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terça-feira, 10 de agosto de 2021

A cenoura e a soberania (os EUA e o Brasil de Bolsonaro, um trompista) - Rubens Barbosa (OESP)

 A CENOURA E A SOBERANIA

Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 10/08/2021 

Na semana passada, o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, visitou o Brasil e “abordou uma gama de prioridades estratégicas durante as reuniões de alto escalão com o governo brasileiro”, segundo comunicado oficial do governo dos EUA.

A aproximação com o governo Bolsonaro deve ser vista como uma ação pragmática dentro do contexto mais amplo da política externa e dos interesses geopolíticos dos EUA. A vinda da missão norte-americana de alto nível teve a ver, em especial, com o interesse do governo Biden de se contrapor a China no setor tecnológico, um dos componentes da confrontação geopolítica entre os dois países.  A exclusão das empresas chinesas do 5G na Europa, África e Américas é uma das principais prioridades da diplomacia americana.

No contexto dessa visão estratégica, o governo Biden, enfrentando oposição da ala progressista do Partido, optou por fazer um gesto ao governo Bolsonaro ao oferecer a oportunidade do Brasil se tornar um sócio global da OTAN. A entrada permitiria acesso ao programa de cooperação da aliança militar. A eventual inclusão do Brasil como “sócio global” da Otan ofereceria igualmente condições especiais para a compra de armamentos de países que integram a organização e abriria espaço para a capacitação de pessoal militar nas bases da aliança ao redor do mundo. O governo Biden já havia deixado Brasília saber que a participação de empresas chinesas inviabilizaria a cooperação na área de defesa e segurança. Não é preciso muita imaginação para entender que esse oferecimento, tem de ver com o possível apoio dos militares no governo para reverter a decisão já tomada de não restringir a participação de qualquer empresa na licitação da Anatel. Como se sabe, nessa questão há uma divisão entre os militares. De um lado, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) adotou publicamente uma posição contrária a participação da Chinausando argumentos de segurança nacional, mas outros membros das Forças Armadas, junto com as teles nacionais, são favoráveis, por nunca ter havido qualquer problema nas mais de duas décadas em que a empresa chinesa atua no país. Esse oferecimento, assim, foi apresentado como contrapartida ao veto à participação da Huawei no futuro mercado de 5G nacional. A relevância do mercado brasileiro e a perspectiva de influir na decisão de outros países sul-americanos são preocupações de Washington. No referido comunicado ao final da visita, ficou registrado que, em relação ao 5G, os EUA continuam a ter fortes preocupações sobre o papel potencial da Huawei na infraestrutura de telecomunicações do Brasil, bem como em outros países ao redor do mundo. A ausência de referência à posição do Brasil é positiva no sentido de que aparentemente o Brasil não cedeu, de imediato, as pressões dos EUA.

Encontra-se em gestação a reação do governo ao oferecimento de parceria global da OTAN e à pressão de Washington no tocante ao 5G. Espera-se que o estamento militar no governo deixe de lado interesses corporativos e aceite a decisão já anunciada de permitir a participação de todos. Na tomada da decisão, devem ficar claras as consequências para o Brasil de uma concessão aos EUA nessas questões.

O Brasil tem preocupação com a expansão da OTAN no Atlântico Sul, área prioritária na estratégia nacional de Defesa. O novo status poderia colocar o Brasil como instrumento dessa expansão, contrariando a política mantida até aqui, e podendo mesmo acarretar reação da Argentina em função das Malvinas.

Aceitando a pressão norte-americana, sem considerar os impactos negativos no setor de telecomunicações e no setor produtivo (indústria e agricultura), caso a regulamentação interna sobre a licitação do 5G seja alterada (por Decreto, pois não será possível modificar as regras fixadas pela Anatel, sem recomeçar todo o processo e sem audiência do TCU) e a participação de empresas chinesas fique inviabilizada, deverá haver repercussões concretas no relacionamento com a China. A questão do 5G é de crucial importância também para a China, como se viu na forte reação contra a Austrália depois do cancelamento da participação de empresas chinesas.  O governo chinês poderia tomar medidas restritivas em relação às exportações de produtos agropecuários brasileiros, investimentos no Brasil, à exportação de vacinas e de insumos farmacêuticos e aumentar sua presença econômico-comercial na América do Sul prejudicando nossos produtos.

Além disso, o atendimento dos interesses americanos não vai diminuir a pressão dos EUA no tocante à política ambiental e de mudança de clima em relação às ações ilegais na Amazônia (desmatamento, grilagem e queimadas), à direitos humanos e democracia (eleições em 2022), como explicitado no comunicado oficial.

Em vista dos interesses concretos que poderão ser afetados, o Brasil não pode senão adotar uma posição de independência no confronto tecnológico, comercial e geopolítico entre os EUA e a China. Motivações ideológicas ou geopolíticas não podem afetar os interesses do Brasil no médio e longo prazo. O Brasil em primeiro lugar.

Rubens Barbosa, presidente do IRICE


Euclides e a diplomacia - Luis Claudio Villafañe e João Daniel (Clipping)

 

Luís Cláudio Villafañe terminou recentemente a nova biografia do escritor e jornalista Euclides da Cunha.

👉 Com tantas novas descobertas, o diplomata irá bater um papo com o professor João Daniel sobre as relações de Euclides com o Itamaraty.

Luís Cláudio Villafañe é historiador e diplomata. Pós-graduado em Ciência Política na New York University e Doutor em História pela Universidade de Brasília. Autor de mais de uma dezena de livros sobre história da política externa brasileira e temas afins, entre os quais as biografias “Juca Paranhos: o barão do Rio Branco” e “Euclides da Cunha: uma biografia”. Como diplomata, serviu em Nova York, Cidade do México, Washington, Montevidéu, Quito e Lisboa e hoje é Embaixador do Brasil na Nicarágua.


Tema: "Euclides da Cunha & o Itamaraty"
Data e horário: Quinta-feira (12) às 19h

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

A diplomacia cultural brasileira na década de 1960: continuidades e rupturas - palestra do diplomata Bruno Miranda Zetola

 

Palestra "A diplomacia cultural brasileira na década de 1960: continuidades e rupturas" 

30 de agosto de 2021, 16h-18h 
Videoconferência via Sympla Streaming

Centro de Estudos Globais da Universidade de Brasília convida para a palestra a ser proferida pelo pesquisador e diplomata Bruno Miranda Zetola(Ministério das Relações Exteriores), sob o tema A diplomacia cultural brasileira na década de 1960: continuidades e rupturas.  

