vi nas respostas (...), acho que o marxismo é o que mais se aproximaria do que [você] defenderia, uma vez que (...) não vê os Estados como atores principais no cenário internacional.
Ademais, todo o mundo está se organizando em blocos econômicos. Você acha que o Brasil, sozinho, poderia enfrentar o mercado protecionista da União Europeia, NAFTA, etc.? Que poder de barganha teríamos para pedir a abertura deles, uma vez que abrirmos nosso mercado?

PRA: As perguntas colocadas (...) se desdobram em duas questões, totalmente distintas em sua natureza e problemática: de um lado temos um questionamento essencialmente teórico, ou acadêmico, a saber, como [eu me] posiciono em termos de teorias de relações internacionais, qual seria [minha] abordagem teórica na interpretação dessas relações, paralelamente a uma afirmação (aliás equivocada) segundo a qual [eu] teria uma postura teórica aparentada ao marxismo, por não privilegiar os Estados como principais atores do jogo internacional. De outro lado, uma questão prática, relativa ao posicionamento que (...) adotaria caso estivesse sob [minha] responsabilidade a definição da política comercial do Brasil num mundo (aparentemente) dividido em blocos comerciais, presumivelmente excludentes, ou protecionistas. Vamos tratar das duas questões separadamente, pois assim determina sua natureza respectiva.

Teorias de Relações Internacionais e partidos políticos
Existe aqui interpretação puramente acadêmica do papel dos partidos políticos em relação aos temas de relações internacionais. Os partidos políticos podem ter, pela postura de seus dirigentes, por suas opções programáticas fundamentais, pelas tomadas de posição nos debates parlamentares ou por suas responsabilidades ministeriais nos executivos, posições mais ou menos nítidas, ou fluídas, em relação aos principais temas da agenda internacional de um país. Mas raramente eles o fazem em função de teorias de RI que são simplesmente escolas de pensamento acadêmico que possuem escassa influência, se alguma, nos programas partidários e em suas posturas práticas, que se guiam mais pelas questões objetivas que se colocam ao país no cenário internacional do que por princípios teóricos, que são sempre vagos com respeito aos problemas reais. Em geral, partidos não se guiam por esses conceitos que dividem as escolas de pensamento em RI, ainda que os partidos possam ter posturas bem claras e definidas na área da política externa e em relação às principais questões da agenda internacional.
Assim, é possível afirmar, por exemplo, que um partido liberal adotaria, em princípio, uma postura aberta relativamente ao comércio internacional e aos movimentos de capitais, sendo potencialmente favorável a acordos de livre comércio, ao câmbio flutuante, à abertura econômica, aos investimentos estrangeiros, e a uma liberalização maior no que respeito a fluxos financeiros transfronteiriços. Um partido mais identificado com os pressupostos práticos do keynesianismo provavelmente recomendaria controles de capitais, intervenções do Estado nos mercados cambiais e certas restrições aos capitais estrangeiros. Um partido socialista clássico poderia ser, ainda teoricamente, totalmente favorável ao controle pelo Estado do comércio exterior, dos movimentos de capitais e das paridades cambiais. Mas tudo isso tem pouco a ver, e provavelmente nada a ver, com as escolas de pensamento em RI, que só encontram um suporte claro no âmbito das academias, que não são o terreno de atuação dos partidos.
A afirmação de uma suposta identidade [minha] com o marxismo, por uma alegada postura comum em relação ao Estado, tampouco encontra suporte na realidade.  [Eu] certamente privilegio um Estado menos ativo no plano econômico produtivo, mas não deixo de reconhecer o papel central dos Estados nas relações internacionais contemporâneas, qualquer que seja a escola teórica a que [eu] possa aderir (...). Não se trata de uma questão de escolas teóricas e isso não tem nada a ver com o marxismo, com o liberalismo, ou qualquer outra corrente de opinião ou movimento político. Os Estados são os atores principais das relações internacionais, ponto. Essa é uma realidade a que (...) não [se] pode escapar, por mais que [alguém] prefira um mundo de livres mercados, de intercâmbios não administrados por governos, de livre circulação de capitais e de mais liberdade para os investimentos estrangeiros.
Em conclusão para essa questão: se [eu] for convidado para um debate na academia sobre escolas de pensamento em RI, (...) não teria nenhuma preferência de princípio, pois se trata de [uma] questão que escapa às [minhas] preocupações práticas. [Acredito que possa], e deva ter, posicionamentos claros sobre questões internacionais em geral, sobre a política externa brasileira em particular, e sobre como a diplomacia pode e deve ser potencializada para melhor servir aos interesses do Brasil no plano externo e no das principais questões inscritas na agenda internacional quanto aos grandes temas: comércio, meio ambiente, segurança, cooperação, etc. Nenhum desses temas práticos [me] obriga (...) adotar qualquer escola de pensamento em RI, tanto porque essas escolas se referem a um debate conceitual que não é [o meu] terreno de atuação (...), já que [eu me] posiciono no terreno da prática, da ação externa governamental neste caso. Acredito que as diferenças tenham ficado claras.

