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domingo, 11 de fevereiro de 2024

Livro: Uma breve história da igualdade", de Thomas Piketty - resenha de Pedro H.G. Ferreira de Souza

 Creio que o autor começa se enganando de objeto e tropeça no titulo. Uma “história” da igualdade não pode ser breve, e não Uma breve história da igualdade", de Thomas Piketty ( resenha de Pedro H.G. Ferreira de Souza, é propriamente um assunto econômico, e sim social. O que mereceria uma análise séria, e realmente enriquecedora das reflexões econômicas, seria um livro com este titulo:

“Uma longa e complicada história das desigualdades sociais”

Paulo Roberto de Almeida 


Dica de leitura : Uma breve história da igualdade, de Thomas Piketty ( resenha de Pedro H.G. Ferreira de Souza, da FGV) 

Desigualdades

A volta do socialismo utópico

Livro oferece panorama acessível do pensamento atual de Piketty, embora conteúdo continue grandiloquente

Pedro H. G. Ferreira de Souza


Thomas Piketty

Uma breve história da igualdade

Tradução de Maria de Fátima Oliva do Coutto

Intrínseca • 304 pp • R$ 69,90 / R$ 46,90


É impossível superestimar a influência de Thomas Piketty sobre os estudos recentes acerca da desigualdade. Até o fim dos anos 90, a abordagem predominante se concentrava nos diferenciais salariais associados ao capital humano dos trabalhadores, interpretando-se as mudanças na desigualdade como resultado da interação entre oferta e demanda por trabalho qualificado — a chamada “corrida entre educação e tecnologia”.

Uma breve história da igualdade oferece um panorama acessível do pensamento do intelectual público Thomas Piketty

Esse debate não morreu, mas perdeu espaço desde que Piketty e seus colaboradores recuperaram o uso de dados tributários e recolocaram os ricos na conversa, propondo explicações históricas e institucionais para a concentração de renda e propriedade no topo da distribuição. O quiproquó transbordou da academia há cerca de uma década, com a publicação do ótimo (e, convenhamos, pretensioso) O capital no século 21, que virou sucesso editorial global com sua mistura de história, economia, referências literárias e previsões apocalípticas.

De lá para cá, Piketty abraçou o papel de intelectual público como um bom francês, inclusive ecoando Sartre, Beauvoir e Camus na recusa à condecoração da Legião de Honra. Sem esmorecer na esfera acadêmica, o economista tornou-se ainda mais ativo no Partido Socialista francês, participou da adaptação do seu best-seller para o cinema e, em 2019, voltou às livrarias com Capital e ideologia, um calhamaço ainda mais longo e ambicioso do que o anterior. No livro, Piketty abandonou sua tentativa anterior de formular “leis fundamentais do capitalismo” para mergulhar numa análise histórica que reduzia a desigualdade inteiramente à política e à ideologia — “Marx invertido”, como escreveu Paul Krugman em sua resenha no New York Times. Crítica e público não se convenceram, e a recepção ao livro foi tépida. Na prática, sua maior repercussão foi obrigar todos os resenhistas a fazer troça com a verborragia do autor.

Não à toa, é o próprio Piketty quem apresenta seu último livro, Uma breve história da igualdade, como uma espécie de resumo atualizado das suas obras anteriores, condensando em cerca de trezentas páginas o que chama de uma nova perspectiva histórica baseada na marcha rumo à igualdade. Hipérbole à parte — e Alexis de Tocqueville certamente teria algo a dizer sobre a originalidade do argumento —, o novo livro oferece um panorama acessível do pensamento atual do autor, embora o conteúdo continue mais grandiloquente do que nunca. Como o intelectual público Piketty é hoje muito mais “tudólogo” do que economista, e seu ativismo político é explícito, é muito provável que as reações ao livro simplesmente espelhem as preferências ideológicas prévias dos leitores.

A grande redistribuição

No Uma breve história, a perspectiva histórica é frouxamente amarrada nos primeiros seis capítulos, que recontam a ascensão da modernidade a partir da evolução de diversos tipos de desigualdade. Piketty reitera o progresso generalizado na redução das desigualdades desde o século 18, passa pela desconcentração da propriedade que deu origem à “classe média patrimonial”, discorre sobre colonialismo e escravidão, examina o declínio da aristocracia e, finalmente, chega à “grande redistribuição”, isto é, a redução significativa das desigualdades materiais em boa parte do mundo entre 1914 e 1980.

Os melhores trechos tratam dos temas mais próximos à pesquisa do próprio autor, principalmente no que diz respeito à evolução da desigualdade de patrimônio e renda nos países desenvolvidos, como nos capítulos 1, 2 e 6. A invenção do estado de bem-estar social e o potencial redistributivo da tributação progressiva são pontos altos, e a transição sueca de uma sociedade incrivelmente desigual para o expoente do igualitarismo é contada de forma sucinta, mas merece ser conhecida.

Em vez do que se observa em trabalhos anteriores, Piketty também mostra muito mais sensibilidade à importância de lutas e conflitos sociais como motores de mudanças, chamando a atenção para a não linearidade dos processos e para momentos críticos provocados por grandes crises políticas. Ao mesmo tempo, é persuasivo ao argumentar que nada disso basta sem a construção sólida de instituições inclusivas, cujo funcionamento e resultados nem sempre são previsíveis.

Piketty é hoje muito mais ‘tudólogo’ do que economista e seu ativismo político é explícito

No fundo, quase todos os capítulos apresentam alguma informação ou análise instigante. O problema é que o livro não se detém por tempo suficiente nas partes mais legais, mudando selvagemente de assunto a cada poucas páginas. O efeito é cansativo, e alguns capítulos dão a sensação de serem narrados pelo falecido Ernani Pires Ferreira, lendário locutor de turfe carioca que entrou para o Guinness nos anos 80 por conseguir falar mais de trezentas palavras por minuto.

O espaço alocado a cada tema também não segue critérios muito intuitivos. Por exemplo, a guerra civil e a abolição da escravidão nos Estados Unidos merecem menos espaço do que uma discussão surreal sobre a conveniência ou não de incluir perguntas sobre etnia, cor e/ou raça em censos demográficos, o que, de quebra, trai o francocentrismo do autor. Por sinal, os argumentos sobre ações afirmativas ignoram completamente a bem-sucedida experiência brasileira e, com efeito, parecem estar quinze ou vinte anos atrasados em relação ao nosso debate público.

Em outros trechos, Piketty faz leituras altamente seletivas da bibliografia, apresentando as conclusões que mais o agradam como se fossem consensuais, o que definitivamente não é o caso. A discussão sobre a Revolução Industrial nem sequer menciona a palavra “produtividade”, e a “grande divergência” entre a Europa e o resto do mundo é quase inteiramente reduzida à opressão e à dominação. É uma opção conveniente para a tese do livro, mas ao apresentar a discussão de forma tão unilateral o autor acaba alienando até leitores simpáticos. Uma breve história da igualdade fica mais perto da pregação aos convertidos do que da persuasão dos indecisos.

Da política à ficção

A tendência persiste nos últimos capítulos do livro, quando o francês sai do passado para especular sobre o futuro. Depois de defender a existência de uma propensão secular para a igualdade e de celebrar as transformações promovidas pelo estado de bem-estar social e pela tributação progressiva, o autor se coloca a pergunta central: o que fazer para voltarmos a progredir?

O livro é pródigo em propostas que, se implementadas, fariam os países nórdicos parecerem o cúmulo do neoliberalismo. Afinal, Piketty não tem, felizmente, nenhum interesse em apenas ressuscitar a Europa do pós-guerra. O que ele oferece é um longo cardápio de reformas institucionais para revigorar a marcha rumo à igualdade nos levando a um socialismo com muitos adjetivos — democrático, federativo, participativo, autogestionário, ecológico, multicultural etc.

