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quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Embaixada em Washington: cobertura da grande mídia - Manchetômetro

A indicação de Eduardo Bolsonaro para embaixador na grande imprensa brasileira   

 
Manchetômetro13/08/2019 11:10
 

No último dia 11 de julho, o presidente Jair Bolsonaro confirmou boato de que planejava indicar seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), para o cargo de embaixador do Brasil em Washington. A indicação veio a público no dia seguinte ao aniversário do deputado, quando ele completou a idade mínima para assumir esse tipo de cargo.
Na Câmara dos Deputados, Eduardo preside a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Em visita aos EUA, o deputado acompanhou o seu pai em encontros com autoridades nos quais nem mesmo o Ministro de Relações Exteriores esteve presente.
O caso abriu uma nova polêmica, um dia após o presidente ter afirmado, em promessa à Frente Parlamentar evangélica, que nomearia para o STF um ministro “terrivelmente evangélico”. De modo geral, a indicação tem sido criticada por seu explícito nepotismo. Neste texto, examinamos como a grande imprensa abordou o evento, assim como as diferenças na cobertura apresentada por cada jornal. Para tanto, consideraremos a semana subsequente à publicização da intenção do presidente, ou seja, o período de 12 a 19 de julho.

O GLOBO

No dia 12 de julho O Globo apresentou uma chamada[1] de capa sobre a declaração de Bolsonaro de que indicaria seu filho Eduardo como embaixador em Washington, que contou com foto e com reprodução de trecho da fala do presidente.

Na coluna de Bernardo Mello Franco, a indicação foi criticada. Para o autor, o “03” – alcunha pela qual ele e outros colunistas e mesmo o editorial do jornal se referem ao terceiro filho do presidente – não cumpre os requisitos para a função. Mello Franco compara o Brasil à Arábia Saudita, afirmando que “nenhuma democracia séria trata o seu principal posto no exterior como capitania hereditária”.

 No interior do jornal, o evento foi notícia na editoria Mundo. Uma matéria[2] reproduziu falas do presidente e de Eduardo justificando a decisão e apontou a relativa proximidade do deputado brasileiro com Trump. Em um segundo momento, a matéria afirmou que o Itamaraty recebeu a notícia com perplexidade, uma vez que é de praxe que sejam indicados diplomatas de carreira e que, ainda que exista brecha para indicação de quem não passou pelo Instituto Rio Branco, não há precedentes de nomeação de parentes diretos do presidente desde os anos 1930. Contudo, a matéria apresentou apenas uma fala crítica (de Maurício Santoro, professor de Relações Internacionais da UERJ), que especulava sobre as intenções do presidente com a nomeação sem incidir especificamente sobre a medida. Ao mencionar a surpresa gerada entre os diplomatas, o jornal o fez de forma genérica, e destacou, inclusive, que alguns avaliavam possíveis “vantagens” na já mencionada proximidade relativa entre Eduardo e a família de Trump.

Uma segunda matéria[3] na mesma página aborda o fato de que o STF e juristas divergem sobre a legalidade da indicação. O texto discorre sobre entendimentos díspares do STF em casos anteriores de indicação de parentes para cargos. Ao final, são consultados dois especialistas em Direito Constitucional – um professor da UERJ e um professor da PUC-SP – que dão opiniões diferentes sobre a legalidade da indicação.

O assunto também aparece na página 22, em que outra coluna – de Guga Chacra – rebateu a indicação e, assim como Bernardo Mello Franco, comparou a decisão do presidente à prática na Arábia Saudita, sublinhando que as principais democracias do mundo costumam indicar diplomatas de carreira e com experiência para o posto.

Em 13 de julho, diferentemente do dia anterior, a cobertura apresentou crítica clara e incisiva. Houve uma pequena chamada de capa, destacando que a palavra final sobre a indicação de Eduardo caberá ao STF e ao Senado. O jornal destacou que essas instituições têm sido atacadas por bolsonaristas, que “parlamentares da Comissão de Relações Exteriores veem dificuldades para aprovar nomeação” e que “advogados já entraram na Justiça para impedi-la”. Abaixo da chamada, o jornal destacou ainda a seguinte declaração de Eduardo, informando ter sido sua resposta ao argumento do nepotismo: “Tenho uma vivência pelo mundo. Já fiz intercâmbio, já fritei hambúrguer lá nos Estados Unidos”. A matéria[4]principal citou vários parlamentares contrários à indicação e sublinhou a discussão sobre nepotismo. Na mesma página, houve, ainda, um box de opinião do jornal, que criticava o presidente pela decisão e pelo “risco” que seria nivelar o Brasil a ditaduras africanas e árabes. Por outro lado, a opinião editorial do jornal levantava dúvidas sobre a decisão configurar ou não nepotismo.[5]

Uma segunda matéria[6] expôs a justificativa de Eduardo ao negar ser nepotismo a indicação de seu nome. Muito embora a própria frase dita pelo deputado e empregada no título do texto ridicularize a afirmação, o texto em si é desprovido de tom crítico, reproduzindo o que disse o parlamentar e ressaltando o fato de a decisão ter sido tomada pelo presidente após Trump ter elogiado Eduardo no contexto da visita oficial da qual participou em março passado.

No dia seguinte, 14 de julho, enfim, o assunto foi tema de editorial.[7]Embora de o texto de dez parágrafos o evento tenha tratado do assunto apenas em um, e os nomes do presidente e de seu filho sequer tenham sido mencionados, o título do texto – “Risco de nepotismo e obscurantismo no Itamaraty”– chama a nomeação do filho do presidente de nepotismo. O caso também foi tratado na charge de Chico Caruso (p. 3) insinuando que o filho do rei quer beneficiá-lo. Na mesma página, a coluna[8] de Dorrit Harazim fez mais uma crítica ao movimento do presidente. O evento apareceu novamente na coluna[9] de Bernardo Mello Franco, embora não seja esse o seu foco – a coluna trata de José Murilo de Carvalho e o autor menciona a crítica feita pelo historiador: “o familismo é típico de governos autoritários”. Na coluna de Miriam Leitão, o tema também foi mencionado com críticas incisivas, mesmo sem ser o foco da matéria. Ainda no dia 14, em outra matéria,[10] o jornal sublinhou as críticas que a medida vem recebendo, desde políticos do PSOL até Janaína Paschoal (PSL-SP) e Olavo de Carvalho, e apontou para o tímido apoio a Eduardo. Uma segunda matéria[11] especulava sobre a possibilidade de Jair Bolsonaro estar testando a repercussão da indicação antes de formalizar a medida.

No dia 15, com menor cobertura, o assunto ainda ressoava na capa, na charge de Chico que, novamente, mostrava Jair como Rei e Eduardo como um bebê em seu colo sendo oferecido ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. No dia 16, Bolsonaro confirmou que, de sua parte, a indicação estava definida em pronunciamento na Câmara dos Deputados, no qual disse que “se está sendo tão criticado, é sinal de que é a pessoa adequada”. Assim, o tema permaneceu no jornal. Novamente uma chamada de capa com foto apontou para a matéria[12]da página 19, que, repetindo informações anteriores, além dos motivos elencados por Bolsonaro para indicar seu filho, discutiu a medida a partir da acusação de nepotismo e da resistência que poderia enfrentar, inclusive no Senado. Na página 3, a coluna de José Casado criticava o nepotismo da medida.

No dia 17, o tema apareceu ridicularizado na coluna[13]de Zuenir Ventura e, mais uma vez, criticado na coluna[14] de Miriam Leitão, que fala de um retrocesso aos tempos da fidalguia. Na seção Mundo, novamente o assunto recebe destaque. A primeira matéria[15] da editoria ressaltou que o assunto “se tornou uma queda de braço entre oposição e governo no Senado” e especulou amplamente sobre o risco de a medida não ser aprovada na casa. No meio da matéria, um pequeno box de opinião[16] editorial do jornal acusou como um erro de Eduardo afirmar, entre os motivos a seu favor, o de ter acesso facilitado ao presidente Trump. Para o jornal, o embaixador é um representante do Brasil junto ao país como um todo, e não ao presidente especialmente.

No dia 18, o tema continuou na capa, mas com menos destaque. A chamada destacou a afirmação de Bolsonaro de que “embaixadores não fizeram nada de bom” desde 2003, e contou com uma foto em que o presidente aparecia ao lado de seu filho mais novo em viagem à Argentina. Na página 3, Ascânio Seleme usou seu espaço para criticar a decisão do presidente e afirmar que Eduardo não era qualificado para a função e, na mesma página, Veríssimo usou de humor para ridicularizar a situação. Na editoria Mundo, novamente o tema é abordado a partir de pronunciamento feito por Bolsonaro na Cúpula do Mercosul, quando tocou no assunto e atacou o período PT dizendo que, desde 2003, os embaixadores do Brasil em Washington não fizeram nada de bom.

No dia 19, as críticas continuaram na capa, com nova charge de Chico Caruso que retratou Bolsonaro empurrando um carrinho de bebê e, dentro dele, o bebê Eduardo, com um picolé no qual se lia “USA”. Nesse dia, o assunto ocupou mais um editorial do jornal,[17] que levantou preocupações quanto à possibilidade da medida se tornar realidade.

