quinta-feira, 27 de maio de 2010

Brasil: rumo ao desenvolvimento?

Uma visão talvez otimista demais sobre o futuro do Brasil, compativel, provavelmente, com o cenário conjuntural quando a matéria foi elaborada, três meses atras. Desde então, o cenário macroeconômico se deteriorou um bocado em todo o mundo...
Paulo Roberto de Almeida

A década de ouro
Milton Gamez, Hugo Cilo e Denize Bacoccina
Istoé Dinheiro, 26.02.2010

Como e por que a economia brasileira irá crescer a um ritmo de 5% ao ano até 2020, num cenário inédito de desenvolvimento que somará US$ 1 trilhão à riqueza do País e mudará definitivamente a vida de consumidores e empresas

Oito anos atrás, o executivo brasileiro Fernando Lewis, diretor da gigante de computadores HP, fez as malas e mudou-se com a família para Miami, nos Estados Unidos. A missão: comandar os negócios da companhia na América Latina e representar o continente nas salas de reunião da empresa. "Era muito difícil vender o Brasil lá fora. Só abríamos portas a fórceps", diz Lewis. O cenário se inverteu. Hoje, ele está de volta a São Paulo por determinação da matriz e comanda um dos mercados prioritários para a HP no mundo. Não por acaso: nos últimos seis anos, o Brasil liderou absoluto o ranking de crescimento de vendas de computadores e acessórios de informática da companhia em mais de 150 países. "O Brasil surpreendeu a direção da HP até mais do que a China. A recuperação do mercado chinês não é surpresa. A nossa, sim", completa Lewis, sorrindo.

"Antes, quando reivindicávamos uma fatia maior dos investimentos globais, parecia até que eu fazia uma piada", relembra o executivo.

A HP de Lewis está começando a surfar naquela que pode ser a década de ouro da economia brasileira. Sustentado por uma inédita estabilidade política e econômica e uma feliz coincidência de eventos, o País deverá crescer anualmente, segundo cálculos do economista Octavio de Barros, cerca de 5% nos próximos dez anos. Esse salto espetacular significará um acréscimo de US$ 1 trilhão à riqueza nacional. É esse cenário que transforma a piada citada por Lewis em coisa do passado, embora não fosse injusta anos atrás. A imprevisibilidade era tanta que o "milagre econômico" nos anos 70 deu lugar à "década perdida" nos 80. Nos anos 90, veio a conquista da estabilidade econômica e tudo mudou. Pela primeira vez na história, o Brasil vive ao mesmo tempo um ambiente de democracia, crescimento econômico e inflação baixa. A força de trabalho irá superar, em número, a população que não gera renda. Se a última década foi marcada pela crise global e pela consolidação do Brasil como um porto seguro para investimentos, o que será da próxima? Não é exagero dizer que, até 2020, o País viverá uma década de ouro, rumo ao tão sonhado status de país desenvolvido. Esse cenário já está no radar de empresas como HP, Intel, Petrobras, Cyrela, JBS, BMW, Anhanguera Educacional, Bradesco e Itaú Unibanco - só para citar algumas - e certamente terá grande impacto na vida de todos os brasileiros e estrangeiros que vivem aqui.

Analistas de mercado, economistas e empresários ouvidos pela DINHEIRO são unânimes na tese de que o País tem tudo para trilhar um inédito caminho de crescimento estável e pujante nos próximos dez anos. As portas estão abertas para o País se tornar a quinta maior economia do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, da China, do Japão e da Índia. A viagem pode sofrer solavancos vindos do Exterior, como aconteceu nos últimos dois anos, mas a passagem para o futuro G5 está comprada.

Fatores como as descobertas do petróleo na camada pré-sal, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 aumentam a visibilidade do Brasil e reforçam perspectivas otimistas de fortalecimento do mercado interno, aumento da renda per capita e progressiva diminuição das desigualdades sociais. Com isso, a taxa de crescimento do PIB na década de ouro pode chegar perto de 5% ao ano, em média, acentuando a revolução na vida dos brasileiros em proporções semelhantes à vivida nas décadas de 50 e 60, nos anos JK. Os maiores bancos privados do País já fizeram as contas e preparam- se para surfar essa nova onda de crescimento sustentado, oferecendo crédito e serviços financeiros.

Nas previsões do Itaú Unibanco, o PIB deve aumentar 4,97% em média até 2020, começando em 6% em 2010 e chegando a 4,7% no final da década (veja quadro). Se a taxa ficar em 4,8%, como prevê o Bradesco, será a maior expansão desde os anos 1970, quando a economia rodava a 8,8%. Previsões econômicas podem dar errado (e dão), mas há motivos de sobra para otimismo. "Temos um ambiente global favorável, que não precisa ser equivalente ao dos anos dourados da economia mundial, entre 2004 e 2007, quando o mundo cresceu 5% ao ano. Agora teremos uma excelente taxa de crescimento com democracia e amadurecimento institucional", disse à DINHEIRO o economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros.

