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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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segunda-feira, 25 de março de 2019

Da velha Guerra Fria geopolítica à nova Guerra Fria Econômica - Paulo Roberto de Almeida

Aproximadamente dez anos atrás, no final de 2009, ao preparar-me para passar oito meses na China, durante a Exposição Universal de Xangai, a realizar-se de maio a outubro de 2010, redigi o primeiro rascunho de um ensaio, depois elaborado e divulgado durante aquela estada, no qual eu me manifestava sobre a substituição da antiga Guerra Fria, de natureza geopolítica, por uma nova Guerra Fria Econômica, cujos principais protagonistas seriam os Estados Unidos e o gigante asiático, então ainda flexionando seus músculos econômicos e militares para o exercício de uma futura preeminência mundial.
Embora sequer aberta ou declarada naquela ocasião, eu já dizia que se podia declarar a China como vencedora potencial da nova contenda geoeconômica, simplesmente porque ela possuía a estratégia adequada para esse tipo de embate. Creio que esse cenário está em pleno desenvolvimento nos dias que correm.
Cabe reconhecer que o governo Trump vem facilitando enormemente esse desenlace fatal, na medida em que o presidente mercantilista e protecionista colabora na aceleração desse processo, ao retirar os EUA da globalização e ao deixar os chineses livres para implementar de forma praticamente desimpedida seu intento globalizador — agora traduzido na estratégia “Belt and Road Initiative” —, desta vez com parceiros do próprio G7, como a Itália, ademais de outros sócios menores do império americano, como a Nova Zelândia, por exemplo, que também se prepara para aderir.
A nova Guerra Fria Econômica refaz a história mundial de antes da época dos descobrimentos ultramarinos, ao levar, desta vez, produtos e serviços chineses ao coração da Eurásia e ao seu promontório ocidental, em lugar de serem os antigos mercadores ao estilo de Marco Polo a penetrar nos poeirentos caminhos da velha Rota da Seda até o império então dominado pelos sucessores de Gengis Khan.
Sinto-me gratificado por ter antecipado em dez anos uma evolução que já então me parecia inevitável. Vou buscar e postar novamente neste espaço aquele meu ensaio antecipatório.
E o que faz o atual chanceler brasileiro em face desse cenário? Ao que se tem notícia, ainda recentemente ele estava criticando uma inexistente “China maoísta”, uma fantasmagoria desfeita quatro décadas atrás. Numa aula "mínima" dada aos estudantes do Instituto Rio Branco até confirmou, ridiculamente, que nós, brasileiros, podíamos vender nossos produtos primários à China, mas que "não iríamos vender a nossa alma". 

O próprio presidente desmentiu-o imediatamente, ao anunciar que iria visitar a China ainda este ano, antecipando os grandes negócios que o Brasil poderia fazer com o gigante asiático.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25/03/2019



Ver o artigo de João Paulo Charleaux, "Como a China busca reeditar a antiga Rota da Seda", no jornal digital Nexo (23/03/2019), para o qual contou com a colaboração de Oliver Stuenkel, professor na FGV-SP e grande especialista do "mundo pós-ocidental" – título de um de seus livros –, explicando como a China administra esse grande projeto, "no qual a China aparece como principal potência do mundo, dona de um passado glorioso":

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/03/23/Como-a-China-busca-reeditar-a-antiga-Rota-da-Seda?utm_source=socialbttns&utm_medium=article_share&utm_campaign=self&fbclid=IwAR2FFJfVv_tSPpCGZAWeiV46Rc77TGZmSIid5O5PkSPa1e6vvCL2XbxZQKc 

De fato, como explica Stuenkel, trata-se de um passo "muito importante", uma vez que a Itália é o primeiro "país do G7 a aderir [ao projeto], o que dá uma legitimidade a mais. Mostra que isso não é um projeto só para países pobres e desesperados por recursos."