FOLHA DE S. PAULO

Na Folha, o primeiro dia (12 de julho) apresentou chamada[18] de capa que informou a decisão de Bolsonaro, lembrou que ela precisaria ser aprovada por maioria simples na Comissão de Relações Exteriores e no plenário do Senado e destacou que quem se opunha à medida a caracterizava como nepotismo. Mas, ainda na chamada, informou que advogados ouvidos pelo jornal opinaram que, por o cargo ser de natureza política, estaria livre da regra de veto da nomeação de parentes.

A coluna[19] de Bruno Boghossian critica a indicação. Segundo ele: “Se Eduardo ganhar a vaga, o Brasil trocará um embaixador por um marqueteiro da direita radical. Ele até entende a língua de Trump, mas ficará falando sozinho se o Partido Democrata vencer a próxima eleição.”

Na editoria Mundo, a matéria[20] vinculada à já mencionada chamada de capa destacou a oposição dos diplomatas em atuação à possibilidade de a indicação ser aceita, especialmente pelo encaminhamento ideológico agudo que Eduardo poderia significar. Uma segunda matéria,[21] por outro lado, explicava a legislação vigente sobre nepotismo e o posicionamento do STF, e citava dois advogados consultados pela redação, segundo os quais por ser um cargo de natureza política, não se caberia a proibição. A terceira matéria[22] trouxe a ótica de senadores que compõem a Comissão de Relações Exteriores (CRE) e se opõem à indicação. No fim desse texto, é reproduzida também a opinião favorável à indicação do presidente da CRE, Nelsinho Trad (PSD-MS). Um quarto texto contém análise[23] assinada por Igor Gielow, na qual discutiu a vinculação de Eduardo com um discurso radical e traçou comparação, ao final, com a Arábia Saudita. De modo geral os textos fazem referência a um grupo “olavista” colocado como problema.

No dia 13 de julho, uma pequena chamada de capa ironizou o filho do presidente: “Eduardo fala de hambúrguer, e Bolsonaro nega nepotismo”.[24] A matéria[25] principal à qual a chamada remetia comentava a afirmação de Eduardo para justificar sua adequação ao posto e outros argumentos esgrimidos por ele e pelo pai para rebaterem a acusação de nepotismo. Uma segunda matéria[26] na mesma página abordou a nomeação de parentes para embaixadas no mundo como uma prática de países autoritários. Ainda na editoria Mundo, um texto de análise[27] argumentou que a indicação era pertinente e condizente com os planos do governo e que poderia, inclusive, ser acertada caso Eduardo mantivesse “o sangue frio” no posto e deixasse “conselheiros voluntaristas em segundo (ou décimo) plano”. Outra matéria,[28] de Igor Gielow, apresentou olhar benevolente, destacando vantagens e desvantagens na nomeação de Eduardo.

O editorial[29] do jornal também abordou a temática, argumentando que Eduardo não teria a moderação e sobriedade necessárias para o posto. Para o jornal, era simplória a argumentação do presidente para indicar o filho e mesmo que a escolha não fira a legislação, não seria uma boa prática republicana a mistura de relações familiares e institucionais. Ao fim, o editorial critica o Senado pelo “costume de reiterar designações do presidente”, mas deixa espaço para a dúvida acerca da confirmação de Eduardo, já que prevê resistência à decisão. A indicação também aparece na coluna Painel.[30] Entre especulações sobre os passos seguintes à indicação, Daniela Lima destacou que dirigentes de partidos criticaram o timing do anúncio, pois ele acabou competindo com a pauta da Reforma da Previdência.

No dia 14 de julho, outra matéria[31] da editoria Mundo da Folha abordou a opinião de Janaina Paschoal e de Olavo de Carvalho que, em redes sociais, criticaram a indicação de Eduardo.

No dia seguinte, o assunto apareceu em uma coluna de opinião,[32]na qual Leandro Colon criticou passionalmente a medida, a que chamou de “ideia lunática”, afirmando que “se Bolsonaro tiver um pouco de bom senso (algo um tanto improvável tratando-se do personagem), deveria recuar e afirmar que teve um delírio causado pela euforia familiar com os 35 anos completados pelo seu 03”.

Em 16 de julho, o tema esteve de novo na capa da Folha, com chamada[33] que especulava sobre o temor do presidente de sua indicação ser rejeitada pelo Senado. A matéria principal,[34] dentro do jornal, discutiu mais uma vez a possível oposição e dificuldade de votos que o presidente irá encarar no Senado pela escolha de seu filho, revisitando informações já anteriormente apresentadas. No mesmo dia, em outra coluna[35] a decisão de Bolsonaro é amplamente criticada e o autor, Joel Fonseca, discutiu o discurso antissistema e outras características do governo Bolsonaro, afirmando que o grande perigo de uma guinada populista estaria, ainda assim, controlado por ora.

No dia 17, a Folha reportou[36] que o documento para indicação de Eduardo estava pronto. Entre outros pontos, o texto sublinhou que é de praxe que o pedido ocorra em sigilo e anteceda a divulgação do nome indicado para que seja possível certificar-se antes que o país que receberá o embaixador não tem objeção ao nome escolhido, diferentemente do que aconteceu com Eduardo, uma vez que a intenção de nomeação foi amplamente anunciada antes do ato. Mais uma vez, o jornal descreveu o processo no Senado que se seguiria à indicação e mencionou tópicos já visitados nos dias anteriores.

No dia 18 de julho, uma pequena nota[37] na capa referiu-se a um artigo de opinião do deputado federal Marco Feliciano (Pode-SP). No texto,[38] Feliciano defende a legalidade da indicação de Eduardo retomando argumentos já mencionados no jornal – que o presidente é quem nomeia embaixadores; e que o cargo é de natureza política, portanto livre da legislação de nepotismo. Feliciano traça um histórico de casos em que deputados foram indicados embaixadores e sublinha o bom trânsito de Eduardo junto ao governo dos EUA. Após ressaltar mais de uma vez que são necessárias “racionalidade” e “supremacia do interesse público” – a que opõe a “supremacia da ideologia” – para analisar a situação, Feliciano termina seu artigo dizendo: “Que Deus continue a abençoar o Brasil”.

Ainda nesta edição, houve outra matéria,[39] na editoria Mundo, sobre a declaração do presidente Bolsonaro enquanto participava da reunião do Mercosul, na Argentina, criticando a atuação dos embaixadores brasileiros nos Estados Unidos durante os governos do PT. A matéria discorre inicialmente sobre a indicação do filho, retomando eventos já abordados anteriormente. A segunda metade do texto falou sobre a presença do presidente na cúpula.

No dia 19, mais uma matéria[40] abordou o caso, referindo-se à liveque o presidente fez na noite anterior em suas redes sociais, quando afirmou que “beneficiaria seu filho, sim” e mais uma vez justificou sua decisão. A matéria também reproduziu trechos da fala do ministro Onyx Lorenzoni em apoio a Bolsonaro.

O ESTADO DE S. PAULO

No dia 12 de julho, a notícia de indicação de Eduardo também ocupou a capa[41] do Estadão. Reunindo muitas informações, a chamada mencionava o ministro do STF Marco Aurélio Mello e sua consideração recente sobre nepotismo, o fato de que outros ministros da Corte têm entendido que a regra não serve para cargos políticos, e o apoio de Steve Bannon, estrategista da campanha de Trump, à ideia. Na editoria de política – ao contrário dos outros jornais que cobriram o evento em sua editoria Internacional, o Estadão cobriu o evento na de Política –, a matéria[42]principal discorreu sobre os pontos polêmicos da indicação: o fato de Bolsonaro ter deixado o cargo vago meses até sugerir que indicaria seu filho dois dias após ele completar a idade mínima para o posto, o possível enquadramento como nepotismo – dando voz ao ministro Marco Aurélio Mello –, a lembrança de que o presidente já teria cogitado nomear outro filho para um cargo no início do governo – Carlos, para a Secretaria de Comunicação –, o fato de Eduardo não ter experiência e não ser embaixador de carreira; e, ainda, o fato de que outro deputado de seu partido, Capitão Augusto (PSL-SP), iria apresentar uma emenda para que congressistas que assumam chefias em missões diplomáticas não tenham que deixar o mandato. Na mesma página, uma segunda matéria[43]falou sobre o apoio efusivo de Bannon à indicação.

No dia 13, o assunto também apareceu em pequena chamada[44] de capa que focou, assim como a matéria principal,[45] na especulação sobre a resistência que Eduardo enfrentaria pela aceitação de seu nome na Comissão de Relações Exteriores do Senado. Foram listados os votos possivelmente contrários e os argumentos dos que se opõem à indicação, bem como as ressalvas daqueles que supostamente a admitem. O jornal, como os outros, também elencou os passos a seguir para concretizar a indicação de um embaixador e mencionou que apenas uma indicação (feita por Dilma Rousseff) foi, na história, barrada pelo Senado. Na mesma página, aparece um texto de análise[46] do professor de relações internacionais da FGV, Guilherme Casarões, que criticava a transformação da diplomacia em um “empreendimento familiar”. O tema também apareceu na Coluna do Estadão,[47] que uniu diversas notas de especulação política sobre a indicação, e na coluna[48] de João Domingos, que, embora considerasse nepotismo a “polêmica e inoportuna” forma como a indicação está sendo feita, afirmou que a carreira do deputado é promissora se decidir entrar para o mundo da diplomacia.