Rupturas da ordem política são temas que fascinam historiadores, pois constituem momentos privilegiados para examinar tensões e clivagens nos fenômenos sociais. O Golpe Militar de 1964 no Brasil e a subsequente implantação do regime militar implicou uma inflexão política significativa, traduzindo-se em um governo anticomunista, pró-americano, conservador e apoiador de uma agenda econômica liberal. Rupturas políticas, entretanto, não necessariamente abrangem toda as dimensões da vida social, como a economia ou a cultura, e tampouco atingem todas as políticas públicas com a mesma intensidade. Embora relacionados e interdependentes, esses diferentes campos são tributários de características específicas e podem deflagrar, acentuar, mitigar, destoar ou mesmo inviabilizar rupturas mais globais. Nessa perspectiva, tenciona-se apresentar os efeitos do Golpe Militar de 1964 para a diplomacia cultural brasileira, em abordagem que a considera campo específico, embora interdependente da macroestrutura governamental. Argumenta-se que, embora o campo da diplomacia cultural tenha recebido significativa pressão por mudanças, a ruptura do regime político não levou imediatamente a um ajuste do conteúdo e dos processos de trabalho da área. Houve, assim, um movimento de resistência a mudanças que buscou manter os parâmetros de uma bem-sucedida diplomacia cultural verificada no governo democrático. 

 

Bruno Miranda Zétola é diplomata e doutor em História pela Universidade Federal do Paraná. É autor de diversos artigos a respeito da relação entre diplomacia e cultura. Desde 2019 está vinculado como pesquisador visitante junto ao Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade de Brasília, onde desenvolve estágio de pesquisa pós-doutoral sobre a diplomacia cultural brasileira nas décadas de 1950 e 1960.

 

Transmissão do evento e inscrições

  • O evento será transmitido por meio da Plataforma Sympla Streaming (Zoom) e acontecerá no dia 30/08/2021, a partir das 16:00h.
  • Será conferido certificado de participação aos participantes inscritos com presença confirmada ao longo da conferência. Para realizar a inscrição, é necessário emitir ingresso gratuito

O padrão Bolsonaro nas exportações: primário, extrativista, destruidor e ilegal (Cedeplar)

 Mudanças no Padrão de Exportações Brasileiras entre 2016-2020: o Brasil na contramão do mundo

João P. Romero, Danielle Carvalho, Arthur Queiroz e Ciro Moura

Cedeplar - UFMG, 2021

Sumário Executivo:

• A diversificação brasileira caiu de 196 indústrias competitivas em 2016 para 167 em 2020, num universo de 999 indústrias.

• A quantidade de produtos competitivos aumentou somente no grupo de produtos primários, passando de 47 em 2016 para 49 em 2020.

• A participação dos produtos primários na pauta exportadora aumentou de 37,2% em 2016 para 44,3% em 2020.

• A participação dos produtos de média e alta tecnologia na pauta exportadora caiu de 20,2% para 14,2% e de 5,2% para 3,1%, respectivamente.

• A quantidade exportada de madeira bruta aumentou 205% entre 2018 e 2020, acumulando impressionante aumento de 542% desde 2016.

• A quantidade exportada de ouro aumentou 30% entre 2018 e 2020, montante expressivo para as características do produto.

• O crescimento das exportações de madeira e ouro geram um alerta de que uma parte desse crescimento possa ser oriundo de atividades ilegais.

• Ao contrário de Europa e Estados Unidos, o atual governo do Brasil segue uma estratégia de crescimento focada em setores primários e baseados em recursos naturais, que estão associados a maior intensidade de emissões de gases de efeito estufa e maior degradação ambiental, em detrimento de setores de maior intensidade tecnológica, que geram mais crescimento com menores impactos ambientais.

1 Introdução

Nos últimos anos, acumularam-se evidências a respeito dos efeitos positivos do aumento do nível de complexidade econômica para o desenvolvimento econômico. Os resultados seminais de Hausmann et al. (2014) apontaram que o aumento da complexidade prevê crescimento significativo da taxa de crescimento da renda per capita no futuro. Hartmann et al. (2017) mostraram que o aumento da complexidade contribui também para reduzir a desigualdade de renda. Por fim, Mealy e Teitelboym (2020) e Romero e Gramkow (2021) apontaram que maior complexidade conduz também à redução de impactos ambientais.

(…)

Para entender os movimentos da complexidade da economia brasileira, portanto, torna-se crucial monitorar os movimentos das exportações. A presente nota analisa a evolução da composição das exportações brasileiras entre 2016-2020, com um foco no comércio internacional de madeira bruta e ouro, e as políticas adotadas no Brasil que estão contribuindo para os resultados encontrados e as implicações das mudanças observadas.

2 Análise dos dados

(…)

(…)

3 Discussão: Brasil na contramão do mudo

A agenda de combate à mudança climática alcançou seu pico nas discussões de políticas econômicas voltadas à retomada do crescimento pós-pandemia. As estratégias de crescimento verde dos Estados Unidos e da União Europeia estão diretamente relacionadas ao fato de estar ganhando força o argumento de que a proteção ambiental na verdade colabora para maior crescimento econômico, e não o contrário (Malerba e Lee, 2020). Na Europa foi aprovado um pacote de 1,8 trilhões de euros para financiar políticas industriais e tecnológicas associadas a inovações que reduzam o impacto ambiental da atividade humana (European Commission, 2021). Nos Estados Unidos o Plano Biden direcionou outros 2 trilhões de dólares para o financiamento de projetos de infraestrutura e pesquisa voltados a aumentar a eficiência produtiva de forma ambientalmente sustentável (The New York Times, 2021).

(…)

No governo Bolsonaro, porém, prevalece uma visão ultrapassada sobre a relação entre meio ambiente e economia. Para o governo, políticas de proteção ambiental representam entraves ao desenvolvimento econômico. Dessa forma, segundo o vice-presidente Hamilton Mourão, o ex-ministro Ricardo Salles estaria atuando corretamente ao adotar o que chamou de “ visão economicista” da gestão do meio ambiente (Época, 2021).

Contudo, a gestão de Ricardo Salles foi alvo de inúmeras críticas de especialistas em meio ambiente. Primeiro, em função da suspensão de multas ambientais a partir de um decreto federal. Depois, devido à eliminação da necessidade de autorização específica para exportação de madeira de origem nativa, como estabelecia a IN 15/2011. Além disso, Salles também foi acusado de favorecer o garimpo em áreas protegidas e em unidades de conservação, por ter exonerado o diretor de fiscalização ambiental do Ibama que havia paralisado operações de garimpo e exploração ilegal de madeira em terras indígenas no Pará (OECOa, 2021; OECOb, 2021).