E agora, com voces, o chanceler paralelo; mas não, é o verdadeiro - Gilvandro Filho

Eduardo Bolsonaro é mais que um chanceler. É um conflito diplomático

Por Gilvandro Filho, do Jornalistas pela Democracia 
23 de Março de 2019 

De tudo o que o governo de Jair Bolsonaro tem de indigesto para oferecer ao País – e não é pouco -, a delegação irresponsável de poder que é outorgada aos filhos do presidente ultrapassa os limites do tolerável. Pior, está se tornando muito mais que algo simplesmente nocivo. Em alguns casos, a coisa ameaça descambar para o incidente diplomático. Pelo que faz e acontece o “número 02” dos primeiros-filhos de Bolsonaro, a coisa não pode acabar bem. Eduardo Bolsonaro é um perigo iminente para o próprio pai, para o cambaleante governo e para o Brasil.
A imagem do deputado federal sentado no sofá da Casa Branca, em uma reunião privada do presidente-pai com o presidente-ídolo, foi uma das cenas mais estapafúrdias que a diplomacia brasileira já produziu. Bolsonaro, o pai, barrou do encontro o seu próprio chanceler, o inexplicável Ernesto Araújo, para levar o filho. E o fez, segundo disse, a convite do próprio Donald Trump. Se Araújo ainda está no cargo, só mesmo a falta de noção e de amor próprio do auxiliar deve conseguir justificar.
Jair Bolsonaro tem um filho para cada área-problema. Cada um deles com um potencial de inconveniências, o que já era mais ou menos previsto durante a campanha eleitoral. Os três já se prenunciavam os “donos” da República que viriam a ser. Mas ultrapassaram as piores expectativas. Nada é tão ruim que não possa, um dia, piorar. Eles ratificaram a máxima.
O mais velho, o ex-vereador do RJ e hoje senador Flávio, viria a mostrar-se entrosados com figuras do crime organizado do Rio de Janeiro. Já havia homenageado miliciano e, no poder, fez nascer a primeira personagem-problema do governo, o assessor-pagador-amigo de fé-irmão-camarada Fabrício Queiroz, até hoje livre, leve e solto pela falta de um juiz de primeira instância com coragem e com vontade de mostrar serviço, como parecia haver no passado.
O mais novo e mais querido é Carlos, o Carlucho, hoje vereador do RJ, é assessor para assuntos aleatórios, gerais e pessoais. Acompanha o pai em situações de extrema intimidade, como cuidar do pai durante o internamento deste, após a cirurgia no Hospital Albert Einstein, o que é plenamente justificável. Ou em outras cujo cabimento é questionável, como sentar no assento de trás do Rolls-Royce presidencial, com os pés no banco, em pleno percurso da posse presidencial.
(Conheça e apoie o projeto Jornalistas pela Democracia)
Mas em termos de criar problema internacional, o cara é Eduardo. Deputado federal, conseguiu se encaixar no posto de presidente da Comissão de Relações Externos da Câmara dos Deputados, o que que lhe confere um certo álibi para viajar pelo mundo à cata de situações que acabam colocando o País em exposição desairosa. Desembarca em aeroportos com boné de propaganda de Trump como se fossem as orelhas de Mickey. Antecipa acordos políticos com Israel. E é, atualmente, a figura central da participação brasileira da possível guerra contra a Venezuela, ação criminosa que Trump e seus aliados cuidam para curto prazo.
A atuação, ou intromissão, de Eduardo Bolsonaro na área faz a importância do chanceler Ernesto Araújo ser muito menor que a dos juncos do jardim suspenso do Itamaraty. Com todo respeito à função dos juncos e das demais plantas do belo espelho d’água que margeia o palácio.
A brincadeira da hora do filho do meio é mesmo a guerra contra a Venezuela. Com aval do pai, diga-se de passagem, ele se diverte expelindo intenções bélicas, no que acaba falando em nome do governo brasileiro, embora não devesse. Faz eco a Trump e seus senhores da guerra e influencia o pai-presidente na formação de um campo de batalha que não lhe compete.
Mas, é impossível para os Bolsonaro aceitarem que esta guerra contra a Venezuela não é nossa. E que, no futuro, estará aberto um flanco enorme que vai acabar por nos engolir. Ou será que a concessão aos americanos da Base Militar de Alcântara não significa nada? Ou que o pré-sal não poderá ser, daqui a pouco, pretexto similar ao que é hoje o petróleo venezuelano para Trump?
Na sexta-feira (22), o nosso “ministro informal” das relações exteriores previu que, “de alguma maneira”, o “uso da força” será utilizado pelo Brasil e pelas Forças Armadas, no conflito venezuelano, que já dá como certo. A declaração, ele deu no Chile, onde o pai participava da formação de um perigoso (este sim) bloco de extrema-direita com países alinhados aos Estados Unidos e dispostos a pegar em armas para tirar do poder o governo legitimamente eleito de Nicolás Maduro.
À primeira vista, a impressão é de que Eduardo Bolsonaro não passa de um menino doido para brincar de guerra. E que o pai já lhe comprou o brinquedo.