Outra matéria[49] abordou a declaração de Bolsonaro rebatendo a acusação de nepotismo. O jornal reproduziu trechos da argumentação do presidente e, em seguida, lembrou casos de nomeações de familiares de políticos. No final do texto, foi abordada a geração de uma nova polêmica em meio à votação da reforma da Previdência. Mais uma pequena matéria[50] teve foco nos argumentos de Eduardo (entre outros, “fritar hambúrguer”) e de Bolsonaro (entre outros, ser “amigo dos filhos do Trump”) a seu favor. A última matéria[51] da página foi centrada em entrevista com o ex-embaixador Rubens Ricupero — segundo o jornal, um dos diplomatas brasileiros mais respeitados –, na qual vem sublinhada sua afirmação de que nomear parentes para a diplomacia é ação típica de “monarquias absolutas”.

No dia seguinte, 14 de julho, o tema apareceu em uma pequena chamada de capa para a coluna[52] de Eliane Catanhêde, que criticou a medida, afirmando que Bolsonaro age como se fosse dono do Brasil. Para a colunista, além de Eduardo não ter formação que justifique sua escolha, a indicação assemelha o Brasil a ditaduras, como a da Arábia Saudita. Termina com críticas à “dinastia Bolsonaro”.

Outra matéria[53] do jornal partiu de ironia sobre a declaração de Eduardo com relação a fritar hambúrguer nos EUA, mas para abordar como vive o embaixador em Washington. O texto também relata o número de funcionários, cardápio e características do imóvel da embaixada. Na mesma página, outras duas matérias cobriram o tema. Uma[54] versou sobre a primeira reação negativa de Olavo de Carvalho e bolsonaristas à indicação, e outra[55] considerou o entendimento político que o STF vem tendo de que cargos de natureza política não recaem em nepotismo.

Como ocorreu nos outros jornais, o dia 15 de julho focou na polêmica envolvendo outro filho de Bolsonaro, Flavio, em razão da decisão do ministro Dias Toffoli que o beneficiou.

Mas no dia 16, o assunto voltou à capa,[56] com a afirmação de Bolsonaro rebatendo críticas à indicação de Eduardo e em pequena chamada para o editorial. Só neste dia a polêmica chegou ao editorial[57] do Estadão. O texto foi incisivamente crítico, focando na indicação feita pelo presidente como um “disparate” e em desqualificando Eduardo, além de conclamar o Senado a impor o “devido veto”. Em outro texto[58] da mesma edição, o jornal destacou como subtítulo: “Bolsonaro ignora ataques até de aliados ao projeto de pôr filho em embaixada nos EUA”. Como no caso dos outros jornais para esta data, a matéria abordou o discurso do presidente em sessão solene na Câmara, quando ironizou as críticas à ideia de indicar o filho embaixador. O jornal destacou que mesmo da “ala ideológica do governo” partem críticas, e reproduziu manifestação de um general ligado ao PSL contrária à indicação. O texto ainda falou da dificuldade que a proposta pode enfrentar no Senado, reproduzindo trecho da fala da senadora Simone Tebet (MDB-MS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça. Ao fim, o jornal reproduziu falas de Bolsonaro e do vice-presidente Hamilton Mourão defendendo a indicação. Ao lado da matéria principal, foi publicada, ainda, uma entrevista[59] concedida por Marcílio Marques Moreira, em que o ex-embaixador em Washington (1986-1991) criticou e pediu a revisão da escolha do presidente.

No dia 17, a cobertura continuou com uma matéria[60]sobre a confirmação da indicação por Bolsonaro e sobre o governo já ter uma minuta pronta para enviar aos EUA. O jornal destacou o descumprimento da praxe (o indicado só costuma ser anunciado após o pedido de agrément), reproduziu informações concedidas pelo porta-voz da presidência, Otávio do Rêgo Barros, e lembrou da etapa de análise do Senado. A matéria reproduziu ainda trechos de declarações do presidente no evento de posse do novo presidente do BNDES, nas quais Bolsonaro mencionou o assunto novamente. Outras duas matérias completaram a página sobre o caso da nomeação de Eduardo. Uma[61] abordou o fato de o deputado, em cinco meses como presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, não ter conseguido avançar “com o principal acordo assinado com os americanos em discussão” (que permitiria o uso de foguetes americanos na base de Alcântara). Para o jornal, “o filho do presidente acumulou desentendimentos com parlamentares, derrotas em votações e viu acumular outros 16 acordos internacionais assinados pelo Brasil”. O texto discorreu sobre como Eduardo teria tentado passar por cima dos demais membros do colegiado e levar a proposta da base de Alcântara direto à votação, tendo sido barrado pela oposição e partidos do centro, citando uma crítica feita por uma deputada do PCdoB-AC e mencionando outras reações da comissão à conduta do filho do presidente. A outra matéria[62]explorou o fato de Eduardo ter afirmado – em vídeo que gravou para defender a indicação de seu nome – ter pós-graduação em economia [no Instituto Mises], embora não tenha se formado. Conforme a matéria, o curso foi iniciado em 2016 e seus colegas de turma se formaram em 2017, mas Eduardo não, por não ter entregado o trabalho final.

No dia seguinte, o caso continuou na capa, embora em chamada[63]bem pequena. A matéria principal[64]falou sobre suposto movimento de aliados do governo no sentido de trocar integrantes da comissão que vai sabatinar Eduardo de modo a torná-la menos “hostil” ao deputado. O assunto também foi abordado na coluna[65] de William Waack, que criticou a decisão de Bolsonaro pela “química pessoal”. Segundo Waack, “os países não têm amigos, têm interesses” e a impessoalidade deve ser a tônica das relações internacionais.

No último dia examinado por nós, o jornal publicou mais uma matéria[66] em que destacou a declaração de Bolsonaro do dia anterior – “Pretendo beneficiar filho meu, sim.” –, em uma de suas lives divulgadas nas redes sociais, quando mais uma vez ratificou sua decisão. O jornal reproduziu trechos da argumentação do presidente.

CONCLUSÕES

Como podemos perceber, os três grandes jornais apresentam posições editoriais contrárias à indicação. Na cobertura, sobressai um caráter oficialista, com a repetição de argumentos e declarações do presidente e de Eduardo. O Estadão é o mais incisivo na crítica, que se torna clara também em suas matérias, destacando inconsistências na afirmações de Eduardo, lacunas em sua atuação como presidente da Comissão de Relações Exteriores e movimentação política suspeita a seu favor por apoiadores na Câmara – tópicos não cobertos pelos outros jornais, que focaram no possível resultado do imbróglio, sem aprofundamentos.

O argumento do nepotismo aparece de modo geral, mas perde força. A escolha do próprio filho para um posto chave da diplomacia brasileira é criticada como personalismo. Os impressos destacam mais a forma da medida do que seus possíveis conteúdos, consequências, significados. Embora a discussão sobre o viés ideológico de Eduardo apareça como crítica aos olavistas, pouco se investiu na análise do que essa direção ideológica de direita representaria para o Brasil em sua política externa – tópico de discussão que foi amplamente explorado pela imprensa durante os governos petistas, por exemplo. A indicação de pai para filho nos aproximaria de países ditatoriais, mas o exame das possíveis consequências diplomáticas de sua futura atuação ficou de fora da discussão.

Os grandes jornais interpretam preferencialmente a indicação de Eduardo Bolsonaro como mais um produto do estilo equivocado de governo do seu pai, sem ao mesmo tempo abrirem espaço para a crítica ao projeto político e ideológico que anima pai e filho, e que no cenário internacional encontra rebatimento em figuras funestas como Steve Bannon e Donald Trump.

[1] Bolsonaro pretende indicar seu filho para embaixador nos Estados Unidos. O Globo, 12/7/2019, capa.

[2] Oliveira, Eliane; Soares, Jussara; Grillo, Marco. Filho Embaixador – Bolsonaro pretende nomear Eduardo para posto diplomatico em Washington. O Globo, 12/7/2019, p. 21.

[3] Brígido, Carolina; Barini, Filipe. STF e juristas divergem sobre legalidade de indicação. O Globo, 12/7/2019, p. 21.

[4] Grillo, Marco; Oliveira, Eliane; Maia, Gustavo. Risco duplo – Nomeação de Eduardo Bolsonaro para embaixada fica nas mãos de Senado e Judiciário. O Globo, 13/7/2019, p. 24.

[5] Opinião do Globo – Nivelar por baixo. O Globo, 13/7/2019, p. 24.

[6] Oliveira, Eliane. “Já fiz intercâmbio, já fritei hambúrguer lá nos EUA”. O Globo, 13/7/2019, p. 24.

[7] Risco de nepotismo e obscurantismo no Itamaraty. O Globo, 14/7/2019, p. 2.

[8] Harazim, Dorrit. A serventia de um embaixador. O Globo, 14/7/2019, p. 3.

[9] Franco, Bernardo de Melo. O capitão e os generais. O Globo, 14/7/2019, p. 3.

