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domingo, 18 de abril de 2010
2035) Advocacia diplomatica: pagando, fazemos qualquer servico...
As relações Brasil- Irã estão chegando ao ponto G, de ótimo, obviamente...
O advogado de Ahmadinejad
Editorial
O Estado de São Paulo, 18.04.2010
Se cobrasse honorários por desempenho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia apresentar uma alentada fatura ao seu homólogo iraniano Mahmoud Ahmadinejad pelos extenuantes serviços de advocacia que lhe prestou nos últimos dias. Desacreditando a própria versão oficial de que a intenção do governo brasileiro era mediar o conflito sobre o programa nuclear do Irã, Lula se comportou como patrono de Teerã nas suas reuniões bilaterais com os líderes estrangeiros vindos a Brasília para dois encontros de cúpula: o do Ibas (Índia, Brasil e África do Sul) e o do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China).
O chinês Hu Jintao, o indiano Manmohan Singh, o russo Dmitri Medvedev e o sul-africano Jacob Zuma ouviram dele o que ouviriam de Ahmadinejad: que a adoção, pelo Conselho de Segurança (CS) da ONU, de uma nova rodada de sanções contra o Irã, buscada pelos Estados Unidos e a União Europeia, seria inútil ou contraproducente, e que o diálogo é a única via para o país prosseguir com o programa nuclear a que tem direito e a comunidade internacional se convencer dos seus fins pacíficos. Na véspera, de volta da Cúpula de Segurança Nuclear, em Washington, Lula já havia criticado abertamente o presidente Obama.
“O que acho grave é que ele até agora não conversou com o Irã”, acusou. Na realidade, o sexteto formado pelos EUA, Alemanha, Grã-Bretanha, França, Rússia e China vinha conversando intermitentemente com a República Islâmica, sem resultados. Lula, que visitará Teerã daqui a um mês, temperou a sua defesa da posição iraniana com o reparo de que o país “tem de ser mais transparente para mostrar que a finalidade de seu programa é pacífica”. Pelo visto, ele acredita nas intenções declaradas do Irã: o problema estaria apenas na sua opacidade. Como se isso não fosse indício veemente de seus planos para, no mínimo, chegar ao limiar da produção da bomba.
Lula tem afirmado que em 2003 o mundo foi induzido a crer que o Iraque tinha armas de destruição em massa - e que isso não pode se repetir com o Irã. O fato é que Saddam agia como se as tivesse, ao passo que Ahmadinejad age como se não quisesse tê-las. Lula também anunciou que falará “olho no olho” com Ahmadinejad “e, se ele disser que vai construir (a bomba), vai arcar com as consequências do seu gesto”. Só mesmo a sideral soberba do presidente para levá-lo a imaginar que o seu anfitrião poderá se confessar com ele. Saindo do terreno da galhofa, o que o Brasil propõe é ressuscitar as negociações sobre a troca de urânio iraniano enriquecido a 3% pelo equivalente russo e francês de 20% de teor, para a produção de isótopos de uso medicinal.
A ideia, discutida em outubro passado na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), visava a reduzir os estoques iranianos de material passível de enriquecimento a 90%, necessário para a bomba. A tentativa de testar a boa-fé do Irã gorou quando Ahmadinejad exigiu que a troca fosse simultânea, o que a tornaria inócua para o objetivo desejado.
Foi a gota d’água para os Estados Unidos passarem a dar prioridade às sanções. Assim como as 3 anteriores, desde 2006, elas resultam das trapaças do Irã com a AIEA, sonegando informações requeridas e ocultando instalações e equipamentos sensíveis.
O retrospecto, é bem verdade, indica que as punições de nada serviram - ou porque saíram aguadas do Conselho de Segurança, sobretudo por obra da China, ou porque foram desrespeitadas até por empresas americanas. É incerto o efeito das próximas, se e quando forem aprovadas. Se forem robustas e receberem maciço apoio internacional, talvez levem os iranianos de volta à mesa, para uma negociação que poderia ser muito mais abrangente, como propõem especialistas em Oriente Médio e diplomatas - desde que o Irã deixe de pregar a destruição de Israel. A questão-chave é a posição da China, que mantém as suas cartas perto demais do peito para permitir prognósticos seguros do seu jogo.