No plano doméstico, o autor diagnostica a concentração de propriedade como grande problema e sugere contornos gerais para um conjunto de políticas difíceis de implementar até em videogame. Para ele, seria vital combinar programas generosos de renda mínima com programas de herança mínima — ele sugere que cada cidadão europeu poderia receber 120 mil euros ao completar 25 anos — e políticas de emprego garantido em atividades de interesse público com salários modestos mas decentes.

O autor é relutante em nomear quem levantaria a bandeira desse socialismo democrático

Esses programas não substituiriam as políticas sociais já existentes, pelo contrário: seriam acrescentados a uma concepção maximalista de benefícios e serviços públicos, inclusive com legislação para limitar o poder decisório de acionistas e garantir a representação paritária dos empregados na direção das grandes empresas. O financiamento se daria por um sistema unificado e progressivo de tributação de renda, patrimônio, emissões de carbono e contribuições sociais, que, nos cálculos do autor, corresponderia a 50% da renda nacional. O objetivo das propostas é reduzir gradualmente o setor privado da economia, que em última instância seria limitado a poucas atividades, como moradia e pequenas empresas.

Evidentemente, trata-se de um programa inviável no arranjo atual da economia global, e Piketty deixa clara sua oposição à livre circulação de bens e capitais. Consequentemente, ele parte para revolucionar também o plano internacional, propondo mecanismos de governança global que nos levem a um federalismo democrático com objetivos sociais em nível planetário.

Se você desconfia de quem tem solução para tudo, Uma breve história da igualdade não é para você. De fato, uma olhadela no mundo atual desperta a suspeita de que o autor saiu da política para entrar na ficção — e, se é esse o caso, por que não pularmos logo para o mundo pós-escassez de Star Trek, que pelo menos tem alienígenas e naves espaciais? Ao mesmo tempo, o esforço de Piketty é justamente para ir na contramão desse sarcasmo fácil e acomodado. É bonito ver alguém de primeiro escalão dando a cara a tapa com propostas à esquerda que vão além tanto do apego ao estado de bem-estar social perdido quanto do incrementalismo tecnocrático. O saudoso Anthony Atkinson já havia dado passo semelhante e até mais bem-sucedido em Desigualdade: O que pode ser feito?, mas é muito bom que seu discípulo mantenha esse foco.

Palavras mágicas

O que incomoda em Uma breve história da igualdade é que as prescrições políticas são tecnocráticas demais para serem inspiradoras e idealistas demais para influenciarem políticas públicas. Mais uma vez, Piketty descarta com facilidade excessiva as muitas objeções possíveis e ignora a longa lista de fracassos do alto modernismo, como se ele só precisasse enunciar com clareza seu programa para dissolver a falsa consciência dos opositores. Os muitos adjetivos do seu socialismo são brandidos como se tivessem poderes mágicos, dando a impressão de que basta dizer que alguma coisa é democrática para que isso se torne realidade. Evidentemente, não se trata de ingenuidade do autor, que inclusive vaticina contra isso em outros trechos do livro, mas é uma opção infeliz — nesse sentido, o velho Marx foi muito mais esperto em deixar os contornos das futuras sociedades comunistas tão vagos quanto previsões astrológicas.

No caso de Piketty, o cerne do problema está numa lacuna comum em muitos livros reformistas, mas surpreendente num título que repetidamente paga pedágio à centralidade dos conflitos sociais: Uma breve história da igualdade é inaceitavelmente relutante em nomear quem seriam os grupos ou forças sociais que levantariam a bandeira desse socialismo democrático. O livro se abstém de apontar sua própria base social, talvez porque ela não seja capaz nem de encher o Stade de France. Como diriam os anglófonos, não é possível ter o bolo e comê-lo: para um autor que reconhece a complexidade das clivagens sociais, com seu emaranhado de interesses, Piketty acaba por tratar o eleitorado de maneira amorfa, passível de ser persuadido só por belas palavras.

Infelizmente, nada indica que isso seja possível. É difícil crer que haja uma demanda pelo socialismo reprimida e prestes a explodir. Como diz o economista Branko Milanovic, a despeito de todo o discurso sobre a crise do capitalismo, a lógica de mercado penetra cada vez mais áreas da vida pública e privada. Sem a disciplina imposta pela necessidade de levar em conta os interesses de alguma base social, não é surpreendente que as propostas do livro se descolem da realidade para adquirir caráter firmemente fantasioso. Isso fica ainda mais evidente no plano internacional, em que o socialismo utópico de Piketty parece tão provável quanto a letra de “Imagine”.

No fundo, é uma pena. O projeto político do economista francês é mais uma manifestação do projeto sisífico do iluminismo de tornar a vida social transparente para si mesma, submetida à deliberação coletiva da humanidade. É uma ambição nobre e difícil de abandonar, mesmo para cínicos como certos resenhistas, que adorariam ver as propostas de Piketty testadas em algum lugar — de preferência em algum país longe do nosso, porque o papel aceita tudo e nós já fomos cobaias de coisas demais.


Cúpula bolsonarista tentou dividir Exército para dar golpe, mas fracassou - MARCELO GODOY (O Estado de S. Paulo)

Cúpula bolsonarista tentou dividir Exército para dar golpe, mas fracassou

MARCELO GODOY 

O Estado de S. Paulo, 08 FEVEREIRO 2024 

A tentativa de desacreditar o Alto Comando do Exército (ACE) era parte fundamental da conspiração nascida dentro do Palácio do Planalto para dividir a corporação, colocar a tropa contra os comandantes que resistiam à ideia, e consumar o golpe de Estado tramado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e ministros militares como expôs a operação realizada pela Polícia Federal.

Após a ação dos policiais nesta quinta-feira, 8, a coluna apurou que generais e coronéis concordaram que houve “traição” e “deslealdade” na atuação da cúpula bolsonarista, formada pelos ex-ministros militares Walter Braga Netto e Augusto Heleno, e do general Estevam Theóphilo, que segundo a PF seria o responsável por operacionalizar o golpe.

Ressaltam, no entanto, que a tentativa de divisão do Exército fracassou e que a instituição não se corrompeu, embora admitam que autoridades importantes foram seduzidas pelo “canto da sereia golpista”.

Dos 16 integrantes do ACE, 11 eram contrários ao golpe e de quatro a cinco, entre eles Theóphilo, tido como o mais bolsonarista dos generais da ativa, eram favoráveis. Dois outros generais que ainda estão na ativa expressaram opiniões favoráveis ao golpe, mas não agiram para que ele se concretizasse.

Sem a adesão do Alto Comando, a conspiração golpista seguiu para o plano B, a “festa da Selma”, como os bolsonaristas chamavam o ato que depois se tornou o 8 de Janeiro: assim como no ocorreu no Sri Lanka, a ideia passou a ser colocar a população na rua, mais especificamente em frente aos quartéis, para incitar uma rebelião nas fileiras do Exército e fazer com que a tropa passasse por cima dos generais.

Uma das frentes dessa estratégia era desacreditar os comandantes os acusando, por meio do gabinete do ódio nas redes sociais de serem “melancias”, verdes e patriotas por fora, mas vermelhos e comunistas por dentro. A investigação da Polícia Federal expôs o bastidor deste processo de fritura ao encontrar mensagens nas quais Braga Netto relata que o então comandante do Exército, Freire Gomes, estava omisso e indeciso sobre o golpe

“Então vamos continuar na pressão e se isso se confirmar vamos oferecer a cabeça dele aos leões”, respondeu o capitão reformado Ailton Barros, que depois foi preso na investigação sobre as fraudes nos cartões de vacina. “Oferece a cabeça dele. Cagão”, determinou Braga Netto em seguida.

Também não passou despercebida a pressão sobre as famílias dos militares. Em dezembro do ano passado, o brigadeiro Carlos Almeida Baptista Júnior, então comandante da  Marinha, procurou interlocutores para dizer que não iria trair os valores militares.

Nas conversas, ele fazia coro ao cientista político Samuel Huntington no livro O Soldado e o Estado: “Sobre os soldados, defensores da ordem, recai uma pesada responsabilidade. Se abjurarem o espírito militar, destroem primeiro a si mesmo e, depois, a Nação”, diz a conclusão da obra.