O Brasil, o comércio internacional e os blocos regionais
Não parece correto dizer que “todo o mundo está se organizando em blocos econômicos”, ou pelo menos não absolutamente. Países específicos – primeiro na Europa, depois nas Américas – começaram a estabelecer zonas de livre comércio (como é o caso do Nafta, ou de dezenas de outros acordos de tipo no mundo, geralmente bilaterais ou plurilaterais), ou uniões aduaneiras (que é o caso da União Europeia, que já chegou ao estágio do mercado comum, e do Mercosul, ainda em formação), ou quaisquer outros arranjos, em grande medida de simples áreas de preferências tarifárias, ou seja, derrogação parcial e negociada de algumas tarifas, mas não todas. Todos esses arranjos são regulados pelo GATT, o Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comércio, atualmente administrado pela OMC, a Organização Mundial de Comércio, que hoje conta com quase 160 países membros.
Ocorre que é difícil negociar, nesse âmbito e com essa amplitude, acordos comerciais multilaterais – ou seja, abrangendo todos os membros – pois os países possuem interesses muito diversos, devido a seus níveis muito diferentes de desenvolvimento e de capacitação industrial (e, portanto, de competitividade). Daí a tendência de alguns poucos países, mais interligados por fluxos de comércio, de negociarem em escala restrita, acordos comerciais de liberalização, o que acaba discriminando contra os não membros. É o caso, por exemplo, da União Europeia, que protege seus mercados agrícolas, por meio de subsídios e tarifas altas, discriminando contra exportações brasileiras nessa área. O mesmo ocorre, com variações, no caso dos Estados Unidos, que também possuem certa proteção à sua agricultura e diversos mecanismos de subsídios internos à produção, e, em alguns casos, até à exportação de bens agrícolas. Tudo isso prejudica o Brasil, que possui uma pujante economia agrária, altamente competitiva e não subsidiada; mas é preciso igualmente afirmar que outros países em desenvolvimento, supostamente “aliados” do Brasil na luta contra os subsídios e mecanismos de proteção dos países ricos, como a China ou Índia, por exemplo, também possuem seus próprios instrumentos de proteção, de subsídios, e também defendem o mercado interno contra maiores exportações brasileiras.
O Brasil, junto com outros países, exportadores agrícolas não subvencionistas – como Austrália, Nova Zelândia, Argentina, Chile, e vários outros – vem tentando, no âmbito da OMC e em acordos comerciais bilaterais ou plurilaterais, desmantelar esses mecanismos de proteção e de subvenções, para abrir os mercados agrícolas à livre competição (embora o Brasil seja um grande protecionista industrial, por exemplo). Trata-se de um processo lento e difícil, que avança muito gradualmente, pois muitos países – inclusive o Brasil – colocam como critério essencial de suas posturas negociadoras a chamada segurança alimentar e o abastecimento do mercado interno preferencialmente pela produção doméstica. Os avanços são e serão muito lentos.
Aqui justamente se coloca a barganha possível: os países ricos pedem que, em contrapartida da abertura de seus mercados internos a maiores importações agrícolas, os países em desenvolvimento e grandes produtores agrícolas abram seus mercados aos produtos manufaturados, permitam maior liberdade de investimentos estrangeiros, concedam maior proteção à propriedade intelectual – inclusive, por exemplo, o fato de se chamar de Champagne exclusivamente o vinho espumante dessa região da França, e coisas do gênero. Toda barganha comercial é um jogo de ofertas e concessões, contra acesso a mercados para bens e serviços nos quais os países se julgam mais competitivos (geralmente nos mercados agrícolas, mas não todos, e nos bens industriais). Nem todos os países produzem banana, por exemplo, mas a maior parte deles pretende ter suas indústrias domésticas cobrindo o essencial da demanda interna.
[Acredito] – tanto porque essa é a experiência concreta dos países mais ricos, que são igualmente os maiores comerciantes do planeta – que um mundo aberto às trocas internacionais irrestritas, mercados livros, competição aberta (sem subsídios ou mecanismos de proteção) é mais suscetível de criar riquezas para todos. Existe uma correlação muito clara entre grau de abertura comercial e nível de renda per capita: quanto mais aberto ao comércio internacional é um país, mais rico ele se torna. O Brasil é um país especialmente fechado ao comércio internacional, tendo apenas 25% do seu PIB formado no comércio exterior, para uma média internacional que é quase o dobro disso; os países mais ricos, em geral, possuem um coeficiente superior a 60% do PIB.
As questões ficaram claras assim?