(…)


4 ConsideraçõesFinais

Na última década, mudanças produtivas e tecnológicas associadas a políticas de mitigação da mudança climática passaram a ser entendidas como um novo motor de crescimento e desenvolvimento. Exemplo disso são as propostas de investimentos na recuperação da Europa e dos EUA, direcionadas para as políticas de inovação e investimentos verdes.

No entanto, o Brasil caminha em um sentido oposto. As políticas apresentadas desde o início do governo Bolsonaro priorizaram um capitalismo predatório, com foco em setores primários e baseados em recursos naturais, em detrimento de setores de média e alta intensidade tecnológica. A produção de primários e bens baseados em recursos primários está associada a maior intensidade de emissões de gases de efeito estufa e de degradação ambiental. Além disso, são produtos que possuem baixa complexidade e, como identificado em vários estudos, geram menor dinamismo comparativamente a produtos de maior intensidade tecnológica.

Dentre os produtos com menor intensidade tecnológica que tiveram um crescimento nas exportações nos últimos anos estão a madeira bruta e o ouro. Esses são produtos que têm preocupado ambientalistas no Brasil, por serem fontes importantes de degradação ambiental na Amazônia.

O ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi alvo de críticas exatamente em função de medidas que beneficiaram madeireiros e garimpeiros ilegais. Assim, o crescimento nas exportações de madeira e ouro geram um alerta de que uma parte desse crescimento possa ser oriundo de atividades ilegais.

Apesar da saída de Ricardo Salles do Ministério do Meio Ambiente, a expectativa de construção de políticas de desenvolvimento ambientalmente sustentáveis no governo Bolsonaro é mínima. Joaquim Álvaro Pereira Leite, que assumiu como Ministro do Meio Ambiente, é ex-conselheiro da Sociedade Rural Brasileira (SRB), uma das principais entidades que representam o setor agropecuário, que se apresenta constantemente em embates com políticas e legislações ambientais (Exame, 2021).

A continuidade de políticas que priorizem o capitalismo predatório em detrimento do avanço em setores mais tecnológicos e mais limpos, além de gerar maior degradação ambiental, pode ser um entrave para o próprio desenvolvimento econômico do Brasil no futuro próximo.

Referências

BBC. Entenda investigação contra Ricardo Salles autorizada pelo STF que apura suspeita de atrapalhar PF. 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57346129 Acesso em: 25 jun. 2021.

(…)






O Grande Capital finalmente resolve se afastar do degenerado (mas não todo ele) -

Manifesto em defesa das eleições amplia pressão do PIB sobre Bolsonaro após ameaças

Metropoles, 6 de agosto de 2021

Manifesto em defesa das eleições amplia pressão do PIB sobre Bolsonaro após ameaças             

Mais duro recado do PIB a Jair Bolsonaro diante das ameaças do presidente à realização de eleições em 2022, o manifesto de apoio ao sistema eleitoral e à ordem democrática assinado por empresários, banqueiros, intelectuais e outros nomes da sociedade civil recebeu adesões nesta quinta-feira (5).

Signatários disseram à reportagem que a reação desmonta a ideia de que “a elite financeira do país esteja indiferente” aos ataques à democracia e sinaliza que não dá para “assistir a isso calado”. A intenção, relatam, é demonstrar repúdio ao risco de rupturas e o desejo de estabilidade.

Um balanço parcial dos organizadores contava cerca de 6.000 novos subscreventes até o início da tarde desta quinta, mesmo dia em que o documento foi publicado na forma de anúncio em jornais, inicialmente com a assinatura de 267 pessoas. O texto está aberto para apoios na internet.

Somaram-se ao grupo personalidades ligadas ao setor financeiro, como Eduardo Mufarej, Guilherme Affonso Ferreira, José de Menezes Berenguer Neto e Reinaldo Pamponet, além do ex-chanceler Celso Amorim, dos acadêmicos José Álvaro Moisés e Lilia Moritz Schwarcz e do ex-jogador Raí.

Agentes de peso da área privada, como os empresários Luiza e Frederico Trajano, Jayme Garfinkel, Guilherme Leal, Horácio Lafer Piva e Carlos Jereissati Filho, e nomes ligados ao setor bancário, como Pedro Moreira Salles e Roberto Setubal (Itaú Unibanco), já compunham a lista original.

Políticos, economistas, líderes religiosos, ativistas do terceiro setor, artistas e centenas de pessoas envolvidas no debate público também estão engajados na mobilização. A divulgação da carta começou a ser discutida na terça-feira (3), em resposta à escalada autoritária no discurso de Bolsonaro.

Presidente do banco Credit Suisse no Brasil e um dos signatários do manifesto, José Olympio Pereira diz que a gota d’água para a reação foi “a escalada de uma crise institucional que não pode continuar”.

“A gente precisa se manifestar. Não dá para a gente assistir a isso calado. É ruim para o Brasil, para todo o mundo, inclusive para o governo. Está na hora de o governo rever a sua posição. Estamos vendo o princípio de uma recuperação econômica e queremos avançar”, afirma ele à reportagem.

Olympio critica o que chama de “leniência dos mercados” às sucessivas bravatas de Bolsonaro. “Essa escalada atingiu um nível que provocou essa reação. Vamos restabelecer o diálogo, a razoabilidade. Este país precisa mais de diálogo e menos de radicalização”, prega.

Para o dirigente do Credit Suisse, como a discussão sobre o voto impresso já está no Congresso, é hora de esperar e de respeitar a decisão que for tomada. “Temos mecanismos institucionais para resolver isso tudo. O Congresso decide, e acata-se a decisão. É a forma como se faz em uma democracia.”

Olympio diz esperar que “todos os envolvidos nisso prestem atenção” na carta e que o movimento “ajude a esvaziar esse posicionamento radical” e “a desmontar essa onda que está se formando”.

“Nós todos queremos o melhor para o país, queremos avançar e temos desafios enormes pela frente. Queremos voltar a crescer, queremos ver as crianças de novo nas escolas. Espero que essa reação da sociedade acabe com esse tipo de confronto e de escalada e que as coisas voltem à normalidade.”