A coluna apurou que foi Baptista Júnior o responsável por vazar a informação que os comandantes das Forças Armadas pretendiam entregar os cargos antes do fim do governo Bolsonaro para não se submeterem, ainda que brevemente, ao governo Lula. O vazamento acabou frustrando a iniciativa.

“Senta o pau no Batista Júnior. Povo sofrendo, arbitrariedades sendo feitas e ele fechado nas mordomias, negociando favores. Traidor da pátria. Daí para frente. Inferniza a vida dele e da família”, escreveu Braga Netto em uma mensagem obtida pela Polícia Federal.

O descrédito do Alto Comando permitiria o passo seguinte: a quebra de hierarquia tão cara aos militares para consumar o golpe. Então chefe do Comando de Operações Terrestres, o terceiro escalão da corporação, o general Theóphilo passou por cima do comandante do Exército e do ministro da Defesa ao se reunir diretamente com Jair Bolsonaro.

De acordo com a investigação, ele prometeu ao presidente mobilizar seus comandados, conhecidos como “kids pretos”, para prender o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira integra uma das famílias mais tradicionais do Exército brasileiro, responsável por produzir quatro generais. Entre eles, César Cals, governador do Ceará durante a ditadura, no início dos anos 70, e depois ministro de Minas e Energia no governo de João Figueiredo.

Já Guilherme Teóphilo, irmão de Estevam, chefiou o Comando Militar da Amazônia, se candidatou ao governo do Ceará pelo PSDB em 2018 e depois atuou como secretário nacional de Segurança Pública no governo Bolsonaro.

Estevam Theóphilo foi responsável por causar rusgas entre o governo Lula e o Exército mesmo após o 8 de Janeiro. Após ouvir de Mauro Cid que ele temia ser preso nas primeiras semanas de 2023, o general disse que conversaria com o então comandante do Exército, Júlio César de Arruda. O comandante insistiu em manter Cid na chefia de um batalhão de Operações Especiais após os atos golpistas, o que foi a gota d’água para Lula demiti-lo.

Theóphilo também foi um dos defensores da venda de 450 viaturas do blindado Guarani para a Ucrânia utilizar na guerra contra a Rússia. A negociação opôs o poder civil, por meio do Itamaraty, que defendia a neutralidade no conflito, e os militares, já que o Exército ficaria com parte do valor da venda. Ao fim, a operação foi vetada.

Também no início do ano passado, o Coter, então comandado pelo general Theóphilo, promoveu o 1.º Seminário Internacional de Doutrina Militar Terrestre do Exército Brasileiro para o qual foram convidados EUA, Alemanha, Reino Unido, França, além de outros países da Otan, dos Brics e do Mercosul. Duas ausências, entretanto, eram notáveis: a Rússia e a China.

Novamente, a diplomacia militar se aproximava do polo liderado pelos EUA, na contramão da neutralidade pregada pelo Itamaraty e pelo assessor especial da Presidência, o ex-chanceler Celso Amorim, que se queixou diretamente com Lula sobre a atuação dos militares na política externa.


Blog Diplomatizzando: O sentido do trabalho de resistência intelectual - Paulo Roberto de Almeida

 O sentido do trabalho de resistência intelectual 

Paulo Roberto de Almeida

Nota no blog Diplomatizzando sobre a essência de meu trabalho solitário.

   

A resistência puramente “literária”, conduzida solitariamente no âmbito de uma reclusão reflexiva, no isolamento de um limbo, ou no contexto de uma longa travessia do deserto, pode ser a menos eficiente de todas: ela não pertence a nenhum movimento, não está ligada a nenhum partido, não tem vínculos organizacionais nem pretende ter seguidores próprios.

Ela se sustenta em si mesma, na convicção de defender uma causa legítima, a preservação das liberdades, a necessidade de pensar com sua própria cabeça, a vontade de não fazer parte de nenhum rebanho, a certeza de que não se pode jamais renunciar à reflexão independente, ao espírito crítico, à contestação eventual das idées reçues, das verdades estabelecidas.

Isolada no seu canto, ela pode ter de se instalar numa pequena fortaleza feita de cadernos e livros, de se refugiar num humilde e obscuro quilombo de resistência intelectual, tendo como “armas” unicamente a palavra e a escrita, raramente um megafone, simplesmente pequenas mensagens, em garrafas, lançadas em um mar desconhecido.

Dificilmente, essas “pílulas” de resistência obstinada alcançam repercussão. Elas se perdem, na voragem do entusiasmo pelos novos tempos, na promessa dos lendemains qui chantent, nas mentiras confortáveis que satisfazem os ingênuos e os espíritos incautos.

Mas é preciso persistir, por um simples dever de consciência, individual e, no mais das vezes, solitária, cidadã se for o caso. Não importa: o que se faz não tem intenção de criar nenhum movimento, de mobilizar nenhuma força organizada, apenas tem a pretensão de alertar os demais membros da comunidade, a partir do conhecimento do passado, de uma atenta observação do presente e de alguma percepção quanto ao que pode vir pela frente.

Tive essa percepção, precocemente, em 2003, adquiri plena certeza em 2004, e vi confirmados meus piores temores nos dois anos seguintes. Mas aí já era tarde: eu já estava no limbo. E permaneci na minha longa travessia do deserto pelos dez anos seguintes, só cercado de meus livros e cadernos, refugiado em meu quilombo de resistência intelectual, de onde eu eventualmente lançava uma garrafa ao mar.

Não foi suficiente: o problema cresceu, o câncer da inépcia e da corrupção se agigantou, e terminou por engolfar o país na Grande Destruição, a maior de toda a nossa história.

Tive novamente a mesma percepção em meados de 2018, antes mesmo que a possibilidade se confirmasse. Imaginei que o desastre pudesse ser contido em algum momento, pelo temor de um novo desastre, por alertas que pudessem ser feitos em apelo à consciência cidadã – abafada, porém, pela ignorância eleitoral –, pela ilusão de que, uma vez consumada a escolha, as necessidades práticas da administração corrigissem as piores perspectivas de gestão.

Não foi suficiente: adquiri a certeza de estávamos embarcando numa viagem para o desconhecido logo nos dois primeiros dias da nova aventura, e obtive todas as confirmações nas semanas seguintes. A partir de 2019, as etapas e sinais construtores da nova caminhada ao precipício foram se acumulando.

Fui levado novamente ao ostracismo, ao que eu chamo de limbo de resistência intelectual, e iniciei nova jornada de uma penosa viagem pelo deserto de minha solidão, cujo percurso e duração são ainda indeterminados. Não importa, eu me disse: persistirei, como da outra vez, embora não deseje um novo desastre para a comunidade. Foram quatro longos anos de desvarios, de bizarrices e de loucuras. 

No final de 2022, tive a percepção de que havia a possibilidade real de um novo mergulho no desconhecido, tantas foram as paixões desatadas. 

De novo senti a necessidade de lançar novas garrafas ao mar. Assim o fiz...

O desastre poderia ter sido maior, dadas as revelações feitas recém em 2024, por externalidades que nada têm a ver com as inconsistências da dinâmica interna, própria à inépcia e à corrupção embutidas no pacote adquirido lá atrás.

Só fomos salvos porque os conspiradores eram incompetentes, burros demais para implementarem um golpe com todos os requisitos de um golpe efetivo. E isto apenas porque os militares não toparam entrar numa nova aventura. Não porque fossem democratas, apenas porque a situação lhes era confortável para embarcar num novo itinerário que lhes trouxesse tantos desastres quanto a ditadura do regime militar de 1964 a 1984. Não foram conscientes e democratas, pois se o fossem teriam denunciado os golpistas. Apenas ficaram calados e parados.

Tenho confiança de que expresso o que efetivamente ocorreu no Brasil nos últimos cinco anos: nossa democracia ainda é frágil.

Persistirei no meu quilombo de resistência intelectual, este meu blog.

