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domingo, 13 de junho de 2010

Contra as divisões e o reducionismo

Algumas reflexões
Paulo Roberto de Almeida

O primeiro ato que ocorre a uma mente autoritária é a divisão: eu contra você; nós contra os que se nos opõem; pobres (forçosamente a maioria) contra os ricos (sempre uma minoria); negros (supostamente oprimidos) contra brancos (usualmente os opressores); estas nossas ideias e propostas, necessariamente melhores e sempre benéficas para o maior número, contra as ideias deles, perversas, nefastas à maioria, feitas em favor da minoria opressora. Este é o esquema, que infelizmente se reflete em uma variedade de formas, em diferentes épocas e situações, por vezes, inclusive, em circunstâncias da maior liberdade possível e com todas as garantias asseguradas de livre manifestação do pensamento, de organização e até de recusa, não violenta, da situação existente.
Pensemos um pouco, por exemplo, nos Estados Unidos, manifestamente o pais mais livre e democrático do mundo, com amplos direitos individuais até os limites mais absurdos que se possa pensar (entre eles a livre disposição de armas, que acaba por vezes redundando em tragédias terríveis, mas que as pessoas, mesmo vítimas ocasionais desse tipo de “liberdade”, se recusam a limitar). Aqueles, mal informados ou de má fé, que acham que os EUA são apenas aparentemente livres, pois que dominados pela “ditadura do capital” e pelo controle da “mídia” pelas grandes corporações capitalistas, podem parar de ler este texto por aqui, pois não escrevo para os já convencidos e os que preferem se enganar a si mesmos com esse tipo de besteirol maniqueísta. Eu me refiro aos EUA como nação absolutamente livre, na qual um indivíduo pode inclusive escolher “desaparecer” no mundo, escolher outra identidade, mudar de estado, de profissão, de vida, sem que ninguém venha obstar a essa sua decisão. Pois bem: mesmo assim, os americanos estão, pelo menos temporária e aparentemente, prisioneiros de um sistema político “ditatorialmente” bipartidário, no qual sabemos, por antecipação, que você terá um presidente ou democrata, ou republicano, praticamente sem nenhuma outra opção. Grandes corporações, mentes conservadoras, fundamentalistas religiosos e liberais econômicos geralmente escolhem ficar do lado dos republicanos – e, de fato, a grande maioria se registra para votar com os candidatos desse partido, por mais idiotas que estes possam ser – e os sindicalistas, os social-democratas econômicos, os “progressistas” e os partidários das “minorias oprimidas”, do direito ao aborto ou ao “free choice”, se reúnem sob a bandeira dos democratas e seus candidatos (por igualmente idiotas que estes possam ser). A despeito da imensa liberdade dos americanos, considero, pessoalmente, esse tipo de sistema viciado e deformado, pois em função de circunstâncias da vida política e um pouco por “trapaças da sorte”, se pode acabar tendo um presidente idiota que prejudica as pesquisas científicas por puro preconceito religioso, como de fato ocorreu ainda recentemente na vida daquele país.
Mas, isso não me preocupa muito, porque esses pequenos tropeços são amplamente compensados pela mentalidade mais livre, flexível e criativa que possa haver no mundo, e o país avança a despeito dos pequenos (alguns grandes) idiotas que ocupam temporariamente o poder. De resto, a imensa maioria da população ignora solenemente os idiotas e lobistas de Washington e vive em seu pequeno mundo democrático e totalmente livre, que é feito daquela democracia de aldeia que todos os países deveriam ter. Mas não há dúvida de que uma situação de bipolaridade estrita é muito ruim para uma democracia dinâmica; um sistema aberto às novas opções, totalmente competitivo no plano eleitoral pode até ser mais instável politicamente, mas não deixa de ser interessante no plano das escolhas eleitorais. Mas, não estou falando desse tipo de país, representado pelos EUA, e sim daqueles que são confrontados a divisões artificiais e a escolhas maniqueístas.
Estou falando da ditadura do pensamento e, sobretudo, da ditadura real, que infelizmente acomete muitos países ao redor do Brasil, quanto também não atinge o Brasil, direta ou indiretamente. A ditadura do pensamento é aquela que pretende que uns são ricos porque muitos são pobres, ou seja, que os ricos só ficaram ricos porque puderam explorar impunemente o povinho miúdo e inocente; essa mesma ditadura de pensamento pretende, então, que a situação vai melhorar se o Estado tirar um pouco (acaba sendo muito, quando o Estado tem meios poderosos, como sabemos) dos ricos para “redistribuir” entre os pobres, para remediar sua situação ou melhorar de modo significativo a vida destes. A ditadura do pensamento é aquela que ensina que as “minorias” étnicas foram perseguidas pelas elites dominantes, e que por isso têm direito a “políticas compensatórias” para reparar o mal de que foram objeto ao longo da história (mesmo se as gerações presentes não são absolutamente responsáveis pelo que ocorreu séculos atrás).
Existem, obviamente, situações ainda piores, quando o país inteiro é dividido pelo ódio político e classista, como ocorre muito perto do Brasil, onde ditadores de opereta, caudilhos histriônicos jogam uma maioria desinformada, e insuflada por discursos enganosamente redentores, contra as elites, a burguesia e o patronato de modo geral. Mais do que a carência material, a escassez do abastecimento, a penúria desorganizada e a anarquia econômica de modo geral, o que esses líderes autoritários mais criam, acima de tudo, é a divisão terrível entre os cidadãos, manipulando de modo vil as agruras das massas socialmente desfavorecidas e atribuindo a responsabilidade pela sua situação ao punhado de ricos escolhidos como representantes dos “culpados” pela miséria geral da população.
Políticas divisivas ou “divisionistas”, situações plebiscitárias, maniqueísmos redentores, situações bipolarizadas são o que de pior pode haver para a educação política dos cidadãos. E no entanto é sobre essas divisões que os ditadores e os candidatos a tal insistem, como forma de excitar o máximo possível as frustrações e agruras do “popolo minuto” contra o “popolo grosso”, como se referia Maquiavel às divisões entre a aristocracia e a burguesia, de um lado, e a plebe, do outro, nas cidades italianas da Renascença. Ditadores e líderes autoritários sempre exploram esses sentimentos da massa para, através da demagogia e do populismo, comprarem a adesão de grande parte da massa urbana a seus intentos autoritários.