domingo, 24 de março de 2019

Itamaraty: Mudanças e instabilidade na casa dos diplomatas - Jornal O Povo (CE)

Itamaraty: Mudanças e instabilidade na casa dos diplomatas

|Reestruturação| Embaixador com experiência de 42 anos é demitido por chanceler e o acusa de promover mudanças sem qualquer discussão; sofre suas consequências

Jornal O Povo (CE), domingo 24 de março de 2019
(Foto: )
No dia 4 de março, segunda-feira de Carnaval, o embaixador Paulo Roberto de Almeida foi informado de sua exoneração do comando do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, cargo que ocupava desde 2016. A decisão foi tomada após publicação realizada no domingo, 3 de março, em seu blog pessoal, Diplomatizzando, de artigos e outros materiais críticos à política externa brasileira. 
Com 42 anos de atuação no Ministério de Relações Exteriores brasileiro, o Itamaraty, o diplomata evita associar a sua saída do cargo às mudanças estruturais que o ministro Araújo vem realizando desde o início do governo de Jair Bolsonaro. "Isso é um problema político pessoal do chanceler", resume. 
Segundo ele, a principal motivação da demissão ocorrida no início do mês foi a defesa que vem realizando de uma "diplomacia brasileira isenta de opiniões destrambelhadas de pessoas como Olavo de Carvalho ou de outros amadores em políticas internacionais". O escritor Olavo de Carvalho, principal responsável pela nomeação de Ernesto Araújo para o comando do Itamaraty, é definido por Almeida como "pessoa nefasta para a política externa brasileira".
O diplomata aponta que mudanças sensíveis estão ocorrendo na estrutura do Itamaraty "sem nenhuma consulta à Casa. Isso, para mim, é inédito", explica ele. O presidente do Instituto Brasil África, Bosco Monte, concorda que a mudança realizada foi repentina e "sem estruturação adequada". 
"Ele como gestor pode achar que a estrutura que existia até então não é mais oportuna. (...) No entanto, em uma corporação que tem um papel tão importante, é necessário que o dirigente prepare os seus liderados para a mudança, o que não aconteceu", argumenta Bosco. O professor da FGV São Paulo, Guilherme Casarões, considera razoável a argumentação utilizada pelo chanceler para a reestruturação, mas aponta equívocos na solução encontrada por Ernesto Araújo.
"O Itamaraty, de fato, é uma instituição muito rígida e passou muitas décadas desconectado da sociedade, das demandas concretas das pessoas. Sempre esteve muito voltado para ele mesmo", critica Casarões. Mas a alteração nas hierarquias da instituição, considerada a outra grande mudança para Paulo Roberto de Almeida, foi realizada com objetivos outros. 
"O chanceler está subvertendo a crítica para construir um projeto de poder. Ele não está dizendo isso para efetivamente abrir o Itamaraty para a sociedade, está dizendo isso para poder colocar os diplomatas leais à agenda ideológica no topo decisório do País", defende Casarões. 
"O ministro Ernesto tem colocado em posições de chefia geralmente pessoas que estão abaixo da sua geração. (...) Houve uma quebra de tradição (dentro do Itamaraty) e tem havido uma preferência não pelo mérito, mas pelo critério geracional. E, no meio disso, provavelmente o critério ideológico também prevaleça", enfatiza Paulo Roberto. 