Paulo Roberto de Almeida
[Brasília, 4 junho 2016, com base no trabalho feito em Hartford, 3 de outubro de 2015]

Estado Minimo e defesa nacional: existem ameacas nessa vertente? - Paulo Roberto de Almeida

Posto aqui um exemplo, entre muitos outros, de respostas elaboradas por mim para atender a questões ou demandas que de vez em quando me são colocadas por algum interesse específico de um estudante, mas que entendo possuirem algum interesse geral, de outros estudantes nessas mesmas questões. Daí a adaptação deste texto, com colchetes e parênteses suspensivos, para descaracterizar o atendimento próprio ao bilateralismo.
Paulo Roberto de Almeida


Estado Mínimo e defesa nacional: existem ameaças nessa vertente?
(Questões que de vez em quando me aparecem...)

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4 junho 2016, n. 2989.

De vez em quando, ou de quando em sempre, sou “assediado” por questões colocadas por estudantes (de diversas áreas) que tocam em problemas correntes da sociedade brasileira, ou até em questões teóricas, às quais não costumo dar muita importância (talvez equivocadamente). Mas é porque me fio mais na experiência e no conhecimento acumulado do que em construções teóricas. Como diria o escritor Mario Vargas Llosa, quando os intelectuais não conseguem responder a uma questão, eles inventam uma teoria (risos, como se “escreveria” na ferramentas sociais).
Bem, vou colocar algumas dessas questões que me chegam e tentar expressar minha opinião sobre o que me é perguntado. Por razões óbvias, permito-me não revelar fontes e particularidades dos perguntadores; também vou editar topicamente respostas elaboradas (por vezes vários meses antes), para tornar meus argumentos aplicáveis a casos mais gerais, deixando de lado especificidades das perguntas. Abaixo, um exemplo das questões que me chegam, editadas para adequar-se ao que acabo de dizer acima.

Boa noite, Tenho (...) algumas dúvidas [que] ainda remanescem e não consegui encontrar (...) respostas nas redes sociais (...). Sou estudante de Relações Internacionais com ênfase em Segurança Internacional e Geopolítica, que se refletem em políticas nacionais na área de Segurança e Defesa Nacional. Eu gostaria de saber (...): o Estado Mínimo abrange algum tipo de planejamento das três forças armadas? Seria correto dizer que haveria um enfraquecimento da área? Como as Relações Exteriores-Diplomacia seriam guiadas [no Estado Mínimo]? [No Estado Mínimo]as Relações Internacionais (...) seguiriam o modelo (Neo)Realista, (Neo)Liberal - institucional, estabilidade hegemônica, etc.- ou algum relacionado? As dúvidas partem justamente de não ter muito claro em mente até onde o Estado Mínimo atua no sistema internacional. Em muitos casos, a defesa do interesse nacional depende de adotar medidas para reduzir a vulnerabilidade. Como o projeto liberal enxerga a soberania dos Estados? No caso de um levante separatista em alguma região do país, (...) seria a favor do separatismo, respeitando a liberdade de escolha dessa região, ou atuaria de modo mais enérgico ao impedir a fragmentação do território? E, por último: o capital privado nacional seria, de alguma forma, priorizado? Agradeço desde já a atenção.