Como disse, não tenho movimento, nem partido, nem seguidores. Apenas minha liberdade, minha consciência, minha pluma, de vez em quando a palavra, quase inaudível.

Não importa!

Persistirei...

 

Brasília, 11 de fevereiro de 2024


sábado, 10 de fevereiro de 2024

Onde o golpe começou a dar errado - Celso Rocha de Barros (FSP)

 Onde o golpe começou a dar errado:

Bolsonaristas organizaram levante contra chefe do Exército

General Freire Gomes teria se recusado a participar de golpe com Bolsonaro

Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo, 10/02/2024

Com a operação da Polícia Federal na última quinta-feira (8), começamos a entender as disputas ocorridas dentro das Forças Armadas durante a ofensiva golpista de Jair Bolsonaro.

O golpismo se torna mais aberto quando morre a desculpa das urnas eletrônicas. A PF tem prints de conversa de Mauro Cid, ajudante-de-ordem de Bolsonaro, em que ele admite que nada de consistente foi encontrado pelas auditorias nas urnas eletrônicas.

Seu interlocutor, o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, conclui que, nesse caso, será necessária uma quebra institucional. Se a preocupação com as urnas fosse legítima, a conclusão seria o exato contrário. Ferreira Lima encerra a conversa dizendo: "O povo está onde ele pediu. Ele prometeu, Cid".

O “ele" que prometeu era Bolsonaro. E o ex-presidente tentou, sim, cumprir sua promessa golpista.

Segundo Cid, o ex-presidente levou uma minuta de golpe aos três chefes militares. A minuta foi redigida por Filipe Martins, assessor de Bolsonaro e moleque burro do Olavo que foi em cana na quinta-feira.

Bolsonaro, sempre segundo Cid, apresentou a minuta aos chefes das três Forças: O almirante Almir Garnier, da Marinha, teria apoiado o golpe (tornando-se, nesse caso, desertor). Os chefes do Exército (general Freire Gomes) e da Aeronáutica (brigadeiro Baptista Jr.) teriam recusado.

Essa versão é consistente com as evidências. A Polícia Federal já tem prints do general Walter Braga Netto, candidato a vice na chapa de Bolsonaro, ordenando uma campanha de ódio contra Freire Gomes e Baptista Júnior, bem como uma campanha de exaltação de Garnier.


Braga Netto chama Freire Gomes de "cagão" e dá a ordem: "Elogia o Garnier e fode o BJ".

Os militares bolsonaristas organizaram um levante contra o chefe do Exército. Publicaram um documento, "Carta ao comandante do Exército de oficiais superiores da ativa do Exército Brasileiro" (pág. 31), que é: (a) um raríssimo manifesto político de oficiais da ativa, (b) uma exortação ao golpe e (c) uma ameaça a Freire Gomes e aos oficiais legalistas.

O texto não está incluído na decisão de Alexandre de Moraes, mas é possível achá-lo no site "Defesa.net". Após ataques ao STF e à mídia, consta, em negrito: "Covardia, injustiça e fraqueza são os atributos mais abominados para um Soldado".

No site Defesa.net há a informação de que "ao publicarmos essa carta, havia 1.093 assinaturas no documento". Pode ser mentira, obviamente. Os golpistas tinham todo o interesse em inflar os números. Mas todos nós gostaríamos de ver essa lista de assinaturas.

A carta foi lida pelo bolsonarista Paulo Figueiredo na Rádio Jovem Pan (onde mais?) em 29 de dezembro de 2022. Figueiredo também "denunciou" na Jovem Pan (onde mais?) nomes de generais que resistiam ao golpe. A PF tem prints que mostram que os golpistas já sabiam, antes da transmissão, que militares seriam "denunciados" por Figueiredo.


Ainda há muito a descobrir, e no fim o golpe deu errado.

Mesmo assim, é triste que o reflexo dos militare s brasileiros diante de um golpista ainda não seja abrir fogo. Todo militar golpista é um desertor que planeja roubar as armas da República para entregá-las a sua facção política em troca de boquinha. Esse foi o sonho da vida de Jair Bolsonaro. É triste que ele tenha inspirado mais militares brasileiros a buscá-lo.”

Celso Rocha de Barros

Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e autor de "PT, uma História".

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/celso-rocha-de-barros/2024/02/bolsonaristas-organizaram-levante-contra-chefe-do-exercito.shtml?utm_source=sharenativo&utm_medium=social&utm_campaign=sharenativo 

Fechamento da era golpista no Itamaraty? - Paulo Roberto de Almeida

Fechamento da era golpista no Itamaraty?

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre a era bolsolavista no Itamaraty

 

Perguntar não ofende: o patético ex-chanceler acidental Ernesto Araujo já expediu uma nota de solidariedade a seu ex-chefe, hoje preso, Filipe Martins, ex-assessor internacional do golpista Bozo? 

O Robespirralho antiglobalista mandava e desmandava num Itamaraty acuado e submisso. Ernestinho fazia tudo o que o também chamado de Sorocabannon lhe ditava, inclusive soltar notas redigidas num português deplorável, que ofendiam não só valores e princípios tradicionalmente defendidos pela diplomacia profissional do Itamaraty, como também normas elementares do Direito Internacional. 

O período marcado pela dominação direta da política externa brasileira pela dupla de ignorantes em política internacional Filipe Martins e Eduardo Bolsonaro, o Bananinha 02, foi um dos mais tenebrosos na história do Itamaraty, fase lamentável da Casa de Rio Branco, cuja crônica eu tracei de modo sistemático numa série de cinco livros digitais, um último impresso, começando por Miséria da Diplomacia (2019) e por O Itamaraty num Labirinto de Sombras (2020), passando por O Itamaraty Sequestrado (2021) e culminando por Apogeu e Demolição da Política Externa (Appris, 2021). 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4579, 10 fevereiro 2024, 1 p.


sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (1) - Paulo Roberto de Almeida (Crusoé)

Recém publicado na Crusoé: 

 1546. “Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (1)”, revista Crusoé (n. 301, 9/02/2024, link: https://crusoe.com.br/edicoes/301/por-que-o-brasil-ainda-nao-e-um-pais-desenvolvido/). Relação de Originais n. 4509.


Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (1)

 

Paulo Roberto de Almeida

 

Nove décimos da História foram feitos de muitos sofrimentos para a maioria da humanidade. Desnutrição, inanição, morte precoce, pela fragilidade alimentar, pela intervenção de fatores naturais ou daqueles criados pelas mãos dos homens: invasões, guerras, dominação, escravidão, quando não matanças e apropriação das riquezas de outras tribos. Durante milhares de anos, a escravidão foi um fato corriqueiro na vida dos povos, seja como escravocratas, seja como objetos da servidão forçada, pela dominação, pelas dívidas, pela submissão sob qualquer pretexto. Sobrevieram melhorias na agricultura, a revolução tecnológica mais importante na trajetória das sociedades humanas, antes da segunda, milhares de anos depois: a revolução industrial, no século 18. O crescimento agrícola e a domesticação de espécies vegetais e animais representaram a superação da insegurança alimentar, que sempre pairou sobre todos. 

Historiadores retraçaram o destino das sociedades humanas e a transmissão das novas técnicas e variedades vegetais e animais ao longo do espaço euroasiático do hemisfério setentrional, liberto das barreiras que se interporiam a essa disseminação no eixo Norte-Sul, na faixa tropical. Tais barreiras estão na origem das divergências entre o norte temperado e as latitudes tropicais, uma das razões do lento desenvolvimento, ou da preservação do atraso, no hemisfério meridional (exceto Austrália e Nova Zelândia, situadas na zona temperada, e que se beneficiaram da colonização britânica).

Dez mil de anos se passaram entre a primeira, a agrícola, e a segunda revolução econômica da espécie humana, a industrial. A do século 18, na Europa ocidental, foi a primeira de um ciclo cada vez mais rápido de mudanças nos padrões industriais, criando a grande divergência entre as nações mais ricas e as outras, que permaneceram pobres. No intervalo, a humanidade conheceu progressos econômicos muito lentos, com avanços tecnológicos sendo neutralizados pela armadilha malthusiana, a geométrica expansão das populações exercendo uma pressão constante sobre o aumento aritmético da oferta alimentar. 

