sábado, 22 de agosto de 2009

1304) Amigos, amigos, negócios à parte (nem tanto assim, com a Argentina)

Parece que, a despeito do bom tratamento que o Brasil concede à Argentina, seus responsáveis em política comercial não se pejam de impor restrições de todo tipo aos produtos brasileiros.

Argentina é o parceiro comercial que mais questiona produtos brasileiros
Eliane Oliveira
O Globo, 22.08.2009

Um levantamento realizado pelo Ministério do Desenvolvimento mostra que os argentinos são mais agressivos do que qualquer país do mundo quando decidem proteger suas indústrias da concorrência brasileira.

Desde o ano passado, a Argentina abriu oito processos contra o Brasil, ante sete processos instaurados por todos os demais países com os quais temos relação comercial, entre os quais Índia, Paquistão e os que formam a União Europeia.

As ofensivas deixam claro que os vizinhos não se encantam com o comportamento diplomático brasileiro nas disputas comerciais ou com medidas como o “cheque especial? de R$ 3,5 bilhões que o Brasil pôs à disposição esta semana para reforçar as reservas internacionais argentinas.

A maior parte dos processos abertos pela Argentina tem a alegação de dumping — preços abaixo do custo de produção para vencer a concorrência no país de destino. São alvos de sobretaxas aparelhos sanitários cerâmicos, tecidos de poliéster, pneus de bicicleta, entre outros.

O governo brasileiro já foi informado que serão abertos outros dois processos, cujos produtos não podem ser revelados até a publicação dos atos.

Brasil só abriu dois processos contra a Argentina Contra os argentinos, as autoridades brasileiras só abriram duas investigações no mesmo período: resina pet (usada no engarrafamento de bebidas) e fosfato monocálssico.

— Que parceria é esta? — questiona uma alta fonte do governo brasileiro, mostrando que há discordância em parte da Esplanada em relação à posição do Itamaraty, de insistência no diálogo.

Junto com a aplicação de licenças não-automáticas a produtos brasileiros, esses processos são levados em conta, dentro do governo, quando surgem pressões por medidas mais rigorosas em resposta ao protecionismo argentino. Entre as possibilidades em estudo está a adoção de licenças não-automáticas para produtos importados da Argentina e uma ação contra o sócio do Mercosul na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Há poucos dias, empresários brasileiros denunciaram uma nova prática: produtos que precisam de inspeção técnica, como eletrodomésticos da linha branca (fogões, geladeiras e máquinas de lavar) e pneus, levam mais tempo para serem liberados nas aduanas do que o normal. Exportadores do Brasil também se queixam do fato de as importações chinesas estarem ganhando mercado das brasileiras.

— As coisas continuam difíceis com a Argentina. Concorremos diretamente com produtos chineses naquele país, que faz parte do Mercosul, o que não dá para entender — lamentou o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções (Abit), Aguinaldo Diniz.

De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, os diversos tipos de barreiras aplicadas pela Argentina à entrada de produtos brasileiros abrangem 14% das exportações para os vizinhos.

Levando em conta que o total vendido àquele país em 2008 chegou a US$ 17,605 bilhões, a perda anual estimada é de quase US$ 2,5 bilhões.

Empresários queixam-se de preferência a chineses Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados) e a Associação Brasileira da Indústria Moveleira (Abimóvel), no caso dos acordos setoriais, em que empresários brasileiros se comprometeram a reduzir voluntariamente suas exportações ao mercado argentino, as autoridades do país vizinho, finalmente, estão normalizando o processo de liberação das mercadorias.

— As coisas melhoraram, graças à pressão do governo e dos empresários, mas os argentinos continuam importando da China — disse Liteo Custódio, diretor da Abimóvel.

Em junho último, o setor calçadista brasileiro se comprometeu a reduzir suas exportações para a Argentina a 15 milhões de pares, uma queda de 17%. Os fabricantes brasileiros de freios para automóveis diminuirão suas vendas, este ano, em 37%, abaixo dos US$ 15 milhões comercializados em 2008. Já as indústrias moveleiras aceitaram cortar suas exportações em nada menos do que 65%.

Dados extraoficiais mostram que, de janeiro a maio deste ano, a participação de sapatos chineses no mercado argentino subiu a 39%, ante 29% no mesmo período de 2008, enquanto a participação do produto brasileiro caiu de 57% para 45%. Os chineses se beneficiaram com 60% das licenças de importação de móveis, enquanto coube aos brasileiros 30.

2 comentários:

  1. Sei que é uma pergunta pouco cabível, mas, prof.Paulo, há unanimidade em relação a política brasileira quanto à Argentina no Itamaraty?
    Não creio que a sociedade brasileira, incluindo eu, compreenda tantas beneces, a não ser que haja algum grande plano futuro que compense estas atitudes...

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  2. Meu caro Anônimo,
    Sinceramente nao sei dizer se existe ou não, consenso (unanimidade provavelmente não) no Itamaraty, quanto ao tratamento a ser dado à Argentina. O Itamaraty normalmente faz uma avaliação técnica dos compromissos externos do Brasil e com base numa análise isenta, técnica, fundamentada no direito, decide recomendar esta ou aquela atitude em relação à política bilateral. Se o chanceler ou o presidente acatam essas sugestdões é outra questão, pois eles fazem uma análise fundamentalmente política do problema, podendo ou não respeitar o conselho técnico do Itamaraty, que atua, em princípio, de modo consoante aos interesses nacionais e com base numa leitura rigorosa dos tratados e obrigações internacionais.
    Se as benesses são dadas em troca de uma suposta compensação futura é difícil dizer, pois este é um julgamento impressionista, que pode ou não se concretizar na prática. Acho que ninguém pode prever os resultados futuros.
    Uma coisa é certa: quanto mais você oferece como vantagem e derroga certas obrigações jurídicas para fazer algum benefício a alguém, mais o beneficiado vai se sentir no direito de exigir mais de você, e pretender não cumprir suas obrigações, que a rigor são recíprocas (todo tratado bilateral é, em princípio, igualitário, a não ser que expressamente assimétrico).
    Tenho dúvidas de que esta seja a melhor política.

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