Transcrevo a seguir as respostas editadas por mim para atender às questões colocadas.

[Car@...]
[Agradeço] seu interesse (...) em relação a temas da sua área de estudos, curso de Relações Internacionais, com ênfase em Segurança Internacional e Geopolítica, e [tentarei] atender suas demandas e responder às suas questões ao melhor de [minha] capacidade, embora algumas delas não façam normalmente parte de [minhas] reflexões e atividades (...). Por exemplo: [minhas] reflexões e posturas (...) no âmbito da política externa e das relações exteriores do Brasil não se guiam tanto pelos modelos acadêmicos que você discute no âmbito do seu curso universitário, quanto pelas questões práticas que se colocam na agenda internacional e regional do Brasil. Mas [vou] abordar cada um de seus questionamentos de maneira sistemática para ver se [posso] atender toda a sua curiosidade.

1) Eu gostaria de saber qual é a proposta (...) para essa área [Segurança e Defesa Nacional]: o Estado Mínimo abrange algum tipo de planejamento das três forças armadas? Seria correto dizer que haveria um enfraquecimento da área?
PRA: Em primeiro lugar [gostaria] de desfazer essa [caracterização] indevida (...) [no tocante ao] conceito de Estado Mínimo, uma caracterização provavelmente inventada por partidários de um Estado ativo, supostamente grande, e encarregado de um número considerável de serviços e prestações para a população em geral. Havia uma clara intenção de atribuir uma conotação negativo aos que, como os liberais, preferem ver o Estado dedicado essencialmente às suas obrigações fundamentais, deixando ao setor privado todos aqueles serviços que funcionam melhor em regime de concorrência aberta e segundo as preferencias dos consumidores. Você há de concordar [comigo em] que se a telefonia em geral, mas principalmente a celular, continuasse um monopólio estatal, como ainda era até quase o final dos anos 1990, os brasileiros não poderiam contar com a grande variedade de ofertas a preços diversificados. O mesmo se aplica a vários outros serviços públicos. Estado Mínimo é um fantasma que não existe em praticamente nenhum lugar do mundo, e certamente não existe para as áreas de Defesa e Segurança.
Todos os Estados exibem um aparato de segurança interna, e alguma estrutura para sua defesa externa, mesmo deficiente ou carente de recursos mais sofisticados. No caso do Brasil, as FFAA dispõem de uma boa organização e funcionamento, embora possam carecer, como diversos outros órgãos do Estado e setores de atividades de interesse coletivo, de recursos suficientes para manter uma estrutura que se julgaria ideal na concepção dos próprios militares. Não seria [minha] intenção (...) reduzir o Estado brasileiro a essa entidade fantasmagórica que seria um Estado Mínimo, e muito menos reduzir a capacitação e os equipamentos de nossas FFAA a proporções tais que elas não seriam capazes de preencher suas funções constitucionais – no plano doméstico portanto – ou colaborar com a Organização das Nações Unidas em missões de manutenção da paz, como elas já o fazem atualmente no âmbito de diversas resoluções do seu Conselho de Segurança, notadamente no Haiti.
As FFAA, bem como o Ministério da Defesa, já possuem suas instâncias de planejamento setorial e global – para grandes concepções estratégicas, para esquemas táticos, para logística e formação de quadros e provimento de materiais – e (...) não [se deve] (...) interferir com essas atividades bastante especializadas voltadas para as necessidades específicas das forças e em consonância com o que seja decidido pelo governo de maneira ampla (Executivo e comissões parlamentares). Tais atividades não tem nada a ver com o fato de o Estado ser superdimensionado ou reduzido às suas mais modestas expressões, pois elas derivam uma determinada concepção de Estado, por sua vez baseada em valores – defesa da soberania, independência nacional, defesa do território – e em elementos mais tangíveis – população, cobertura geográfica da defesa nacional, equipamentos disponíveis – ou intangíveis (preparação dos recursos humanos e adequação das concepções estratégicas aos meios materiais disponíveis).
Conhecendo-se o Brasil enquanto sociedade e Estado, bem como o pensamento dos responsáveis civis e militares na área de Defesa e Segurança, parece altamente improvável ocorrer um “enfraquecimento” da área, como atitude deliberada de dirigentes políticos, sejam eles liberais ou intervencionistas estatizantes. Parece haver um consenso em torno da necessidade de FFAA modernas, bem equipadas e dispondo de uma visão clara quanto às suas missões nos âmbitos regional e internacional. [Eu] não pretenderia alterar esse relativo consenso, ainda que possa haver diferenças de opinião quanto aos recursos a serem alocados e para quais tipos de equipamentos considerados (submarino nuclear, por exemplo, ou aviões de combate de tecnologia inteiramente nacional). [Eu preferiria que se desse] um tratamento bastante técnico, e cercado de assessoria especializada nesses terrenos, a todas as questões afetando a defesa e a segurança do Brasil, bem como sua participação em ações externas.