(...)

Se pudéssemos resumir as diferenças fundamentais entre as sociedades ibéricas e as sociedades anglo-saxãs, elas seriam estas: tudo o que não fosse expressamente concedido, permitido, alocado, atribuído pelo poder soberano – sob a forma de alvarás régios, mandato ou concessão especial – estava ipso facto proibido à iniciativa privada, devendo portanto aguardar que a atribuição régia ou burocrática se fizesse pelo Estado centralizado; do outro lado, tudo o que não fosse expressamente proibido por alguma legislação emitida legalmente poderia ser objeto da iniciativa individual ou coletiva por parte de particulares, sem a necessidade de um ato concessivo por parte do soberano. As primeiras, obviamente, foram as nações de tradição ibérica, as segundas, as anglo-saxãs. 

A outra diferença é que o povoamento em bases familiares na América do Norte, com famílias camponesas trazendo avanços tecnológicos já adquiridos ex-ante, não tinham correspondência nas colônias de exploração de recursos locais, em bases senhoriais, apoiadas na servidão das populações originais ou na escravatura africana, com reflexos nos modos de organização política e social em cada lado. A colonização anglo-saxã se faz a partir de instituições similares às que existiam nas comunidades de origem, com uma democracia de base simbolizada na eleição local dos xerifes de aldeia e dos juízes de condado, ao passo que no mundo ibero-americano a representação política sempre obedeceu aos ritos do mandonismo dos senhores de terras, secundados por oficiais da metrópole encarregados de um sistema amplamente disseminado de extração de recursos em favor da metrópole colonial. Esta é a base histórica da diferenciação. Veremos a continuidade desse processo no próximo artigo.


Paulo Roberto de Almeida (Brasília, 13 de novembro de 2023)


A seguir.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Brasil teve de pagar por sua independência; como Portugal usou o dinheiro? - Rodrigo Tavares (FSP)

Um professor catedrático convidado numa universidade portuguesa consultou-me sobre a dívida externa do Brasil na interação com Portugal na época da independência; eu disse tudo o que sabia naquele momento, sem consultar meus escritos a esse respeito. PRA

 

PORTUGAL  UNIÃO EUROPEIA



Brasil teve de pagar por sua independência; como Portugal usou o dinheiro?

Rompimento foi oficializado em 1825, mas verdadeira independência só veio décadas depois

Rodrigo Tavares

Folha de S. Paulo, 7.fev.2024 às 17h00

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/rodrigo-tavares/2024/02/brasil-teve-de-pagar-por-sua-independencia-como-portugal-usou-o-dinheiro.shtml

 

Após 1822, Portugal lutou de todas as formas possíveis, durante alguns anos, contra a independência do Brasil. Mas o que fizeram os portugueses quando, por pressão inglesa, finalmente aceitaram a perda da colônia e firmaram o Tratado de Paz, Amizade e Aliança, em 1825? Celebraram com júbilo. Um aviso do governo (versão original disponível aqui) convocou a corte para uma "grande galla", deram-se férias aos tribunais e iluminou-se toda a cidade de Lisboa ("luminarias geraes").

Ata que convocou a corte portuguesa para a 'grande galla' – Reprodução colunas e blogs

 

O Brasil teve de pagar por sua independência. O valor total foi 2 milhões de libras esterlinas, o que incluiu a amortização de um empréstimo de 1,3 milhão de libras contraído por Portugal, em 1823, junto a bancos ingleses da família Rothschild, precisamente para custear a guerra que travou contra o Brasil para anular a sua independência. A dívida era portuguesa, mas o Tesouro brasileiro foi obrigado a assumi-la. Além disso, como constava no tratado, dom João 6°, rei de Portugal, manteve, inusitadamente, o título de imperador do Brasil. Por isso os portugueses celebraram.

Ao nascer, o Brasil foi amamentado com dívidas. Mesmo antes do tratado, contraiu empréstimos, em 1822 e 1824, destinados à "aquisição de vasos de guerra" e ao pagamento de passivos do período colonial, apresentando como garantia as rendas da Província do Rio de Janeiro.

Para construir uma memória do Brasil independente, a narrativa oficial enfatizou o corte político, o grito patriótico do novo líder, o brio de uma nova nação. Porém, o Brasil manteve o cordão umbilical financeiro com Portugal por muitos anos.

Além de assumir a dívida de Portugal com bancos ingleses, a reparação a Portugal envolveu vários outros parâmetros, como uma indenização de 250 mil libras a dom João 6° pela perda das suas propriedades particulares existentes no Brasil; a compensação pelos bens confiscados ou destruídos de outros portugueses que voltaram a Portugal (e para esse efeito foi criada em 1827 uma comissão mista que acolheria as reclamações dos súditos de governo a governo); as despesas com o transporte de tropas durante a guerra de independência; o pagamento de uma frota de navios de guerra que ficaram no Brasil (7 naus, 9 fragatas, 12 corvetas, 16 brigues, 8 escunas, 4 charruas e 5 navios-correios).

Quadro 'Independência ou Morte', de Pedro Américo, no Museu do Ipiranga - Eduardo Knapp/Folhapress

Nesse pacote incluiu-se também os recursos autorizados pelo governo brasileiro para custear a guerra movida por dom Pedro 1° a seu irmão dom Miguel, após ter abdicado em 1831 do trono brasileiro. Incestuosamente, foi o Brasil que teve de pagar para que o seu antigo imperador fosse rei no país contra o qual tinha lutada pela independência.

Quando dom João 6° voltou a Portugal, em 1821, a maior parte da moeda de ouro e de prata existente foi levada no barco, ficando o Tesouro Público "sem real em seus cofres" (expressão do então ministro da Fazenda, Martim Francisco Ribeiro de Andrada). A dívida com Portugal após a independência só agravou ainda mais uma situação que já era espinhosa. Ao todo, foram contraídos 15 empréstimos entre 1824 e 1888, alguns com deságios de 35%, usados tanto para satisfazer os déficits dos ministérios da Fazenda, da Marinha e da Guerra quanto para pagar a dívida lusa. A relação do Tesouro brasileiro com a família Rothschild manteve-se intacta até às primeiras décadas do século 20em 1855, tornaram-se os agentes exclusivos do Estado brasileiro.

O pagamento da dívida total não foi nem imediato nem fácil. Tiveram de ser adotadas três convenções: a "convenção direta e especial" de 1825 (o instrumento de ratificação original está disponível nos arquivos nacionais de Portugal), uma convenção sobre a liquidação final de contas em 1840 (cujo documento de ratificação é visível aqui) e, finalmente, uma "convenção para o ajuste de contas pendentes" em 1842 (consultável aqui).

Em 1828, o Brasil deu o primeiro calote ao pagamento da dívida. Pela convenção de 1825, a dívida teria que ser paga em quatro parcelas. Não aconteceu. As negociações relativas à amortização tornaram-se cada vez mais complexas, estendendo-se pelo menos até 1860, quando "caíram no esquecimento" causado pelo desgaste.

Quatro acadêmicos portugueses e brasileiros consultados pela coluna, especialistas em dívida pública dos dois países no século 19, indicaram que não é claro quanto tempo o Brasil demorou a pagar a dívida original a Portugal (e à família Rothschild). Pela convenção de 1842, teria que ser amortizada até 1853. Porém, como declarou Marcelo de Paiva Abreu, professor-titular na PUC-Rio, "tipicamente o Brasil em meados do século 19 tomava novos empréstimos para saldar os velhos empréstimos quando venciam os prazos iniciais." Torna-se assim difícil determinar quando é que a dívida a Portugal foi quitada.

Além disso, não há evidências de que Portugal tenha adiantado quantias devidas pelo Brasil e, posteriormente, recebido reembolso, como nota Nuno Valério, professor catedrático da Universidade de Lisboa e um dos maiores especialistas em história econômica portuguesa.