Se as expectativas das instituições financeiras se confirmarem, o PIB brasileiro passará de US$ 1,5 trilhão para US$ 2,5 trilhões até o final da década, em números atuais. Essa geração de riqueza adicional aproximará o Brasil dos padrões internacionais de desenvolvimento. No cenário traçado por Octavio de Barros, coautor do livro Brasil pós-crise - Agenda para a próxima década (Ed. Campus), isso implica melhor infraestrutura, juros reais menores, autonomia formal do Banco Central, sistema tributário mais simplificado e controle rigoroso do aumento dos gastos públicos. A década de ouro irá aumentar ainda mais a classe média, aprofundando a migração social de 32 milhões de pessoas nos últimos anos e fornecerá ao mundo parte do consumo antes concentrado nos Estados Unidos.

O Brasil, maior exportador mundial de café, açúcar, frango, carne e suco de laranja e um dos maiores vendedores de soja e minérios, pode virar também um gigante do petróleo, mas o que as empresas globais estão cobiçando é o provável mercado de 200 milhões de habitantes com alto poder de consumo. "Nos próximos anos teremos um bônus demográfico com a chegada à idade adulta de 100 milhões de novos consumidores. Com isso, o Brasil vai dar um salto", prevê o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi. A migração social aprofunda os impactos desse fenômeno. Agora, mais da metade da população é de classe média e a miséria deixará de existir em 2016, segundo as previsões do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgadas na terça-feira 12. A taxa de pobreza cairá de 28,8% da população, em 2008, para um percentual de 4%, semelhante ao de países como Itália e Espanha. "A emersão das classes historicamente menos favorecidas mudará completamente a fisionomia econômica do Brasil", destaca Marcio Pochmann, presidente do Ipea.

O brasileiro não somente vai comer mais e melhor como também entrará nas lojas com dinheiro no bolso e fome de consumo. Impulsionado pela equação emprego e crédito, terá a chance de comprar uma roupa nova, planejar a aquisição de um automóvel, fazer uma viagem de férias ou adquirir um computador. O Brasil se tornará nos próximos meses o terceiro maior mercado mundial de computadores e a Intel, gigante que detém 80% do mercado local de semicondutores, quer aproveitar essa onda. "Desenvolvimento econômico demanda tecnologia. O País se tornou a menina bonita do baile e tem um ambiente que seduz investimentos", disse à DINHEIRO o presidente da Intel, Oscar Clarke. Quem sabe agora surgirá a primeira fábrica local de semicondutores. "No passado, não havia qualquer possibilidade de construirmos uma fábrica aqui. Essa questão tem sido considerada frequentemente pela companhia para os próximos anos", garante Clarke.

Mais acesso a computadores se traduz em mais informação, educação e conhecimento. É nessa fórmula que as universidades brasileiras se ancoram para planejar o futuro. O Grupo Anhanguera Educacional pretende dobrar de tamanho em cinco anos. Em número de unidades, saltará de 56 para 115 e, em quantidade de alunos, passará dos atuais 250 mil para pouco mais de 1 milhão.

Para Ricardo Scavazza, vice-presidente de Operações e Relações com Investidores da empresa, a expectativa é ousada, porém realista. No final da década de 90, apenas 11% da população brasileira cursava ensino superior. Nos dias de hoje, embora esteja acima de 20%, ainda está longe do razoável. "Tinha de ser 30%, no mínimo", garante Scavazza. "Nenhum país do continente está abaixo de 30%. Na Argentina e no Chile, são mais de 40%. Por isso, estamos eufóricos com o potencial de crescimento", acrescenta.

A euforia procede. Aumentar a qualificação profissional da mão de obra é um dos maiores desafios ao crescimento do Brasil nesta década. Em algumas atividades já há pleno emprego: sobram vagas, faltam profissionais. É a realidade de profissões das áreas de contabilidade, tecnologia e química. O País tem apenas seis engenheiros para cada mil habitantes. Na China e na Índia, essa proporção é de 22 para cada mil. "É o que explica o salto da remuneração dos engenheiros. Em cinco anos, multiplicou por quatro", completa Scavazza. A educação executiva já virou um negócio milionário por aqui. "As empresas brasileiras precisam ter competitividade global", afirmou à DINHEIRO o professor de negócios internacionais da Suffolk University, Richard Torrisi, dos Estados Unidos, que veio ao País na semana passada para falar aos alunos da Business School São Paulo.

Se as perspectivas são boas para a indústria do conhecimento, melhor ainda é para o setor de consumo e alimentos. Não foi à toa que o Pão de Açúcar comprou as redes Ponto Frio e Casas Bahia no ano passado e o grupo Global Emerging Markets investirá R$ 120 mlhões na Parmalat, conforme anúncio na sexta 15. A Walmart definiu um agressivo plano de investimentos para os próximos anos. "O Brasil será um dos locais mais interessantes do mundo para viver e fazer negócios", diz o cubano Héctor Nuñes, presidente do Walmart Brasil. Neste ano, a rede varejista investirá R$ 2,2 bilhões no País, o maior aporte desde a chegada da empresa, há 14 anos.