Além de pedir respeito às eleições de 2022 e a garantia de realização do pleito, o documento “Eleições serão respeitadas” demonstra ainda confiança nas urnas eletrônicas e na Justiça Eleitoral, que são alvo do presidente, com ataques à credibilidade do sistema e a defesa de voto impresso.

O manifesto diz que “o princípio-chave de uma democracia saudável é a realização de eleições e a aceitação de seus resultados por todos os envolvidos”. E ressalta a confiança dos autores na Justiça Eleitoral, “uma das mais modernas e respeitadas do mundo”, e no voto eletrônico.

“A sociedade brasileira é garantidora da Constituição e não aceitará aventuras autoritárias. O Brasil terá eleições e seus resultados serão respeitados”, afirma o texto do informe publicitário, que também foi disponibilizado na página eleicaoserespeita.org.

Ainda que alguns dos signatários do manifesto tenham feito comentários em público sobre as razões do movimento, o objetivo geral é não personificar a mobilização. A intenção expressa nos bastidores é a de que o texto seja lido como resposta da sociedade civil, embora o foco no empresariado seja nítido.

Um dos artífices da iniciativa, o professor da FGV-Direito São Paulo Carlos Ari Sundfeld conta que “a razão específica da articulação rápida e contundente é que se tocou em uma linha que não pode ser ultrapassada”, a da ameaça de um governante à realização de eleições livres.

“Não existe uma ilusão na Faria Lima com as vantagens do autoritarismo. É o contrário. A elite financeira do país está associada à elite intelectual e defende a democracia. Quando as pessoas se manifestam, é porque sabem que inclusive seus próprios negócios não vão ter benefício se essa escalada seguir”, diz.

A parcela mais rica da população, que também detém poder político, é alvo de cobranças em diferentes setores por se omitir diante de posicionamentos de Bolsonaro. Segundo o Datafolha, o empresariado é a fatia que mais aprova o presidente (dentro do grupo, 49% consideram o governo ótimo ou bom).

Na opinião do docente da FGV-SP, “as pessoas se enganam achando que a elite financeira do país esteja indiferente por não estar se manifestando a cada ameaça ou que esteja apoiando esse tipo de atitude do presidente”.

“Existe uma movimentação, um desconforto enorme, e é algo que vem crescendo. Uma sensação de que esse caminho precisa ser cortado”, segue Sundfeld, que é associado do CDPP (Centro de Debate de Políticas Públicas), entidade privada voltada a pesquisas onde o texto foi gestado.

Do CDPP, a carta passou a circular em grupos que reúnem economistas com passagens pelo governo, agentes do mercado financeiro, investidores e outros formadores de opinião. Foram feitos ajustes (houve duas versões, segundo Sundfeld) e depois se viabilizou a publicação na forma de anúncio.

Para o professor, uma resposta tão enérgica não foi vista em momentos anteriores por falta de paciência de setores do topo da pirâmide financeira, mas a demora não deve necessariamente ser entendida como leniência ou apoio majoritário do empresariado aos posicionamentos de Bolsonaro.

“O presidente faz um programa de auditório permanente e nem sempre as pessoas têm paciencia de reagir a cada coisa. Mas existem limites até para o circo”, diz Sundfeld, para quem há pluralidade na lista de adesões.

“É difícil unir pessoas que são muito entusiasmadas com o PT e os críticos apoiando qualquer tipo de ideia política, ainda que não seja sobre questões partidárias. O manifesto mostrou que existem pessoas que dialogam, são plurais e defendem um caminho de equilíbrio e de estabilidade”, avalia.

O cientista político e fundador do Centro de Liderança Pública, Luiz Felipe d’Avila, outro subscrevente, reforça o discurso de que defender os pilares democráticos é estimular também, em boa medida, o desenvolvimento econômico.

“Uma atitude como essa, de um presidente que toda hora ameaça adotar medidas extraconstitucionais, afeta diretamente as empresas brasileiras, já tão prejudicadas pelo descrédito da política ambiental e por um ministro que diz que pode dar calote em precatórios [Paulo Guedes, da Economia]”, afirma.

“Isso aumenta demais a volatilidade política e econômica. Espero que as forças que defendem a democracia, como a sociedade civil, o mercado, o Judiciário e o Congresso, assumam a responsabilidade de blindar as instituições democráticas de ataques demagógicos”, acrescenta d’Avila.

O manifesto, com quatro parágrafos e linguagem objetiva, não cita nominalmente Bolsonaro nem evoca as ameaças à Justiça Eleitoral feitas por ele nos últimos meses. A opção por evitar pontos que causassem divergências tem facilitado a adesão de diferentes espectros ideológicos, segundo organizadores.

Economistas e profissionais de outras áreas que serviram a gestões de diferentes partidos nas últimas décadas referenderam o manifesto. Estão na lista ex-ministros e ex-assessores dos governos Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Lula e Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).

A mensagem fala também em acreditar no Brasil, mesmo em um “momento difícil” de crises sanitária, social e econômica, com mortes pela Covid-19 e desemprego. “Nossos mais de 200 milhões de habitantes têm sonhos, aspirações e capacidades para transformar nossa sociedade e construir um futuro mais próspero e justo. Esse futuro só será possível com base na estabilidade democrática.”

Para o investidor e empresário Eduardo Mufarej, que também é fundador da escola de formação de candidatos RenovaBR, “é absolutamente inaceitável” o país gastar “um minuto que seja com a discussão do voto impresso” enquanto “passa por uma de suas maiores crises na história.

“A mensagem que passa é que mais uma vez estão querendo desviar o foco do que é realmente relevante e urgente no país, como a ausência completa de uma política educacional e o desmonte da pauta de combate à corrupção, entre outros tantos assuntos abandonados”, diz o signatário.

Em março deste ano, uma mobilização semelhante à de agora uniu economistas, banqueiros e empresários em uma carta aberta que pedia medidas mais eficazes para o combate à pandemia do novo coronavírus no Brasil. Embora Bolsonaro não fosse mencionado, o alvo principal do texto era ele. 

Parte dos apoiadores do novo manifesto também endossou na ocasião a carta, que superou as 1.500 assinaturas e foi divulgada em um momento de alta nos números de mortes pela doença. O documento também foi encaminhado aos representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

 https://mtdiario.com.br/2021/08/06/manifesto-em-defesa-das-eleicoes-amplia-pressao-do-pib-sobre-bolsonaro-apos-ameacas/


A impossível missão de substituir a China por outros fornecedores - Oxford Economics (Xinhua)

China’s global market share surges despite “decoupling” concerns: UK think tank Oxford Economics

Xinhua, 5/08/2021

 

China’s global market share has risen substantially in the past two years, defying calls for a “decoupling from China” mainly by the United States, British think tank Oxford Economics said in a report

“A broader analysis of China’s global market share trends suggests that its recent rise is driven by gains in developed countries, due in part to the specific nature of the recent expansion of global trade,” said the report, generated by Louis Kuijs, head of Asia Economics at the think tank.