O chanceler

De Porto Alegre, Ernesto Araújo foi aprovado no concurso de admissão do Instituto Rio Branco em 1990 e ingressou na carreira diplomática em 1992. É casado com a também diplomata Maria Eduarda de Seixas Corrêa
Guilherme Casarões, professor da FGV
Guilherme Casarões, professor da FGV

Guilherme Casarões

"A política externa afeta o preço dos produtos, afeta a possibilidade de investimento e geração de emprego. Ela também está diretamente ligada a segurança pública. A rota do tráfico tem que ser combatida internamente, mas ela é também uma cooperação entre os países em que o tráfico prospera"
Guilherme Casarões é professor da FGV de São Paulo

Mônica Martins
Mônica Martins

Mônica Martins 

"Não existe nenhum problema nacional que não esteja relacionado com os problemas internacionais. (...) A questão ambiental, por exemplo, nós jamais poderíamos resolver sozinhos. O custo do tomate que vem para a nossa mesa, o custo da macaxeira. A safra de caju, da nossa castanha que é um item fundamental na exportação. O nosso peixe… A questão ambiental afeta o mar e toda a nossa produção, o que nós comemos".
Mônica Martins é professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece)


O socialismo é uma miséria moral:  entrevista com Paulo Roberto de Almeida

O socialismo é uma miséria moral:  entrevista com Paulo Roberto de Almeida

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: entrevista concedida a Celso Assis; finalidade: Clube Bastiat, de Goiânia]

Exatamente dois anos atrás, comparecendo em Goiânia para uma aula inaugural no curso de pós-graduação lato sensu em Diplomacia e Relações Internacionais da UFG, em 24/03/2017, a convite do Prof. Diego Trindade D’Ávila Magalhães, coordenador do curso – o texto de minha alocução na ocasião, “A política externa e a diplomacia brasileira no século XXI”, encontra-se disponível no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/03/a-politica-externa-e-diplomacia.html) –, fui entrevista por Celso Assis, animador do Clube Bastiat – nome revelador – na capital do estado de Goiás.
O que segue abaixo é a transcrição dessa entrevista, gravada, na qual efetuei pequenas correções formais, a partir de sua publicação no site Medium (link: https://medium.com/@celsoassis/paulo-roberto-de-almeida-o-socialismo-%C3%A9-uma-mis%C3%A9ria-moral-14281d4726f2?fbclid=IwAR3s7Rfy8o6jPIXLRIG2miYg3Q_GAQFPSEHfqH2P3wSz4uTy9b2k9BzlZXk; acesso em 24/03/2019). Meu entrevistador, Celso Assis, efetuou um resumo da conversa de quase uma hora que tivemos depois de minha aula inaugural, e lhe sou grato pela gentileza da iniciativa e pelo trabalho dela decorrente. Essa entrevista não fazia parte de meus trabalhos registrados, e agora entra em minha lista de trabalhos de 2017, na sequência imediata daquela aula, sob o número 3098bis.
Gostaria, dois anos depois, de deixar registrado meus agradecimentos tanto ao pessoal da Universidade Federal de Goiás, pela confiança e pelo convite formulado para essa aula inaugural, quanto ao Celso Assis, pela iniciativa tomada de aproveitar minha viagem para realizar a entrevista, um pouco de surpresa, sem preparação, o que explica o caráter um pouco descosido e improvisado de minhas respostas.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 24 de março de 2019

Paulo Roberto de Almeida: “O socialismo é uma miséria moral” — entrevista

Diplomata conta como foi marxista quando jovem, explica sobre o caos na Venezuela e descreve a figura de Roberto Campos

Professor Paulo Roberto de Almeida. Foto ilustrativa retirada do site O Livre.