A opinião de Nuñes é compartilhada pelo diretor da marca Mini - pertencente ao grupo BMW ?, Martin Fritsches. "O Brasil está prestes a viver uma fase de estabilidade e de inserção internacional que favorecem a divulgação da "marca Brasil", aposta o executivo. O selo product of Brazil está cada vez mais valioso e precisa ser melhor divulgado, opina Marcus Vinícius Pratini de Moraes, presidente do comitê de estratégia do frigorífico JBS, o maior do mundo, com operações em 25 países. "Temos que aproveitar a Copa e a Olimpíada para vender melhor o Brasil", defende ele.

Para consolidar o crescimento sustentado e convencer o mundo de que mudou para melhor, o Brasil precisará vencer velhos obstáculos. Novos avanços terão de ser conquistados em diversas áreas, como infraestrutura e educação (veja quadro Dez passos para o desenvolvimento).

Se vencer seus fantasmas, parte dessa vitória passará pelo setor da construção civil. O segmento tem sido uma locomotiva da economia e desponta como peça-chave no futuro. A Construtora Cyrela sabe disso. Nos próximos 24 meses, investirá R$ 1 bilhão para dobrar de tamanho. "Temos convicção no crescimento do País", diz o diretor Luis Largman.

As empresas estatais também se preparam para essa arrancada. A Petrobras se programou para dobrar a produção nos próximos dez anos, dos atuais 2,5 milhões de barris equivalentes/ dia para 5,7 milhões ao dia em 2020. O consumo deve passar de 2 milhões de barris por dia para 2,8 milhões de barris. "Estamos preparados para atender se o Brasil crescer a 5%", disse à DINHEIRO o diretor financeiro da Petrobras, Almir Barbassa. Nos próximos cinco anos, serão inauguradas cinco novas refinarias. São passos como esses que farão o Brasil viver a década de ouro. O futuro já começou.

Dez passos para o desenvolvimento
Onde o Brasil precisa avançar para garantir o crescimento sustentado na próxima década

1 - Infraestrutura de transportes
Investimentos em estradas, ferrovias, portos e aeroportos são necessários. A Abdib prevê investimentos de R$ 160 bilhões até 2015, dos quais R$ 24 bilhões em transportes. O Programa de Aceleração do Crescimento prevê gastos de R$ 502,2 bilhões depois de 2010. O orçamento, desde 2007, é de R$ 1,14 trilhão.
2 - Energia
O País precisa garantir a energia suficiente para suprir o crescimento. O consumo de energia elétrica subirá 50% até 2020. A Petrobras estima que o consumo de gás vai triplicar e o de petróleo vai subir 40% até 2020. Para o pré-sal estão previstos US$ 111,4 bilhões.
3 - Educação
Melhorar a educação é essencial para formar a mão de obra qualificada de que as empresas precisam e preencher os novos empregos que serão criados. A proporção da população com curso superior é de apenas 10%, segundo pesquisa da OCDE, o pior índice em 36 países. O analfabetismo atinge 9,2%.
4 - Gastos públicos
Aumentar a qualidade e reduzir os gastos públicos é essencial. A reforma da Previdência é um dos desafios. Recursos devem ser usados na melhora da infraestrutura. O governo gasta 20% do PIB no custeio da máquina. Quanto mais economizar, mais os juros podem cair.
5 - Exportação
Reduzir os custos de produção e promover os produtos brasileiros são essenciais para a competitividade. O Brasil representa 1,3% do comércio mundial: US$ 152,9 bilhões. A China, que em 2009 passou a Alemanha e tornouse o maior exportador do mundo, vendeu R$ 1,2 trilhão ao exterior, mais de 9% do total.
6 - Reforma tributária
Redução da carga tributária e racionalização do sistema de impostos é essencial para estimular as empresas. Em 2009, a carga tributária ficou em 36% do PIB, com redução de um ponto percentual em relação ao ano anterior por causa das desonerações, mas ainda é superior a outros países.
7 - Inclusão social
Para criar novos consumidores e investidores, é preciso reduzir ainda mais as desigualdades de renda, investir em saneamento e infraestrutura. Nos últimos anos, 20 milhões de brasileiros ascenderam à classe média, mas 16,2% ainda estão abaixo da linha da pobreza.
8 - Ciência e tecnologia
Desenvolver tecnologias e aumentar a utilização das tecnologias conhecidas é fundamental para garantir o crescimento. Formar engenheiros e ampliar o ensino pode resultar em mais pesquisa. País teve só 4 mil de 946 mil patentes na ONU em 2006.
9 - Bancarização
Garantir o acesso de novas pessoas ao sistema financeiro é importante para crescer os mercados de crédito e consumo. O Bradesco estima que 100 milhões de brasileiros abrirão conta bancária nos próximos 15 anos. O crédito imobiliário deve triplicar, para 11,7% do PIB em 2020.
10 - Reforma política
Reformar as instituições democráticas e reduzir a corrupção é vital para diminuir o custo-Brasil. Modificar o sistema de votação, com a introdução do voto distrital, pode aproximar o político do eleitor e facilitar a cobrança. Partidos precisam ser fortalecidos.

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