The report said while this implies that some of the recent jump in China’s share of the global trade pie will revert, the strong showing of China’s exports to developed countries “confirms that there has been little decoupling thus far.”

The analysis showed the gains in developed nations partly came from the recent increase in demand for imports, fuelled by a temporary shift from services consumption to goods consumption and a surge in work-from-home demand.

“In any case, China’s strong export performance since the outbreak of the COVID-19 pandemic underscores that the global supply chains developed in recent decades — and in which China plays a key role — are much ‘stickier’ than many suspected,” said Kuijs.

China’s official data in July showed that the world’s second largest economy’s foreign trade surged by 27.1 percent year on year to 18.07 trillion yuan (about 2.79 trillion U.S. dollars) in the first half of the year 2021, the best performance in history.

In June alone, the country’s imports and exports mounted by 22 percent year on year to 3.29 trillion yuan (about 0.5 trillion U.S. dollars), marking an increase for the 13th month in a row, according to the General Administration of Customs of China.

 

The report said the export strength reflected less transitory factors, stressing that “a supportive government has also helped.”

“In its efforts to ‘defend (the country’s) role in global supply chains’, China’s government took measures ranging from cutting fees to helping logistically to get goods to the ports, thus ensuring the availability of products at a time when global supply chains have been under strain,” said Kuijs.

Responding to these developments, the think tank again adjusted its long-term outlook in early 2021, becoming less bearish on economic decoupling, said the report.

“Our global colleagues recently also concluded that, while the U.S. tariffs have depressed U.S. imports from China, there is no evidence so far of a broader decoupling process among developed countries,” added Kuijs.

 

According to China’s official data, the trade with its top three trading partners — the Association of Southeast Asian Nations, the European Union, and the United States — maintained sound growth in the first half of year 2021, with the growth rates of trade value with the three standing at 27.8 percent, 26.7 percent and 34.6 percent, respectively.


domingo, 8 de agosto de 2021

A indústria brasileira está morrendo. E tem gente feliz com isso - Hugo Cilo - editor de Negócios da IstoÉ Dinheiro

Do Ricardo Bergamini: 

 Na década de 2011/2020, o Brasil teve um crescimento de 2,98% do PIB, ou seja: 0,30% do PIB ao ano. Nesse mesmo período o mundo cresceu 30,00% do PIB, ou seja: 3,0% do PIB ao ano.

Na década de 2011/2020, o Brasil teve um crescimento per capita médio negativo de -5,32% do PIB, ou seja: negativo de -0,53% do PIB ao ano.

Prezados Senhores

Desde 1997, vejam no gráfico abaixo quantas vezes o brasileiro já leu a mesma manchete da retomada do crescimento econômico que nunca chega.

O gráfico abaixo demonstra, de forma cabal e irrefutável, que o Brasil é um país sem rumo, sem projeto, sem planejamento, sem lenço, sem documento, sem moral, sem vergonha, sem futuro, sem ideal e sem partido, mas que os ingênuos brasileiros “bobos da corte” estão sempre disponíveis a acreditarem que os “Messias” nos resgatarão do inferno em que vivemos, sem dor e sofrimento. 

Em 2020 o PIB brasileiro caiu 4,1%. 

Cada um escolha o seu culpado de preferência, lembrando que o PT saiu do governo em 12 de maio de 2016. 



A indústria brasileira está morrendo. E tem gente feliz com isso

 


No ano passado, 5,5 mil fábricas encerraram suas atividades em todo o País 

 

Hugo Cilo - editor de Negócios da IstoÉ Dinheiro

 

07/08/21 

 

A culpa não é só do presidente Bolsonaro. Nem só do Paulo Guedes. Nem do FHC, do Lula e da Dilma… É de todos eles. A ausência de uma política industrial de longo prazo, desastrosamente confundida por distribuição seletiva de subsídios nas últimas três décadas, tem levado o Brasil a um agressivo processo de desindustrialização. Ano após ano, de forma imperceptível aos olhos da maioria, as empresas que demandam alta tecnologia em seus parques de produção dão lugar a fabricantes de produtos de baixo valor agregado. E o nível está caindo. Exportamos minério de ferro, importamos aço. Exportamos petróleo, importamos lubrificantes. Exportamos soja, compramos farelo. Isso para exemplificar o nível de primarização da nossa indústria – chapas de aço, óleo de motor e farelo são produtos que não simbolizam nenhuma modernidade industrial.

 

Se você é um negacionista da desindustrialização, só porque seu amigo parece bem de vida naquela antiga metalúrgica do ABC paulista, deveria analisar alguns números da economia brasileira. Segundo o IBGE, nos últimos dez anos o PIB do País cresceu a um ritmo médio de 1% ao ano. No mesmo período, a indústria encolheu 1,6% anualmente, em média. Já a agricultura, na mesma comparação, avançou a uma velocidade de 3,6%. Ou seja, estamos aplaudindo as lavouras – indiscutivelmente importantes – e virando as costas para as linhas de produção. Em 25 anos, a participação da indústria no PIB, que era de 50%, caiu pela metade. A indústria de transformação desabou de 20% para 11%.

 

No ano passado, 5,5 mil fábricas encerraram suas atividades em todo o País. Em 2015, o Brasil tinha 384,7 mil estabelecimentos industriais e, no fim do ano passado, a estimativa era de que o número tinha caído para 348,1 mil. Em seis anos, foram extintas 36,6 mil fábricas, o que equivale a uma média de 17 fábricas fechadas por dia no período. Os números são da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

 

Como tudo isso afeta você? Sem a riqueza gerada pela indústria, o Brasil se consolida como um produtor de alimentos, importador de carros, de eletrônicos e, principalmente, de serviços ligados à alta tecnologia. O País mergulhou num processo de enfraquecimento da produção, natural em economias maduras, muito antes de ficar rico. Com isso, ficaremos ainda mais pobres. O salário per capita continuará baixo, e você terá cada vez mais dificuldade em encontrar um emprego que te pague o suficiente. O pior é que a desfragmentação do setor produtivo é, diretamente, turbinada pelo governo. O chamado IPI, imposto que incide apenas sobre produtos industrializados, é um anabolizante da primarização. Com essa aberração, é melhor vender frango do que o nuggets. Há mais lucro no leite do que no queijo.