Entrevista realizada em 24 de março de 2017 para o Clube Bastiat na oportunidade que Paulo Roberto de Almeida ministrou uma palestra na Universidade Federal de Goiás. Foi transcrita recentemente para melhor aproveitamento do material.

Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira, professor universitário e doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas (1984). Desde agosto de 2016, é diretor do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais (IPRI), afiliado à Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), do Ministério das Relações Exteriores.


COMO O SENHOR CHEGOU AOS IDEAIS LIBERAIS?

Paulo Roberto de Almeida: Eu não me defino teoricamente como um liberal ou como um progressista ou qualquer outro rótulo. Eu tive um caminho vindo do marxismo na juventude e tanto no plano teórico, pelas leituras, quanto no plano prático, pela observação, pelas viagens, pela vida vivida em diversos socialismos e capitalismos, eu fui caminhando naturalmente em direção de soluções mais racionais. Aquelas que encarnam uma relação, uma compatibilidade entre as verdades dos fatos e as intenções.
É claro que na juventude você tem aquelas aspirações igualitárias, socializantes, de justiça social, construídas sobre utopias, sobre falsas soluções. É um fato que se descobre pela vida de que o socialismo é um fracasso material. Mais que um fracasso material, o socialismo é uma miséria moral. Um regime de delação, de repressão.
Saindo do Brasil muito jovem, com vinte anos, fui direto ao socialismo, na Europa central, no socialismo real de tipo soviético. Eu me deparei não apenas com a penúria material, mas com a miséria moral. Ao cabo de pouco tempo, menos de três meses, eu saí e me estabeleci na Bélgica. Não era mais o socialismo real, mas o capitalismo quase ideal. Trabalho e estudando, passando meu tempo sobretudo na biblioteca do Instituto de Sociologia da Universidade de Bruxelas, fui fazendo a transição natural do socialismo estatizante da juventude para um socialismo mais light. Depois naturalmente, eu aceitei a realidade das democracias de mercado.

MESMO COM TANTOS RELATOS DAS MISÉRIAS QUE PASSARAM E PASSAM AS PESSOAS EM NAÇÕES SOCIALISTAS, POR QUE AINDA HÁ PESSOAS QUE INSISTEM EM UMA “REVOLUÇÃO”?
PRA: A concepção marxista do mundo é instigante e atraente. Ela proclama as misérias materiais do mundo: nenhum regime é perfeito, as pessoas têm que trabalhar duro. Ela proclama um ideal mais elevado, o da igualdade. Aponta a causa da miséria como sendo a propriedade privada dos meios de produção, a existência de burgueses concentradores de riquezas. Apontam também o caminho revolucionário ou pelo meio eleitoral, mas com a intenção de superar o capitalismo e a propriedade privada.
Isso atrai muito a juventude, pois ela é mais propensa a maior justiça social, a maior igualdade, a maior generosidade, a uma grande reforma na sociedade. Esses jovens não atentam a que a construção humana é feita de progressos graduais, constantes e cumulativos. Esse é um processo que todas as sociedades atravessam. A tentativa de reordenar a sociedade para construir igualdade redunda geralmente na distribuição da pobreza.

A sociedade precisa ter o processo de acumulação, efeito de trabalho e competição. Não é um sistema generoso. O capitalismo em si mesmo não é um sistema moral ou imoral, ele é amoral. Ele é um sistema amoral. As pessoas trabalham, tem algo para vender, para oferecer. O retorno vem pelo mercado, não pela mão generosa do estado.