Paulo Roberto de Almeida reforça que, para sabermos se o Tesouro brasileiro pagou a indenização a dom João 6° pela perda das suas propriedades no Brasil, teríamos que examinar os relatórios do Ministério da Fazenda e, se existirem, os registros do Tesouro nos anos subsequentes a 1825, "uma tarefa monstruosa e quase impossível de ser feita." Almeida é autor do livro Formação da Diplomacia Econômica do Brasil: as Relações Econômicas Internacionais no Império (Brasília: Funag, 2017).

O mal de uns é o bem de outros. O pagamento da dívida brasileira foi essencial para que Portugal pudesse reorganizar as suas finanças. A primeira metade do século havia sido dramática. As guerras com a França revolucionária e imperial (1793-1795, 1801 e 1807-1814) pilharam o país. A guerra civil entre absolutistas e liberais, que assolou Portugal entre 1832 e 1834, afundou-o ainda mais. Foi àquela altura que houve as primeiras suspensões de pagamentos dos encargos com a sua dívida pública, em 1837 e em 1846. Durante o reinado de dona Maria 2ª (1834-1853), Portugal teve 27 ministros da Fazenda.

É dessas cinzas que ascende em Portugal um dos seus mais importantes políticos daquele século: António Fontes Pereira de Melo (1819-1887). Foi ministro das Obras Públicas e presidente do Conselho de Ministros, uma espécie de primeiro-ministro da altura. Hoje dá o nome a uma das principais avenidas de Lisboa.

Foi ele que encabeçou o "fontismo", um período marcado pelo início de um grande programa de obras públicas sustentado no liberalismo econômico. Para investir em infraestrutura, Portugal teve, primeiro, de sanear as contas públicas, beneficiando-se, para isso, do pagamento ao longo dos anos da dívida brasileira. O pagamento, por parte do Brasil, do empréstimo de 1823 aos credores privados ingleses melhorou a credibilidade de Portugal nos mercados. Conseguiu, assim, reestruturar a sua dívida externa e continuar a financiar-se internacionalmente.

Com isso, construíram-se as primeiras ferrovias (a primeira é de 1856), alargou-se a malha viária (de 200 km existentes em 1850 para 10 mil km em 1890), os portos foram modernizados e toda a costa portuguesa foi robustecida com uma rede de faróis. Construíram-se escolas públicas por todo o país.

Além disso, os telégrafos surgiram em 1850 e o telefone, em 1882. O país apresentou taxas de crescimento relevantes, com um rendimento per capita equivalente a 77% da média europeia. Até que perdeu a mão, ficou demasiado alavancado e entrou em colapso financeiro no final do século. Faltou ainda fazer muita coisa. A sociedade manteve-se sobretudo rural e o analfabetismo rondava os 79% em 1890.

Essa rede de infraestrutura ainda está ativa. Uma das linhas de trem construídas durante o "fontismo", que une Lisboa a Sintra, é ainda hoje usada diariamente por 200 mil passageiros, incluindo milhares de brasileiros.

Uma das escolas construídas por Fontes Pereira de Melo foi o Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, que mais tarde deu origem ao Instituto Superior Técnico (IST) e ao Instituto Superior de Economia e Gestão (Iseg), ambos da Universidade de Lisboa, onde atualmente estudam dezenas de milhares de brasileiros.

Seria um exagero inferir que os brasileiros residentes em Portugal se beneficiam do pagamento pelo Brasil da dívida a Portugal. A história não é assim tão justa e a economia não é circular. Mas é, sim, possível concluir que a dívida brasileira prejudicou a nova nação e promoveu o desenvolvimento econômico da velha. O Brasil só se tornou verdadeiramente independente de Portugal muitas décadas depois da independência no papel.

Esse papel foi o Tratado de Paz, Amizade e Aliança firmado pelos representantes dos dois países em 29 de agosto de 1825. Dom Pedro 1° ratificou-o no dia seguinte, mas o manteve secreto até setembro. Enquanto em Portugal o tratado foi celebrado com júbilo público, no Brasil tentou-se esconder o documento para não causar nenhuma decepção.

Para uma descrição detalhada das negociações financeiras entre Portugal e o Brasil no século 19, recomendo: Teixeira Soares (1972), "O Reconhecimento do Império do Brasil", Revista de Ciência Política, Vol. 6 (3), p. 43-64; e Daniel Valle Ribeiro (1978), "A Mediação Inglesa no Reconhecimento da Independência do Brasil", Estudos Ibero-Americanos IV.

 

 


Alvos da Operação Tempus Veritatis - Daniela Lima (Globo News)

 Que não se percam pelos nomes; eis os alvos da Operação Tempus Veritatis.

(apenas para fins de registro informativo)


Minuta golpista previa prisão de Gilmar, Pacheco e Moraes e novas eleições; Bolsonaro pediu alterações no texto
Por Daniela Lima
Apresentadora do Conexão GloboNews, 08/02/2024 10h08

Informação consta de decisão que embasa operação desta quinta (8), que mira atuação de militares, ex-ministros e ex-assessores de Bolsonaro numa tentativa de golpe de estado para manter o então presidente no Poder mesmo após a derrota nas urnas.

A investigação da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe de Estado para manter Jair Bolsonaro (PL) no poder descobriu uma minuta golpista que previa a prisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, além do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

As informações constam da decisão de Alexandre de Moraes que embasa uma operação deflagrada nesta quinta-feira (8) contra militares e ex-ministros do governo Jair Bolsonaro (PL). O ex-presidente foi obrigado a entregar o passaporte e proibido de falar com investigados.

Segundo as investigações, a minuta de golpe foi entregue a Bolsonaro por Filipe Martins (preso na operação desta quinta-feira) e Amauri Feres (alvo de busca). Bolsonaro pediu que os nomes de Pacheco e Gilmar fossem retirados do documento, mas não o de Moraes, nem do trecho que previa a realização de novas eleições.

Segundo a PF, a agenda de Alexandre de Moraes era inteira detalhada para que o ministro fosse acompanhado em tempo integral e, caso houvesse o golpe militar planejado pelo grupo, ele pudesse ser preso.

Além disso, as investigações descobriram que militares da ativa pressionaram os que eram contrários ao golpe para tentar fazê-los aderir, e que o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, recebeu um pedido de R$ 100 mil para ajudar na organização de atos golpistas.

A PF descobriu ainda que o PL, partido de Bolsonaro, foi usado para financiar narrativas de apoio de ataques às urnas. O ápice dessa estratégia foi a apresentação pela coligação da candidatura à reeleição do então presidente, em dezembro de 2022, questionando o resultado da eleição.

Operação prende ex-assessores e faz buscas contra ex-ministros
Estão entre os alvos buscas na operação desta quinta:

General Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil;
General Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI);
General Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
General Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército;
Almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante-geral da Marinha (veja o que ele disse sobre a operação);
Anderson Torres, delegado da PF e ex-ministro da Justiça;
Valdemar Costa Neto, presidente do PL, partido de Bolsonaro;
Tercio Arnoud Thomaz, ex-assessor de Bolsonaro, conhecido como um dos pilares do chamado “gabinete do ódio”;
Ailton Barros, coronel reformado do Exército.


quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

SÉRIE RELAÇÕES BRASIL-EUROPA 13 - Fundação Konrad Adenauer

 

SÉRIE RELAÇÕES BRASIL-EUROPA 13
 
 

Prezadas Senhoras e prezados Senhores,

O mundo passa por uma profunda transformação na ordem internacional. Seja pela eminência dos desafios globais ou pelo aumento das tensões geopolíticas, vivenciamos um momento chave para o fortalecimentoda cooperação internacional e do multilateralismo. O histórico das relações entre o Brasil e a União Europeia é marcado pelo diálogo em diferentes áreas de cooperação, como no âmbito da ciência e inovação, educação, saúde, trabalho e infraestrutura, cultura, comércio e segurança

 

Na 13ª edição da Série Brasil-Europa, buscamos, em seis capítulos inéditos, nos debruçar sobre importantes cases de cooperação entre o Brasil e a União Europeia, além de destacar o papel das side letters e os impasses da tramitação do Acordo Mercosul-União Europeia.