Além de assistir de braços cruzados a morte lenta da indústria, o Brasil tem observado, sem esboçar reação, a explosão de novas empresas de serviços mundo afora. O fluxo global de mercadorias está diminuindo, e gradualmente sendo trocadas por produtos digitais. Livros, filmes, música e até cartão do banco hoje chegam em nossas casas pela fibra ótica, vindos de alguma empresa no Vale do Silício – e até nisso o País está fora do jogo. Parte dos brasileiros não se importa com o que está acontecendo, e parece estar feliz. Afinal, vamos bater novo recorde de exportação de soja neste ano.

 


Livro: Raymundo Souza Dantas: o primeiro embaixador brasileiro negro - Fabio Koifman

Um livro exemplar, por um dos grandes historiadores do Brasil:

 

Biografia resgata história do primeiro embaixador negro do Brasil e joga luzes sobre racismo na diplomacia nacional 


Nordestino e de família pobre, o escritor Raymundo Souza Dantas foi primeiro negro nomeado embaixador, sob críticas da elite; pessoas declaradamente negras ainda são minoria ínfima entre os que ingressam no Instituto Rio Branco 

 

Thayz Guimarães

O Globo, 08/08/2021 

 

O embaixador Raymundo Souza Dantas 

Foto: Foto Luis Alberto / Agência O Globo/21-10-1971 

 

Nordestino de origem pobre e analfabeto até os 18 anos, Raymundo Souza Dantas (1923-2002) foi o primeiro negro a figurar no alto escalão da diplomacia brasileira. Sua nomeação pelo então presidente Jânio Quadros a embaixador do Brasil em Gana, em 1961, foi saudada por movimentos progressistas, mas também foi alvo de intensa campanha difamatória por parte da elite nacional, ressentida com a pressão para abandonar sua postura racista — ao menos de forma escancarada — nos anos do pós-guerra, quando veio à tona o genocídio de milhões de judeus pelo Estado nazista.




No livro Raymundo Souza Dantas: o primeiro embaixador brasileiro negro, lançado neste ano pela Saga Editora, Fábio Koifman, professor de História e Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), resgata esse capítulo quase esquecido da diplomacia brasileira e joga luzes sobre o racismo existente na carreira, com um número diminuto de diplomatas negros tendo conseguido atingir os cargos mais altos até hoje.


‘Democracia racial’

Segundo o autor, o Brasil dos anos 1960 gostava de se apresentar como uma “democracia racial”, supostamente livre de preconceitos de cor. Mas isso não significava que as estruturas sociais haviam mudado de fato. Os exemplos de racismo que passaram a ser abertamente discutidos a partir de 1945 ainda persistiam, como a falta de negros nas escolas de oficiais das Forças Armadas e no Itamaraty.

— Em 1961, a elite brasileira já não podia dizer abertamente qual era o problema da indicação de Raymundo para um posto historicamente reservado à nata da sociedade — afirma Koifman. — Como pegava muito mal dizer que ele não servia como embaixador porque era negro, o argumento adotado foi que ele não era ninguém, não tinha expressão como intelectual, jornalista ou escritor, o que também não é verdade.

Nascido em 1923 na pequena cidade de Estância, interior de Sergipe, a 66 quilômetros de Aracaju, Raymundo Souza Dantas aprendeu sozinho a ler e a escrever nos fundos de uma oficina tipográfica onde trabalhou no Rio. Entre meados dos anos 1940 e início dos anos 1960, seu nome já era conhecido na imprensa carioca, com publicações em diversos veículos, entre eles a revista ilustrada O Cruzeiro, editada pelos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, e o jornal Diário Carioca, onde se tornou próximo de figurões como Nelson Rodrigues e Otto Lara Resende.

No livro, Koifman destaca uma publicação de 1946 do jornal A manhã que cita autores relevantes e promissores, incluindo Souza Dantas, que aparece ao lado de uma jovem Clarice Lispector e de Antonio Candido, mais tarde considerado um dos maiores críticos literários do Brasil.

— Souza Dantas foi nomeado embaixador na mesma leva que o escritor Rubem Braga e o pintor Cícero Dias, ambos também de fora da carreira diplomática. Mas nenhum deles foi tão pesadamente criticado como Raymundo, que era negro, pobre e de família nordestina desconhecida, tudo a que as elites, principalmente as do Rio de Janeiro, tinham horror — afirma Koifman.

Além das críticas diretas que Souza Dantas recebia, especialmente de pessoas ligadas ao Instituto Rio Branco — criado em 1945 para formar diplomatas profissionais —, muitas histórias também foram inventadas a seu respeito, como conta o autor de “O primeiro embaixador brasileiro negro”.

A talvez mais célebre delas dizia que o agrément do brasileiro pelo governo de Gana havia demorado muitíssimo porque Acra tinha se ofendido com a indicação de um negro para comandar a embaixada do Brasil no país, uma democracia africana recém-fundada após a independênca do domínio britânico, em 1957.

— Durante a minha pesquisa, descobri que a historiografia incorporou mitos e boatos que circularam à época e foram sendo repetidos como verdades — afirma Koifman. — No caso do agrément, a aprovação de todos os indicados de fora da carreira foi demorada. A do Rubem Braga, por exemplo, chegou muito depois da de Raymundo, e a do Cícero Dias nem sequer chegou, tanto que ele acabou nem indo para o Senegal.



 Dança com Nkrumah

Outra história inventada, mas repetida nas biografias de Souza Dantas, diz o autor, foi a de que o presidente de Gana e líder político pan-africano Kwame Nkrumah se recusou durante três meses a receber o brasileiro e que, depois de ter concordado com o encontro, o teria maltratado por esperar um tratamento igual ao das embaixadas europeias, para onde eram direcionados diplomatas brancos.

— Essa é uma das grandes mentiras que inventaram contra ele. A recepção oficial de Raymundo em Gana demorou apenas oito dias, e as fotos revelam que ele chegou a dançar com Nkrumah, uma honraria concedida a poucos na cultura local. A rainha Elizabeth II dançou com Nkrumah! — contou Koifman. — A verdade é que a elite brasileira colocava na boca dos outros os seus próprios preconceitos.