2) Como as Relações Exteriores-Diplomacia seriam guiadas? [O Estado Mínimo nas] Relações Internacionais seguiria o modelo (Neo)Realista, (Neo)Liberal - institucional, estabilidade hegemônica, etc.- ou algum relacionado? As dúvidas partem justamente de não ter muito claro em mente até onde o Estado Mínimo atua no sistema internacional.
PRA: A diplomacia e a política exterior de um Estado ativo nas relações internacionais raramente – se é que isso seria possível – são guiadas por considerações de natureza abstrata como são essas concepções tipicamente acadêmicas, e que encontram pouco respaldo, se algum, na atividade corrente dos governos. Estes se atem a seus interesses fundamentais – desenvolvimento, cooperação, segurança, aumento do comércio, dos investimentos, dos intercâmbios em geral, etc. – para organizar a promoção e defesa desses interesses no plano externo, e nisso eles contam com uma agenda externa, geralmente traçada no plano multilateral ou regional por entidades intergovernamentais especializadas, e uma agenda interna, que são os seus objetivos de política doméstica que necessitam interagir com o ambiente externo (busca de parceiros comerciais, investidores estrangeiros, cooperação nos grandes temas de externalidades, como meio ambiente, problemas globais, segurança internacional, justamente, etc. Não há muito espaço para se debater todos esses temas em função de algum modelo teórico abstrato, uma vez que as questões exigem respostas práticas, não argumentos definidos a priori segundo um esquema pré-fabricado, concebido por algum analista acadêmico.
Nenhum Estado, mínimo ou máximo, organiza sua diplomacia e define a sua política exterior em função de concepções que são construídas para oferecer modelos explicativos, não para a condução das ações externas dos Estados em causa. É preciso ter bem presente que se trata de dois universos que se colocam em planos diferentes da reflexão responsável, seja por parte de estadistas e dirigentes políticos, seja a cargo de professores universitários e comentaristas da atualidade.