Mas as mesmas práticas divisionistas podem existir também em outras esferas que não apenas a política eleitoral. Quando se proclama, por exemplo, que “o sul é o nosso norte”, se está querendo expressamente dizer que rejeitamos o mundo do norte – ou seja, dos países ricos e desenvolvidos – para ficar exclusivamente do lado dos pobres, ou países em desenvolvimento, no que é um reducionismo dos mais absurdos. Qualquer política “sul-sul” excludente é estúpida por natureza, sempre quando a cooperação, a assistência e os intercâmbios se fazem exclusivamente ou mesmo essencialmente nessa direção. Se somos estadistas, dirigentes, reitores de universidade, líderes políticos, planejadores governamentais, enfim, qualquer coisa que tenha a ver com processos decisórios orientados para o progresso material, para os avanços tecnológicos, para o desenvolvimento científico de nosso país, o mais lógico, o mais natural e até mesmo o mais necessário que ocorra seria que orientássemos todas as nossas ações a buscar o que de mais avançado possa haver nessas áreas, ou seja, vamos cooperar, intercambiar, interagir com quem está à nossa frente, não com quem está atrás da gente. Como o Brasil está à frente de outros países em desenvolvimento em vários terrenos, devemos considerar a cooperação sempre em direção de países mais avançados do que o nosso. Se formos olhar para trás, será para prestar assistência, podendo até haver algum benefício disso sob a forma de venda de produtos e serviços brasileiros a esses países (ou seja, o que sempre fizeram os países que nos prestaram assistência, durante a fase em que o Brasil era basicamente receptor de ajuda internacional e acolhedor de tecnologias mais avançadas).
Políticas com apenas uma direção, seja qual for, costumam ser reducionistas e auto-excludentes, sempre prejudiciais ao desenvolvimento do Brasil. Se for no terreno da política eleitoral, a mensagem é ainda mais negativa, pois o que se pretende é unir o país, não dividi-lo em categorias estanques. Essas divisões costumam ocorrer em pessoas de mente estreita, que concebem a política, e a própria economia, como um jogo de soma zero, no qual um tem de ganhar tudo, à condição que o outro perca. Não pode haver nada pior para o futuro de uma nação.

Nanjing, 13 de junho de 2010.

Um comentário:

Vinícius Portella disse...

Paulo,

Gostei de teu texto. Eu precisaria de mais tempo para refletir sobre a parte tangente aos EUA, mas posso, com segurança, afirmar que o começo é magistral. Concordo em muito contigo. Penso, assim como tu, que a questão não seja cegar-se aos conflitos existentes na sociedade, mas de não fazer com que eles nos impeçam de um olhar mais ilustrado sobre os nossos problemas. Tais particularismos redutores, no campo político, penso que solapem qualquer ideia maior de nação e de comprometimento com sua prosperidade. Aqui não me quero fazer porta-voz dos moralismos ocos ou dos nacionalismos igualmente vazios, mas da ilustração que se debruça sobre determinado objeto. Desejo-me um cosmopolita e vejo, como pesar, nosso ambiente intelectual adverso ao surgimento de pessoas orientadas a um pensamento maior.

Um forte abraço,