O Estado é uma extorsão da riqueza social produzida pelos empresários e pelos trabalhadores em benefício do conjunto da sociedade. Com isso você diminui os incentivos à acumulação. É um sistema falho, onde todos esperam receber algo de um ente supostamente neutro, que na verdade não existe. O estado é uma construção social feita pelos homens para facilitar as relações humanas, mas ele próprio não é um criador de riqueza. Ele vive da extração da riqueza criada pela sociedade.
Basear todo o progresso econômico e social sobre um sistema estatizante é apoiar-se apenas na miséria, na pobreza e na estagnação.

COMO O BRASIL PODE AJUDAR A VENEZUELA E COMO PODEMOS NOS PROTEGER DAQUELE DESTINO?
PRA: A Venezuela é um caso extremo, a exacerbação de um fenômeno tipicamente latino-americano. Temos, de um lado, a demagogia política, as mentiras, as promessas irrealistas e, de outro lado, o populismo econômico. Isso não acontece apenas na América Latina, mas esta é especialmente devotada a essas deformações.
A Venezuela tem um traço diferente de seus vizinhos latino-americanos que é sua riqueza em petróleo. Pode ser uma boa coisa, se bem administrada, mas pode ser uma maldição. Ele deforma as condições econômicas de um país. Muitas vezes ele está à flor da terra, o que permite uma riqueza imediata.
A sociedade venezuelana foi deformada pelo petróleo durante décadas. Essa situação atraiu comportamentos rentistas, o que os economistas chamam de rent-seeking. A sociedade passou a ficar dependente do petróleo.
O [falecido ditador Hugo] Chávez criou aquilo que se chama assistencialismo estatal, distribuindo a riqueza do petróleo de uma forma desigual. E também atraído pelo socialismo dos cubanos, ele passou a reprimir a atividade capitalista privada e a estatizar e a monopolizar diversos setores. Com isso ele retirou os estímulos à produção de bens pela própria sociedade.

A Venezuela é um estado falido e possivelmente em situação de pré-guerra civil.

A ex-presidente Dilma Rousseff recebe um retrato de Hugo Chávez do ditador venezuelano Nicolás Maduro em 2013.


O Brasil poderia talvez criar um grupo de “amigos do povo venezuelano” e obrigar a Venezuela a fazer eleições verdadeiramente livres. Tecnicamente, a Venezuela já é uma ditadura. As instituições estão deformadas. Antes, o parlamento era majoritariamente chavista, hoje tem uma oposição maior, mas que está sendo sabotada. O Brasil e os outros países da América Latina, através de mecanismos de defesa da democracia do Mercosul, da Unasul, da OEA, deveriam pressionar a Venezuela por eleições livres. Daí poderia começar um processo muito duro de reconstrução da economia.

[ATUALIZAÇÃO: Algo assim aconteceu em fevereiro de 2018 por um grupo de países latino-americanos, incluindo o Brasil. Mais informações por meio deste link.]

QUANDO O PRESIDENTE MICHEL TEMER DISSE QUE NO GOVERNO DELE O BRASIL NÃO VAI TRABALHAR COM VISÕES DE MUNDO ENVIESADAS, ENTÃO ELE ESTAVA FALANDO SOBRE ISSO?
PRA: Exato. O Brasil, como todo país latino-americano, alterna entre visões mais demagógicas, mais populistas e mais realistas. Infelizmente, o Brasil atravessou nos últimos treze anos, com os governos petistas, governos estatizantes, dirigistas, apoiadores de governos socialistas e inimigos da liberdade, como o cubano.
Nisso a política externa foi deformada, ela passou de abstencionista da democracia para um apoiador de ditaduras.
O Brasil é em grande parte responsável pela manutenção do Chávez e de outros regimes populistas e bolivarianos na América Latina.
Felizmente acabou, mas ocorreu um desastre na economia. A presidente Dilma foi impedida de continuar seu mandato. O presidente Temer é um político tradicional e o Itamaraty retoma seu caráter profissional e isento, sem esse viés progressista e bolivariano dos últimos treze anos.