Com a renúncia de Jânio Quadros em agosto de 1961, a missão de Souza Dantas em Gana, que nunca recebeu apoio suficiente — não tanto por ele ser negro, mas mais por ser na África, ressalva Koifman —, terminou de naufragar. Seu retorno para o Brasil, no entanto, ocorreu somente em julho de 1963, depois de um duro período de restrições financeiras, a ponto de a embaixada precisar cortar funcionários e atrasar salários.

Em 2002, o ano da morte de Souza Dantas, o Instituto Rio Branco implantou o Programa de Ação Afirmativa (PAA), um esforço pioneiro de diversificação do funcionalismo brasileiro por meio da concessão de bolsas-prêmio para negros que queiram ingressar na carreira diplomática. A esse programa somou-se, em 2014, a Lei 12.990, que garante ao menos 20% de negros entre os aprovados em concursos públicos.


Sem sucessores

Porém, passados 60 anos da nomeação do escritor, o cenário pouco mudou na diplomacia brasileira, com um número diminuto conseguindo atingir o topo da carreira.

O Ministério das Relações Exteriores disse ao GLOBO não saber o número exato de negros em seus quadros, porque não há um formulário perguntando a cor da pele dos funcionários. Levantamentos feitos por Koifman, no entanto, apontam que apenas mais um negro chegou a ministro de primeira classe, que é o cargo mais alto da diplomacia, equivalente a embaixador.

Informações do ministério dão conta de que 20 candidatos beneficiados com a bolsa do PAA ingressaram no Instituto Rio Branco entre 2002 e 2014. Entre 2014 e 2020, 32 candidatos negros foram aprovados no Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata, dos quais 27 em vagas reservadas nos termos da Lei 12.990 e cinco por vagas destinadas à ampla concorrência. Isso significa que, de um total de 950 vagas oferecidas entre 2002 e 2020, apenas 5,4% foram preenchidas por pessoas declaradamente negras.

No livro, Koifman conclui: “O precedente foi estabelecido, aos trancos, barrancos e ao custo de muito sofrimento para Raymundo. Mas o fato de tão poucos afrodescendentes terem chegado à posição mais alta do Itamaraty em toda a História do Brasil é evidência mais do que suficiente de que as resistências seguiram a existir e seguem existindo, e de que a sociedade brasileira ainda precisa evoluir muito para poder ser considerada ou se aproximar um dia da tão mencionada ‘democracia racial’”.

 

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

ABL tem quatro vagas em processo de abertura a candidaturas: uma delas deverá caber a um diplomata

ABL declara vaga cadeira do diplomata Affonso Arinos de Mello Franco 

Academia fez nesta quinta-feira primeira Sessão da Saudade virtual

Publicado em 05/08/2021 - 20:21 Por Alana Gandra – Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro 

Pela pela primeira vez em sua história, a Academia Brasileira de Letras (ABL) realizou nesta quinta-feira (5), uma sessão da saudade em formato virtual. Por causa das medidas de isolamento social em vigor, tais sessões agora serão realizadas neste modelo para homenagear os acadêmicos que morreram durante a pandemia de covid-19.

O primeiro homenageado foi Affonso Arinos de Mello Franco Neto, sexto ocupante da Cadeira 17, eleito em 22 de julho de 1999, na sucessão do filólogo e crítico literário Antonio Houaiss, e recebido em 26 de novembro de 1999 pelo acadêmico José Sarney. O diplomata faleceu no dia 15 de março do ano passado.

Diplomata Affonso Arinos
Diplomata Affonso Arinos de Melo Franco Neto - 
Guilherme Gonçalves/Academia Brasileira de Letras/Divulgação

No próximo dia 12, a Sessão da Saudade fará homenagem a Murilo Melo Filho, sexto ocupante da Cadeira 20 da ABL. Foi eleito em 25 de março de 1999, na sucessão de Aurélio de Lyra Tavares, e recebido em 7 de junho de 1999 pelo acadêmico Arnaldo Niskier. O jornalista morreu no dia 27 de maio de 2020.

Para o dia 19 de agosto, está prevista a Sessão da Saudade referente a Alfredo Bosi, sétimo ocupante da Cadeira 12. Foi eleito em 20 de março de 2003, na sucessão de Dom Lucas Moreira Neves, e recebido em 30 de setembro de 2003 pelo acadêmico Eduardo Portella. O professor Bosi faleceu no dia 7 de abril de 2021.

No dia 26, o homenageado será Marco Maciel, oitavo ocupante da Cadeira 39, que foi eleito em 18 de dezembro de 2003, na sucessão de Roberto Marinho, e recebido em 3 de maio de 2004 pelo acadêmico Marcos Vinicios Vilaça. Ex-vice-presidente da República, Maciel faleceu no dia 12 de junho deste ano.

Ao fim de cada homenagem, o presidente da ABL, Marco Lucchesi, declara vaga a respectiva cadeira, abrindo a candidatura para um novo ocupante. Com isso, hoje foi declarada vaga a Cadeira 17, de Affonso Arinos.

Regimento

De acordo com o regimento da Academia Brasileira de Letras, ao ter notícia do falecimento de um acadêmico, o presidente comunica o óbito e declara aberta a vaga na Sessão de Saudade, dando início ao período de inscrições dos candidatos à sucessão. A partir daí, os interessados dispõem de 30 dias para a apresentação de suas candidaturas. Findo esse prazo, o presidente marca a eleição para a primeira sessão ordinária, após o transcurso de 60 dias.

A carta de apresentação do candidato, que pode ser enviada por e-mail, tem que ser assinada e acompanhada da relação das obras publicadas pelo candidato, que deverão ser encaminhadas para a ABL via correio.


Luiz Gama: um abolicionista avant la lettre

 Eu tenho uma camiseta, oferecida pelo Livres, com a efígie do grande Luiz Gama.

Paulo Roberto de Almeida 

LUIZ GAMA: ESCRITOS INÉDITOS E FILME AJUDAM A RECUPERAR A IMPORTÂNCIA DO ADVOGADO NA LUTA ANTIRRACISTA!

Bolívar Torres
O Globo, 05/08/2021

Especialista em Luiz Gama (1830-1882), o pesquisador Bruno Rodrigues de Lima já trocou ideias com admiradores do abolicionista baiano em diversas áreas. Do cantor Jorge Benjor ao jurista alemão Thomas Duve (diretor do prestigioso Instituto Max Planck), passando por líderes religiosos como a ialorixá Mãe Stella, não foram poucos os que revelaram, em conversas informais com o doutorando em História do Direito pela Universidade de Frankfurt, um profundo interesse e respeito por Gama.