 

Convidamos a todos a acessarem gratuitamente a publicação digital através do nosso site. Aqueles que tiverem interesse na versão impressa da publicação, pedimos que encaminhe o pedido através do email: Adenauer-brasil@kas.de.

 Acesse aqui!
Acesse aqui!
 

Lista consolidada de trabalhos, 2023 - Paulo Roberto de Almeida (4297 a 4540)

 Lista consolidada de trabalhos, 2023

Paulo Roberto de Almeida

4297 a 4540

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

Total de 243 trabalhos (média de 20 por mês; 1,5 por dia)

Atualizado em 7/02/2024:

 

4297. “Meus melhores votos de sucesso em 2023 vão para...”, São Paulo, 1 janeiro 2023, 3 p. Saudando o terceiro mandato, com diversos alertas e sugestões de políticas. Postado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/01/meus-melhores-votos-de-sucesso-em-2023.html) e novamente em 26/12/2023 (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/12/o-que-eu-tramava-para-lula-ao-inicio-de.html).

4298. “Trabalhos publicados de Paulo Roberto de Almeida, 27 (2022)”, São Paulo, 1/01/2022, 11 p. Lista dos trabalhos publicados em 2022 (55, ou um por semana). Postado no blog Diplomatizzando (1/01/2023; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/01/trabalhos-publicados-em-2022-por-paulo.html).


(...)


4539. “Relação de trabalhos 37, de janeiro a dezembro de 2023”, Brasília, 31 dezembro 2023, 35 p. Fechamento da lista anual, trabalhos de 4297 a 4539 (ou seja, 242 trabalhos, de dimensões diversas, notas, artigos, ensaios e livros, com algumas milhares de páginas no total). Divulgado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/12/relacao-parcial-dos-trabalhos-relativos.html); disponível em Academia.edu (link: https://www.academia.edu/112649808/4539_Relação_de_trabalhos_originais_de_2023).

4540. “Trabalhos publicados de Paulo Roberto de Almeida, 28 (2023)”, Brasília, 31 dezembro 2023, 9 p. Relação dos trabalhos publicados entre janeiro e dezembro de 2023, do n. 1489 ao n. 1539, ou seja, 50 trabalhos, ou cerca de 4 por mês. Divulgada preliminarmente em 31/12/2023, no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/12/lista-parcial-n-28-trabalhos-publicados.html); divulgado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/112688782/4540_Trabalhos_Publicados_n_28_Jan_Dez_2023).

 

2024: 

4541. “Uma reflexão sobre o mundo real e o mundo acadêmico dos nossos tempos”, Brasília, 1 janeiro 2024, 1 p. Nota sobre uma das alienações mais frequentes no espaço acadêmico. Postado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/01/uma-reflexao-sobre-o-mundo-real-e-o.html).

       (...)

 

Lista completa neste link da plataforma Academia.edu: 

https://www.academia.edu/114576535/Lista_consolidada_de_trabalhos_2023_Paulo_Roberto_de_Almeida


terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Daniel Buarque, livro: Brazil's International Status and Recognition as an Emerging Power: inconsistencies and complexities (Palgrave)

Tenho o prazer de apresentar este livro, publicado pela prestigiosa Palgrave MacMillan, do jornalista-acadêmico (ou vice versa) Daniel Buarque, mais um dele sobre o Brasil, este em inglês, resultado de seu doutoramento no King's College de Londres, focando no Brasil como país emergente e candidato a potência média mundial.


O livro tem uma apresentação do conhecido brasilianista da Universidade de Carleton (Canadá), Sean Burges, que transcrevo abaixo, e que faz a pergunta relevante: O que um país como o Brasil precisa fazer para tornar-se um grande poder mundial, com uma cadeira permanente nas mesas relevantes da governança global?

Esta é a pergunta que Daniel Buarque se empenha em responder, e pelo seu prefácio (e numa consulta à bibliografia), percebe-se que ele desenvolveu uma metodologia apropriada, e muniu-se de dados empíricos adequados para ver como o Brasil é percebido no mundo, daí o subtítulo: inconsistências e complexidades.

Transcrevo igualmente seu prefácio ao livro, que condensa uma vasta experiência em temas brasileiros, para o público nacional e estrangeiro.

Daniel Buarque is a post-doctoral researcher at the Instituto de Relações Internacionais of Universidade de São Paulo (IRI/USP—Brazil). He holds a joint Ph.D. in international relations from King’s College London (KCL—UK) in partnership with USP and also holds an M.A. in Brazil in Global Perspective from KCL and a B.A. in Social Communication (Journalism) from Universidade Católica de Pernambuco (Brazil). His research focuses on the study of international status of states from an intersubjective external perspective, working towards a theory of how nations can increase their level of prestige and gain recognition from the established great powers. He has published widely in Third World Quarterly, Carta Internacional, Place Branding and Public Diplomacy, International Journal of Communication, Revista Brasileira de Política Internacional, Brasiliana, Interesse Nacional and more. A journalist with more than 20 years of experience in Brazilian news outlets, has also published six books, including Brazil, um país do presente (2013) and O Brazil é um país sério? (2022).

Reproduzo o sumário do livro aqui abaixo: 







 Apresentação e prefácio: 

Foreword

 

The first two presidencies of Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) were accompanied by an unprecedented surge in Brazil’s international presence. Everywhere you turned there appeared to be a Brazilian delegation putting forward alternate language in treaty negotiations, proposing new models of development cooperation, negotiating new corporate take overs, or working to calm simmering tensions between contending parties. From Haiti through Geneva and Doha to the Democratic Republic of Congo, Brazil was there. As commentators and pundits quipped, Brazil had arrived.

 

Brazil’s global influence also prompted a cottage industry in the academy with scholars seeking to explain Brazil’s rise. The big questions dominating this literature were hardly surprising. What was it about the 2000s that allowed Brazil to assume such influence in the global and regional system? How might we characterize the role Brazil saw for itself in world affairs? Was there something particular about the Brazilian approach to foreign policy that marked a new era? Could we argue that Brazil’s approach to South-South Cooperation required a fundamental rethink of international relations theory with a specific look to thinking from the South? Thousands of pages of high-quality research were published answering these and many other related questions about Brazil in the world. Yet, almost all of this literature side-stepped a critical question: what did the established powers think about Brazil’s rise? Perhaps more importantly, much of this scholarship did not quite explain ‘what went wrong’ and why Brazil faded with the impeachment of Dilma Rousseff in 2016.

 

An obvious, but largely unanswered question has been left lingering: what does a country like Brazil have to do in order to become a major world power with a permanent seat at key global governance decision tables? To date the attempts to answer this question have largely relied on theoretical and analytical frameworks to support inductive hypotheses. Although there have been a few publications by decision-makers in other countries musing on Brazil’s place in the world and some academic papers informed by conversations about Brazil’s rise, deep and systematic research is absent. This is where Daniel Buarque’s book steps in. 

 

Rather than relying on the traditional tropes and inductive techniques, Buarque has undertaken the hard task of developing a methodological framework for collecting the empirical research necessary to answer the question of how Brazil is actually perceived. Moreover, Buarque chose to focus his research on the key gate keepers to lasting power and influence in the international system. After all, it is the Permanent Five in the UN Security Council that ultimately will decide who has power and influence in global affairs, even if such acceptance is grudgingly given.

 

The result in this book is a careful exploration of what key power-broking countries saw Brazil doing well during its boom years in the 2000s and where the country failed. For the specialist in Brazilian foreign policy the wealth of elite interview data and accompanying analysis is of obvious interest. Yet, the lessons from this book extend far beyond the specific case of Brazil to offer deeper insights into how status changes in the international system and what exactly the dominant actors expect to see in a country that would be their equal in practice and not just legal name. Copious reference to elite interviews with experienced diplomatic and government officials from the P5 countries paints a detailed picture of what sort of behaviour is expected from a would-be global power. In itself this betrays much of the underlying preconception and prejudice about what makes a country important and worth listening to, which in turn offers further avenues for understanding why new ideas in the global system may stutter and fragment. It also serves as a diagnostic for how Brazil or any other aspirant to global powerdom might want to shape their behaviour and approach going forward.