[10] Almeida, Amanda. Eduardo Bolsonaro defende candidatura em video. O Globo, 14/7/2019, p. 29.

[11] Soares, Jussara. Indicação é ‘balão de ensaio’, dizem fontes do Planalto. O Globo, 14/7/2019, p. 29.

[12] Soares, Jussara; Gós, Bruno; Maia, Gustavo. Ofensiva pró-Eduardo. O Globo, 15/7/2019, p. 19.

[13] Ventura, Zuenir. Fala sério, predidente! O Globo, 17/7/2019, p. 3.

[14] Leitão, Miriam. O Brasil volta ao tempo dos fidalgos. O Globo, 17/7/2019, p. 16.

[15] Mendes, Adriana; Almeida, Amanda; Shinohara, Gabriel; Maia, Gustavo; Farias, Victor. Batalha no Senado. O Globo, 17/7/2019, p. 19.

[16] Erro. O Globo, 17/7/2019, p. 19.

[17] Não é republicano pai nomear filho para emabixada. O Globo, 19/7/2019, p. 2.

[18] Bolsonaro vai indicar filho para embaixada nos EUA. Folha de S. Paulo, 12/7/2019, p. 1.

[19] Boghossian, Bruno. Patetice diplomática. Folha de S. Paulo, 12/7/2019, p. A2.

[20] Jair Bolsonaro decide indicar o filho Eduardo para vaga de embaixador nos EUA. Folha de S. Paulo, 12/7/2019, p. A12.

[21] Lott, Diana; Turollo Jr., Reynaldo. Para advogados, indicação de filho de presidente não seria nepotismo. Folha de S. Paulo, 12/7/2019, p. A13.

[22] Carvalho, Daneil. Oposição no Senado vê desrespeito a carreira diplomatica. Folha de S. Paulo, 12/7/2019, p. A13.

[23] Gielow, Igor. Ligação com radicais pode atrapalhar deputado. Folha de S. Paulo, 12/7/2019, p. A13.

[24] Folha de S. Paulo, 13/7/2019, p. A1.

[25] Della Colleta, Ricardo; Uribe, Gustaco; Turollo Jr., Reynaldo; Carvalho, Daniel. ‘Já fritei hambúrguer nos EUA’, diz Eduardo sobre embaixada. Folha de S. Paulo, 13/7/2019, p. A13.

[26] Lott, Daiana. Indicar familiars na diplomacia é comum em ditaduras. Folha de S. Paulo, 13/7/2019, p. A13.

[27] Coelho, Luciana. Escolha de Eduardo condiz com objetivos do governo nos EUA. Folha de S. Paulo, 13/7/2019, p. A14.

[28] Gielow, Igor. Chanceler se coloca como um anteparo a resistências nos EUA.

[29] À sombra do pai. Folha de S. Paulo, 13/7/2019, p. A2.

[30] Lima, Daniela. Cotação em dólar. Folha de S. Paulo, 13/7/2019, p. A4.

[31] Olavo e Janaina pedem que Eduardo fique no Brasil. Folha de S. Paulo, 14/7/2019, p. A18.

[32] Colon, Leandro. Desista, presidente. Folha de S. Paulo, 15/7/2019, p. A2.

[33] Reação de senadores faz Bolsonaro avaliar risco de indicar filho. Folha de S. Paulo, 16/7/2019, capa.

[34] Uribe, Gustavo; Della Colleta, Ricardo; Bramt, Danielle; Carvalho, Daniel. Bolsonaro avalia riscos de indicar filho a embaixada após reação de senadores. Folha de S. Paulo, 16/7/2019, p. A9.

[35] Fonseca, Joel Pinheiro da. Risco controlado. Folha de S. Paulo, 16/7/2019, p. A6.

[36] Della Colleta, Ricardo; Uribe, Gustavo; Carvalho, Daniel; Colombo, Sylvia. Documento para indicação de Eduardo está pronto, diz porta-voz. Folha de S. Paulo, 17/7/2019, p. A10.

[37] Marco Feliciano – Bolsonaro acerta ao indicar filho para a embaixada. Folha de S. Paulo, 18/7/2019, capa.

[38] Feliciano, Marco. Histeria coletiva e interesse público. Folha de S. Paulo, 18/7/2019, p. A3.

[39] Colombo, Sylvia. Para Bolsonaro, embaixadores nos EUA não fizeram ‘nada de bom’ desde 2003. Folha de S. Paulo, 18/7/2019, p. A14.

[40] ‘Vou beneficiar meu filho, sim’, diz Bolsonaro. Folha de S. Paulo, 19/7/2019, p. A10.

[41] Bolsonaro diz que vai indicar filho para embaixada nos EUA. O Estado de S. Paulo, 12/7/2019, capa.

[42] Catanhêde, Eliane; Lindner, Julia; Onofre, Renato. Bolsonaro quer ver filho embaixador nos EUA. O Estado de S. Paulo, 12/7/2019, p. A4.

[43] Bulla, Beatriz. Ex-estrategista de Trump celebra indicação de Eduardo para cargo. O Estado de S. Paulo, 12/7/2019, p. A4.

[44] Comissão se divide sobre embaixada para Eduardo. O Estado de S. Paulo, 13/7/2019, p. capa.

[45] Moura, Bruno; Ramos, Rebeca. Indicação de Eduardo tem resistência em Comissão. O Estado de S. Paulo, 13/7/2019, p. A4.

[46] Casarões, Guilherme. Diplomacia como empreendimento familiar. O Estado de S. Paulo, 13/7/2019, p. A4.

[47] Bombig, Alberto. Itamaraty tenta decifrar enredo dos Bolsonaros. O Estado de S. Paulo, 13/7/2019, p. A4.

[48] Domingos, João. O senhor embaixador. O Estado de S. Paulo, 13/7/2019, p. A8.

[49] Wainer, Gabriel; Moura, Rafael Moraes; Lindner, Julia. Bolsonaro diz não ver nepotismo na escolha. O Estado de S. Paulo, 13/7/2019, p. A8.

[50] Cury, Teo. Hambúrguer nos EUA – “Tenho vivencia no mundo”. O Estado de S. Paulo, 13/7/2019, p. A8.

[51] Beraldo, Paulo. “Sem precedents em países deocráticos”, diz Ricupero

[52] Catanhêde, Eliane. Eduardo bin Bolsonaro. O Estado de S. Paulo, 14/7/2019, p. A8.

[53] O cardápio refinado da Embaixada nos EUA. O Estado de S. Paulo, 14/7/2019, p. A12.

[54] Lago, Cecília do. Olavo e bolsonaristas reagem mal à possível indicação de Eduardo. O Estado de S. Paulo, 14/7/2019, p. A12.

[55] Moura, Rafael Moraes. STF não vê nepotismo em parente em cargo político. O Estado de S. Paulo, 14/7/2019, p. A12.

[56] Bolsonaro ironiza críticos do filho. O Estado de S. Paulo, 16/7/2019, capa.

[57] O poder como capricho. O Estado de S. Paulo, 16/7/2019, A3.

[58] Turtelli, Camila; Onofre, Renato; Pupo, Amanda; Lindner, Julia; Luna, Denise; Dolzan, Marcio. Governo reforça indicação de Eduardo. O Estado de S. Paulo, 16/7/2019, A7.

[59] Beraldo, Paulo. ‘Eu espero que essa nomeação seja repensada’, afirma ex-embaixador. O Estado de S. Paulo, 16/7/2019, A7.

[60] Lindner, Julia; Castro, Fabrício de. Governo já tem pronta consulta aos EUA sobre Eduardo. O Estado de S. Paulo, 17/7/2019, A 6.

[61] Onofre, Renato; Frazão, Felipe. Em comissão, acordo de Alcântara não avança com deputado. O Estado de S. Paulo, 17/7/2019, A 6.

[62] Pires, Breno. Pós graduação não concluída é citada como ‘credencial’. O Estado de S. Paulo, 17/7/2019, A6.

[63] Aliados querem ‘blindar’ Eduardo. O Estado de S. Paulo, 18/7/2019, capa.

[64] Onofre, Renato; Pupo, Amanda. Aliados avaliam mudra comissão que vai sabatinar Eduaro. O Estado de S. Paulo, 18/7/2019, A8.

[65] Waack, William. Países não pertencem a presidentes. O Estado de S. Paulo, 18/7/2019, A6.

[66] ‘Pretendo beneficiar filho meu, sim’, afirma Bolsonaro. O Estado de S. Paulo, 19/7/2019, A6.