Nascido livre e vendido pelo pai como escravo aos 10 anos de idade, o advogado, poeta, orador e jornalista estudou Direito por conta própria e foi responsável por libertar centenas de escravizados. Mas, após sua morte, o seu legado acabou apagado pela História oficial do abolicionismo, em detrimento de personalidades hoje mais conhecidas, como Joaquim Nabuco. Por isso, Lima defende a ideia de que o reconhecimento de Gama ainda é “underground” — ou seja, acontece fora de universidades, museus, monumentos e outros espaços institucionais.

Graças ao trabalho de diversos artistas e pesquisadores (incluindo Lima), Gama vem gradualmente reconquistando o lugar que merece, incluindo títulos importantes. O mais recente deles é o de Doutor Honoris Causa da Escola de Comunicações e Artes da USP, recebido mês passado. Nos cinemas, sua vida é retratada na cinebiografia “Doutor Gama”, dirigida por Jeferson, de que estreia hoje. E seus escritos ganham uma primeira edição de “Obras completas”, com nada menos do que 600 textos até então desconhecidos (80% do total). Descobertos pelo próprio Lima em veículos como o jornal Democracia, os inéditos revelam perspectivas novas sobre Gama.

—A História oficial cuspiu em Gama, mas os movimentos populares guardaram sua memória, principalmente as lideranças mais velhas nas comunidades negras de Salvador —diz Lima, responsável pela organização e pelas mais de 7 mil notas da publicação das obras completas. —É uma gratidão que passou de pai para filho. Já vi muita gente que não leu uma página sequer de Gama e ainda assim sabe que ele deixou um modelo de resistência a ser seguido.

A amplitude do pensamento de Gama ficou mais evidente nos últimos anos, graças ao garimpo de pesquisadores dedicados. Umas das grandes responsáveis por sua ressurgência, Ligia Fonseca Ferreira, professora da Unifesp, revelou a verve literária do abolicionista, idealizando livros como “Com a palavra, Luiz Gama: poemas, artigos, cartas, máximas” (2011). Já as cinco mil páginas das “Obras completas” (Hedra) organizadas por Lima serão publicadas em dez volumes até julho de 2022, mas não em ordem cronológica. Os primeiros a chegar foram o 4 (“Democracia”) e o 8 (“Liberdade”), ambas no mês passado.

Pesquisando em arquivos públicos durante nove anos, Lima descobriu textos que, garante, podem mudar as interpretações sobre Gama. Um documento original, redigido de próprio punho, dá a entender que o abolicionista seria responsável pela criação de uma biblioteca comunitária com 5 mil títulos — feito até então atribuído exclusivamente à loja maçônica da qual ele fazia parte. Além disso, manifestos no jornal Democracia, assinados sob o pseudônimo Afro, revelam o teórico comprometido com um projeto de escola laica e pública.


—Isso significa que ele tinha uma obra sobre o tema pelo menos 30 anos antes dos primeiros debates sobre educação popular — diz Lima. — Outros textos inéditos mostram que Gama finalizou sua luta política sem fazer qual- quer concessão a liberais e conservadores, até mesmo republicanos. Segundo ele, nenhuma dessas três forças políticas representaria o abolicionismo de verdade. Acredito que isso explica porque Gama foi apagado após sua morte.

Alfabetizado ainda como escravo, Gama conquistou sua própria liberdade. Atuou voluntariamente em processos de alforria, mas também teve clientes ricos, tornando-se um dos três advogados mais bem pagos de São Paulo. Este itinerário excepcional é contado por Jeferson De em “Doutor Gama”. Três atores vivem o abolicionista em diferentes fases: Pedro Guilherme (infância), Angelo Fernandes (adolescência) e Cesar Mello (maturidade). Sem deixar de lado o aspecto romanesco de sua vida, o cineasta queria que o longa servisse como uma janela para a obra do autor e mostrasse suas ideias. Uma das liberdades tomadas pelo roteiro foi juntar diferentes processos protagonizados por Gama em um só. Para Jeferson de lançar o longa no momento em que a sociedade ainda repercute o assassinato de George Floyd e a chacina do Jacarezinho tem um significado especial.

— Quando trabalhamos o roteiro, em muitos momentos parecia que íamos rodar um filme sobre 2021, e não sobre o século XIX — diz o cineasta, que em 2019 dirigiu a minissérie de ficção “A revolta dos Malês”, baseada no levante de escravizados em Salvador. —As pautas de Gama são contemporâneas e mostram que nossas lutas vêm de longe.

Para manter o máximo de fidelidade aos fatos históricos, a produção recorreu aos conhecimentos de Ligia Fonseca Ferreira, que atuou como consultora. A professora lançou em 2020 o livro “Lições de resistência”, que reúne artigos jornalísticos de Gama.

—As homenagens são justas e importantes, mas o legado de Luiz Gama é sua escrita diz Ferreira. —Através da sua faceta de jornalista, ele era ouvido como um influenciador. É importante resgatá-lo não só como um precursor do abolicionismo, mas também como uma encarnação da prática completa da luta antirracista.

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Ciclo – Ensinar e aprender Relações Internacionais - livros da Editora Contexto, palestras de especialistas

O “Ciclo – Ensinar e aprender Relações Internacionais” marca de forma definitiva a entrada da Contexto na área das Relações Internacionais. Traremos os professores e autores especialistas para conversar sobre questões atuais desse campo de estudo e também falar da contribuição dada pelo lançamento dos livros da Coleção Relações Internacionais.

 

Durante as lives, além do riquíssimo conteúdo, teremos emissão de certificado por participação, inscrição para sorteio de livros e cupons de desconto para a Coleção.


Serão quatro encontros mediados por Antônio Carlos Lessa, professor titular da UnB e organizador da Coleção. As conversas ocorrerão sempre às 19hs, conforme o calendário:

19/08 – Ciclo Ensinar e aprender Relações Internacionais 
Com: Niels Soendergaard, Feliciano de Sá Guimarães, Haroldo Ramanzini Júnior e Rogério de Souza Farias

26/08 – Porque ensinar e aprender Economia Política Global
Com: Niels Soendergaard

02/09 – Porque ensinar e aprender Teoria Das Relações Internacionais 
Com: Feliciano de Sá Guimarães

09/09 – Porque ensinar e aprender Análise De Política Externa

Com: Haroldo Ramanzini Júnior e Rogério de Souza Farias

As Lives serão transmitidas no Youtube e na página do Facebook
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