 

As this book is being published policy and scholarly circles are devoting a tremendous amount of energy to exploring the question of potential hegemonic transition, shifts in global power structures, and the possible end of the liberal international order. Brazil under newly re-elected Lula clearly wants to be a major player in this process. Whether you are studying the wider macro questions of change in the global system or the specifics of evolution in Brazilian foreign policy, Buarque’s book is of enormous value. Per Giovanni Sartori’s arguments about the ‘ladder of abstraction’, the detailed single case study provided by Buarque here offers us an ideal platform for opening up new questions and formulating new, testable hypotheses about status and change in world order. Moreover, his research methodology points us back to an important lesson sometimes lost in modern political science, namely the need to patiently sit down and speak with the people who populate the institutions mediating power and influence in world order.

 

Sean Burges

Carleton University

July, 2023


 

Preface – Brazil, show your face

 

 

Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto

Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto

É que Narciso acha feio o que não é espelho[1]

 

(But when I first met you face-to-face and didn’t see my own face

I wrote it all off as just more of the city’s bad taste

You know Narcissus likes only what he sees when he looks in the mirror)[2]

 

 

 

In the late 1980’s, as the country turned the corner after more than two decades of an oppressive military dictatorship, one of its most popular singers asked Brazil to introduce itself and explain to its population, and the world, who it was. “Brazil, show your face”, sang Cazuza[3]. For the following three decades, the then established democratic state would work hard to understand and consolidate this identity that it was developing, as well to present itself to the rest of the planet and to try to be recognised as the important global player it had long wanted to be.

 

Trying to know oneself is one of the most pressing questions of humankind, however, and great philosophers have since Ancient Greece thought about and discussed the importance of self-knowledge. Achieving that is a challenge. When we think about the real world, this interrogation might be fundamental to understanding the very identity not only of individuals, but also of entire countries. In international relations, states have a need to know themselves and the type of recognition they get from others in order to understand their place in the world. And that is particularly true for those nations that want to be among the ‘greatest of all’, as Brazil does.

 

For more than a century in its not so long history, Brazil has believed it was destined to greatness and tried to project itself to the rest of the world as an important, modern, developed nation, worth of admiration and respect. Long has it believed it deserved to be seen as it saw itself and tried find out what was the image reflected, what the others in the world thought about it. 

 

Mirrors can help with this search for self-knowledge. They allow one to see oneself on his own as well as to closer perceive what others see. Even the wicked woman of the fairytale would need to use magic to find out how beautiful she really was in comparison to the others in her realm. ‘Mirror, mirror, on the wall, Who in this land is fairest of all?’[4], she would ask to be convinced of her own grace. 

 

This appeal to a reflection is a result of one of the two traditional paths to trying to know oneself. There is the introspective (thinking in first person) and extrospective (thinking in the third person). The first one might appear easier, since it comes from inside, but self-distancing, viewing oneself from an external perspective, can be more conducive to wisdom. It appears to be imperative to learn about oneself from the outside in order to fully develop one’s own identity. 

 

But in international relations there are no magic mirrors. And while it might be possible to develop and introspective understanding about this identity as well as interests and aspirations, seeing a state’s own image from the outside may be even more difficult. 

 

This is the challenge that this book has tried to solve. Even without magic, it applies a systematic research method to go beyond what Brazil believes itself to be and what it tries to project. The study presented here wanted to learn about the other side of the mirror, what is seen of the country and reflected back. What kind of recognition can such a rising state get from others. Not what Brazil wants to be, but what it is perceived as being.

 

The book is the result of over four years working on a PhD at King’s College London (in partnership with Universidade de São Paulo, in Brazil), but it also comes from more than a decade researching and writing about the foreign perceptions of Brazil both as an academic and as a journalist. It all began in the early 2000s, writing articles for the Brazilian newspaper “Folha de São Paulo” about how the world was watching one of the waves of violence in the country. It has long been very common for all the national media to publish articles alluding to what was said about the country abroad. Brazilians often pay attention to the work of Brazilianists, academics studying the country with a foreign perspective, as well as to what the international media says about whatever is happening in Brazil and its ‘repercussions’ abroad. And I wrote a good share of articles like that not only for “Folha”, but also for “G1”, “Terra”, “Valor Econômico”, “BBC News Brazil”, “UOL” and many other outlets – and these foreign perspectives ended up becoming several other reports, two books, a masters and doctoral research, academic articles and this book.

 

In 2010, I travelled to the US and spent six months conducting interviews and developing independent research that would be published as the book “Brazil, um país do presente” (Brazíl, a country of the present). Based on over a hundred interviews conducted while living in New York and traveling to ten states, It surfed on the wave of optimism about Brazil and argued that the country “had arrived”. It didn’t take long for that to change, however, and by 2013 I was abroad again, living in London and doing a MA in Brazil in global perspectives at KCL and watching the positive images about the country crumble under a wave of protests, political and economic crisis. The dreamed “future” seemed to be far away once again.

 

But there was something in that oscillation that deserved more attention. It was clear that Brazil wanted to be seen as an important country in the world and valued seeing its reflection in the mirror of international opinion. One problem, though, was that there was not a consolidated image reflected. There were interpretations of the international media, there were anecdotal evidence from interviews, there were several different global surveys repeating stereotypes related to the country, but there was not a clear image that represented the reflection of Brazil. Especially when thinking about international relations and the actual role the country plays in the world.

 

This is part of what motivated the research presented in this book. I started my PhD trying to develop an understanding of Brazil's reflection in the mirror of international relations. I’ve tried to do so by conducting interviews with foreign experts from great powers of the world. These are the countries that decide the paths of global politics, this is the group that Brazil wants to be a part of, so it would be important to reveal their perceptions about the country. It would be a means to achieve the necessary self-distancing in order to think extrospectively about the country so that it would be possible for it to know itself better. 

 

And the study ended up going beyond that and developing an important understanding about what any state that have the same aspirations as Brazil can do in order to achieve international recognition for a high level of prestige. Based on the perceptions of elites from the top of the global hierarchy, it analyses the challenges to change the status quo and provides a typology about possible (albeit difficult) paths emerging countries can follow in order to attempt to gain recognition from the established great powers.

 

As in the fairytale, the reply from the mirror might not be what the person/country looking at it wants to hear. The reality of what is perceived from the outside can be frustrating. But in the real world, instead of going ‘wicked’ and trying to get rid of rivals as in ‘Snow White’, it is important to understand this feedback, learn from it, align the expectations and develop an actual strategy to work out how to improve the reality so that the reflection can be more suited to what one wants. 

 

This book offers an analysis that can help in this process and allow Brazil to learn about itself and how it is seen from the outside so that it can know its itself a little better and think about its identity, its place and its aspirations in the world. This may surely help the country show its face to the world and try to find the best place for itself in global relations. 

 

As the Rolling Stones would say: You can't always get what you want, But if you try sometimes you just might find, You just might find that you, You get what you need’[5].



[1] Caetano Veloso. 1978. “Sampa.”Track 7 on MuitoPhilips Records.

[2] Rogow, Zack. “Translating ‘Sampa’ by Caetano Veloso”. World Literature Today (blog), 2014. https://www.worldliteraturetoday.org/blog/translation/translating-sampa-caetano-veloso.

[3] Cazuza. 1988. "Brasil." Track 6 on Ideologia. Philips Records.

[4] Walt Disney’s Snow White and the seven dwarfs. 1st ed. Disney Princess. New York: Disney Press, 2005.

[5] The Rolling Stones. 1969. "You Can't Always Get What You Want." Track 9 on Let It Bleed. Decca.