*Publicado originalmente pelo Manchetômetro

O Senado e a diplomacia - Paulo Roberto de Almeida (OESP)

O Senado e a diplomacia

Governo Bolsonaro cogita nomear embaixador nos EUA alguém sem experiência

Paulo Roberto de Almeida
O Estado de S. Paulo, 14 de agosto de 2019

Historicamente, durante mais de um século, chanceleres brasileiros foram recrutados dentre os parlamentares, no Império e na maior parte da República, bem mais na Assembleia-Geral do que no Senado. Mas os senadores prestaram grandes serviços quando no Conselho de Estado, cuja área diplomática teve papel decisivo, ainda que consultivo, na tomada de decisões que marcaram época nos anais de nossa diplomacia, com ênfase nos assuntos do Prata e nas relações com as grandes potências. 
O Parlamento preservava inteira autonomia e controlava de perto os atos do ministro, como na recusa do acordo que o primeiro chanceler republicano, Quintino Bocaiuva, fez com a Argentina, pelo qual ela abocanharia boa parte do atual território de Santa Catarina. Ruy Barbosa, antigo membro do Conselho de Estado, primeiro ministro da Fazenda da República, senador, não foi chanceler, mas desempenhou funções diplomáticas, a mais famosa delas como delegado na segunda Conferência da Paz de Haia, em 1907. 
O sucessor do barão do Rio Branco, Lauro Muller, era parlamentar, assim como Nilo Peçanha e também Epitácio Pessoa, senador, designado chefe da delegação às negociações de paz de 1919, aliás, eleito presidente mesmo estando em Paris. Oswaldo Aranha (embaixador em Washington antes), Afonso Arinos de Mello Franco, San Tiago Dantas foram brilhantes parlamentares que serviram como chanceleres, assim como, mais recentemente, os senadores Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Aloysio Nunes. 
Chefes de missões diplomáticas, embora mais raramente, podiam ser designados dentre notáveis nomes da política ou da magistratura. No Império e na República Velha, os diplomatas no exterior formavam uma carreira distinta da dos funcionários da Secretaria de Estado, e ambas da dos cônsules, que eram considerados simples negociantes de “secos e molhados”. As carreiras foram unificadas nos anos 1930 e desde então missões permanentes no exterior foram tradicionalmente ocupadas por funcionários de carreira. Ainda assim, tivemos um “barão” da imprensa, Assis Chateaubriand, em Londres, e um banqueiro, Walter Moreira Salles, duas vezes embaixador em Washington. Mas sempre sob o rigoroso escrutínio da Comissão de Relações Exteriores do Senado. Esta chegou a recusar uma ou outra designação – nem sequer chamou para sabatina um preferido do general Ernesto Geisel – e, mais recentemente, recusou aprovação a um outro nome, justamente por considerar que havia abuso de parentesco (era irmão do ministro da vez, diplomata). 
A tendência de designar diplomatas de carreira como chanceleres – limitada nos regimes anteriores – se ampliou durante o período militar, com uma sobrevida temporária nos governos do PT; no período de transição voltaram os senadores, e outros haveria para o exercício do cargo. O governo Bolsonaro, contudo, preferiu um diplomata de carreira, aliás, um que jamais foi embaixador – ou seja, chefe de missão permanente – nem havia prestado relevantes serviços à diplomacia. Agora cogita de nomear alguém totalmente sem experiência nas lides internacionais embaixador na mais importante representação do Brasil no exterior. 
A Comissão de Relações Exteriores jamais se defrontou com um caso desse tipo, tanto mais inédito por se tratar de nepotismo explícito. Não há precedentes na carreira, ou fora dela, embora filhos de presidentes ou de ministros tenham exercido chefias de postos: o primeiro, Rodrigues Alves Filho, foi admitido depois da morte do pai; e o segundo, Afonso Arinos, filho, o foi sem conexão com as funções eletivas do pai e a despeito delas: como é a norma desde 1946, ele e todos os outros têm de passar no concurso do Instituto Rio Branco. Alguns, educados no exterior, nunca lograram êxito nos exames, notoriamente difíceis, talvez por deficiências no Português. Seria de presumir que o atual indicado seja um exímio conhecedor das relações internacionais, tenha domínio perfeito do inglês e de várias outras matérias, além de boa familiaridade com a agenda diplomática brasileira e mundial, que é o que se exige nos concursos de admissão. Ele já tentou alguma vez? 
Não considerando o aspecto moral da indicação (a senadora Simone Tebet disse que foi um “erro estratégico” do presidente), resta a questão, a ser examinada pelos senadores, da capacidade do indicado para a função. Registra-se o visível apreço pelo atual presidente americano, o que já é um impedimento substantivo a um exame isento, independentemente das políticas daquele país. Não se trata só da hipótese de um opositor ser eleito em 2020, mas do diálogo que ele deveria manter com amplos setores da sociedade americana, cuja maioria urbana e mais educada esmagou com milhões de votos o vencedor contábil no colégio eleitoral. 
Que tipo de informação objetiva – que é o mínimo que se espera de um embaixador – poderá oferecer à Chancelaria brasileira, contendo uma análise equilibrada das políticas de um governo com o qual está empaticamente identificado? Como seria ele visto na Câmara, hoje dominada por uma maioria de oposição ao presidente? Como vai ser com os diplomatas profissionais, dotados de maior experiência em assuntos internacionais do que ele mesmo? E o que farão os ministros, conselheiros, secretários mais antigos, ao se defrontarem com um chefe de posto notoriamente despreparado para tratar dos mais diversos assuntos da agenda bilateral, hemisférica e internacional, financeira, política e cultural, como é o caso dessa embaixada, que sozinha vale quase que por uma Chancelaria inteira? 
A comissão do Senado tem um imenso desafio à frente, já que o que está em causa é a própria credibilidade da diplomacia brasileira no país com que já tínhamos relações desde antes da independência e laços formais desde 1824. O primeiro embaixador do Brasil, designado por Rio Branco, em 1905, chamava-se Joaquim Nabuco, elevado a essa categoria sem precedentes na diplomacia brasileira justamente para servir em Washington. 
*DIPLOMATA, LOTADO NA DIVISÃO DO ARQUIVO, É PROFESSOR NO UNICEUB, BRASÍLIA

Vargas Llosa chora pela Argentina (La Nación)

Sí, lloro por ti Argentina

Argentina, un país que era democrático cuando tres cuartas partes de Europa no lo eran, un país que era uno de los más prósperos de la Tierra cuando América Latina era un continente de hambrientos, de atrasados.

El primer país del mundo que acabó con el analfabetismo no fue Estados Unidos, no fue Francia, fue la Argentina con un sistema educativo que era un ejemplo para todo el mundo. Ese país que era un país de vanguardia ¿Como puede ser que sea el país empobrecido, caótico, subdesarrollado que es hoy? ¿Qué pasó? ¿Alguien lo invadió? ¿Estuvieron enfrascados en alguna guerra terrible?
No, los argentinos se hicieron eso ellos mismos. Los argentinos eligieron a lo largo de medio siglo las peores opciones.
¿Cómo se entiende eso? Un país con gentes cultas, absolutamente privilegiado, una minoría de habitantes en un enorme territorio que concentra todos los recursos naturales. ¿Por qué no son el primer país de la Tierra? ¿Por qué no tienen el mismo nivel de vida que Suecia, que Suiza?
Porque los argentinos no han querido. Han querido en cambio ser pobres. Seguir a “caudillos” de pacotilla, “salvadores” de porquería, locos, desquiciados por su mismo odio a todo lo que sea diferente a su locura. Han querido vivir bajo dictaduras, han querido vivir dentro del mercantilismo más espantoso. Hay en esto una responsabilidad del pueblo argentino.
Para mí es espantoso lo que ha ocurrido en Argentina. La primera vez que fui allí quedé maravillado. Un país de clases medias, donde no había pobres en el sentido latinoamericano de la pobreza. ¿Cómo pudo llegar a la presidencia una pareja tan diabólica, manipuladora, populistas en grado extremo, corruptos de calle como los Kirchner gobernando ese país?. Al menos ya uno no está!.
Esperemos que la que queda no pueda seguir hundiendo a ese otrora gran país argentino!
Sin embargo, a juzgar por sus diabólicas relaciones estrechísimas con el desquiciado, paria, bestia troglodita, de la extinta y queridísima República de Venezuela, todo parece indicar que ahora “Cristinita” se apegará aún más a ese escoria, aprendiz de dictadorzuelo, quien ya bastante le ha financiado su mandato a costa del noble pero incomprensiblemente inerte pueblo Venezolano.
¡Qué degradación política, qué degradación intelectual! Argentina y Venezuela, dos países extraordinarios vueltos pedazos por una sarta de demoníacos desquiciados!!!
Por eso me pregunto ¿Cómo es eso posible?
Mario Vargas Llosa

Acordo Mercosul-UE: Thomas Andrew O'Keefe (Mercosur Consulting Group)

EU-MERCOSUR: Does Their New Association Agreement Mean Much?