Pequim reluta em punir o Irã que lhe vende 12% do seu petróleo e gás. Mas teria concordado em ao menos discutir as sanções com os outros membros do CS. Eis uma atitude mais madura - ou mais esperta - do que a do Brasil, advogando para Teerã.
Um comentário:
Caro
Relembrando, a ratificação do TNP aprovada no Senado em 1998 teve os votos favoráveis do PT. Em reunião da ESG em 2002, Lula afirmou a inflexão ao fazer publicamente seu primeiro ataque ao TNP. Hoje, a inflexão de 2002 firmou-se como doutrina de governo. E isso é grave.
Rememorando o que disseram alguns militares da reserva, todos vinculados ao golpe de 64 e à ditadura e contrários ao TNP, sobre a ratificação do TNP pelos “vira-latas” de 1998. Antes, algumas declarações mais recentes.
“Nós temos de ter no Brasil a possibilidade futura de, se o Estado assim entender, desenvolver um artefato nuclear. Não podemos ficar alheios à realidade do mundo.” (general de Exército José Benedito de Barros Moreira. ESP, 16/11/2007)
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/general-defende-que-brasil-tenha-bomba-atomica/
Em um artigo de 2004, o Vice-Almirante da Reserva Othon L.P. da Silva expressou com todas as letras a crítica que é comum no núcleo Stangelove (personagem de um filme de Kubrick):
“No governo Fernando Henrique, contrariando décadas de coerência em política externa, o Brasil aceitou ratificar o TNP - Tratado de Não Proliferação nuclear.”
http://ecen.com/eee44/eee44p/inpecoes_nucleares_othon.htm
Compare-se a crítica acima com o que os contrariados disseram em 1998, em reportagem da FSP de 10/06/1998:
Os militares da ativa não falam por saber que estariam confrontando a política oficial do governo. Os da reserva falam e não têm dúvida: o Brasil comete um erro ao ratificar o TNP (Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares). [...]
"A ratificação desse acordo é o golpe de misericórdia na possibilidade de o Brasil liderar uma proposta que trate de forma igual todos os arsenais nucleares", disse o brigadeiro Ivan Frota.
"Dá para ver que a assinatura do TNP é uma papagaiada. E o mais grave é que o tratado quebra a tradição de um país jamais aceitar em acordos internacionais cláusulas discriminatórias", Bernardino Pontes, ex-comandante da Marinha
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft10069802.htm
Em 2002, Lula anuncia a inflexão ao atacar o TNP. O que declarou em 2002 constitui hoje uma doutrina governamental. Isto é, o atual governo é hoje sem dúvida nenhuma um aliado estratégico dos antigos bombistas. É preciso levar a sério a recusa do governo do brasileiro em assinar o Protocolo do TNP. As metáforas de 2002 reativadas por Lula em 2010 expressam indiscutivelmente posição favorável do atual governo à pesquisa nuclear para fins bélicos.
Em 13/09/2002, o candidato Lula criticou a ratificação do TNP. Há quem diga que foi só bravataria, retórica eleitoral oportunista. É? Quantos mil milhares (10.000.000 ?) de votos renderia agradar essa distinta plateia? Sendo bonzinho, talvez uns 20.0000 ou, exagerando, uns 100.0000 votos, se tanto.
Cito abaixo reportagem da FSP, de 14/09/2002. Nessas declarações de Lula, a origem das retóricas do estilingue e da “falta de moral”, reativadas agora por Lula et caterva. Em reunião organizada pela ESG com 160 militares da ativa, ex-ministros e militares da reserva:
"Só teria sentido esse tratado se todos os países que já detêm [armas nucleares" abrissem mão das suas. Ora, por que um cidadão pede para eu me desarmar, para ficar com um estilingue, enquanto ele fica com um canhão para cima de mim? Qual a vantagem que levo? O Brasil só vai ser respeitado no mundo quando for forte econômica, tecnológica e militarmente" [...] Por que só os países em desenvolvimento têm de ficar com um estilingue?". [Lula]
"Disse exatamente o que eu esperava. Foi claro nas propostas" [Leônidas P. Gonçalves].
Seis ex-ministros do regime militar participaram do encontro: Aureliano Chaves (Minas e Energia e vice-presidente de 1979 a 1985), Alfredo Karam (Marinha), Carlos Tinoco (Exército), Leônidas Pires Gonçalves (Exército), Ivan Mendes (Serviço Nacional de Informações) e Gibson Barbosa (Relações Exteriores).
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1409200212.htm
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