3) Em muitos casos, a defesa do interesse nacional depende de adotar medidas para reduzir a vulnerabilidade. Como o projeto liberal enxerga a soberania dos Estados?
PRA: Certamente que a defesa do interesse nacional não apenas depende, mas exige que as vulnerabilidades externas – e muitas delas derivam de fragilidades internas – sejam reduzidas. [Qualquer] projeto [político, e não apenas um de tipo] “liberal”, [só pode responder a questões desse tipo] (...) com base numa visão clara do que seja o interesse nacional. Soberania nacional não é algo que se defenda retoricamente, com proclamações altissonantes e grandes discursos. Ela é exercida naturalmente, com base numa economia sólida, numa população instruída e produtiva, num processo de transformações estruturais na economia que dependem cada vez mais da inovação tecnológica e da economia do conhecimento, e com plena inserção internacional, pois é no comércio internacional e nos investimentos estrangeiros que países como o Brasil vão encontrar recursos e meios para fortalecer sua própria capacitação em defesa. Tomando exemplo em Estados mais desenvolvidos, que apresentam indicadores de produtividade e de inovação bem superiores aos do Brasil, e coeficientes de abertura externa igualmente maiores do que o do Brasil (que é metade da média mundial), [não tenho nenhuma] hesitação em proclamar que uma pujante economia de mercado, aberta aos mais diversos tipos de intercâmbios externos, é bem mais condizente com os requerimentos da defesa da soberania nacional do que uma base produtiva canhestra, voltada sobre si mesma, um potencial de investimentos limitados pela ausência de poupança doméstica, e certas exigências de conteúdo local que só encarecem o produto nacional, e o tornam pouco competitivo no plano internacional, como infelizmente tem sido o caso do Brasil nos últimos anos.
Sem deixar de ser “soberanista”, [sou] bem mais “internacionalista” do que a média (...), pois entendo que uma sólida inserção externa é uma boa base para o fortalecimento da capacitação interna nas mais diversas áreas.

4) No caso de um levante separatista em alguma região do país, (...) seria a favor do separatismo, respeitando a liberdade de escolha dessa região, ou atuaria de modo mais enérgico ao impedir a fragmentação do território?
PTA: Não parece existir atualmente no Brasil qualquer cenário propenso a algum tipo de “levante separatista”, como foi o caso, por razões muito especiais, no passado monárquico (na verdade regencial), quando as dificuldades de organização do Estado nacional a partir do Rio de Janeiro provocaram reações de natureza muito diferente no Nordeste e no extremo Sul do país. Esse período está definitivamente encerrado e subsistem hoje poucos sentimentos separatistas dotados de bases reais na sociedade, de forma a oferecer sequer uma possibilidade teórica de um evento desse tipo. Mesmo sem considerar essa hipótese plausível ou possível, [eu me atenho] exatamente à Constituição, que coloca essa questão nos princípios fundamentais de organização do Estado e da nação, definida como una e indivisível, mesmo quando estruturada segundo o modelo federativo, com certa autonomia para os demais entes federativos nas suas relações com a União. As FFAA estão aliás mandatadas para defender a unidade do país, e [eu] não pretenderia inovar nesse terreno.

5) E, por último: o capital privado nacional seria, [no Estado Mínimo] de alguma forma, priorizado?
PRA: O chamado capital nacional foi priorizado no texto original da Constituição de 1988, dispositivo que foi depois modificado por uma emenda constitucional de 1995, de maneira a eliminar os aspectos mais discriminatórios contra o capital estrangeiros presentes na redação aprovada pelo Congresso Constituinte. [Entendo] que as prioridades ao capital nacional devem existir naturalmente, como decorrência de um ambiente saudável, que não coloque a empresa nacional em desvantagem em face da concorrência estrangeira, em função de uma carga tributária extorsiva e de requerimentos regulatórios excessivamente complexos, impondo um custo adicional ao empreendedor nacional. Discriminações legais contra o capital estrangeiro são nefastas ao próprio desenvolvimento do capital nacional, como testemunhado pela Lei de Reserva de Mercado para Informática, ou pela proteção absurda concedida à indústria automobilística instalada no país – que nem nacional é – o que impediu e impede que as empresas sediadas no território nacional (não importa se nacionais ou estrangeiras) se insiram nas grandes redes de integração produtiva em escala nacional, que hoje caracterizam a interdependência econômica que está no bojo do processo de globalização. [Eu] entendo que a melhor forma de priorizar o capital nacional é fazê-lo participar plenamente dos processos de internacionalização em curso no mundo atual.
Existe uma correlação muito clara entre níveis de renda per capita – ou seja, de bem-estar e de prosperidade – e graus de abertura externa, ou seja, participação na globalização: (...) acredito, de maneira consistente – porque apoiado nas evidências já disponíveis a esse respeito –, nas virtudes da globalização e nos méritos de um tratamento igualitário para o capital estrangeiro e o nacional no ambiente doméstico.

[Paulo Roberto de Almeida;
Brasília, 4 junho 2016, 6 p.; com base no trabalho n. 2886; Hartford, 4 outubro 2015]