By Thomas Andrew O’Keefe*
Mercosur Consulting Group, August 6, 2019
29/06/2019 Coletiva de Imprensa UE-Mercosul
Press conference about the trade agreement between the Mercosur and the EU / Palácio do Planalto / Creative Commons
After nearly two decades of intermittent negotiations, the European Union and the four core MERCOSUR nations (Argentina, Brazil, Paraguay, and Uruguay) have finally inked a trade agreement, but its real impact won’t be felt for years, if ever. When the negotiations began in the mid-1990s, the EU was the largest trading partner of the MERCOSUR countries, and the United States was number two. Today China is in first place, the European Union is second, and the U.S. is fourth, behind intra-Latin American trade (EU investors, however, continue to have the largest stock of foreign direct investment assets in the MERCOSUR region). When ratified, the EU-MERCOSUR Association Agreement, signed in Brussels on June 28, will exempt a little more than 90 percent of two-way trade from tariffs.
  • About 93 percent of MERCOSUR exports will eventually obtain duty-free access into the EU market, the bulk as soon as the agreement comes into effect. Agricultural commodities such as beef, chicken, corn, eggs, ethanol, honey, pork, rice, and sugar only get reduced duties, with many also subject to quotas. Another 100 MERCOSUR agricultural items are completely excluded from any type of preferential treatment.
  • Some 91 percent of European exports will get duty-free access to MERCOSUR, but gradually as tariffs are reduced over a 10-year period. The phase-out is over 15 years in the case of European automobiles, furniture, and shoes. MERCOSUR tariffs on the remaining 9 percent of primarily EU manufactured goods will remain in place permanently.
  • The agreement offers service providers from any signatory country full access to the markets of all the other signatory states.
MERCOSUR showed greater flexibility with the EU on agricultural subsidiesthan it had with the United States, a position that contributed to ultimate rejection of the Free Trade Area of the Americas (FTAA). Subsidies in the EU-MERCOSUR agreement are permitted if “necessary to achieve a public policy objective.” The MERCOSUR countries also capitulated on the use of anti-dumping tariffs on intra-hemisphere trade. The new accord, however, does authorize governments to impose a duty that is less than the margin of dumping if it adequately removes injury to the affected domestic industry. It also includes provisions for ensuring that sanitary and phytosanitary (SPS) measures as well as technical norms are not abused and become disguised impediments to free trade, although it permits enforcement of the European “precautionary principle” notion to restrict the importation of genetically modified food, for example, where the risks to health are not scientifically conclusive.
The agreement – now being “legally scrubbed” and translated into the EU’s 23 official languages – faces an elaborate, multi-year ratification process in the EU, where individual countries and the European Parliament must approve it, as well as each MERCOSUR government. Agricultural forces are already lining up in many European countries in opposition. In the meantime, the accord’s greatest impact is a signal by Brazilian President Bolsonaro and Argentine President Macri that they’re making progress on their stated objective to return MERCOSUR to its original trade focus – in contrast to their predecessors – and to claim an economic “victory” when growth in both countries remains stagnant.
  • Despite the flexibility MERCOSUR showed on agricultural subsidies and anti-dumping, its main sticking points with the United States in the FTAA, a free trade agreement with the United States seems remote as the Trump administration – in contrast to the Europeans – is unlikely to offer meaningful concessions based on the lesser developed status of the MERCOSUR countries. Neither will the Association Agreement with the EU reverse or even slow the region’s shift toward trade with China and the rest of Asia. 
August 6, 2019

* Thomas Andrew O’Keefe is the President of New York City-based Mercosur Consulting Group, Ltd. and a lecturer at Stanford University. He is the author of Bush II, Obama, and the Decline of U.S. Hegemony in the Western Hemisphere.

Barbaridades bolsonarianas - João Luiz Mauad (Instituto Liberal)


Por João Luiz Mauad
Instituto Liberal13 de agosto de 2019

Bolsonaro disse hoje uma das maiores barbaridades de todo o seu curto mandato. Numa demonstração eloquente de que desconhece os princípios básicos da democracia e do estado de direito, ele disse, com todas as letras: “as leis existem para proteger as maiorias. É a única maneira que temos para viver em harmonia.”
A verdade é o oposto do que disse o presidente. Nos regimes “democráticos” desprovidos de leis que protejam os direitos individuais fundamentais, nada impede que a maioria estabeleça ou modifique as regras a seu bel prazer. Neles, a lei dos homens é qualquer coisa que a vontade da maioria determine que seja. Se os direitos individuais não são devidamente protegidos, quaisquer direitos passam a ter conotação de privilégios, de permissões que são outorgadas e podem ser retiradas a qualquer tempo pelo arbítrio da maioria e de seus representantes eleitos. Não é difícil enxergar que, no contexto político, quando esse poder ilimitado é dado ao grupo majoritário, o resultado tende a ser opressão e tirania.

O fato é que, numa democracia “stricto sensu”, nada impede que 51% dos votantes decidam escravizar os 49% restantes. Se aos representantes da maioria é dado o poder de decidir sobre todas as coisas; se isto que chamamos de direitos fundamentais não forem mantidos acima de qualquer lei criada pela vontade dos homens, tudo é possível e o poder não encontrará nenhuma barreira em sua marcha rumo à tirania total.
A situação de um indivíduo feito escravo ou espoliado pela maioria não é em nada diferente da de outro, subjugado e explorado pelo despotismo absolutista. Não é por acaso, portanto, que os socialistas contemporâneos atribuam dotes divinos a esta vaga quimera que chamam de “vontade da maioria”, como se nela estivesse a fonte de toda justiça e sabedoria coletivas. O endeusamento do poder das maiorias foi a forma encontrada pelos modernos marxistas para impor e justificar as suas idéias despóticas sem resistência – vide o exemplo recente da Venezuela.

Não devemos nos iludir: uma nação é livre não porque concede o poder às maiorias, mas porque os direitos fundamentais universais dos seus indivíduos – vida, liberdade e propriedade – estão todos devidamente protegidos e prevalecem sobre quaisquer leis da maioria. Como resumiu Ayn Rand: “Os direitos individuais não estão sujeitos a votação pública; uma maioria não tem o direito de votar sobre os direitos individuais de nenhuma minoria”. Ou, nas palavras de James Madison: “O objetivo da Constituição é restringir a capacidade da maioria de prejudicar uma minoria.”

George Orwell redivivo: 1984 atual - James M. Dorsey (The Globalist)

1984 Revisited: The Rise of the Neo-Authoritarians

The graphic warnings in George Orwell’s prophetic novel 1984 are as relevant today as they were when it was first published 70 years ago.

The Globalist, August 8, 2019

The rise of a critical mass of world leaders, including Donald Trump, Xi Jinping and others in Europe, Asia and Latin America, has given 1984, George Orwell’s prophetic novel, published 70 years ago, renewed relevance.

Orwell’s dark vision: Live around the globe

In what may be the strangest turn of events after the end of the Cold War, Orwell’s graphic warning of the threat of illiberal and authoritarian rule and the risks embodied in liberal democracy are as acute today as they were in the immediate wake of World War II.
In many ways, Orwell’s novel could have been written today. It envisioned the rise of the surveillance state (witness China) and the emergence of what he called Newspeak, the abuse of language for political purposes and the perversion of the truth in ways that makes facts irrelevant (witness the Trump Administration).
The reality of Orwell’s 1984 manifests itself today in the emergence of illiberal and authoritarian rulers across the globe or, as in the case of China, the equivalent of the writer’s imaginary omnipotent party that rules a superstate he called Oceania.
The building blocks of the party’s toolkit have gained renewed currency: A thought police, the dominance of Big Brother enabled by surveillance, Newspeak and doublethink.
Most alarmingly, elements of Orwell’s vision are no longer limited to totalitarian regimes. Increasingly, democracies in crisis feature aspects of it too.

Media on the defensive

The media is reduced to the role of government scribe in China, the Gulf and other autocracies. The media is similarly on the defensive in democracies such as the United States, Hungary, India, Turkey, Russia and the Philippines.
Kellyanne Conway, Trump’s advisor, revived Newspeak with her coining of the phrase “alternative facts” to justify demonstrably false assertions by the president and members of his administration. 
Newspeak also bolsters assertions by men like Trump and Hungarian and Filipino presidents Victor Orban and Rodrigo Duterte that mainstream media report fake news.
And it allowed Trump to last year tell a veterans association that “what you’re seeing and what you’re reading is not what’s happening.”
Orwell’s novel is couched in terms of liberal versus totalitarian – the reality he confronted as a Republican volunteer in the Spanish Civil War and post-World War Two Europe.

Perverted civilizational models

It was a time in which Adolf Hitler’s Nazi Germany — with its all-in, completely perverted civilizational model — had been defeated. Pursuing a totalitarian vision inside a civilizational model of sorts is how Xi Jinping has reconceived the Chinese state. It is based on disregard for human and minority rights.
Vladimir Putin and Recep Tayyip Erdogan, the Russian and the Turkish Presidents, think about Eurasia in civilizational terms. Putin has translated that into redrawing borders in Ukraine and Georgia.
Meanwhile, Narendra Modi, India’s prime minister, and Trump, are basing their rule at least in part on incendiary expressions of racial or religious supremacism. 
It remains to be seen whether Trump’s first unqualified condemnation of supremacism in the wake of mass shootings in El Paso, Texas, and Dayton, Ohio, truly constitutes a turnaround.

Common ground

What unites these leaders broadly speaking is their readiness to undermine minority rights, risking escalating cycles of violence and mass migration as a result of mounting insecurity and violence and promoting a political environment fueled by rising supremacism, Islamophobia and/or anti-Semitism.
That common ground enables China to employ cutting edge technology in its rollout at home and abroad of a surveillance state designed to invade virtually every aspect of a person’s life. 
At the cutting edge of Xi Jinping’s surveillance state, is his brutal clampdown on Turkic Muslims in China’s troubled north-western province of Xinjiang. He has launched the most frontal assault on a faith in recent history in a bid to Sinicize Uighurs and other Turkic minorities.
Xi Jinping, bolstered by China’s economic and political clout, has so far gotten away with what some have termed cultural genocide. 
That he is able to do so is made possible by a Muslim world that is largely populated by authoritarian and autocratic leaders. Even though Xi makes short shrift of their own religious brethren, they see China as a model of achieving economic growth without political liberalization.