EM ABRIL (DE 2017), ROBERTO CAMPOS COMPLETARIA 100 ANOS. O SENHOR PODERIA DIZER QUAL FOI O LEGADO DELE PARA O BRASIL?
PRA: O Roberto Campos [1917–2001] foi um intelectual de qualidade excepcional. Vindo de estudos seminaristas, entrou na diplomacia e ao ser encarregado de questões econômicas, tanto no Itamaraty quando na sua primeira missão nos Estados Unidos, ele participou de conferências extremamente importantes, como a de Bretton Woods e a de Havana, sobre comércio e emprego.
Com isso ele se tornou um economista altamente capacitado em uma fase que o Brasil estava deslanchando para o desenvolvimento. Ele fez uma tese de mestrado sobre flutuações e ciclos econômicos de qualidade tão excepcional que Joseph Schumpeter, famoso economista que lecionava em Harvard, disse que ela tinha qualidade de doutorado — e de fato tinha.

Roberto Campos. Foto retirada do site do jornal Gazeta do Povo.


Observando o Brasil, os Estados Unidos, a América Latina, Roberto Campos concluiu que a melhor forma de desenvolvimento para o Brasil seria via mercado, estabilidade macroeconômica, combatendo a inflação, competição no campo microeconômico, instituições de governança fiáveis, alta qualidade de capital humano — ele sempre insistiu na educação — e sobretudo a abertura ao mercado internacional e aos investimentos estrangeiros. Ele tinha uma receita para o desenvolvimento e tentou aplicar.
Roberto Campos foi um dos criadores e um dos presidentes do BNDE [posteriormente renomeado BNDES], um dos principais redatores do Plano de Metas do Juscelino Kubitschek em 1955. Essa experiência prática, de não só estudar economia e comparar o Brasil a outros países, mas também de formular políticas econômicas, de ver o efeito devastador da inflação e de um mercado protecionista, fez com que ele chegasse a uma receita ideal para o desenvolvimento do Brasil.
Infelizmente o Brasil não era propenso a aceitar essas receitas liberais. Tanto que ele era chamado de Bob Fields [a tradução do nome Roberto Campos para o inglês] por sua visão pró-americana do mundo. Mesmo não tendo participado do golpe militar de 1964, ele foi convidado logo em seguida para o Ministério do Planejamento. De 1964 a 1967, junto com o Ministro da Fazenda Otávio Gouveia de Bulhões, um liberal, ele pode transformar radicalmente a economia brasileira, modernizá-la e fazer todas as reformas necessárias para colocar o Brasil em um novo patamar de desenvolvimento. E ele conseguiu.
Em 1967, quando ele saiu do governo, o Brasil enveredou em um ciclo de crescimento extraordinário, a taxas chinesas, digamos — aliás, os asiáticos vinham ao Brasil para tomar receitas de crescimento econômico. Chegou a 14% o crescimento em 1973, mas os militares exageraram. Roberto Campos criticava seus antecessores e seus sucessores. Apontava a leniência com a inflação, a estatização exagerada, o apoio no endividamento externo. Ele não tinha problema em criticar.
Durante todos esses anos, de 1950 até sua morte, ele foi um debatedor. Escrevi artigos semanais para os grandes jornais do Rio e de São Paulo. Lembro que quando eu era jovem, eu até tentei me opor ideologicamente a ele, mas não consegui.
Se a gente ler os escritos dele desde aquela época, todas as prescrições econômicas que ele fez para o Brasil continuam válidas e pungentes. Ele tem uma atualidade muito concreta. Teve a felicidade de sobreviver ao socialismo e também a felicidade de não ver essa lástima que aconteceu à economia graças aos petistas.

Algumas semanas depois desta entrevista, o professor Paulo Roberto de Almeida lançou o livro “O homem que pensou o Brasil — trajetória intelectual de Roberto Campos” (Curitiba: Appris, 2017).

Paulo Roberto de Almeida
Goiânia, 24 de março de 2017


Celso Assis

Estudante, jornalista em formação, libertário, membro da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Contato: cpassis03@gmail.com