Back to the future

While the writing is clearly on the wall, illiberals and authoritarians pseudo-sheepishly pay lip service to democracy or advocate distorted forms of a rights-based system while either denying or undermining basic rights.
Russian political scientist Sergei Karaganov argues that what he called “incomplete democracies” where best equipped to manage volatility. 
In its ultimate consequence, that argument would allow illiberals and autocrats to throw any reference to democracy on the garbage pile of history.

Posse no IHG-DF, nesta quarta-feira, 14/08/2019, 19:30hs


Diplomacia da canelada? (O Globo); ou da ignorância inconstitucional? (PRA)

Bolsonaro insiste na diplomacia da canelada

O presidente Jair Bolsonaro
Diplomacia da canelada 

Jair Bolsonaro entrou na fase de rasgar dinheiro. No domingo, ele disse não se importar com o corte nas doações alemãs para a proteção da Amazônia. “Pode fazer bom uso dessa grana. O Brasil não precisa disso”, desdenhou.
Em tempos de vacas magras, o presidente esnobou R$ 155 milhões oferecidos por um país amigo. O repasse seria destinado a ações de combate ao desmatamento. Para recebê-lo, o Brasil só precisava demonstrar empenho na proteção da floresta.
Bolsonaro já deixou claro que se lixa para a tarefa. Na semana passada, chegou a brincar com o apelido de “Capitão Motosserra”. A ministra alemã Svenja Schulze não achou graça. “Não posso simplesmente ficar dando dinheiro enquanto continuam desmatando”, disse. O 7 a 1 continua, mas agora a goleada é na arena diplomática.
Ontem o presidente deu outra canelada que pode custar caro ao país. Em visita a Pelotas, ele reclamou da derrota de Mauricio Macri nas prévias argentinas. Chegou a fazer terrorismo com a provável vitória da oposição peronista. “Se essa esquerdalha voltar aqui na Argentina, nós poderemos ter sim, no Rio Grande do Sul, um novo estado de Roraima. E não queremos isso: irmãos argentinos fugindo pra cá”, afirmou.
A Constituição estabelece que as relações internacionais do Brasil devem seguir os princípios da não intervenção e da autodeterminação dos povos. Ao atacar a escolha dos argentinos, Bolsonaro descumpre a lei brasileira e desrespeita o eleitorado do país vizinho.
O discurso do presidente também afronta a inteligência alheia. Cristina Kirchner não é Nicolás Maduro, e Buenos Aires não é Caracas. Se o peronismo vencer, o Brasil poderá enfrentar represálias do seu maior parceiro comercial na região. E os argentinos continuarão fugindo para cá, mas só na temporada de férias.
Macri está em baixa porque a economia argentina vai mal. Seu choque liberal não deu certo: a pobreza cresceu, a inflação disparou e o país voltou a pedir socorro ao FMI. O apoio de Bolsonaro também parece não ajudá-lo. Os argentinos não têm saudade da ditadura militar, que o presidente brasileiro insiste em defender.

terça-feira, 13 de agosto de 2019

O que pensam os senadores do Paraná sobre o “embaixador” Eduardo Bolsonaro - João Frey (Gazeta do Povo)

O que pensam os senadores do Paraná sobre o “embaixador” Eduardo Bolsonaro

Deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP)
Para que possa assumir o posto de embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Eduardo Bolsonaro (PSL), filho do presidente Jair Bolsonaro (PSL), precisa da aprovação do Senado Federal.  Sem garantia de que tem votos suficientes, o governo tem intensificado a articulação no Senado, especialmente com o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP). As conversas, entretanto, não têm sido suficientes para debelar as más impressões causadas pela indicação do filho do presidente para um cargo estratégico para os interesses nacionais.
Na bancada paranaense, Alvaro Dias (Podemos), Flavio Arns (Rede) e Oriovisto Guimarães (Podemos), demonstram haver algum desconforto com a escolha do governo.
Alvaro, líder do Podemos na Casa, é o paranaense que critica com mais veemência a indicação. Após o nome de Eduardo Bolsonaro passar a ser cotado para o cargo, ele chegou a apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição que exige que os embaixadores sejam diplomatas de carreira. Para Alvaro, o filho do presidente não apresenta requisitos mínimos para representar o país nos Estados Unidos.
"Esta indicação é um equívoco histórico, uma trombada nas tradições da diplomacia brasileira. Para a embaixada americana, sempre são escolhidos os mais capacitados, pois trata-se de uma função complexa nas relações entre as nações. A história mostra isso”, diz.
O senador indica que fará forte oposição ao nome de Eduardo Bolsonaro.
“A indicação de alguém sem a qualificação necessária é um desestímulo ao preparo, ao talento, ao estudo, à busca pelo conhecimento e à experiência. Não se trata de escolher o mais próximo, e sim o mais qualificado. A aprovação desta indicação diminuiria o Senado”, sustenta.
Também do Podemos, Oriovisto disse que está estudando o assunto e prefere não se posicionar até que a indicação formal chegue ao Senado. O parlamentar, entretanto, subscreveu a PEC de Alvaro Dias que reserva o cargo de embaixadores a diplomatas de carreira.
Flavio Arns, que também assinou a PEC, acredita que os membros do Itamaraty são mais preparados para chefiar missões diplomáticas.
“Apoio que as embaixadas sejam ocupadas por diplomatas de carreira do Itamaraty que são tecnicamente qualificados e preparados para exercer a diplomacia brasileira no exterior. O Instituto Rio Branco é uma escola de excelência respeitada internacionalmente como academia diplomática e deve ser prestigiado quanto à escolha dos nossos embaixadores”, avalia.
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A nova Guerra Fria Economica: EUA (ou Trump) contra a China - Eswar Prasad (Brookings Institution)

Which country is better equipped to win a US-China trade war?

Soybean farmer Raymond Schexnayder Jr. holds soybeans from his farm outside Baton Rouge, in Erwinville, Louisiana, U.S., July 9,2018.   Picture taken July 9, 2018.   REUTERS/Aleksandra Michalska - RC1BAC1CF2F0
The United States and China are clearly on a collision course. Chinese companies abscond with intellectual property, and President Trump introduces tariffs on Chinese goods; President Xi Jinping responds with his own levies, so Trump adds more. China allows the value of its currency to fall, and the United States brands it a currency manipulator. We are now on the verge of all-out economic warfare.
These are the world’s two largest economies, and the collapse of trade between them would hardly bring either one to a grinding halt. But the combatants are not evenly matched. China might seem in a better position to cope with a trade war, since it is a heavily managed economy and the government squashes political resistance. Yet its every maneuver carries enormous risks. Meanwhile, Trump, who manages a durable and flexible economy, is not exactly seeking victory for the American way of doing business. His approach, in some ways right out of Beijing’s playbook, would make our economy quite a bit more like China’s.
The breakdown in trade between the two countries is already causing pain in both economies, as soybean farmers in the Midwest and Chinese textile exporters in Guangzhou can attest. The battle will intensify if rising tensions close off investment flows and dampen the movement of tourists and students between two countries. But the U.S. economy is about 50 percent larger than China’s, and is less dependent on trade, so its prospects look better. And China exports more to the United States than it imports from the United States (a fact that clearly riles up Trump and was a key instigator for the trade war). So the near-term pain will be greater for China.
But Beijing does have some advantages. One is the structure of its (mostly) command economy, which is dominated by state enterprises. The majority of banks in China are also state-owned, making it easy for the government to generate a surge of cheap credit—and the subsequent investment that boosts growth. The second advantage is the structure of China’s political system, in which dissent is easier to shut down and bad news about the trade war can be filtered out.
Still, even a state-dominated economy with many economic weapons has to be cautious about which ones it uses; some of them could backfire badly.
One of China’s greatest weapons in a trade war is its ability to disrupt the work of American companies that want to sell into China’s enormous and fast-growing markets or that use China as part of their global supply chains. But other foreign companies and investors could also begin to see China as an unpredictable and volatile business environment, unconstrained by the rule of law. This would hurt China’s plans for modernizing its economy with the help of foreign investments and foreign technological and managerial expertise.
China could also further cheapen the value of its currency, the renminbi, to offset U.S. tariffs. Here, too, the government faces constraints. Fear of a major devaluation could cause foreign investors to pull their money out of China, and domestic investors might follow. This happened in 2014-15, when a modest government-orchestrated devaluation set off panic-driven capital outflows in anticipation of further depreciation.
Moreover, even an autocratic government cannot count on getting carte blanche from its people. Xi is not immune to domestic political pressures and must carefully manage the tricky balance between using nationalist sentiments as a rallying cry and actually delivering good economic performance.
Theoretically, China can stimulate a flagging economy by ordering a burst of investment that boosts gross domestic product growth in the short term. But this would probably generate more bad loans in an already fragile banking system. A protracted trade war would also halt even modest momentum toward market-oriented reforms, a putative objective of the Chinese government. This would hurt the economy’s long-term growth prospects. And China’s plan to shift the focus of its economy from staid and inefficient state enterprises to high-productivity and high-value industries will fall short if it loses access to technology from the United States and other Western nations.
In some ways, Trump seems more constrained than Xi because of America’s democratic political system, its more laissez-faire economy and the limits on his executive power. But he, too, has some elements in his favor as he does battle with China. Trump has the advantage of managing an economy that is enormously flexible and resilient. And getting tough on China resonates not just with his political base but even with Democrats, many of whom have long called for aggressive U.S. action against Chinese trade and currency practices, even if they disagree with Trump on tactics.
Yet in exercising his power, he could end up making America’s economy a bit more like the state-dominated one operated by Beijing—and, in so doing, permanently damage the U.S. free market. To rescue the agricultural sector from the consequences of the trade war, Trump has already dispatched $28 billion in government subsidies. He has also jawboned American companies to move their production bases back to U.S. shores, rather than letting them make their own commercial decisions. Trump has even pressured the Federal Reserve, whose independence is seen as sacrosanct, to lower interest rates and suggested that the Fed should help drive down the value of the dollar. With such moves, he risks undermining the true strengths of the United States: the institutions that make the U.S. dollar and the American financial system so dominant.
What’s worse, Trump suggests that the rule of law is up for negotiation. After imposing sanctions on Chinese technology companies such as ZTE and Huawei for running afoul of U.S. rules, he hinted that those sanctions could be negotiated away as part of a trade deal. He is fighting a Pentagon process that could award a defense contract to Amazon, whose CEO (who owns The Washington Post) has criticized him.
China has made its lack of independent institutions a source of strength in dealing with external economic aggression. In that model, Trump sees something Washington should copy—and seems ready to abandon what makes the United States special. This truly is a trade war with no winners.

Ciência: fuga de cérebros é uma realidade no Brasil - presidente da ABC

Fuga de cérebros é realidade, diz chefe da Academia Brasileira de Ciências
Valor Econômico, 13/08/2019

Presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), o físico Luiz Davidovich tem assinado cada vez mais cartas de recomendação para pesquisadores que deixam o Brasil. Aves raras na academia, esses doutores não querem salários altos. Procuram, na verdade, insumos e equipamentos para os quais o governo brasileiro tem empenhado cada vez menos recursos nos últimos anos. O êxodo de cientistas, para Davidovich, é a ferida mais exposta do sistema de ciência e tecnologia (C&T) do país, que se agravou no governo Jair Bolsonaro e seus contingenciamentos, ausência de projeto tecnológico e negação da ciência. "A fuga de cérebros é muito concreta e dolorosa para mim", diz Davidovich. Recentemente ele viu quatro colegas concursados abandonarem seus cargos para tocar trabalhos em Austrália, Holanda, Portugal e Chile. "Três vão para universidades estrangeiras, outro vai para uma empresa australiana de computação quântica, mas aprendeu tudo aqui", diz apontando para o chão da Escola de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde leciona há 25 anos. Ele comanda os estudos da casa em computação e ótica quânticas, sendo colaborador do francês Serge Haroche, laureado com o Nobel de Física em 2012.
"Não nego as recomendações. Essas pessoas têm o direito de se preocupar com suas pesquisas, mas escrevo nas cartas que lamento o fato de estarem nos deixando", diz. A debandada, afirma, está diretamente ligada à queda nos repasses a universidades federais. Segundo Davidovich, as verbas têm caído todos os anos desde 2010. A exceção foi 2013, quando houve um pico que ele atribui ao programa Ciência sem Fronteiras. Em 2019, o golpe mais duro da década: contingenciamento de 30% no Ministério da Educação e 42% na pasta de Ciência e Tecnologia (MCTIC). O principal afetado é o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que provê a maior parte dos recurso à pesquisa científica. "Com o corte, as bolsas de pesquisa só chegariam a junho, mas uma suplementação de R$ 300 milhões permitiu pagar até setembro. Ainda falta para o resto do ano", afirma Davidovich. De acordo com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), ainda faltam R$ 340 milhões para o CNPq honrar as bolsas de 84 mil pesquisadores neste ano. 
Os cortes surpreenderam o chefe da Academia de Ciências. Ainda em campanha, Jair Bolsonaro respondera a um questionamento da entidade com a promessa de elevar o investimento em ciência a 3% do PIB até o fim do mandato, enquanto a entidade recomendava a reserva de 2% da riqueza nacional para a área. Segundo Davidovich, hoje em queda, o investimento total em ciência e tecnologia está um pouco acima de 1% do PIB, sendo igualmente dividido entre União e setor privado. Inicialmente encarado como auspicioso pelo cientista e seus pares, o compromisso de campanha do presidente se mostra cada vez mais distante. "O apagão de investimentos pode quebrar o sistema de C&T. Tudo que temos hoje começou a ser institucionalizado na década de 1950, mas vem de antes. A construção é um processo longo, mas a destruição pode ser muito rápida, menos de uma década". Questionado se o "Future-se", programa do governo para estimular a entrada de recursos privados nas universidades, pode solucionar o problema, Davidovich é claro: "Só funcionará se os repasses públicos forem restabelecidos".
Em sua leitura, as universidades só vão interagir mais com empresas na medida em que se modernizarem primeiro via recurso público. "A maior parte do orçamento universitário sempre virá do governo, como acontece no mundo todo. O ministro [Abraham Weintraub, do MEC] precisa de um choque de realidade", diz. O pesquisador, no entanto, vê com bons olhos aspectos da proposta como desvinculação de verbas privadas do orçamento e previsão de incentivos fiscais para quem investir. Caso o governo ainda queira honrar a promessa de investir duas vezes mais em ciência, Davidovich afirma que, além de rever os cortes, será preciso incentivar investimento direto do setor privado. Ele cita as experiências dos Estados Unidos e da Coreia do Sul. Doutor pela Universidade de Rochester (EUA) e membro estrangeiro da Academia de Ciências dos Estados Unidos (NAC), lembra que na Coreia do Sul três quartos do investimento em P&D vêm de empresas, e um quarto, das universidades. "Não precisamos reinventar a roda. Basta olhar para o lado. Os EUA sempre usaram encomendas de Estado para grandes projetos nacionais", diz, citando como exemplos o programa espacial e a criação de bancos de dados para órgãos de governo. "Isso é muito melhor que subvenção, pois permite orientar os resultados."
Como um caminho natural, Davidovich aponta a biotecnologia baseada na pouco explorada biodiversidade nacional. "Conhecemos apenas 5% do potencial de nossos biomas", diz. Animado, ele fala de uma substância chamada bergenina, originalmente encontrada no caule de uma planta amazônica. Sua molécula anti-inflamatória foi sintetizada por um laboratório privado que hoje comercializa o miligrama por mais de R$ 1.000. "Existem várias outras substâncias que poderiam ser produzidas no Brasil." Soluções de saúde, afirma, são mais que recomendadas para um país com um comprador natural do tamanho do Sistema Único de Saúde (SUS). "Prioridades óbvias como a biotecnologia têm sido prejudicadas por uma política de desmatamento que nega evidências científicas", diz. Davidovich se mostra especialmente irritado com os ataques do governo ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em cuja defesa saiu mais de uma vez por meio de carta aberta da ABC. "Há uma ironia no fato de não perceberem que isso pode prejudicar a própria agroindústria, por causa dos rios voadores que garantem chuvas no Centro-Oeste e Sudeste. Isso para não citar o acordo comercial com os europeus, que terão um Parlamento com cada vez mais [deputados] verdes." Em seu entender, as ações do governo até aqui refletem uma "total ausência de agenda para o desenvolvimento científico" que abre espaço para voluntarismos, expressos por exemplo na retórica sobre nióbio ou dessalinização, que têm o seu valor, mas estariam longe da escala necessária para alavancar a ciência no país.

Filho de PR pode furar a fila de embaixadores? - O Antagonista

Eduardo Bolsonaro vai furar fila

O Estadão registra que são mais de 10 as indicações de embaixadores paradas na Mesa Diretora do Senado.
Davi Alcolumbre, porém, ao que tudo indica, passará na frente a de Eduardo Bolsonaro.
No mês passado, O Antagonista publicou o currículo de quatro desses candidatos que terão de esperar um pouco mais em razão do filho do presidente da República.
Vale a pena rever:

O currículo dos 4 futuros embaixadores que serão sabatinados em agosto

A Comissão de Relações Exteriores do Senado tem 4 sabatinas de candidatos a embaixadores do Brasil marcadas para agosto.
Os senadores vão ouvir Maria Laura da Rocha, que já serviu nas embaixadas em Roma, Moscou e Paris e agora deverá representar o país na Romênia.
A bacharel em Letras Eugenia Barthelmess, ministra de primeira classe da carreira de diplomata do Ministério das Relações Exteriores, foi indicada para a embaixada em Cingapura.
Para exercer o cargo de embaixador na Hungria, o candidato é José Luiz Machado e Costa, diplomata de carreira do Itamaraty, que já foi embaixador no Haiti e junto à Organização dos Estados Americanos (OEA).
Ary Norton de Murat Quintella, outro ministro do Itamaraty, é graduado em psicologia no Reino Unido e deverá ocupar o cargo de embaixador do Brasil junto à Malásia e ao Brunei.